As Crônicas dos Amaldiçoados, Caimitas escrita por Elias Pereira


Capítulo 13
Março de 1878 parte 3




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Inglaterra, Londres, março de 1878

Alguns sons surgem do nada no ambiente e acordo assustado. Eu ouvia vozes, cavalos galopando, risadas, gritos, choros, sussurros, gemidos, mas, eu estava em um quarto fechado, no mesmo quarto que acordei da última vez.

Passos surgem do lado de fora, sinto um cheiro estranho, parecia canela. A porta abre, o som das dobradiças era tão alto que eu me encolhi na cama.

—Finalmente acordou! – Caim entra e caminha para perto de mim. Ele me observava sorrindo.

—Achou que estou enlouquecendo... – Eu tentava tapar os ouvidos, mas os sons não paravam. – Ouço vozes.

—Concentre-se em seu coração batendo, acalme-se.

Fecho os olhos e tento me concentrar. Ouço minhas batidas, pareciam tambores dentro do quarto. Respiro lentamente até que minha audição estabiliza e os ruídos param.

—Você terá que aprender a controlar isso! – Ele caminha até uma mesa em um canto e volta com um espelho. – Veja você mesmo!

Pego o espelho em sua mão e olho meu reflexo. Meus olhos estavam amarelos, minha pele estava mais lisa, com certo brilho. Abro a boca e presas retrateis saem como presas de serpentes. Até meus dentes ficaram mais brancos.

Olho minhas mãos, meus dedos ficaram um pouco mais longos, minhas unhas se tornaram garras fortes e afiadas, eu poderia cortar a garganta de um homem sem usar força.

—Que cheiro é esse? – Falo para Caim e me assusto com a tonalidade de minha voz. – Parece canela.

—Eu estava na dispensa mexendo em umas coisas. – Caim começa a caminhar para fora do quarto. – Siga-me!

Levanto da cama e ando seguindo-o. Observo vampiros passando de um lado para o outro, eles evitavam olhar nos olhos de Caim, ou nos meus. Sigo atentamente, observo a movimentação na casa, os cheiros que não senti antes da transformação, os sons.

—O que são esses sons distantes? – Pergunto a Caim.

—Sua audição agora está algumas vezes mais forte. – Um vampiro se aproxima dele e entrega alguns papéis.

—Quantas vezes? – Pergunto observando o que estava escrito, não conseguia ver direito.

—Não sei exatamente. – Ele entrega os papéis e acena a cabeça afirmativamente para o homem que se retira em seguida. – Se você se concentrar, pode ouvir as batidas do coração de um pássaro a mais de cem metros de você.

Fico surpreso e espantado com aquilo. Continuo seguindo até que chegamos à uma porta de madeira.

—Vamos descer! – Caim fala girando a maçaneta.

Olho para o local, estava banhado em uma escuridão imensa. Caim desce assim mesmo, desço então atrás dele. Quase instantaneamente meus olhos se ajustam e consigo enxergar, não era claro como o dia, mas a escuridão se tornou apenas uma penumbra.

—Consigo enxergar... – Falo sorridente.

—Sim! – Caim fala seriamente e para na frente de um alçapão. – Os vampiros, exceto eu, utilizam esta passagem para ter acesso ao subsolo da cidade e caminhar sem ter contato com a luz do sol.

—Por que somente você pode entrar em contato com o sol? – Pergunto e me aproximo para olhar a passagem.

—Eu sou o patriarca da família, o sol não me fere, entretanto, torna-me humano até o anoitecer. – Caim salta para dentro do buraco.

Sigo-o. Eu não tinha reparado na altura, cerca de três metros de queda. Atinjo o solo sem emitir som algum e muito menos sentindo dor com o impacto.

Caim caminha em silencio por alguns minutos até que para de vez. Ele observa o ambiente ao redor. Eu conseguia ouvir as pessoas andando acima de mim, o som de seus passos, suas vozes, suas carruagens.

—Uma outra habilidade é sua velocidade. - Caim olha para mim e aponta para uma escada a uns oitenta metros de distancia. – Chegue o mais rápido que conseguir.

—Certo! – Olho a escada e então corro.

Eu chego em uma velocidade que me espanta. Levei cerca de três segundos. Eu senti como se meu corpo tivesse se tornado tão leve quanto o ar.

— Nada mal! – Me assusto ao ver que Caim já estava em minha frente. – Trouxe você aqui não para correr, mas falar sem que os outros ouçam.

—Certo! – Sua seriedade me deixa curioso.

—Ensinarei você tudo o que sei. – Caim pega um cigarro dentro de seu terno e acende. – Entretanto, você não será um vampiro completo até que eu julgue-o pronto.

—Como assim completo? – Eu pergunto atônito com a informação.

—Para completar sua transformação é necessário que você beba sangue humano. – Caim expira a fumaça. – Caso um recém transformado seja privado de tomar seu primeiro sangue humano, ele morre em cerca de dois dias. Entretanto te darei todos os dias um pouco do meu sangue, você terá as habilidades, mas não será completamente um vampiro, está agora entre os dois lados.

—Certo... – Observo atentamente, era muita informação para processar. – E o que acontece com quem fica entre os dois lados?

—Enquanto eu te der meu sangue... Nada... – Ele expira a fumaça pelo nariz. – Você só não terá a imortalidade, ou seja, seu sangue não cura, e você ainda envelhece.

—Compreendo.

—Então Tyler. – Caim para um tempo me observando. – Chamá-lo-ei de Jack. Gosto mais desse nome. Então Jack. Ensinarei tudo a você.

Ele sorri, joga o cigarro no chão e caminha de volta para casa. Jack... gostei do nome. Sigo Caim e passo então os dez anos seguintes sobre a tutela dele, aprendendo sobre as habilidades, a forma melhor de se mover, caçar, matar. Diferenciar sons, controlar seu corpo. Aprendi também combate, a usar espadas, punhos, garras, dentes e armas de fogo.

Dez anos aprendendo a me tornar algo que nem ele. Poderoso, mas homicida e diabólico.

Então no primeiro dia de agosto de 1888 ele diz que finalmente eu estava pronto.

Caim leva-me até seus aposentos e fecha a porta. Eu estava agora com vinte e cinco anos.

—Jack! – Caim caminha até uma mesa num canto e mexe na gaveta. – Tire sua barba, agora terá uma só aparência por toda a eternidade.

Ele me entrega uma navalha. Pego e sigo até o banheiro. Observo-me no espelho, meu rosto mais velho agora, meu corpo definido devido a quantidade de exercícios que tive que fazer todos esses anos.

Caim se aproxima e toma à navalha de minha mão, ele coloca espuma em meu rosto e começa a me barbear. Observo a navalha deslizando pela minha pele, descendo para a garganta. Ele limpa a lâmina em uma tigela com água e volta ao meu rosto.

—Finalmente tornarei você um vampiro, na verdade, você herdará todo meu poder e será acima dos vampiros. – Caim levanta meu rosto para passar a navalha embaixo do queixo.

—Não sinto-me preparado! – Falo honestamente.

—Você está. – Caim termina de fazer minha barba e coloca a lâmina em cima da pia. Ele pega uma loção, coloca nas mãos e começa a massagear meu rosto. – Resta uma última lição.

—Qual? – Ele me entrega uma toalha e observo-o.

—Tem um livro que você achará em cima de minha mesa, ao lado da cama. Terá o nome dos outros dois vampiros que são tão poderosos quanto você será. – Ele recosta-se na parede. – A matriarca das Succubus e um homem, líder dos Iscariotes. Terá informações sobre ambos, locais de controle, influência, habilidades e afins.

—Compreendo! – Coloco a toalha na pia.

Caim segue para fora do banheiro, até sua cama. Ele senta e olha para mim sorrindo.

—Finalmente encontrarei a paz da morte! – Ele puxa a gola de sua camisa, deixando exposto seu pescoço. – Beba meu sangue Jack, beba todo, até que eu caia sem vida. Esta é uma das poucas formas que terão de te matar, drená-lo por completo. Beba todo meu sangue e você finalmente herdará tudo que acumulei de poder nesses milênios que vivi. Em seguida deverá beber sangue humano, ainda hoje.

—Farei o que pede! – Aproximo-me de seu pescoço.

—Jack, finalmente vingará seu amado Joseph! – A voz de Caim emitia ternura, eu seria hipócrita em dizer que durante esses dez anos, não aprendi a amar este homem.

Mordo seu pescoço. Seu sangue preenche minha boca, sinto meu coração acelerar. Caim segura minha nuca, alisando meus cabelos. Ouço as batidas de seu coração desacelerar, sua vida se esvaindo.

—Amei você durante esses dez anos Jack, torne-se algo alem dos humanos e dos vampiros. – Caim fala sorrindo e cai sem vida na cama.

Choro ao ver seu corpo ali, já morto. Sinto meu coração acelerar de vez e meu sangue ferver. Meu peito queima até que uma cicatriz surge, uma marca que parecia uma foice surge em meu peito, um símbolo da maldição de Caim. Então ela some novamente. Tornei-me agora o líder dos Caimitas.

Saí do quarto enxugando minhas lágrimas. Ao chegar à sala principal vejo os Caimitas me observando, eles se ajoelham e prostram a cabeça assim que eu chego. Observo aquela cena.

—Salve nosso lorde! – Eles falam em uníssono.

—Cuidem de tudo até que eu retorne! – Sigo então para fora da casa e fecho a porta atrás de mim.

O sol estava se pondo, sinto o calor em minha pele. Dez anos que eu não sabia o que era isso, essa sensação incrível. Ouço um grito vindo dali perto, uma mulher gritava em desespero.

Corro em direção ao som, percebo que estou correndo em uma velocidade humana, vejo que minhas garras tinham sumido. Dou risada ao sentir o suor descendo devido calor do sol em minha pele. Ao chegar ao beco encontro um homem segurando uma moça pelo pescoço com uma mão, com a outra tentava levantar sua saia.

—Solte-a! – Grito e caminho até o homem. Ele para e me observo.

—O que você quer, preto? – Ele fala rispidamente. – Saia antes que eu te mate.

Olho para trás e vejo o sol terminando de se por, seus últimos raios de luz sumindo no horizonte. Sinto meu coração acelerar.

—Não direi novamente! – Caminho lentamente até ele. – Solte-a e fuja.

O homem saca uma arma e aponta em minha direção. Ao ver que eu não parava de andar em sua direção ele dispara. Sinto a bala perfurando meu olho direito e entrando em meu cérebro. Caio no chão. Meu sangue se espalha pelo beco.

O homem ri e tapa a boca da mulher com a outra mão, ele lambe o seu rosto. Levanto-me novamente, começo a rir, mas rir insanamente. Uma risada tão alta, tão insana que fez todos os dois se desesperar.

—O QUE É VOCÊ? – O homem solta a mulher e recua apontando a arma para mim.

—Parece que seu tempo acabou! – Vejo que o sol finalmente se pôs. Minhas unhas se tornam garras. A bala é expelida pelo buraco em meu olho. O ferimento se fecha e meu globo ocular volta novamente a se refazer. Com meus olhos amarelos eu vejo sua artéria pulsar. – Corra! – Digo para a mulher, ela foge sem pensar duas vezes.

—VOLTE SUA PUTA! – O homem aponta a arma para ela, mas antes de disparar eu corro em sua direção e arranco seu braço.

O homem grita com a dor do músculo se rompendo rapidamente, ele cai no chão berrando. Ergo seu braço acima de minha cabeça e abro a boca. O sangue desce e cai em minha língua. Era delicioso, meu corpo se arrepia por completo com aquele sabor.

O homem agora chorava e se arrastava. Jogo seu braço para longe e caminho em sua direção. O sangue jorrava de seu ferimento, seu coração batendo rapidamente. Ergo-o pelos cabelos e pouso a mão em seu outro ombro.

Com toda minha força eu puxo sua cabeça. A pele rasga, a coluna se parte e então separo sua cabeça do corpo. Ergo acima de mim e o sangue cai pelo meu rosto e minha boca. Seu corpo tomba sem vida.

Olho tudo aquilo que fiz e começo a rir novamente. Passo a mão ensanguentada pelo rosto, lambo os dedos sentindo os últimos resquícios de sangue. Era bom, era maravilhoso aquilo. Então me lembro das cinco prostitutas, das que me machucaram há dez anos. Finalmente matarei todas elas.


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