A Marca do Pecado escrita por Kyra_Spring


Capítulo 12
Reencontros




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–Fala sério, Ed, como foi que vocês passaram por tudo isso? – no dia seguinte, já no trem, Ed contava toda a história de sua jornada, desde que cruzara a Porta em direção à Londres, para Al e Roy. Eles haviam aproveitado que Marion havia ido para a cabine do restaurante e começaram a conversar. Al estava simplesmente assombrado, e não se atreveu a interromper – Isso tudo foi uma verdadeira loucura!

–Mas a Troca Equivalente, mais uma vez, mostrou ser muito eficiente – ele deu de ombros, abrindo um grande sorriso – Pelo menos conheci a Tatiana, não foi? E, apesar de tudo, o outro lado é um lugar muito interessante.

–Isso é fantástico – o alquimista das chamas dizia, maravilhado – É inacreditável! A princípio, pensávamos que você estivesse morto, e dizíamos a todo mundo que você estava em Xing. Agora você é que teria que se explicar com todo aquele povo.

–Isso é o de menos – Ed não deu importância – Aliás, Al, ouvi uma história sobre você querer se tornar alquimista federal... isso é verdade?

–Sim – Alphonse confirmou a história – Vou prestar a prova ainda esse ano, e já estou estudando há muito tempo. Acho que tenho muitas chances... – mas, ao ver que Ed ria, aborreceu-se – Quer me dizer qual é a graça? Acha que eu não consigo mesmo passar?

–Não é isso, Al – respondeu ele, parando de rir – É que eu simplesmente não acredito que, depois de tudo o que passamos, você ainda quer entrar nessa roubada.

–Sei que passamos por muita coisa, mas essa é a minha chance de ajudar aos outros com a minha alquimia. Sabia que posso fazer transmutações sem um círculo, como você? – argumentou Al – E acho que posso fazer a diferença. Você tem lido os jornais, não tem? – e quando Ed concordou, com um aceno de cabeça, continuou – Então... sinto que posso fazer a diferença.

–Eu também pensava assim, Al – o alquimista de aço foi enfático – E veja só em que buraco nós entramos. Você sabe melhor do que eu o que acontece com quem tenta fazer a diferença nesse meio.

–Do que é que você tá falando, hein? – Al deu de ombros.

–Vai me dizer que você não sabe! – Ed subiu a voz.

–Edward, pare! Al tem suas razões – Roy tentou intervir – Acho que não é o momento certo.

–Não, Roy, agora não! – Ed o cortou na hora – Você sabe tão bem quanto eu o que aconteceu. Cinco anos não são suficientes para esquecer tudo aquilo, e você sabe disso!

–E quando você não se lembra de absolutamente nada que aconteceu naquele tempo? – rebateu Alphonse, os olhos brilhantes, lembrando muito os olhos do próprio Edward. O alquimista de aço calou-se de repente. O que o irmão queria dizer com aquilo?

–Al... quer dizer que... quando você cruzou a porta... – ele começou, mas o irmão completou:

–Foi como se eu nunca tivesse vivido aqueles anos de armadura – a voz dele estava estranhamente grave, quase amarga – De repente, eu acordei e pensei que ainda estávamos naquele dia em que tentamos transmutar a mamãe. Eu estava com frio, e quando olhei em volta vi um lugar que eu nunca tinha visto antes, e tudo em que pensava era em encontrar você pra gente começar logo.

–Levou muito tempo para explicarmos ao Alphonse o que aconteceu, Ed – continuou Roy, ao ver que a cara de choque e falta de entendimento de Ed continuava a mesma – Ele só se convenceu quando percebeu que podia fazer transmutações sem um círculo. Izumi tem ensinado tudo a ele, desde então.

            Um silêncio se abateu sobre o vagão, quebrado apenas pelo ranger constante das rodas do trem. Edward tentava organizar tudo. Então aquela era a razão para Al parecer tão jovem! Por isso, ele sentiu que havia algo diferente, por isso ele percebeu que, ao contar o que havia acontecido do outro lado da Porta, Alphonse parecia não compreender algumas coisas que ele dizia. Era isso que Winry tentou dizer a ele, no dia em que trocou a sua prótese. E ele havia sido estúpido a ponto de brigar com ele!

–Alphonse, eu não sabia – ele se desculpou, timidamente – Juro! Se eu soubesse, não teria dito nada daquilo! Eu sou um imbecil mesmo...

–Não se preocupe – Al sorriu – Sei que você se importa comigo, principalmente agora, depois de tanto tempo. E sei o que estou fazendo. Roy já me advertiu sobre tudo o que pode acontecer, e sinto que sou capaz de enfrentar esse tipo de coisa.

            “Até parece, né?”. Ed sentiu-se fulminado pela raiva. “Há alguns anos atrás, eu também pensei que sabia o que estava fazendo, e olha só onde fui parar!”.

–A propósito, todo mundo me disse que você usava próteses mecânicas – habilmente, Alphonse mudou de assunto – Mas, até onde vi, seus braços estão inteiros. O que aconteceu?

–Na verdade, continuo usando as próteses, mas agora estou com a nova invenção da Winry – e exibiu o braço direito – É uma imitação quase perfeita da pele humana, e tem sensores táteis, como um braço normal. Não é fantástico?

–É, é sim – Al observou a prótese, curioso – Dói se eu fizer isso? – e beliscou a pele sintética, fazendo com que Ed uivasse de dor e de susto.

–É claro que sim, caramba! – ele puxou o braço, aborrecido.

            Eles continuaram a conversar. Era simplesmente fantástico como as coisas haviam ficado ao mesmo tempo tão diferentes e tão iguais a como eram antes. Se, por um lado, o governo amestriano havia sido virado de pernas para o ar, por outro a pacífica Rizenbul continuou como sempre foi, com seus campos e pastos e todo mundo se conhecendo. Ed ficou sabendo que, apesar da devastação acontecida em Liori, a cidade dava mostras de um renascimento glorioso. Ele pensou em Rose, a doce garota que havia sido usada por Dante para atingi-lo. Ela estaria bem?

–Ah, sim, Ed, saiba que, oficialmente, você ainda é um alquimista federal – disse Roy – Não sei bem o que você quer fazer, se vai pedir baixa ou se vai querer seu relógio de volta... Mas saiba que, se quiser retomar o seu lugar na corporação, vai precisar repetir o exame.

–Acho que não, Roy – respondeu o alquimista – Quero tentar levar uma vida mais tranqüila, daqui para frente, sem homúnculos, sem missões, sem nada relacionado a alquimistas megalomaníacos querendo dominar o mundo e criar Pedras Filosofais. E, principalmente, quero proteger tanto a Tatiana quanto o doutor Strathmore.

Strathmore? – exclamou Roy – Você está se referindo ao doutor Daniel Strathmore, químico, especialista em alquimia analítica?

–Você o conhece? – Ed arregalou os olhos – Como assim?

–Claro! Quem não conhece Daniel Strathmore? – Roy estava chocado – Ele foi meu colega no curso de alquimia na Academia Militar. Um sujeito brilhante, mas misterioso. Um belo dia, ele desapareceu, e nunca mais se ouviu falar dele. Realmente muito estranho.

–Ele é natural de Londres, a cidade da qual falei – explicou Ed – Mas, de alguma forma, conseguiu cruzar a Porta e vir para cá. Ele passou muitos anos aqui, mas voltou depois, e desde então tem procurado uma maneira de conseguir manter aberto o portal.

–Como ele conseguiu? – os olhos de Alphonse faiscaram.

–Um aparelho chamado Wirbel – respondeu o mais velho – Ele converte energia elétrica e calor na energia usada em transmutações, e a conduz por um círculo de transmutação. O problema é que ela precisa de muita energia para funcionar, e isso acabou nos causando ainda mais problemas. Envy aproveitou a chance para nos chantagear e conseguiu voltar, mas eu acho que ele morreu no meio do caminho.

–Eu não teria tanta certeza... – disse Roy – Você sabe tão bem quanto eu que esses caras não costumam ficar mortos por muito tempo.

            A conversa seguiu, animada, até o momento em que Marion chegou. Ed percebeu que ela era o tipo de pessoa que falava muito pouco e ouvia tudo muito atentamente. Apesar de ela ser jovem, já tinha no rosto aquela expressão de pessoa que já viu muito da vida, tanto coisas boas quanto (talvez principalmente) coisas ruins. E, apesar de ela ser muito parecida fisicamente com Maes, tinha qualquer coisa que a diferenciava radicalmente dele.

            “Talvez seja porque ele era sempre alto-astral, e ela, por outro lado, não tenha sorrido nenhuma vez desde que eu a encontrei”, pensou Ed. “Por que ela é tão carrancuda?”.

            Eles só chegaram à estação da Cidade Central no dia seguinte. Várias pessoas os esperavam lá: Riza (que, Ed percebeu, havia recebido alguma promoção importante, baseado nos novos detalhes do uniforme dela), Sciezka, a doce e distraída bibliotecária, a sra. Gracia Hughes, que continuava uma mulher bela e elegante e, perto dela, uma garota com cabelos trançados, roupas despojadas e um boné na cabeça, sentada num skate, que acenou efusivamente assim que os viu.

–Al, é bom você ter trazido a minha bandana, ouviu bem? – foi a primeira coisa que disse assim que eles desceram do trem. Depois, ela encarou Ed longamente, antes de dizer – Eu te conheço, não é?

–Eu me lembro de você ter me atropelado com o seu skate – respondeu Ed, meio sério, meio divertido, encarando-a também – Mas acho que naquele dia começamos da maneira errada. Meu nome é Ed.

–E o meu é Elysia – ela se apresentou – Você conhece o Al?

–Na verdade – respondeu Alphonse, com um sorriso maroto – ele é meu irmão.

–Fala sério! – a garota riu alto – Agora não tem desculpas, você vai ter que me ensinar como fez para consertar o meu skate, e ai de você se disser que não!

–Elysia, não o incomode! – Gracia foi até eles, e os cumprimentou muito amavelmente – Edward, quanto tempo! E você já está praticamente um homem feito!

–Também é muito bom vê-la, senhora Hughes – Ed retribuiu o cumprimento – E não se preocupe, Elysia está certa – e, para a menina – Pois bem, eu até ensino, mas com uma condição.

–E qual é? – ela perguntou, decidida.

–Você tem que provar que está apta para fazer isso – respondeu o alquimista – Você sabe qual é a mãe da alquimia?

–Não. Qual é? – ela estava muito empolgada, e não via a hora de começar – Quero conhecer a mãe, o pai, os irmãos, os primos, a família inteira!

–Não precisa – ele deu uma risadinha – A grande mãe da alquimia é a culinária. Na verdade, as duas são muito parecidas entre si: você tem que respeitar proporções, usar os ingredientes na ordem certa, não usar um fogo muito forte ou muito fraco...

–Você tá querendo que eu cozinhe? – ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada.

–Qual é, Ed, já tá querendo explorar a menina? – Al também debochou.

–Na verdade não – respondeu o alquimista de aço – Você vai preparar alguma coisa. Não precisa ser nada que vá ao fogo, mas precisa ficar bom.

–E o que eu vou preparar?

–Isso fica a seu critério. Mas lembre-se: todos terão que gostar. Por isso, você não poderá exagerar em nada, nem deixar ingredientes faltando. E também não vai poder receber ajuda de ninguém.

–Mas como vou saber o que colocar? – ela arregalou os olhos

–É essa a arte da alquimia: saber o que colocar e quanto colocar – Ed sorriu – Hoje à noite, vamos ver se você tem essas duas habilidades.

–Mas... mas... ah, tá bom – ela concordou, meio relutantemente, depois foi cumprimentar a tia.

–Bela idéia a sua, Ed – disse Al, só para ele ouvir – Mas sabe que ela não vai desistir, não é?

–Não era para ela desistir – respondeu Ed – Você se lembra de que essa foi uma das nossas primeiras lições com a Izumi-sensei?

–Ela nos mandou preparar um jantar – lembrou-se o outro – Um perfeito desastre, lembra?

–Como esquecer? Acho que até hoje tem a marca de queimado no assoalho da casa dela...

–Mas acho que ela vai conseguir. Elysia é teimosa e muito persistente, e não costuma desistir de uma idéia tão facilmente.

–É com isso que eu estou contando.

–Edward, eu não pude deixar de ouvir – foi então que Gracia se dirigiu a ele – Quer dizer que você pretende mesmo ensinar alquimia à Elysia?

–Se a senhora não quiser, eu... – ele começou, mas ela o interrompeu:

–Não, tudo bem, eu não me oponho – e ela sorriu – Até acho bom que ela se ocupe com algo construtivo, ao invés de sair por aí naquele skate assassino. Mas, por favor, peço que a aconselhe.

–Por quê? – o alquimista ergueu uma sobrancelha.

–Bem... Desde que a tia dela veio para cá, ela fala sobre seguir a carreira do pai – continuou a sra. Hughes – Ela disse que quer entrar para o Exército, como ele e a Marion, mas eu tenho muito medo de que algo aconteça.

–Elysia é apenas uma criança, sra. Hughes – o rapaz deu um sorriso conciliador – Ela ainda é muito jovem para saber o que quer ser quando crescer. Em todo caso, verei o que posso fazer.

–Obrigada, Ed! – ela parecia bem mais aliviada – Espero que jante em minha casa hoje, assim poderemos avaliar o trabalho da Elysia. Combinado?

–Combinado! – ele concordou, sorrindo. Por alguma razão, naquele momento ele se sentiu em paz. De alguma forma, naquele momento ele teve certeza absoluta de que, enfim, estava em casa outra vez.

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–Sra. Hughes, pode por favor me passar o purê de batatas? Está simplesmente fantástico – mais tarde, naquele mesmo dia, todos estavam reunidos na casa da sra. Hughes para o jantar. Ed, acompanhado por Tatiana e pelo doutor Strathmore (levado junto com eles depois de muita insistência por parte de Roy), comia e conversava. Ele sempre foi um dos maiores apreciadores da culinária caseira da sra. Hughes, mas ao ver o irmão atacando o terceiro prato de purê de batatas, percebeu que haviam mudado mais coisas do que ele imaginava.

–Bem, se o Alphonse não comer tudo, talvez eu passe um pouco para você, Ed – respondeu Gracia, rindo muito – Vá mais devagar, senão não vai sobrar espaço para a sobremesa.

–É claro que vai, senhora – respondeu ele, com a boca cheia – Sempre sobra, não é?

–Pois dessa vez vai ter que sobrar bastante espaço – disse Roy – Lembrem-se que ainda temos que experimentar o que a Elysia preparou.

–Do que é que você está falando, coronel? – perguntou Riza, também convidada para o jantar.

–Digamos que é um teste de admissão para a escola de alquimistas do Ed – respondeu Roy.

–Quer dizer que a pequena Elysia quer ser alquimista, é? – disse Sciezka, sorrindo.

Pequena, não! – reagiu Elysia, aborrecida – Já tenho quase nove anos, e já estou bem grande!

–Está bem, se você diz... – respondeu Sciezka.

–Diga-me, Tatiana, como você e o Ed se encontraram? – mudando de assunto, Marion se dirigiu à Tatiana, inquiridora – Você não tem o tipo físico das habitantes de Xing.

–É porque não nasci lá – respondeu ela, lançando um olhar de esguelha para Ed – Antes de vir para cá, eu morava com o meu avô. Ele era daqui, mas foi para Xing em busca de melhores condições de trabalho. Meus pais foram também, como missionários, mas morreram num acidente, e eu passei a morar com o vovô, até vir para cá, junto com o Ed.

            Aquela história havia sido criada por ela e por Ed no dia em que ficou sabendo da história criada para explicar o seu desaparecimento. Eles haviam pensado em tudo: pesquisas, descobertas, como ele conheceu Tatiana, tudo. Ed observou Marion, que por sua vez observava a jovem russa. Por que algo lhe dizia que a investigadora não havia acreditado totalmente em sua história?

–E como andam as investigações, Roy? – perguntou Gracia – Alguma novidade?

–Infelizmente nenhuma – respondeu o coronel – Acho que não estou enganado ao dizer que esse é o caso mais difícil que já pegamos. Principalmente depois que a Clara morreu. Mas ela nos deu algumas pistas valiosas que pretendemos seguir.

–Vocês têm alguma idéia do que eles querem? – perguntou Ed. Ele percebeu que Al engasgou com o purê, e encarou-o profundamente. Ele só fez um gesto de “depois eu explico”.

–Na verdade, ainda não. Conhecemos algumas pessoas, mas apenas pseudônimos – explicou Marion, displicentemente – Não podemos entrar em detalhes, mas estamos tentando manter tudo sob controle.

–Que é outro jeito de dizer que não estão consigo manter nada sob controle – retrucou o alquimista. Roy e Riza abafaram uma risadinha, e a investigadora fez uma expressão em que não dava para saber se ela achava graça ou se achava aquilo um absurdo.

            Assim que todos terminaram o jantar, Elysia correu até a cozinha, e voltou com uma bandeja com várias taças, uma para cada pessoa. Dentro de cada taça, havia algo colorido, aparentemente cremoso, emanando um cheiro bom de chocolate branco. Sem dizer uma palavra, ela entregou as taças, com uma colher, e depois pediu educadamente para que todos provassem. Os olhos dela estavam fixos em Ed, brilhando esperançosos.

            Antes de provar, ele analisou a sobremesa servida pela garota. Certamente ela era composta por frutas variadas, cheias de um creme não muito grosso. Ele tirou uma colherada e provou, mastigando lentamente. O sabor era diferente, uma mistura de uvas, pêssego, maçã e abacaxi no meio de um creme de chocolate branco e leite condensado. Era delicioso, simplesmente delicioso.

–E então, o que acharam? – ela perguntou, esperançosa e quase suplicante.

–Bom... – ele começou, um sorriso maroto – Diga-me, você tem algo importante para fazer amanhã, depois das seis horas da tarde?

–Não... Por quê?

–Porque precisamos começar algumas aulas de alquimia, não concorda?

            Ela demorou um pouco para assimilar, mas assim que a ficha caiu, Elysia abriu um enorme sorriso e abraçou Ed com força, para depois subir correndo as escadas. Antes de terminar, porém, desceu alguns degraus e perguntou:

–Você tá mesmo falando sério?

–E você já viu algum alquimista do meu calibre mentir? – disse ele, fingindo-se ultrajado – Traga caderno, lápis e um giz para desenharmos no chão. Estarei aqui amanhã de tardezinha.

–Tá bem! Obrigadaaa! – disse ela, rindo alto e subindo a escada correndo outra vez.

–Ela está mesmo empolgada – disse Roy, rindo – Até parece comigo quando comecei o meu curso.

–Só que você era duas vezes mais velho e cozinhava duas vezes pior do que ela – disse Strathmore, com deboche na voz – E acho que continua assim até hoje.

–Tantos anos se passaram e você continua o mesmo bobalhão de sempre, Danny – o coronel deu um sorriso de sarcasmo – Muito me admira que você não tenha se explodido em alguma das suas pesquisas absurdas.

–Até parece que fui eu quem botou fogo na sala de provas no exame final da Academia, não é?

–Como assim fogo? – Ed interessou-se subitamente – Você vai ter que me contar essa história!

–Bom, de qualquer forma nós dois estamos velhos, não é? – Daniel deu de ombros – Tanto tempo passou e tanta coisa aconteceu... – ele também evitava entrar em detalhes, pois sabia que uma palavra dita em falso poderia denunciá-lo.

–Fale por você, eu não estou velho coisa nenhuma – disse o alquimista das chamas, sarcástico – Só fiquei um pouco mais, digamos, experimentado.

–Daniel, você ainda continua com as pesquisas do Tringham? – Riza entrou no assunto – Desde que o conheço, era isso o que você mais queria, seguir as pesquisas de água vermelha.

–Na época o desgraçado do Tringham disse que as tais pedras vermelhas com as quais ele mexia eram Pedras Filosofais – respondeu Daniel, meio distante – É claro, isso mexeu um pouco com a minha ambição, e fiquei muito decepcionado quando vi que era um engano. Mas tudo bem. Resolvi continuar minhas buscas por, bem, outro caminho.

–As coisas mudaram muito desde a guerra, sr. Strathmore – disse Riza, que por alguma razão também tomava muito cuidado com as palavras que escolhia – As pesquisas em alquimia se tornaram um pouco clandestinas. Todos têm medo dos alquimistas até hoje. Estamos tentando reverter essa situação, mas é difícil tirar uma idéia como essas da cabeça das pessoas.

–Até hoje somos cães do exército – continuou Marion – Mesmo eu, que nunca nem sequer pisei em Ishbal, já tive que agüentar desaforos de pessoas que eu deveria proteger. É patético.

–Oh, droga, já está tarde! – Ed se levantou de um salto – Amanhã preciso acordar cedo, e é melhor irmos embora.

–Já? – Al se decepcionou – Fiquem mais um pouco, ainda está cedo...

–É sério, Al, preciso ir, meu chefe é um pateta, e se eu me atrasar mais uma vez perco meu emprego – ele se desculpou, meio sem jeito – Mas estarei aqui amanhã à tarde, para ensinar a Elysia.

            Todos se despediram cordialmente. Marion, depois de muita insistência, resolveu ficar para passar a noite na casa da sra. Hughes. Pouco depois, Roy e Riza foram embora, acompanhados por Sciezka. A casa ficou novamente silenciosa, como costumava ficar à noite.

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–Strathmore, quer me explicar essa história de guerra? – assim que já estavam longe da casa, Ed questionou o cientista – Uma coisa é você conhecer o Roy, e até a Riza, mas o que diabos você tem a ver com a droga da guerra de Ishbal?

–Não é nada, Edward – o doutor se esquivou – Apenas o lugar errado na hora errada.

–Cara, eu não sou idiota – retrucou o alquimista – E é melhor você começar a falar.

–Eu era cientista deles, tá bem? – o outro acabou se exaltando – Minha última pesquisa foi para tentar desenvolver algum tipo de composto que pudesse aumentar a força física e a resistência dos soldados, mas paralelamente a isso eu ainda tentava sintetizar uma Pedra Filosofal a partir da água vermelha do Tringham. O resto da história você já conhece.

–Esse é um tipo de informação que você não deveria ter me escondido – disse Edward – Ishbal tem muito a ver com o fato de eu ter cruzado a Porta.

–Você também não me contou tudo – retorquiu Strathmore – Nunca me disse que era um alquimista federal, e nem que conhecia Roy Mustang.

–Eu nem sabia que você o conhecia, droga! Não venha me culpar de nada.

–Acho que a tal da Marion Hughes desconfiou de nós – disse Tatiana, para aplacar a discussão que os dois travavam – Sei lá, ela estava me olhando de um jeito muito esquisito...

–Ela é esquisita. Eu percebi disso desde a primeira vez que a vi – disse Ed, sombrio – Às vezes, dá a impressão de que ela lê nossa mente. Sei que isso é impossível, mas ainda assim ela me assusta. E não gosto muito dessa história de o Al andar com ela.

–Não creio que haja motivos para desconfiar dela em si – observou Daniel – Mas acho que ela está mexendo com coisas perigosas demais, e algo pode acontecer ao seu irmão.

–Parece que eu vou ter que fazer a droga da prova de readmissão... – suspirou o rapaz – E eu pensando que teria uma vidinha pacífica...

–Você não precisa entrar no olho do furacão, Ed – disse Tati, amável – Faça a prova, mas observe o seu irmão à distância. Se as coisas ficarem realmente feias, acho que a Hughes e o sr. Mustang darão um jeito de afastá-lo da investigação.

–Ele não sabe no que está se metendo... – ele deu um sorriso triste – Se soubesse, nem passaria perto da Cidade Central pelo resto da vida.

–Vai ficar tudo bem, confie em mim – respondeu ela, enquanto abria o portão. Todos entraram, e logo voltaram para seus quartos, e foram dormir. Ed dormiu tranqüilo pela primeira vez em dias, feliz e aliviado como há muito tempo não ficava.

            No meio da noite, porém, ficou muito claro que era hora de se envolver.

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            “Por que você morreu, seu idiota?”.

            Já tarde da noite, Marion se fechou no quarto cedido pela sra. Hughes a ela, tirou da bolsa uma foto, já meio amarelada, que exibia a sua própria versão de quinze anos, risonha e despreocupada, usando um uniforme com corte de marinheiro preto com detalhes brancos e uma boina preta com a aba marotamente invertida. Ao lado dela, um rapaz alto, de cabelos longos espetados, óculos e um sorriso debochado, vestindo um uniforme militar. Maes Hughes, seu irmão. Naquele dia, ele havia resolvido viajar de surpresa para as Ilhas do Leste, aparecendo do nada no colégio onde ela estudava. Ela o apresentou à todas as amigas, que ficaram encantadas pela beleza e simpatia do rapaz (e bem decepcionadas ao descobrirem que ele já estava de compromisso selado com uma moça na Cidade Central), e ao final do dia, quando ela o levava para a pensão para apresentá-lo ao resto do pessoal, ele pegou sua máquina e tirou uma foto deles.

            Depois de alguns dias, ele foi chamado de volta a Amestris. Um pouco depois, casou-se. Depois disso, nasceu sua filha, Elysia, reacendendo assim sua paixão pela fotografia. Uma vida perfeita, que tinha tudo para ser feliz e completa. Ele envelheceria ao lado de uma mulher doce, inteligente e muito digna, veria sua filha crescer e se formar, para depois seguir uma carreira de sucesso na profissão que escolhesse, depois se aposentaria com honras no Exército e sairia pelo país para pescar e juntar fotografias para um livro que pretendia publicar.

            Mas tudo aquilo foi interrompido naquele dia fatídico.

            Uma bala. Bastou uma bala para fazer desmoronar aquele caminho luminoso que se projetava na frente dele. Ela já havia voltado das Ilhas do Leste há muito tempo, e foi a primeira a saber da notícia. A verdade é que ele ainda não estava morto quando chegou ao hospital (uma informação que ela resolveu esconder de todos). Ele ainda estava vivo, num estado de semiconsciência, até que ela chegasse. E quando ela chegou ao hospital e foi vê-lo (passando por cima de pelo menos uma dúzia de enfermeiros e médicos), pôde sentir a morte se aproximando dele. Quase pôde ver as garras dela, frias, se insinuando sobre Maes. E, mesmo fraco, assim que a viu, sorriu. E depois...

            Por que justamente ele? Sempre fora um homem honesto, que vivia uma vida pacífica, mas que nem por isso era omisso. Ele sempre defendera a verdade, e por isso amava tanto o setor de Investigação do exército. O que ele teria visto? O que teria descoberto?

            E, principalmente, quem havia atirado nele?

            A Black Rose nunca fora sua intenção principal ao voltar para a Cidade Central. Ela deixou que cinco anos se passassem antes de tomar alguma atitude. Os assassinos dele, fossem quem fossem, já estariam pensando que ninguém viria atrás deles. Dar uma falsa impressão de segurança era a melhor coisa para se pegar alguém. Mas aqueles assassinatos a haviam afastado do seu objetivo principal. Não se tratava mais de simples vingança, e sim de salvar vidas inocentes que ainda poderiam se perder graças àquela quadrilha. Mas, quando viu os irmãos Elric, lembrou-se, com uma enorme amargura, que assim também era entre ela e Maes, e que era injusto e errado as coisas terem mudado tanto.

            Ela ainda estudava a foto, lembrava-se do dia retratado nela e sentia uma saudade agridoce. Foi então que a porta se abriu com estrondo, revelando um pálido e assustado Alphonse, que dizia:

–Sciezka acabou de ligar. Houve mais um assassinato. E dessa vez temos uma testemunha.


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