A Marca do Pecado escrita por Kyra_Spring


Capítulo 11
Kyoudai... Once again




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–O quê? Como assim eu vou embora mais cedo? – logo depois notícia do assassinato de Clara, Marion determinou que Al estava oficialmente fora daquela investigação. Ele não reagiu muito bem à notícia, e naquele momento praguejava ferozmente.

–É perigoso demais, Alphonse – ela tentava explicar – Quasar atacou você, e agora Clara morreu. Você é um dos nossos alvos mais fáceis, entende? E como eu vou me explicar para o Roy se alguma coisa te acontecer, hein? Sabe quanta papelada a gente tem que preencher quando um menor de idade morre?

–Às favas com o Roy, droga! – rebateu ele, exasperado – E com a papelada também! Agora tá na cara o que eles querem, e eu não vou embora!

–A última coisa da qual a gente precisa é de um moleque inconseqüente arriscando o próprio pescoço por aqui, tá bem? – Marion não estava de bom humor – Se algo te acontecer, é o meu filme que fica queimado, não o seu!

–Eles querem a Pedra Filosofal, Marion! Sabe o que isso significa? – Al deixou escapar, mas depois tampou a boca.

–O que isso significa? Por que você não me responde? – então, ela percebeu que esse era um gancho para um dos mistérios do Al – Talvez eu entenda melhor...

–Você só tem que saber que isso é um problema, e que eu posso ajudar – ele media as palavras com um cuidado acima do normal – Pedras Filosofais na mão de psicopatas como eles são como fósforos e dinamite na mão de crianças. Acha mesmo que eles não vão fazer algum estrago com isso?

–Como você sabe de tudo isso, hein? – ela estava cada vez mais curiosa.

–Desculpe a grosseria, senhora, mas isso não é da sua conta – ele disse entredentes – Preciso continuar nessa investigação. Sinto que ainda vou ajudar.

–Ah, está bem, está bem – ela suspirou, por fim – Mas você ainda vai ter que explicar essa história para mim. Por enquanto, preciso que vá comigo e com o Roy até o necrotério para examinarmos a Clara e as outras vítimas. O legista de lá me ligou e disse que podemos falar com as famílias da vítima que ainda não foi identificada.

–Como é essa vítima? – Al percebeu o gancho perfeito para mudar de assunto e aproveitou.

–Um cara comum, alto, louro, olhos castanhos, uns dezoito anos de idade... típico amestriano, igual a todo mundo – respondeu Marion – Até um pouco parecido com você, pelo que me disseram.

–E o que a gente ainda tá esperando? – ele se animou – Vamos lá!

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            “Por favor, não seja o Alphonse, por favor, não seja o Alphonse...”

            As pernas de Ed pareciam gelatina quando ele desceu do trem. Tatiana estava lá, segurando firme o braço dele, como se tentasse impedi-lo de cair. Ed não dormiu um único instante, e estava pálido e cheio de olheiras. Se, por um lado, queria chegar rápido ao necrotério de Aquroya e acabar com aquela dúvida, por outro sentia que não estava preparado para o que poderia encontrar.

            Nas poucas vezes em que cochilou no trem, ele foi atormentado por pesadelos com o seu irmão morto, os olhos abertos e fixos em um ponto qualquer do vazio, o corpo frio, a pele branca... E estremecia, acordando encharcado de suor. A simples idéia era insuportável, e se ele tivesse a certeza de que algo aconteceu a Alphonse... não, não podia nem imaginar. Tinha ainda o direito à dúvida e, junto com ele, o direito à esperança.

            Tatiana tentava acalmá-lo, com palavras doces e reconfortantes. Ela não tinha porque estar passando por aquilo, ele pensou, quando, no trem, ela dormiu sobre o seu ombro. Ela não tinha porque ficar longe do mundo que conhecia, das pessoas que conhecia, da sua vida antiga. Ele não tinha o direito de arrastá-la com ele para aquele lugar louco, com pessoas diferentes e coisas que a ela certamente pareciam absurdas.

            “Winry não era assim... com ela, era sempre oito ou oitenta”, ele se flagrou pensando. “Ela era o tipo de pessoa que pensava com o coração, e que deixava as emoções falarem por ela. Por isso, sempre brigava comigo”. Então, percebeu que estava pensando nela de um jeito diferente do que o que usava sempre, e quase se castigou por isso. Não tinha o direito de pensar em Winry daquele jeito, e nem de se distrair com bobagens. Agora, precisava pensar em seu irmão, e só nele.

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–Roy, acha que eu tenho condições de passar no exame de alquimista federal esse ano? – Al, Roy e Marion estavam num carro que ia para o Instituto Médico Legal de Aquroya, e ele perguntou de supetão – Ainda tenho aquela autorização especial para fazer o exame sem ter idade para isso, e vou usá-la esse ano. Como está o páreo esse ano, coronel?

–Duro, como sempre, Al – respondeu Roy. Desde que Al voltou a ser humano, Roy o ajudava e dava a ele uma atenção especial – Esse ano fique atento às garotas, a cada ano mais mulheres prestam o exame, e têm passado muitas delas.

–Você ainda faz parte da comissão que seleciona os candidatos? – perguntou Al.

–Não. Na verdade já faz uns três anos que não seleciono os novatos – respondeu o coronel – Mas eles estão ficando mais rigorosos, também. Não basta apenas passar numa prova escrita e num teste de habilidades, agora serão testadas também habilidades em combate.

–Desde quando? – foi a vez de Marion perguntar – Ano passado não teve esse teste...

–Esse ano o Parlamento amestriano regulamentou os testes – explicou o alquimista das chamas – E, de acordo com eles, é preciso saber como os alquimistas se portariam numa guerra.

–Estranho... – a investigadora murmurou, mais para si do que para os outros – Por que iriam querer treinar alquimistas federais para lutar?

–Na verdade, o teste é para ver se eles não farão nenhuma besteira numa situação de guerra, tipo usar alquimia diretamente contra uma pessoa – explicou Roy, que logo depois ficou mudo, estranhamente acabrunhado.

–O que vocês estão esperando encontrar lá, afinal de contas? – vendo que eles haviam entrado num terreno delicado, Alphonse resolveu mudar de assunto – Ou os corpos vão estar todos retalhados pela nossa amiguinha Quasar ou então estarão simplesmente intactos.

–O que nos intriga agora é o critério utilizado na escolha das vítimas, Al – explicou Marion – Percebemos que há um padrão: geralmente, os corpos encontrados intactos são de pessoas conhecidas por sua inteligência ou talentos, e os que são simplesmente cortados pertencem a pessoas ditas “comuns”. Achamos que esses três corpos são de testemunhas.

–Tipo queima de arquivo? – os olhos do rapaz brilharam.

–É, mais ou menos isso – respondeu a investigadora – O que nos intriga é por que as vítimas são escolhidas. Aparentemente, nada é levado delas.

–Isso parece roteiro de filme B de suspense policial – debochou Al – Mas você é Marion Hughes, é claro que vai descobrir tudo muito rápido!

–Nisso você tem razão – disse Roy, rindo um pouco – Na verdade, requisitei pessoalmente que Marion participasse desse caso. Talvez ela seja o nosso trunfo.

–Legal da sua parte falar de mim como se eu não estivesse presente, Roy – disse a moça, fingindo aborrecimento – Ali, estamos quase chegando.

–Só espero que alguma coisa seja esclarecida hoje – suspirou Roy.

–Sabe de uma coisa? – observou Al, com um sorriso – Acho que vamos encontrar ali alguma coisa que vai ser bem interessante...

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–Por favor, pode me dizer onde fica o necrotério, senhor?

            Eles tiveram que pedir informações a um senhor sentado num banco na estação de trem, que lia um jornal do dia anterior. Ed deparou-se novamente com a manchete sobre o assassinato de Clara Kervokian e dos outros três assassinatos, e engoliu em seco. O senhor os analisou longamente, demorando especialmente ao observar Ed, que percebeu que os olhos deles se estreitaram alguns milímetros, mas resolveu não dar atenção.

–O necrotério? Ah, sim, fica a alguns quilômetros daqui – respondeu o senhor – Basta tomar um táxi e o motorista saberá. É uma área distante, mas bem-sinalizada.

            O casal agradeceu e deu as costas. Quando já estavam alguns passos afastados do senhor, ele disse, num tom que pareceu cínico e zombeteiro, mas que estava muito bem disfarçado sob uma camada grossa de fingida inocência e naturalidade.

–Você parece um pouco com a descrição do rapaz que morreu. É um parente seu? Talvez seja, afinal de contas vocês estão indo para o necrotério...

–Não temos certeza, senhor – respondeu Tatiana, sem dar chance a Ed para retrucar. Ele percebeu que a voz dela era ácida e raivosa, mas que também estava muito bem disfarçada sob a sua já conhecida gentileza e educação – Estamos indo até lá exatamente para averiguar isso, mas temos certeza de que não é nenhum parente nosso.

–Hum, entendo... – o senhor respondeu de uma forma estranha, e o alquimista pôde jurar que viu o velho sorrir perversamente – Aliás, vocês formam um belo casal. Há quanto tempo estão juntos?

–Tempo o suficiente – desconversou Ed – E sim, formamos um belo casal. Agora, se nos dá licença, já estamos atrasados e precisamos ir.

–Bem, é esse o problema da juventude de hoje em dia: sempre correndo, sempre atrasada – retrucou o senhor com displicência, abrindo o jornal em uma página qualquer – Até a vista para vocês dois.

–Até a vista – os dois cumprimentaram, já se afastando, enquanto o rapaz dizia, entredentes – Não se eu puder evitar...

            Os dois seguiram o conselho do velho e tomaram um táxi. Por alguns instantes, seguiram em silêncio, até que por fim Tati comentou:

–Estranho aquele senhor, não acha? Na verdade ele até parecia um pouco... familiar...

–Só espero não o ver mais por aqui – concordou Ed – Que sujeito esquisito...

–Se bem que essa não é a única coisa esquisita daqui – observou Tatiana, com um risinho – Aliás, tudo é esquisito por aqui.

–É... tudo é esquisito por aqui...

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            Os corredores do Instituto Médico Legal de Aquroya lembravam um pouco o laboratório de alquimia do quartel da Cidade Central. Brancos e muito iluminados, eram frios por causa do ar condicionado, e havia algumas pessoas sentadas num tipo de sala de espera. Alphonse ficou um pouco chocado pois, apesar de haver várias pessoas por lá, o silêncio imperava. Até mesmo os recepcionistas falavam pouco e muito baixo, e a aura do lugar era pesada e tenebrosa.

            “O que exatamente eu estou fazendo aqui?”, ele se perguntava a cada passo que dava, e de repente começou a pensar que aquela havia sido uma idéia bem estúpida. O que ele estava esperando encontrar ali? Só havia pessoas com mentes distantes e recepcionistas indiferentes, além de corpos e mais corpos. Mas havia algo que ele não conseguia ignorar...

            “Sinto alguma coisa diferente...”, ele pensava, enquanto se sentava em uma cadeira e tentava ignorar os olhares curiosos dos outros na sua direção.  “Tenho a impressão de que hoje, aqui, vou encontrar alguma coisa que vai mudar tudo, mas não sei dizer o que é. E essa sensação tem me acompanhado por dias, e está ficando mais e mais forte. Sinto como se... como se tivesse alguém me esperando bem aqui!”.

            Marion e Roy sentaram-se ao seu lado, e começaram a conversar no mesmo tom baixo das outras pessoas. Al não ouvia o que eles diziam, mas nem tentava. Sua mente estava muito distante, aguçada, com pensamentos fugazes e velozes. Ele se lembrava do dia em que Quasar o atacou. Apesar de saber da fama dela, de conhecer a índole perversa e sanguinária da moça, por alguma razão não teve medo. De certa forma, sabia que, por mais que a provocasse, ela não o mataria, pelo menos não ainda. Mas eles sabiam que ele sabia a respeito da Pedra, e isso era perigoso.

            A Pedra estava incompleta, disso ele sabia. Para completá-la, mais e mais almas deveriam ser sacrificadas, e agora que eles sabiam sobre a Pedra, a Black Rose faria de tudo para terminá-la o mais rápido possível. Uma carnificina estava próxima, Alphonse era quase capaz de sentir, e ele tinha medo de não poder impedir, de ser obrigado a assistir tudo de mãos atadas.

            Por isso, era importante que ele fosse aprovado no teste de alquimista federal. Sendo um portador do gindokei, o cobiçado e poderoso relógio de prata que aumentava o poder do alquimista que o portava e que era utilizado somente por alquimistas federais, poderia fazer alguma coisa para impedi-los. Marion estava tentando protegê-lo ao tentar afastá-lo da investigação, mas ela deveria saber melhor que ninguém que ele só iria embora trancado numa caixa.

            Sem que percebesse, viu que Roy se levantou e foi até a recepção conversar com os atendentes. Depois de alguns minutos, ele voltou, dizendo:

–Aparentemente, quatro famílias avisaram que viriam identificar o rapaz que morreu. Ninguém quis dizer o nome, decerto estão com medo. Duas mulheres estão vindo aqui dizendo ser a mãe dele, um homem dizendo ser o pai e um carinha dizendo ser o irmão.

–Depois do anúncio do jornal, um monte de gente deve ter ficado desesperada – observou Al, meio distante – Foi um erro terem divulgado isso.

–A culpa é daquele idiota do Clavel – resmungou Marion – Ele disse que precisávamos identificar o rapaz a qualquer custo e divulgou tudo para a imprensa. Eu sabia que ele iria nos atrasar! E a culpa é sua, Roy, eu bem que te avisei.

–Eu só cumpro as regras, não as faço! – o alquimista se aborreceu.

–Se ele me atrasar de novo, soco a cara gorda dele! – a investigadora grunhiu, entre os dentes.

            Mas Al já não prestava mais atenção neles. Sua atenção se voltou para uma moça loura, alta e delicada, vestindo um traje longo, estranho para o calor habitual da cidade. Os cabelos estavam trançados, e eram longos e muito claros. Apesar de não ver o rosto dela, sabia que ela era bonita, sentia isso, e deu um sorriso levemente malicioso, que foi imitado por Roy, assim que o viu.

–Pelo que vi você gostou da bela dama ali – ele sussurrou ao garoto.

–O que eu posso dizer? – respondeu Al, maroto – Ela é bonita, não é?

–Que ótimo, agora tenho que ficar vigiando um adolescente com os hormônios à flor da pele e um cara que age como um! – disse Marion, entediada – Dá pra vocês dois se controlarem?

–Tá bem, tá bem... – os dois deram um risinho zombeteiro, e uma piscadinha de cumplicidade.

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–Não sei se posso entrar, Tati – Ed e a namorada pararam na porta quando ele a impediu de seguir – Será que dá para você ir até lá e ver quando podemos entrar?

–É claro que sim – respondeu a moça, amável – Parece que não somos os únicos por aqui...

–A notícia saiu no jornal, é claro que várias pessoas viriam para cá – observou o alquimista, sentando-se num banco próximo à porta – Vá logo, e quando precisarmos entrar me chame, tudo bem?

            A moça entrou e falou com os recepcionistas. Mesmo sendo rápida, sentiu que alguém a observava, e olhando de relance, percebeu que era um garoto no alto dos seus quinze ou dezesseis anos. Ela não disse nada, mas bufou, aborrecida. “Que falta de respeito! Os garotos daqui são bem mais atrevidos que os de Londres”. Até pensou em ir até lá e tirar uma satisfação, mas resolveu ignorar e sair rapidamente.

–Nós seremos chamados em uns quinze ou vinte minutos – ela disse, assim que viu o namorado – Tem uma família lá, agora, e chegamos por último por aqui...

–É essa espera que me sufoca, Tati – ele disse, quase sem voz, os olhos fixos num ponto qualquer do portão de ferro à sua frente – Estou a ponto de arrebentar aquela porta e entrar lá!

–Controle-se, Ed... Agora, o melhor que você pode fazer é manter a calma. Vão nos chamar logo, confie em mim. E algo me diz que teremos boas notícias hoje.

–Certamente teremos notícias hoje – replicou o alquimista – A questão é exatamente se elas serão muito boas ou terríveis...

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–Então, senhora, sei que essa é uma pergunta meio difícil, mas o rapaz naquela sala é o seu filho? – assim que a terceira família saiu da sala de identificação, Alphonse, Marion e Roy foram falar com ela. O rapaz percebeu que a bela moça loura já tinha saído, e ficou um pouco chateado. Naquele momento, eles tentavam extrair algo da suposta mãe do rapaz.

–Na verdade, não – respondeu ela, sem conseguir esconder o supremo alívio na voz – Meu filho é estudante, sabe? Ele veio até Aquroya numa excursão com a escola, mas não consigo falar com ninguém de lá. Quando li a notícia no jornal, fiquei desesperada... Pelo menos agora estou mais tranqüila...

–Fico feliz pela senhora, madame – disse o coronel, polidamente – Mas penso na família daquele rapaz... Será que a senhora não o conhece, pelo menos de vista? Talvez um amigo do seu filho?

–Não, senhor, infelizmente não – a mulher deu de ombros – Conheço todos os colegas de escola do meu filho, e nenhum deles se parece com o rapaz lá naquela sala.

            Os três deixaram que ela fosse embora, quase dando pulinhos de alegria. “Que ótimo, voltamos à estaca zero!”, praguejava Alphonse. “Agora só falta uma família, um cara que diz ser o irmão dele. Se os incompetentes da recepção pelo menos liberassem os nomes... Isso facilitaria a nossa vida!”.

–Olha, gente, eu vou tomar um pouco d’água, tá bem? – por fim, cansado de ficar ali sentado e esperando, o jovem alquimista resolveu dar uma volta. Quem sabe aquilo lhe clarearia as idéias e trouxesse uma novidade realmente interessante...

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–É a nossa vez, Ed – a voz de Tatiana o despertou de um leve torpor – Precisamos entrar.

            Sem dizer nada, ele se levantou e a acompanhou. Enquanto passava pelos corredores, não percebeu ninguém, nem divisou nenhum rosto. Tudo o que se lembraria de ter visto depois eram dois vultos vestidos de azul-royal do lado de um vestido de preto. Na certa, os militares estariam ali também, afinal de contas era outro crime atribuído à Black Rose. Mas aparentemente os três vultos, que conversavam com uma mulher, não davam nenhuma atenção ao resto que havia à sua volta.

            Assim que se aproximou da sala, apressou os passos involuntariamente, e abriu a porta com uma força desnecessária. Assim que entrou, uma lufada de ar frio recendendo a remédio e desinfetante atingiu-o diretamente no rosto, e a primeira coisa que percebeu foi um corpo coberto com um pano sobre uma maca metálica, bem no meio da sala.

            O alquimista sentiu um arrepio gelado lhe percorrer a espinha de cima a baixo. Forçando-se a continuar, engoliu em seco e caminhou até o médico legista, um sujeito gordo, baixinho e cabeludo com grandes e grossos óculos e um jaleco que aparentemente já não servia mais há muito tempo. A conversa foi curta, e em alguns segundos o legista puxou o pano que ocultava o corpo.

            No primeiro instante, Ed prendeu a respiração, a curiosidade e o medo se misturando. Mas, quando olhou para a maca e descobriu que aquele rapaz era magro demais, que os cabelos eram claros demais e que ele tinha um sinal de nascença no pescoço que certamente o irmão não tinha, suas pernas fraquejaram, não de tristeza, mas de alívio. Aquele definitivamente não era o seu irmão, não era Alphonse, o que significava que ele ainda estava por aí, em algum lugar, e que só precisava encontrá-lo. Com a voz meio trêmula, disse:

–Não... não é ele. Desculpe.

–É uma pena... – disse o legista – Não por vocês, é claro, mas por ele. Onde estará a família dele?

            Ele saiu de lá quase aos pulos, sentindo-se duas toneladas mais leves. Ao chegar à recepção, uma mulher de cabelos escuros e olhos verdes escondidos atrás de grossos óculos foi falar com eles.

–Pelo jeito, o rapaz ali não é parente de vocês, não é? – Ed e Tatiana acenaram negativamente com a cabeça – Bom, que ótimo para vocês... Mas será que um de vocês não o conheceria, talvez?

–Infelizmente não – respondeu Tatiana. Ed praticamente não dava atenção, e voltava a assinar alguns documentos que a recepção lhe entregou – Não somos de Aquroya. Encontramos a notícia no jornal ontem e pensamos que talvez poderia ser o irmão desaparecido do meu namorado, Alphonse.

            Os olhos da mulher se arregalaram, mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, passos foram ouvidos no ambiente silencioso. Ed terminou de assinar os documentos e olhou na direção dos passos, distraidamente. Mas nada o prepararia para o que estava prestes a ver...

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            Al ficou passeando pelo pátio do necrotério um bom tempo. Sem nada para fazer, divertia-se em transmutar pedrinhas em bonequinhos e bichinhos, e em ficar observando o movimento das pessoas que passavam na frente do portão. Alguns carros pararam, mais pessoas entraram, mas o silêncio continuava o mesmo.

            Então, ele resolveu entrar pela porta dos fundos, e parar em frente ao bebedouro. Quando já estava no terceiro copo d’água, porém, ouviu uma menção ao seu nome:

–...meu namorado, Alphonse.

            A voz era feminina, e tinha um sotaque muito diferente dos que conhecia, mas que era sutil e que dava ao som da voz dela uma musicalidade toda especial. Enquanto voltava para a sala de espera, viu que Marion conversava com a moça loura que tinha visto um pouco antes, e que ao lado dela estava um rapaz não muito alto. Ele não conseguia ver o rosto dele, pois estava virado para o lado da recepção. Mas percebeu que a investigadora exibia uma expressão chocada.

–Alphonse, você disse? – ela disse, num tom desconfiado.

–Sim, Alphonse – concordou Tatiana.

            Mas ele não ouvia mais nada. Naquele momento, o rapaz que conversava com os recepcionistas olhou para o seu lado. Era impossível dizer o que exatamente Al estava sentindo, mas a verdade é que ele reconheceu aquele rapaz. Reconheceu os olhos dourados, os cabelos louros com a franja longa e desfiada, a expressão ao mesmo tempo séria e zombeteira... Mas era impossível! Como aquilo aconteceu? Como?

–E-E-Edward? – ele gaguejou, a voz transformada num sussurro – É você?

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            Quando Ed olhou para o lado dos passos, deparou-se com a última pessoa que esperava encontrar ali. Aliás, aquela era a última pessoa que esperava encontrar em qualquer lugar.  Por alguns instantes, ficou fora do ar, simplesmente se recusando a acreditar, mas depois, ao analisar cada traço facial, o rosto redondo e amistoso, os olhos castanho-dourados, o cabelo louro-escuro, um pouco mais longo do que antes... Mas não podia ser! Ele parecia ter quatorze, quinze, dezesseis anos no máximo, mas na verdade ele era apenas um ano mais novo!

–E-E-Edward? – quando ele ouviu a voz do garoto, porém, suas dúvidas sumiram. Ela era muito pouco diferente da voz infantil de outrora. Era talvez um pouco mais grossa, mas ainda era a mesma pessoa que falava num tom humilde e doce – É você?

Alphonse? – a sua própria voz lhe soou estranha ao pronunciar esse nome – Como?

            Os dois permaneceram em silêncio, se encarando, mergulhados num estado de profundo choque. Eles se analisavam de cima a baixo, Ed tentando entender por que Al estava tão jovem, e Al tentando descobrir como o irmão atravessou a Porta. E então...

            De repente, um turbilhão de lembranças atingiu Ed com força. Ele se lembrou de cada momento dos anos de alquimista federal, em que tentava trazer o corpo de Al de volta. E, no fim das contas, tudo terminou bem. Al estava de volta, humano, vivo, e ele estava de volta ao seu lar. Já Al lembrava-se dos dias anteriores à transmutação humana, de como o irmão sempre fora seu maior amigo e confidente. Os olhos deles foram ficando úmidos. Tantos anos de espera, de expectativas, de esperanças, e agora...

ED! – sem hesitar mais um minuto sequer, Al lançou-se num abraço apertado ao irmão, que foi correspondido prontamente. Agora, deixando que todas as emoções fluíssem livres, os dois ficaram lá, sem dizer nada.

–Alguém quer me explicar o que está acontecendo aqui? – Marion se manifestou.

–Cara, você não sabe o quanto eu te procurei – disse Al, sussurrando.

–Eu também, eu também – respondeu Ed, no mesmo tom – Mas, agora está tudo bem. A gente tá aqui.

            Os dois, por fim, se desvencilharam, os rostos vermelhos e úmidos, mas com imensos sorrisos. Depois de se encararem por um minuto, Ed disse:

–Nossa, faz tanto tempo.. eu nem sei o que dizer!

–Quando você chegou? Como você veio? – Al começou a fazer uma pergunta atrás da outra, parecendo-se muito com Winry – Por que está aqui?

–A gente pode conversar com mais calma depois? – pediu o alquimista de aço, meio sério, meio divertido, mas lançando um olhar significativo na direção de Marion que foi logo entendido por Al.

–Então, por que você não começa apresentando a sua nova amiga? – ele mudou de assunto rapidamente. A moça corou, mas disse:

–Meu nome é Tatiana Ahkmatova, e sou a namorada do seu irmão.

Namorada? – Alphonse riu ainda mais – Tá, essa história você tem que me explicar. Mas o que você está fazendo aqui, afinal de contas?

–Li a descrição no jornal e pensei que poderia ser você – respondeu Ed, meio envergonhado por ser tão estúpido – Winry me disse que você veio para cá e aí...

–Você já encontrou a Winry? Que legal!

–ALGUÉM QUER ME EXPLICAR O QUE ESTÁ HAVENDO AQUI? – de repente, para o espanto dos outros, Marion berrou.

–Marion, esse é o Ed, meu irmão – Al começou a explicar – Ele ficou em Xing durante cinco anos, e eu não o vi durante todo esse tempo. Aí, ele leu aquela parada no jornal e pensou que era eu, e veio atrás de mim. É mais ou menos isso.

–Como ele iria achar que aquele era você se a idade do corpo está estimada em dezessete ou dezoito anos? – a investigadora não se convenceu.

–Olha, vamos embora daqui e depois eu explico tudo, tá bem? – Ed se manifestou – A propósito, Roy, também preciso falar com você depois, tá bem? É sobre um assunto do seu interesse.

            “Tá, essa história tá meio mal-explicada”, pensava Marion, enquanto eles saíam do instituto e rumavam para a rua. “Alphonse é mesmo um carinha cheio de segredos, principalmente com o irmão dele. Mas eu vou descobrir tudo, ah, se vou... Na primeira oportunidade, eu o encosto na parede!”.

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–Espero que tenha uma boa razão para vir até aqui e me incomodar, senhor – enquanto isso, numa sala escura, um homem alto com cabelos vermelhos que atendia pelo nome de Drake conversava com um rapazinho de aparência estranha e andrógina – Porque, se não tiver, serei obrigado a matá-lo.

–Creio que os meus motivos são bons, senhor – respondeu o rapaz, de nome Envy, com um sorriso perverso nos lábios – Acho que, talvez, meus serviços interessem à sua organização.

–Tenho alguns dos melhores ladrões e assassinos do país aos meus serviços, por que eu precisaria de alguém tão ridículo como você?

–Porque, talvez, eu tenha algo que os outros não tenham – respondeu Envy, mudando sua aparência e voz de forma que ficassem idênticas às de Drake. Um brilho fugaz passou pelos olhos do líder da Black Rose – E eu posso ajudá-los com informações.

–Que tipo de informações?

–Um cara chamado Edward Elric conseguiu cruzar a Porta de alquimia para cá. Sei disso porque ele me trouxe junto com ele. E trouxe também um cientista, chamado Daniel Strathmore. Foi ele que descobriu como cruzar a porta do outro lado.

–Hum... interessante...

–Acho que você já conhece a fama do Elric, não é?

–É claro que sim. Um dos alquimistas federais mais pouco ortodoxos da história, não é? Não seria interessante para nós que ele fizesse o mesmo que o irmão e começasse a ajudar nas investigações.

–Tenho assuntos inacabados com ele, e ficaria feliz em ajudar a remover esse... empecilho do meio do caminho.

–E o que você vai querer em troca?

–Liberdade total para agir em relação a ele. É só o que quero. Estou disposto a contribuir com as pesquisas da minha antiga tutora, Dante.

–Dante... sim, já ouvi falar dela também. Um tipo bem interessante. Talvez as pesquisas dela ajudem também. Então, parece que temos um trato, afinal.

–Sim, um trato – o homúnculo sorriu, enquanto apertava a mão de Drake – Meu nome é Envy, e fico muito feliz em fazer negócios com você.

–Certo... – Drake também sorriu – Você irá se reportar só a mim, está bem? Sempre que tiver novidades, procure por Drake, OK?

–OK... Vai ser um prazer começar a trabalhar... – e, no instante seguinte, Envy desapareceu.


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