Present Perfect escrita por rvolcov


Capítulo 3
2. Plans we all had forgotten about


Notas iniciais do capítulo

Olá! Queria começar agradecendo às duas lindas que comentaram no capítulo anterior: Malfoy e Vicky Souza, esse cap é dedicado a vocês!

Por favor, leiam as notas finais! Boa leitura ;*



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Capítulo 2. Plans we all had forgotten about

 

14/07/2004

 

Amelia encarava o enorme quadro branco à sua frente com uma concentração desnecessária. Ela não precisara de mais do que alguns minutos para memorizar o fato de sua mãe estar na sala de cirurgia de número três, realizando uma substituição de quadril, ou que seu pai estava na de número um, assistindo a uma craniotomia. Mesmo assim, gostava de se desafiar a gravar o que cada um dos outros cirurgiões estava fazendo, nem que fosse para passar o tempo - ou ter algo para compartilhar com o irmão, que ainda estava preso em casa por causa da catapora e sempre se empolgava com esse tipo de conhecimento aleatório.

Algum tempo depois, no entanto, a brincadeira perdeu o apelo. Com um suspiro profundo, ela encarou o teto branco antes de checar os bolsos do shorts jeans, encontrando uma nota de dez libras que não lembrava estar ali. Provavelmente uma obra de sua sempre precavida mãe.

Sorrindo ao pensar nos doces que poderia comprar na lanchonete do segundo andar, Amy levantou-se da enorme cadeira de plástico verde que havia ocupado no último quarto de hora, quando sua avó a deixara antes de seguir para um compromisso com amigos. Talvez em sua jornada em busca de açúcar ela conseguisse encontrar algo interessante para fazer até que a mãe estivesse livre e pudessem ir para casa.

— Aonde você vai? - Susan perguntou assim que notou os poucos metros que a ruiva havia percorrido.

Amelia congelou no lugar. Havia se esquecido da ordem dos pais que a proibia de sair perambulando livremente quando desacompanhada. Malditos adultos superprotetores, pensou sozinha, ela estava em um hospital! O que de pior poderia acontecer ali, pegar uma gripe?

Anos mais tarde, com uma bagagem infinitamente maior de seriados de drama americanos, a ruiva perceberia que as preocupações de Charles e Georgia não eram infundadas. Aquele tipo de local era muito mais propício a desastres do que ela imaginava naquela idade.

— Banheiro. - Ela inventou e logo sentiu as bochechas esquentarem.

Estar de costas para a enfermeira encarregada de mantê-la sob vista era uma vantagem e tanto naquele momento.

— Sua mãe já está acabando, não demore muito.

Assentindo, Amelia continuou seu caminho em direção ao final do corredor, virando à direita a fim de não gerar suspeitas na mulher de meia-idade. Assim que saiu de vista, seu caminhar lento e despreocupado foi substituído por um saltitar constante enquanto ela tentava pisar apenas nos pisos vinílicos coloridos e não nos brancos.

Estava tão entretida na brincadeira que só percebeu que havia alguém em seu caminho quando o seu corpo se chocou com outro, quase levando-a ao chão.

— Ei, menino do bolinho de pistache! - Ela disse surpresa, reconhecendo a figura de cabelos e olhos castanhos que era poucos centímetros maior do que ela.

— Menina do rosto vermelho tomate. - Ethan cumprimentou de volta com certo desânimo.

— Você tá meio verde. - Ressaltou ao notar a expressão esquisita no rosto dele. - Aconteceu alguma coisa?

— Eu acabei de ver algo que não deveria.

Só então Amelia ergueu os olhos para o lado do corredor de onde ele estava vindo. Acabou identificando a ala da pediatria pela mudança na decoração das paredes.

— Setor do vômito. Péssima escolha pra passar o tempo.

— É, eu percebi. - O menino riu, parecendo estar melhor. - Minha irmã pegou um chocolate da minha madrasta quando ela não estava em casa.

— Parece o tipo de coisa que eu faria.

— O chocolate tinha pasta de amendoim. - Pontuou com seriedade e Amy franziu o cenho, confusa.

— Ainda não vi o problema. - Admitiu.

— Cassie é alérgica a amendoim. - Ele terminou de explicar e a menina soltou um sonoro “Ah”, finalmente entendendo a situação. - A babá aplicou a injeção e ela não está mais roxa e inchada, mas meu pai resolveu vir aqui de qualquer forma.

— E você foi arrastado junto. - Notou.

— Pelo menos eu lembrei de trazer uma revista, a gente não vai embora tão cedo. - Ethan resmungou e a menina então notou o amontoado de folhas coloridas que ele tinha em mãos.

— Super Science! - Exclamou, reconhecendo o material e ele pareceu surpreso. - Você viu a edição que tem uma parte só com reações químicas pra tentar em casa? Eu queria muito fazer, mas a Lauren, minha babá, escondeu meu kit de alquimia depois que eu criei pasta de dente de elefante, ela odiou ter que limpar tudo.

— Amelia! - Uma voz falou alto no final do corredor e os olhos verdes dela se arregalaram. A pequena ruiva mordeu os beiços, já prevendo a bronca que estava por vir. - Aí está você! Quantas vezes eu preciso dizer para não sair andando sozinha?

— Mais uma? - Ela sugeriu com um sorriso forçado e apenas acompanhou enquanto a expressão séria no rosto de sua mãe se agravava.

— Não seja espertinha. - Georgia não estava nem um pouco feliz. - Regras existem por um motivo. Crianças somem o tempo todo, nós já falamos sobre isso.

— Sim, mamãe. - Admitiu, envergonhada por ser repreendida em público.

— Você precisa começar a me ouvir. - A mãe continuou em um tom cansado.

— Eu sei, me desculpe. - A menina pediu, ainda sem coragem suficiente para erguer os olhos e realmente encará-la.

— Tudo bem. - Georgia pareceu dar-se por vencida. - Você está com todas as suas coisas? Eu preciso me trocar e então já podemos ir.

— Eu não trouxe nada. - Respondeu, mas a mãe não estava mais prestando atenção. Seu foco estava em Roger, um residente do segundo ano que parecia tentar fazer alguma pergunta à distância. - Acho que isso é um tchau.

Ethan levou alguns segundos até perceber que era com ele que a menina falava.

— Sim, tchau.

Já estava de costas, afastando-se dele quando foi chamada outra vez

— Ei, Amy! - Ele quase gritou, colocando uma mão sob seus ombros para evitar que ela continuasse andando. - Eu também tenho um kit de alquimia.

— Legal. - Respondeu sem jeito, tentando entender onde Ethan queria chegar com aquele fato compartilhado. Esperava que fosse algo além de querer se exibir por ter algo que ela já não tinha mais acesso.

— Sim! - Ele não parecia ter notado que havia certa falsidade no comentário dela. - O que eu quero dizer é, eu tenho o kit, você tem a revista.

Alguns segundos se passaram antes de Amelia finalmente compreender a proposta implícita nas palavras dele. Quando por fim o fez, seu rosto se iluminou com a empolgação e ela mal pôde conter-se ao olhar para a mãe, esperando pela permissão silenciosa que veio em seguida, quando ela deu aceno de cabeça, a incentivando.

— Sábado, no Queen’s Park?

— Não faço ideia de onde fica, mas meu pai me leva.

— Combinado. Nos vemos às dez. - E com um último aperto de mãos, Amy voltou a seguir na direção oposta com a mãe.



01/07/2017

 

— Amelia, você ainda está aí? - A voz de seu pai soou preocupada pela falta de resposta e a garota ajeitou o celular sobre os ombros enquanto se agachava para recolher as fezes de Mochaccino da calçada.

— Estou ouvindo. - Respondeu, ainda prendendo a respiração. - E já falei que prefiro que me chamem de Amy.

— Amelia, Amy, o resultado é o mesmo. - Do outro lado da linha, Charles provavelmente estava rolando os olhos. A ruiva já se preparava para iniciar todo o seu usual discurso acerca da diferença entre o nome e o apelido, sobre como um era formal demais e a fazia se sentir como uma idosa e criança ao levar uma bronca (ao mesmo tempo) enquanto o outro era rápido, simples e íntimo o suficiente, quando o pai a cortou. - Eu não venci uma aposta com a sua mãe para ter você reclamando do nome que eu te dei em toda a oportunidade que encontra.

Ela riu alto ao lembrar-se da famosa história do sexto mês de gravidez de sua mãe: Georgia ligara para o marido no meio da noite dizendo não aguentar mais esperar pelas asinhas de frango frito que ele prometera mais cedo e, para incentivá-lo a usar o intervalo do plantão para dirigir até o drive-thru do KFC mais próximo em seu lugar, dissera que caso ele conseguisse chegar em menos de trinta minutos, poderia escolher o nome de um dos bebês sem que ela interferisse.

Motivado pelo desafio, o pai havia embarcado em uma viagem alucinante sem nem ao menos imaginar que a mulher já planejava deixar que ele decidisse como a menina seria chamada. Esse, é claro, era um detalhe que sua mãe havia compartilhado em segredo apenas anos mais tarde, mas que Charles, mais de duas décadas depois, continuava sem ter conhecimento.

— Certo, pai. - Continuou, desistindo da discussão e voltando a caminhar com o cachorro.

— Você entendeu o recado, então? - Ele perguntou e ela franziu o cenho.

— Que recado? - Perguntou confusa, observando enquanto Mocha se entretia ao cheirar alguns arbustos.

A ruiva ouviu uma risada fraca do outro lado da linha antes da resposta do seu pai.

— Eu disse que não devemos voltar tão cedo hoje. - Amelia rolou os olhos. Aquela não era bem uma novidade. -  E que tem dinheiro para comida na jarra de cookies.

— Isso é tão anti higiênico - Pontuou, voltando a ser arrastada pelo buldogue. - Estão de plantão outra vez?

— Não exatamente. - Charles respondeu após soltar um suspiro. - Como eu disse enquanto você não estava ouvindo, essa época do ano é complicada. Final de semestre, jovens bêbados estão por todos os lados fazendo idiotices.

— Algum acidente que resultou em muitos ossos quebrados e prendeu vocês aí? - Chutou, imaginando que se sua mãe estivesse envolvida na história, provavelmente seria por isso.

— Sempre. - O tom divertido arrancou-lhe um sorriso bobo. - Sabe a Cheese Rolling Race?

— Aquela competição em que as pessoas correm montanha abaixo atrás de uma roda de queijo?

Cansado, Mochaccino parou de andar e sentou-se sobre um de seus pés.

— Essa mesma. - Seu pai confirmou. - Três adolescentes inventaram uma nova versão e se aventuraram pelo centro da cidade.

— Manchester não é plana? - Indagou, confusa.

Com o pé livre, Amy cutucou o traseiro do cachorro para tentar fazê-lo voltar a andar.

— É aí que entra o espírito criativo da coisa.

— A burrice alheia sempre me surpreende. - Comentou desanimada e voltou a tentar puxar o buldogue francês pela coleira. - Vamos, Mochaccino, não falhe comigo agora.

— Ele empacou outra vez? - Charles parecia estar se divertindo muito mais do que deveria.

— Sim. - Suspirou, derrotada. - Ele tem feito isso toda vez que tento andar mais do que duzentos metros, vou acabar com um cachorro obeso.

— Boa sorte carregando o protótipo de Dumbo de volta até em casa. - Seu pai riu. - Preciso ir, o inteligente número um já foi preparado para a cirurgia, sua mãe está me chamando.

— Tudo bem, nos vemos mais tarde. - Amelia se despediu.

Estava prestes a desligar quando ele voltou a chamá-la.

— Esqueci de te avisar que a Hollie está chegando, ela vai te fazer companhia no jantar de hoje.

— Whatsapp existe, pai. - A garota respondeu com uma risada.  - Estou falando com ela sobre isso desde que vocês a convidaram para vir, três dias atrás.

— Bom, ao menos você está sabendo. - Charles comentou, bem humorado. - Nos vemos mais tarde, querida. - O bip ao final da frase deixava claro que o pai havia deixado a linha.

Guardando o celular com a mão livre, Amy agachou-se para falar com a bolota de gordura que tinha como animal de estimação.

— Você andou até aqui, que tal fazer o caminho de volta? - Sugeriu, tentando soar gentil, mas o animal apenas ergueu a cabeça para encará-la. Do outro lado da rua, uma garotinha passeava com um labrador sem coleira de um lado e a mãe do outro. - Viu só, ele entende o conceito da coisa.

Com um último suspiro, ela se rendeu, pegando o pesado filhote marrom no colo. Como um bebê, ele apoiou as duas patas em seus ombros, observando a paisagem que passava por suas costas durante o caminho de volta.

— Você está ficando muito mal acostumado. - Murmurou ao chegar em casa, finalmente colocando o animal no chão. Ele saiu correndo pela sala de estar momentos depois, o que deixava bastante claro que seu cansaço era seletivo.

Deixando escapar um suspiro, Amy apanhou a caixinha com lenços umedecidos no armário antes de poder jogar-se no sofá, buscando o cachorro pelo caminho a fim de limpar suas patas e evitar que sua mãe fizesse um escândalo por vê-lo sujo caminhando pelo carpete.

Instantes depois, ela pegou o controle remoto, a fim de voltar a assistir o episódio de Friends que iniciara mais cedo naquele dia e afundou ainda mais o corpo no sofá antes de fechar os olhos com força. O buldogue, que parecera determinado a tentar arrancar seus dedos durante todo o processo de limpeza, ajeitou-se em seu colo, posicionando a cabeça em seu peito. Aquela era sua posição favorita para sonecas de final de tarde.

Cinco episódios depois, ao deparar-se justamente com o momento em que Joey apreciava seu novo par de peitos de areia, feitos por Phoebe e Chandler enquanto ele dormia, o pacífico silêncio dentro da casa foi interrompido pelo som alto da campainha.

Mochaccino pulou do sofá para o chão, começando a latir enquanto rebolava de um lado para o outro em uma falha tentativa de abanar seu minúsculo rabo. Amy, por outro lado, apenas deixou o conforto das almofadas de couro quando o toque se repetiu pela terceira vez, não podendo ser mais ignorado.

— Não se atreva a encostar em mim. - Hollie disse, pouco depois dela abrir a porta, a enorme câmera fotográfica em mãos era sinal de que o encontro das duas serviria de material para seu próximo vlog.

— Não se atreva a falar desse jeito com o meu cachorro. - Rebateu, sentindo-se ofendida. - Oi, pessoal. - Cumprimentou, fazendo um tchauzinho.

Amy sempre se sentia um tanto idiota por ter que falar com um objeto inanimado como se fosse uma outra pessoa, mas depois de três anos morando com alguém que fazia isso diariamente, fugir das lentes havia se tornando uma tarefa improdutiva e bastante inútil.

Não que isso tornasse o processo todo menos estranho. Ela jamais superaria os olhares julgadores que as pessoas lançavam na direção delas quando Hollie decidia gravar em público.

— Não estou falando do Mocha. - Sua prima rolou os olhos, abaixando-se para pegar o filhote no colo e fazer carinho entre suas orelhas. - Estou falando de você.

Amy franziu o cenho antes de olhar para baixo, encontrando a regata branca cheia de marcas marrons com o formato das patas do cachorro. Limpá-las havia sido uma boa escolha, no final das contas.

— Já te disseram que sua forma de demonstrar saudade é bastante peculiar?

— Sua psicologia barata não vai funcionar. - Hollie rebateu, desligando a câmera em seguida. Ela colocou Mochaccino no chão antes de puxar a mala de rodinhas para dentro da casa. - Eu ainda não vou te abraçar.

— Tão carinhosa. - Amy dramatizou com uma mão no peito. - Ainda bem que você sempre achou o sofá confortável, vai ser uma ótima cama pelo resto da semana.

— Amelia Jane Mckinnon, não se atreva a me fazer dormir na sala.

Durante dez segundos inteiros, as duas se encararam em silêncio, expressões igualmente sérias em seus rostos.

— Por Merlin, eu senti sua falta. - Riu, puxando a prima pelos ombros.

— Eu também, Amy. Eu também. - Hollie respondeu com um sorriso, dando-se por vencida e finalmente retribuindo o abraço.

 

~*

— Eu juro que não entendo onde você encontra estômago para aguentar essa situação toda. - Amelia confessou horas mais tarde, apenas observando enquanto a prima vagava pelo quarto à procura dos sapatos que ela havia pego por engano ao deixar Londres. - Estou sentindo vontade de vomitar desde que Alec me contou.

— Certeza de que não está grávida? - Hollie brincou e recebeu um olhar mortal em resposta. Certo, talvez fosse cedo demais para fazer brincadeiras que lembrassem a ruiva que ela não havia se envolvido com ninguém desde o ex-namorado. - Eu não sei, Amy. Nunca cheguei a odiar a Cassie no mesmo nível que você.

— Foi o que eu imaginei. - Respondeu, soltando a respiração com força.

Deitada de costas na cama, ela agora fitava as estrelinhas fluorescentes coladas no teto. Mal conseguia se lembrar de uma época em que elas não estivessem ali.

— Mas nós duas sabemos que a Cassandra é só metade do problema. - Hollie falou, sentando-se ao seu lado na cama logo em seguida.

— Eu não quero falar sobre isso.

— Amy, nós temos evitado esse assunto há mais de dois anos. - Sua prima colocou uma mão sob seu ombro, tentando confortá-la. - Em algum momento nós vamos ter que falar sobre o Ethan.

A simples menção ao seu ex-melhor amigo já a fazia tremer por dentro.

— Eu, de verdade, não quero falar sobre isso. - Ela afirmou, fechando os olhos com força e provavelmente arruinando o rímel no processo. - Sendo sincera, adoraria se pudéssemos agir como se ele nem ao menos existisse.

— Eu conversei com o Connor. - Hollie a ignorou. - Ele disse que ele vem.

A ruiva sentiu vontade de rolar os olhos fechados. Se com aquela constatação sua prima buscava incentivá-la a descer e participar do jantar de noivado de Alexander, ela não poderia estar mais enganada.

— Nunca vou te perdoar por confraternizar com o inimigo. - Amy pontuou, desviando o foco da conversa e a morena respondeu mostrando a língua. Ela e o melhor amigo de Ethan mantinham uma relação do tipo “o que acontece em Manchester fica em Manchester” há pelo menos cinco anos.

Aquele tipo de relacionamento não funcionava na literatura, em filmes de comédia romântica ou em  seriados adolescentes, mas a própria Amy já havia desistido de tentar entender a dinâmica existente entre os dois - ou de sequer tentar avisá-los sobre a desgraça que eventualmente os acompanharia.

Não era como se aquele fosse um problema dela também.

A conversa entre as duas, entretanto, foi interrompida pelo som de duas batidas na porta.

— Já estão prontas? - Seu pai perguntou, afastando a porta o suficiente para que apenas parte de seus olhos verdes e o topo de sua cabeça ficassem visíveis.

— Quase. - Hollie respondeu por ela. - Amy só precisa conseguir lembrar onde colocou meu par de peep toes. Ela jura que trouxe pra cá sem querer, mas eu tenho certeza de que foi premeditado.

Charles riu antes de murmurar um “certo, não demorem”. Nem mesmo notara que as mesmas sandálias já estavam devidamente calçadas aos pés da sobrinha.

Sabendo não ter outra escolha, a menina ergueu-se da cama. Parou para alisar seu vestido azul marinho por poucos segundos, respirando fundo ao tentar reunir a coragem que lhe faltava para dar os próximos passos em direção à escada.

Hollie parou ao seu lado, pousando uma mão em seus ombros.

— Ei. - Ela disse e os olhos verdes típicos de todos os membros da família Mckinnon a encararam com seriedade. - Você não está sozinha.

Com um aceno fraco de cabeça, Amelia assentiu e logo sentiu-se ser puxada pela prima.

 

~*

Pouco mais de quarenta minutos depois, a menina percebeu que as capacidades estratégicas de seu pai extrapolavam os limites das partidas quinzenais de War. Isso porque, ao pensar em convidar Hollie para participar do jantar no Tattu - um refinado restaurante de culinária oriental no centro de Manchester - ele havia proporcionado a Amelia a chance que ela precisava para distrair-se da sessão de tortura que estava para se iniciar a qualquer momento.

Trocando opiniões empolgadas com a prima sobre a temporada de Doctor Who que acabara de ser finalizada, ela havia acabado de comentar o quanto sofreria com a saída do atual Doctor quando a feição no rosto da morena mudou, dando lugar a um sorrisinho divertido no canto dos lábios.

Amy rolou os olhos com a falta de resposta.

Conhecia muito bem aquela expressão. A maldita estava interrompendo um produtivo diálogo sobre um dos melhores seriados já criados pelo homem para flertar com alguém.

Para ajudar, ela ainda estava sentada de costas para a entrada do lugar e de frente para a prima, o que a deixava sem uma única posição favorável - e discreta - para avaliar o partido da vítima - e  assim, saber se a mudança na postura da outra era justificável. Mas ao notar os ruídos de conversas paralelas aumentarem e o inconfundível sotaque americano que as acompanhava, Amy já não tinha qualquer dúvida acerca do que estava acontecendo.

Certas coisas só poderiam ser evitadas por um certo período.

A sensação inesperada de lábios encostando em sua bochecha, entretanto, foi suficiente para que a garota quase pulasse com o susto. Ela virou por poucos centímetros e empurrou o rosto de Connor para longe ao encontrar os olhos azuis dele ridiculamente perto dos seus.

— Veja só se não é o meu palito de fósforos favorito. - Ele cumprimentou bem humorado e a puxou para um abraço, ignorando por completo o pequeno sinal de rejeição que havia recebido segundos antes.

— Veja só se não é o protótipo de marido de aluguel da minha lista de contatos. - Amy devolveu, rindo ao retribuir o aperto.

Ele pareceu ofendido ao cruzar a distância que o separava até a cadeira ao lado de Hollie e também beijá-la na bochecha - dessa vez, demorando-se um pouco mais.

— Protótipo? Você só fala assim porque nunca usufruiu dos meus serviços. - O garoto provocou com uma piscadela sem ao menos tentar disfarçar o duplo sentido na frase.

— Eu jamais confiaria em você para trocar uma lâmpada. - Ela respondeu, forçando um pesar que não existia.

— Eu não confiaria nem mesmo para segurar a escada. - Hollie acrescentou em um tom divertido.

— Eu nem deixaria você comprar a lâmpada. - Quem completou foi Alec, pouco antes de puxar a cadeira ao lado da irmã para sentar-se também. Amy sorriu ao vê-lo pela primeira vez naquele dia, o gêmeo saíra cedo de casa para receber a família Holmes no aeroporto e havia passado o dia todo com eles.

Connor rolou os olhos e bufou ao notar as risadas que se seguiram.

— Não sei porque ainda insisto em vir para esse país. - Ele conseguia ser tão dramático quanto sua prima quando queria. - Vocês ingleses claramente não me valorizam o suficiente.

— Não dê ouvidos a eles, Cee. - A alma apaziguadora não poderia ser outra senão Cassie. - Eu adoro quando o Ethan te faz vir para cá.

A queridíssima namorada, recém-noiva de seu irmão e futura cunhada oficial de Amy, jamais entrava no espírito das brincadeiras entre eles. Cassandra era superior demais para se dar ao trabalho.

— Você faz parecer que eu convido.

A primeira mudança que notara fora que a voz de Ethan estava mais profunda, sem o ar adolescente que costumava acompanhá-lo. A segunda, fora que ele havia deixado o cabelo crescer. Não era grande coisa, provavelmente uns três centímetros, mas era algo que lhe dava um ar despojado ao emoldurar seu rosto. As linhas de seu maxilar também estavam mais destacadas do que ela se lembrava e seus ombros, mais largos. Resultado da passagem do tempo e musculação, julgou, embora encontrasse certa dificuldade para conciliar a imagem do garoto em uma academia.

Amelia havia passado mais tempo do que gostaria de admitir pensando em como agiria quando os dois finalmente se encontrassem. No início, imaginara que se contentaria em  xingá-lo de todas as formas que conseguisse até que perdesse a voz - ou a criatividade. Um tempo depois, ela tinha certeza de que pelo menos um cruzado no queixo Ethan receberia por ter sequer cogitado afastar-se dela daquele jeito. Com o passar dos meses, ela já cogitava começar aulas de boxe para fazer como Hermione e partir para a agressão física, socando repetidas vezes o infeliz-  porém de maneira mais efetiva do que a personagem.

Mas naquele momento, ao fitá-lo nos olhos castanhos e não receber nem mesmo um aceno fraco com a cabeça como cumprimento, a menina sentiu o sangue ferver. Ela havia passado a semana se preparando para aquilo, ensaiando as reações de desprezo apropriadas para não deixar transparecer o seu desconforto, apenas para perceber que jamais estaria de fato pronta para ser tratada com tamanha indiferença.

Sem precisar pensar muito, Amy esticou a mão em direção à taça à sua frente. Tentou esconder uma careta ao sentir o líquido descer pela garganta.  Ela nunca conseguira criar apreço por vinho,  mas tinha plena consciência de que não conseguiria passar pelas próximas horas sem enlouquecer caso estivesse inteiramente sóbria.

 

~*

Assim como Amelia imaginara, o jantar prosseguiu com conversas animadas entre todos os presentes - com exceção, é claro, dela mesma.

Seu pai, na ponta oposta da mesa, estava engajado em um diálogo com Mason Holmes - o atraente homem de meia idade tinha os mesmos olhos azuis da filha Cassandra e os cabelos escuros de Ethan -  e sua esposa, Sarah. Enquanto isso, sua mãe estava empenhando-se junto de Alec e Ethan para fazer com que Caroline se sentisse à vontade, já que aquela era a primeira vez que a sogra de seu irmão visitava o país.

— E eu disse para ela que essa mania de dar nome de comida para animais de estimação era estranha. - Hollie continuou a dizer para um Connor interessado. - Mas ela ameaçou trocar para itens de laboratório e eu acredito que toda a sociedade prefere um buldogue com nome de café a um “Erlenmeyer” ou “Bico de Bunsen”.

O garoto riu alto, passando as mãos pelos cabelos antes de se inclinar um pouco mais na direção da morena e Amy foi invadida pela contraditória sensação de querer sorrir por ver Hollie tão à vontade e, ao mesmo tempo, querer agredí-la por estar falando como se ela não estivesse ali.

Naquela noite, aparentemente, a ruiva estava repleta de impulsos agressivos.

— Pessoal, um segundo. - Mason chamou, pouco depois, fazendo com que as conversas cessassem e todas as cabeças se voltassem para ele. - Primeiramente, gostaria de propor mais um brinde à união de Cassie e Alec. - Sem muito interesse, Amy juntou-se aos outros e ergueu sua taça. - É claro que os dois são novos, mas eles estão juntos há tanto tempo que já não há porque esperar, não é mesmo?

Amelia precisou se conter para não rir alto antes de levar a taça aos lábios outra vez.

O quão ridículo era ter uma fala daquelas quando o próprio homem havia enrolado Caroline por mais de nove anos antes de finalmente pedí-la em casamento - por livre e espontânea pressão, é claro -  ao descobrir que ela estava grávida de Ethan?

— O que nos leva à segunda parte. - Ele continuou, enquanto a ruiva passava os dedos pelo material de vidro, distraída. - Eu não sei se vocês se lembram, na verdade, até Charles mencionar, nem eu me lembrava.

Ela suspirou, provando do líquido escuro uma outra vez. Por Merlin, era enrolação demais.

— Mas quando Ethan tinha dezessete anos, ele e Amy resolveram que quando todos do “grupo” completassem vinte e um anos, nós faríamos uma viagem de férias para os Estados Unidos. - Aquilo chamou a atenção da garota. - E  conversando melhor sobre isso, pensamos, por quê não agora?

Amelia ergueu os olhos para o pai, engolindo em seco ao se dar conta do rumo da conversa.

— Vocês estão mais velhos, nós precisamos de férias e quem melhor do que nós mesmos para avaliarmos as estruturas dos nossos novos hotéis na Flórida?

Não. Não. Não.

— Crianças, nós vamos para a América.

Charles terminou em nome do patriarca dos Holmes e o restaurante inteiro se assustou com os gritos empolgados iniciados por Connor e seguido pelos outros.

Amy, por outro lado, estava ocupada demais desejando estar morta.

 

~* LEIAM AS NOTAS FINAIS, PELO AMOR DE ODIN EU VOS IMPLORO*~


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Notas finais do capítulo

Oi pessoal! O que acharam do capítulo? Gostaram? Odiaram? Aos leitores antigos, acham que a reescrita está valendo a pena?
É que assim, eu sei que sumi por 3 anos e não tenho qualquer direito de exigir nada de ninguém, mas eu realmente aprecio o feedback de vocês. Eu quero saber as opiniões, quero saber se tem gente lendo. Não custa mandar nem que seja uma exclamação só pra eu saber que vocês existem, sabe? Vocês não tem noção de como isso anima um autor, de verdade!!

Ademais, ninguém lembrou de ressaltar as referências do último cap, então ninguém ganhou spoiler. Mas por acaso alguém está interessado no prêmio Steve Rogers de manjador de referências valendo um spoiler do próximo cap???

Era isso, por favor, apareçam leitores fantasmas! Até a próxima ;*