Soberanos de Aço - O Paradigma de Igelivel escrita por Michel Zimmer


Capítulo 6
Messages For The Lost


Notas iniciais do capítulo

Antes de mais nada, obrigado à você leitor por ter chegado até aqui! Seu apoio é muito importante para o bom desenvolvimento da história.

Finalmente alguns pontos estão começando a se conectar, enquanto outros não estão nem perto de serem revelados! A realidade de Elliot está mudando mais rápido do que ele imaginava...
Boa leitura!



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XVII. Birds And Letters

Lowel amanheceu calma e tépida, já fazia cinco dias desde que as chuvas haviam cessado e um leve calor fora de época disputava seu lugar com a brisa gélida da região mais ao sul de Igelivel.

Elliot havia acordado relativamente cedo, sua gripe - adquirida na noite chuvosa no cemitério - tinha quase desaparecido por completo, fruto dos chás medicinais de Rowen e dos diversos medicamentos que o jovem havia consumido por insistência de Cass. Sua mãe no entanto, não havia dado muita atenção ao caso. Apesar de o clima entre mãe e filho ter melhorado um pouco, ainda havia muito a ser consertado entre Elliot e Sylvie. Afinal, não se pode preencher um abismo de anos em apenas uma semana.

— Ora, que milagre o fez acordar tão cedo, mestre Elliot? - Questionou Rowen entrando calmamente nos aposentos do jovem, empurrando um carrinho de serviço de quarto o qual carregava o café da manhã de Elliot.

— Se não fosse por esse resfriado maldito, - Elliot pausou para uma tentativa de espirro frustrada - Eu já teria começado a acordar mais cedo. E já disse que não precisa me chamar de mestre.

Rowen apenas sorriu gentilmente enquanto aproximava o carrinho da luxuosa cama de Elliot:

— Certamente você iria, mes… Elliot. “Mestre” é apenas uma formalidade que nós Sentinelas temos com nossos empregadores. Embora eu não considere você nem Sylvie como apenas meros empregadores.

— Você e Cass também não são apenas Sentinelas, Rowen. - Respondeu Elliot com um sorriso sincero, algo raro paro o jovem. -  São parte da Casa Zummarch.

Enquanto Elliot devorava os croissants e o cappuccino providenciados por Rowen, o velho mordomo e Sentinela permanecia em silêncio, agora escorado no parapeito da grande sacada do quarto de seu mestre. Os serenos olhos castanhos observavam o fluxo de pessoas que começavam a circular pelo distrito nobre enquanto a  brisa daquela manhã acariciava os fios brancos do velho homem pensativo. Não demorou muito para Elliot finalizar sua refeição, trajar seu felpudo roupão azul escuro e se juntar a Rowen na sacada do quarto.

— Algum problema, Rowen? Você parece distante.

— Na verdade, - Rowen direcionou o olhar a Elliot, suspirando ao ver a cara amassada e os cabelos negros bagunçados de seu mestre - Tem algo mais que preciso discutir com você. Pedi a Cass que buscasse uma encomenda para mim agora pela manhã, então teremos algum tempo livre.

Elliot bem havia percebido que Cass ainda não havia dado as caras naquela manhã, o que era estranho considerando que ela praticamente nunca o deixava sozinho.

— Ao menos dessa vez você não escolheu conversar de noite em um cemitério. - Debochou Elliot, voltando a atenção à um pequeno rouxinol que pousara no parapeito ao seu lado.

— Você já tem vinte e dois anos, Elliot, creio que seja esse o momento para lhe entregar isso. - Ignorando a brincadeira de Elliot, Rowen retirou do bolso interno de seu fraque um envelope de aparência envelhecida pelo tempo, o entregando ao jovem. - Seu pai deixou isso sob meus cuidados antes de partir, a única instrução sendo lhe entregar quando você estivesse “pronto”. E eu acho que você finalmente está.

Elliot envolveu cuidadosamente o envelope em suas mãos, um sentimento de confusão crescente tomou conta de seus pensamentos:

— Ewan deixou isso para mim? - Elliot procedeu a abrir o envelope cuidadosamente. - E estar pronto para o quê exatamente? Isso não faz sentido.

— Infelizmente não tenho as respostas que você procura. Talvez o conteúdo do envelope nos traga alguma luz, não?

O pássaro sentado no parapeito levantou vôo novamente, se aproximando e pousando mais próximo da dupla.

— Bem, aqui vamos nós. - Confirmou Elliot já com a folha de dentro do envelope em mãos.

“Querido Elliot,

 

Sinto muito por não fazer parte da sua vida nem da de sua mãe, sinto tremendamente a falta de vocês.
Cometi alguns erros irreparáveis nas vidas de muitas pessoas, e mesmo oferecendo a minha em retorno, eu não poderia compensar pelo mal que causei. Mesmo assim precisei tentar.

Parti atrás de redenção, de alguma maneira de acabar com algo que nunca deveria ter sido concebido em nosso mundo. Se ainda não retornei e você está lendo essas palavras, significa que falhei.
Eu realmente sinto muito meu filho, e por mais egoísta que pareça, só você pode terminar o que comecei.
Caso decida aceitar meu fardo, você deve confiar em Rowen, caso ele ainda esteja com você pois irá precisar de toda ajuda possível. Acima de tudo, deve confiar em seus instintos e em seu intelecto. Com essa carta segue um enxerto de minhas anotações finais e uma ferramenta para o ajudar daqui em diante.

Espero que quando você ler essas palavras não seja tarde demais.

Não importa o que aconteça filho, acredite em si mesmo.

Eu acredito.

 

Com amor,

Papai.”

 

Após um penoso momento de silêncio, uma gotícula brotou no olho direito de Elliot, percorrendo seu rosto pálido e desabando sobre a carta, borrando a tinta já meio apagada.

Papai… - Balbuciou Elliot segurando as lágrimas - Eu não fazia ideia…

— Seu pai foi um grande mecanicista imperial, Elliot. - Rowen depositou o braço sobre o ombro de Elliot, tentando o reconfortar - Assim como um bom amigo por muitos anos… Se você estiver disposto a ir a fundo no conteúdo dessa carta, saiba que estarei do seu lado sempre.

— Obrigado, Rowen. - Agradeceu Elliot enxugando a singela lágrima que havia escapado -  Parece que tem mais uma folha anexada à carta.

Quase imperceptível para quem não soubesse de sua existência, uma segunda folha permanecia grudada rente à carta principal, sendo cuidadosamente destacada por Elliot:

— Mas que infernos? - Comentou Rowen estarrecido ao visualizar a folha em anexo. - Isso é…

— Não faço ideia do que seja. - Elliot analisou o papel - Um código, uma receita talvez?

No topo da folha estava rabiscado algo parecido como “projeto Übermensch”, logo abaixo seguiam uma série de cálculos inacabados, listas de catalisadores alquímicos e minérios raríssimos assim como alguns desenhos de algo que parecia ser uma armadura.

— Se isso for o que o império procurava a quinze anos atrás e possivelmente procura até hoje, - Rowen pareceu consternado - nós podemos estar correndo um sério perigo.

— Ou pode valer uma fortuna! - Uma fraca voz mecanizada respondeu de prontidão, surpreendendo Elliot e Rowen. - Embora eu não ligue muito para ouro e essas coisas.

A dupla confusa olhou ao redor da sacada, não encontrando ninguém mais além do pequeno pássaro que outrora havia pousado na sacada de pedra.

— O pássaro falou! O Rouxinol falou! - Exclamou Elliot, animado apesar da situação estranha.

— Óbvio que não fui literalmente eu quem falei, idiota. - A fraca voz mecânica ecoou vindo de dentro do pequeno rouxinol. - Você tem dez ou vinte e dois anos afinal?

Um estalo metálico reverberou o ambiente no momento em que algo parecido com uma mão mecânica se chocou contra um dos pilares da sacada, e, como uma espécie de gancho, se fixou firmemente ali. Seguindo a mão mecânica usada de gancho, um jovem de aparência  familiar à Elliot foi puxado em direção ao resguardo, pousando com maestria no estreito parapeito e recolhendo a “mão-gancho” de volta ao punho.  

— Quem é você? - Rowen questionou em um tom alarmado, se preparando para um possível embate. - Como ousa invadir a propriedade particular de um Lorde?

O jovem negro tinha a capa vermelha esvoaçando ao vento, e o rouxinol que anteriormente repousava sobre o parapeito agora havia sentado no ombro do rapaz.

—  Soren. - Elliot respondeu sem muito entusiasmo ao questionamento de Rowen. - Aquele esquisitão do braço de metal que Cass e eu encontramos outro dia.

— Ah, é esse o tal yoliano que Cassandra derrotou com apenas um chute? - Retrucou Rowen, a dupla agora ignorando totalmente a presença de Soren.

— Hey, idiotas! - Esbravejou o yoliano descendo do peitoril e entrando completamente na sacada - Não ignorem minha entrada triunfal. Não foi demais, Ace?

O pequeno rouxinol levantou voo novamente, dessa vez pousando no dedo indicador de Soren.

— Então o pássaro falante era você? - Elliot suspirou - Que sem graça.

— Por Santa Yolia… - Soren balançou a cabeça negativamente em desdém - Vocês não reconheceriam uma obra prima do mecanicismo nem se ela os mordesse. Esse pequeno pássaro mecânico, o Ace, possui um dispositivo de localização por onda sonora além de receber e transmitir sons a uma distância de até cinquenta metros.

— E é assim que você vem nos espionando nos últimos dias? - Perguntou Rowen com um sorriso sarcástico. -  Você realmente achou que eu não perceberia algo estranho em um pássaro arredio como o rouxinol visitando nossa sacada e janelas quase que diariamente? Eu apenas nunca imaginei que se tratasse de um pássaro espião.

Soren liberou a pequena ave mecânica que voltou a repousar sobre o parapeito.

— Até que você é um bom observador. - Soren não pareceu impressionado pela teoria de Rowen - Para um velhote, é claro. Se fosse realmente tão esperto teria percebido que vocês estavam sendo observados naquela reunião patética no cemitério além de seguidamente desde então.

Elliot sentiu um arrepio, uma espécie de desgosto e… vergonha, talvez? Nem ao menos ele sabia explicar, mas ter um momento íntimo como aquele exposto dessa maneira o deixou desconcertado.

— Afinal, o que você quer? - Elliot questionou abruptamente mudando o foco da conversa.

— Garoto direto. Gostei de você, Elliot. - Debochou Soren - Desde o dia que nos encontramos no distrito industrial e sua Sentinela bonitinha destruiu meu braço, resolvi perder algum tempo observando e espionando sua rotina com meus pássaros mecânicos.

— Quer dizer que aquele dia no cemitério… - Elliot começou, sendo interrompido por Soren logo em seguida.

— Aquele dia no cemitério meu corvo, Spade, transmitiu a conversa inteira de vocês. Devo dizer que sinto muito por sua perda. - O sorriso de antes deixou o rosto do yoliano, que agora apresentava uma feição mais séria. - Justo por ter ouvido como você se sente aquela noite que decidi procurar a ajuda de vocês.

Soren se aproximou de Elliot, e, erguendo a manga da túnica branca que trajava, revelou um horrendo ferimento em seu braço não mecânico, causando espanto tanto no jovem lorde quanto em Rowen.

— Fui infectado por essa substância que vocês igelianos chamam de traxia, já vi os efeitos a longo prazo dessa doença dizimarem povoados inteiros em Kul’Yolia, por isso venho cruzando Igelivel inteira em busca de algum antídoto ou cura. Eventualmente minha pesquisa me trouxe a Lowel, onde nos encontramos.

A dupla observou o ferimento gangrenoso de Soren por alguns instantes, antes do mesmo baixar a manga o cobrindo novamente:

— Então a própria nação mãe da alquimia não pode encontrar um antídoto? - Elliot questionou atônito. - Como você acha que podemos ajudar?

— Você pode achar loucura mas, - Soren retirou um pequeno livro antigo de suas vestes, o entregando a Elliot - dizem que o sangue de uma criatura chamada  homúnculo funciona como uma espécie de panacéia que, se administrada de forma correta, pode extinguir até mesmo algo maligno como a traxia. Este livro explica com detalhes a teoria toda.

— Ainda não entendi como Elliot e eu podemos ajudar. - Falou Rowen após ouvir a explicação pouco convincente de Soren. - Temos nossos próprios problemas a resolver com essa carta como você já deve saber se realmente ouviu nossas conversas. Além de não fazer ideia do que seja um homúnculo.

— E quem disse que preciso da ajuda de vocês dois em especial? Meu interesse é na sua Sentinela Elliot, a garota do cabelo prata. - Soren fez uma breve pausa como se estivesse escolhendo bem suas próximas palavras. -  Aquele dia que a enfrentei pude sentir algo diferente vindo dela. A força descomunal e a aparência quase angelical com um olho de cada cor, tudo isso é citado nesse livro.

— Isso é loucura. - Elliot deu as costas à Soren, fazendo menção em voltar para dentro de seu quarto - Seja lá o que for um homúnculo, tenho certeza que Cass não é nada disso. Tampouco ela tem a cura pra essa doença maldita.

— Apenas considere a possibilidade de sua Sentinela não ser humana, Elliot. - Soren subiu novamente no parapeito, se preparando para partir. - Considere ler o livro que lhe dei e observar o comportamento da sua Sentinela por alguns dias… Se depois disso você decidir não me ajudar, prometo não o procurar mais.

Antes de Soren disparar sua mão mecânica em direção a uma grande árvore no outro lado da rua fora do pátio dos Zummarch, Rowen lançou uma última questão:

— Supondo que concordemos em lhe ajudar, como você pretende retribuir o favor? Ou espera que concordemos com você sem a menor garantia?

Soren apenas sorriu confiantemente:

— Bem, Elliot disse aquele dia no cemitério que gostaria de criar um mundo melhor para todos, não disse?  Digamos que eu também seja adepto dessa filosofia e esteja disposto a usar minhas habilidades em prol da causa dele. Parece justo pra você?

— Parece justo pra você, mestre Elliot? - Rowen passou a pergunta adiante para Elliot.

— Contando que Cass não seja ferida ou constrangida no processo, acho que temos um acordo aqui, yoliano. - Respondeu Elliot sem sequer dirigir seu olhar a Rowen ou Soren.

— Vamos salvar o mundo juntos então, ó lorde Elliot! - Exclamou Soren soltando uma estridente gargalhada e disparando sua mão mecânica em direção à árvore, deixando a sacada de Elliot logo em seguida.

Uma carta misteriosa de seu pai com um pedido estranho embutido e agora a teoria de Soren sobre a doença que se alastrava cada dia mais pelo império de Igelivel: dois grandes problemas nas mãos de um jovem imaturo e despreparado para as árduas provações que viriam a seguir.

O mundo fora de sua bolha era feroz e Elliot começava a realizar isso.

• • •

XVIII. Errand Girl

Manhãs amenas, temperadas com uma leve brisa gélida eram as favoritas de Cass. A jovem Sentinela geralmente acordava cedo, muito antes de seu mestre, e após uma rápida caminhada pelo quarteirão voltava para a mansão dos Zummarch com o jornal do dia e pães frescos. As manhãs só poderiam ser melhores se Elliot a acompanhasse em seus passeios matutinos, pensamento esse que arrancava suspiros de Cass enquanto caminhava sem muita pressa pelas belas ruas do distrito nobre.

Carruagens rumavam apressadas pelas largas vias do distrito, dividindo espaço com alguns Stahlpferds: cavalos mecânicos movidos a engrenagens e um mini motor à vapor. Cada “carga” de vapor fervente alimentava o motor de um ferd— como foram apelidados os novos cavalos mecânicos - por até seis horas, quase que substituindo completamente os equinos verdadeiros.

No entanto, naquela manhã em especial Cass tinha outro compromisso alongando sua ausência da mansão, mas como o pedido vinha de Rowen, ela não poderia negar. Ainda mais se fosse algo em benefício a Elliot, como o velho mordomo havia garantido.

Após cerca de quinze minutos de caminhada, a jovem alcançou o quartel sede da milícia de Lowel, encarregada da proteção da cidade porém sendo ainda outro braço da capital.

— Bom dia, gostaria de falar com o capitão Acklight. - Pediu Cass, repousando as mãos sobre o balcão de atendimento do pequeno escritório que fazia fachada ao resto do quartel.

— Então nos vemos de novo, “bela jovem do cabelo prata”. - Respondeu o homem por trás do balcão, demonstrando conhecer Cassandra.

— Nos conhecemos? - Questionou a Sentinela com um olhar confuso - Eu acho que lembraria.

— Henry Barlich, o cara que deu a chave do cemitério para vocês na outra noite. - O soldado gesticulou, aparentemente chateado pela falta de lembrança de Cass.

— Que seja. - Respondeu a moça não muito simpática. - Poderia chamar o  capitão Acklight agora?

Com tais palavras, Cass retirou um bilhete dobrado do bolso de seu casaco marrom, o entregando nas mãos de Henry. As pupilas azuis do soldado dilataram ao ver o conteúdo do bilhete e o tom “galanteador” desapareceu de sua fala no mesmo instante.

— Ele estava esperando por alguém, não imaginei que fosse você. - Comentou o soldado enquanto depositou o bilhete em um tubo a vácuo que servia de transporte de cartas e outros documentos entre os pavimentos do quartel.

Em poucos instantes a porta de ferro nos fundos do escritório se abriu repentinamente, revelando um homem grisalho de estatura baixa e peso considerável. As vestes militares azuis marinho eram as mesmas de Henry, diferenciadas apenas pela camisa semi aberta e algumas medalhas de mérito. O homem ainda carregava consigo uma maleta metálica visivelmente não muito pesada.

— Henry, Henry! - Esbravejou o homem que adentrava no escritório com certa dificuldade no degrau. - Me ajude aqui, sim?

— Sim senhor! Capitão Acklight!

Henry deixou rapidamente a mesa de atendimento e foi em socorro ao homem que arrastava o rechonchudo corpo com a ajuda de uma bengala.

Para a surpresa de Cass, o estranho e atrapalhado senhor que acabara de entrar na sala era o famoso capitão da Guarda de Lowel, Leon Acklight.

— Então, - Começou o capitão enquanto limpava o suor da testa com um pequeno lenço amarelado - Você é a enviada de Rowen afinal?

— Exato. - Cass analisou Acklight da cabeça aos pés - Não imaginava que Rowen tinha contatos com gente importante.

— Eu, importante? - O velho grisalho riu - Aquele maldito tem mais conexões do que você imagina.

Leon ergueu com dificuldade a maleta metálica até em cima do balcão, pedindo para que Henry abrisse a trava de segurança revelando à Cass o conteúdo da mesma:

— Essa é a encomenda que Rowen pediu? - Comentou Cass um tanto decepcionada ao visualizar o conteúdo da maleta  - Uma simples espada?

O interior da maleta era forrado com veludo vermelho e, alocada no centro, estava uma espada desmontada em duas partes: um punho de prata e uma lâmina negra, ambas presas por tiras de couro afiveladas.

— Simples espada? - Comentou Leon franzindo a testa - Essa beleza aqui foi desenvolvida pelo próprio Ewan Zummarch a muitos anos atrás, a lâmina foi forjada em um minério raro capaz de cortar aço, diamante e até mesmo synthec, o material novo desenvolvido para as armaduras imperiais.

— Ewan? - Cass pareceu surpresa ao ouvir o nome do pai de Elliot - Você o conheceu?

O capitão Acklight divagou alguns segundos antes de responder:

— Não só o conheci, como fomos amigos e companheiros de esquadrão enquanto servi ao exército na capital. - Leon secou novamente a testa do suor excessivo - Eu, Rowen, Ewan, Luboc e aquele maldito Algarth… Todos servimos juntos naquele tempo, no tempo em que Cathastrophe era segura.

“Interessante! Então Ewan tinha outros aliados além de Rowen e Leon Acklight. Será que podemos encontrar os outros dois? Luboc e Algarth… Aposto que posso surpreender Elliot se os encontrar .” - Cass pensou consigo mesma.

— Bem, nunca estive em Cathastrophe, então acho que não posso opinar. - Cass respondeu a primeira coisa que veio à cabeça, fechando a maleta e a tomando para si. - Pode ter certeza que a encomenda vai chegar até Rowen em segurança.

— Não sei exatamente o que aquele velho safado está aprontando, - brincou o velho capitão Acklight - Mas o avise que os reparos da “Devoradora de Luz” estão quase prontos. Ele saberá do que eu estou falando.

— Certamente irei, obrigado, Sr. Leon. - Respondeu a moça assentindo com a cabeça.

Ao se preparar para deixar o escritório, Cass não pode deixar de reparar em um grande mural de “procurados” preso na parede, e entre os os rostos e nomes um em especial chamou sua atenção:

— Sigfried Aubrasiel. - Cass leu para si mesma - Já ouvi Rowen e Elliot mencionarem esse nome antes... Parece realmente familiar.

Deixando os devaneios de lado, Cassandra deixou apressadamente o prédio da milícia de Lowel, em um ritmo mais rápido do que uma caminhada normal. Ao cruzar a avenida principal do distrito, sentiu  uma dor intensa na mão direita a qual carregava a maleta e sentiu a força se esvair de seu braço inteiro. A dor a fez soltar a maleta no canto da calçada e observar seu braço e mão:

— O quê infernos é isso? - Cassandra percebeu pequenas veias negras surgirem na pele alva de seu braço e com elas, as dores piorarem exponencialmente.

Para completar a situação, uma dor pontiaguda surgiu no peito de Cass, acompanhada de uma repentina tosse seca, fazendo a jovem cuspir algumas gotas de sangue escurecido.

Seria um efeito colateral da lâmina negra armazenada na maleta? De qualquer forma, Cass estava decidida a cumprir sua tarefa e entregar a espada à Rowen. A Sentinela respirou fundo ignorando a dor e os estranhos sintomas, juntou a maleta misteriosa e apressou o passo para casa.

• • •

XIX. Withered Rose

Gemidos incompreensíveis e goteiras letárgicas eram tudo o que podia ser ouvido naquele ambiente tórpido, localizado no subsolo muitos metros abaixo do palácio em Cathastrophe, capital imperial. O local nada mais era do que uma prisão abandonada e esquecida há décadas, agora utilizada pelo general Algarth Steincross para enclausurar e torturar possíveis inimigos. Mas o uso principal das instalações era outro: minar a sanidade e fomentar obediência absoluta de criminosos condenados e criar novos Executores.

Comparar aquele ambiente à uma prisão convencional era injusto, aquelas catacumbas esquecidas pelo mundo eram a entrada direta para o inferno, fazendo jus ao nome Câmara dos Sussurros, como fora batizada pelo general. Uma vez ao dia, algum carcereiro levava algo quase comestível, geralmente restos de comida, e depositava em pequenos cochos de pedra, localizados logo na entrada das celas molhadas e tomadas por limo e outros fungos.

No fundo de um longo corredor lotado de celas pútridas, estava a prisioneira a qual Algarth havia ido visitar aquela manhã.

— Ah, o prazeroso odor da morte. - Cantarolou Algarth, iluminando o caminho com uma lâmpada à óleo. - Já estava quase sentindo saudades desse lugar.

O general estava coberto por um manto negro, deixando apenas as mãos e a cabeça à vista e carregava presa nas costas uma grande case metálica, sendo essa quase tão grande quanto si próprio.

Ao se aproximar da última cela do corredor, Algarth estendeu o braço em direção às grades de ferro, iluminando o cubículo até então envolto em trevas e revelando a figura sombria enclausurada ali.

— Minha doce Galatea, como você está se sentindo nessa manhã ensolarada? - Debochou o general com um sorriso no rosto - Bem, ao menos lá fora o dia está radiante.

A figura sombria na cela nada respondeu, apenas permaneceu sentada no chão ao centro da cela. Aparentava ser uma mulher jovem, estava nua e possuía a pele extremamente branca apesar da sujeira. A falta de melanina denunciava sua longa estadia naquelas condições. Os cabelos que lhe cobriam o rosto quase que totalmente eram negros e muito longos, totalmente encardidos e embaraçados. A moça estava em um estado deplorável.

— Hoje é seu dia de sorte, querida. - Continuou o general torcendo o nariz pelo forte odor de fezes e urina que emanava da cela - Surgiu outra oportunidade de mostrar seu valor como uma Executora, outra chance única de se reunir com sua amada irmã.

A prisioneira, Galatea, se aproximou das grades ao ouvir tais palavras:

— Minha… irmã? - Balbuciou ela com fraqueza.

— De fato, minha doce flor, - Respondeu Algarth retirando a case de suas costas e a abrindo frente aos olhos de Galatea - eu até a trouxe para me ajudar tirar você daqui.

Os olhos negros e sem vida de Galatea ganharam certo brilho ao vislumbrar, mesmo que meio ao breu, o conteúdo da caixa metálica que Algarth havia justo aberto: Uma grande foice forjada no indestrutível aço negro, com o cabo e os detalhes em dourado.

— Os Executores precisam dos serviços da velha Rosa Negra novamente, Galatea. - Algarth fechou a caixa metálica de sopetão causando em grande estrondo - E você deseja sair daqui e se reunir com sua irmã, não é?

— Rute… - Sussurrou a prisioneira esticando o braço para fora da grade em direção a caixa que guardava sua majestosa foice.

Algarth retirou uma velha chave de suas vestes e abriu o cadeado maciço que selava a moça no confinamento. Ao entrar na cela, o general ainda removeu seu manto e envolveu Galatea com o mesmo.

— Vamos juntos, você, Rute e eu executar novamente nossos inimigos em um banho de sangue glorioso!

— Sim… - Sussurrou Galatea com um sorriso se formando no rosto abatido - Rute e eu… Executaremos todos.


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Notas finais do capítulo

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