The Call escrita por Pat Black


Capítulo 7
Amar o perdido, deixa confundido, este coração.


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora do post. Tive alguns problemas.
*
O trecho que nomeia o capítulo pertence ao poema "Memória" de Carlos Drummond de Andrade.
*
O capítulo anterior revelou o início do plot twist da história. Por que nada é o que parece. Ao longo da fic deixei pistas e um dos meus poucos, mas muito apreciados leitores, acertou.



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A ideia de que ela estivesse brincando comigo me tomou com mais força. De alguma forma ela sabia onde eu morava, quem eu era e estava me pregando uma peça muito elaborada.

Meu lado racional pensou isso, mas meu coração confiava em Lane.

Rick, agora sei que você está de brincadeira.

— Eu?

Claro! Eu estou em minha casa, em meu quarto e o endereço é esse.

— Pois estou em minha casa, em meu quarto e o endereço é esse.

Ela calou e eu passei as mãos no cabelo sentando na cama, sem saber como agir e o que pensar da Lane.

Talvez ela fosse uma garota com algum tipo de distúrbio mental e não conseguisse controlar as coisas que fazia. Talvez não pudesse evitar mentir.

Eu não sabia o que pensar.

Estava com raiva, frustrado, magoado. Sem entender o que estava acontecendo. Por que Lane dizia que não estava mentindo, ou brincando, e eu, inexplicavelmente, acreditava nela.

Rick.

— Estou aqui.

Você não está mentindo, não é?

— Não, não estou.

Então, o que está acontecendo?

— Não sei.

Olhei em volta, para a penumbra do quarto, o modo como as luzes da rua davam ao lugar um aspecto um pouco assustador agora.

— Talvez moremos no mesmo prédio, mas em andares diferentes.

Conheço todos os meus vizinhos. — Ela respondeu.

— Eu só conheço a Sra. Hernandes. Ela mora no apartamento em frente ao nosso. 

Izabel Hernandes?

— Sim.

Ela mora em frente ao meu apartamento.

— Certo... Então moramos no mesmo prédio, mas é impossível que ela more em frente ao seu apartamento, por que ela mora em frente ao meu.

Olha. Vamos nos encontrar em frente ao prédio, agora mesmo. Que tal?

— Ok. Vou ter que desligar.

Se tivesse um celular não precisaria?

— Já te disse que são caros.

Você é a única pessoa que conheço em pleno século vinte e um que não possui um celular.

— Vinte. — Falei parando no meio do quarto.

Como?

— Você disse século vinte e um, e ainda estamos no século vinte.

Achei que foi um deslize dela, por que a Lane era inteligente.

Rick, eu sei em muito bem em que século estamos.

Fiquei calado, olhei para o telefone em minha mão e estreitei os olhos. Aquela situação estava se tornando surreal agora.

— Lane, não brinque assim, sabe muito bem que estamos em noventa e sete.

Foi a vez de Lane ficar calada, e logo começou a rir.

Agora não tenho dúvidas de que isso é uma piada.

— Não estou brincando. — Falei sério. — Em que ano acha que estamos Lane?

Eu não acho, estamos em dois mil e dezessete.

Tive vontade de desligar o aparelho naquele momento. Quase o fiz. Mas Lane não era mentirosa. Eu sabia. Sentia.

No entanto, quais as chances de que eu estivesse falando com uma pessoa que vivia vinte anos no futuro?

Nenhuma. Dizia meu lado racional.

Mas meu coração não podia acreditar que ela fosse louca, mentirosa, ou perversa. Lane não era esse tipo de pessoa.

Levei alguns minutos em silêncio e ela nada disse também. Parecia estar, assim como eu, considerando o bizarro de toda aquela situação.

Rick?

— Isso é impossível Lane. Mas explicaria muita coisa.

É impossível.

Olhei em volta e voltei a sentar na cama.

— Isso não acontece na vida real. — Soltei a encarar a parede e relembrar nossas conversas, todas as referências que ela fazia sobre filmes que eu nunca ouvi falar. 

Acho que estamos no mesmo quarto. — Lane disse e tive de concordar.

— Por isso só conseguimos conversar quando estamos aqui?

Acho que sim.

— Ok, é loucura. — Falei, olhando ao redor.

Você deve achar que estou mentindo ou sou louca.

— Meio isso.

Pois eu também acho o mesmo de você, nesse exato momento. — Ela explicou e olhei na direção da janela. — Pena que não podemos dizer nada que comprove quem está mentindo, ou se isso é real.

— Você poderia me contar algo que vai acontecer amanhã. — Falei, mas depois achei que não seria correto. — Esqueça isso.

Não, não. É uma bom plano.

— Não é não.

E o que podemos fazer?

Fiquei em silêncio e me aproximei da janela, olhei para fora, e encostei a testa no vidro.

O estranho da situação me impedia de perceber o pior problema que possuíamos.

Estávamos separados por vinte anos.

Se aquilo fosse verdade, se Lane realmente estivesse em dois mil e dezessete, eu estaria com quase quarenta então. Velho demais para procurá-la. Talvez até mesmo morto.

Quem saberia?

Eu estava apaixonado por Lane, mas sabia que vinte anos seria um tempo muito longo para esperar por alguém. E não seria justo com ela também.

Rick?

— Acho que deveríamos desligar agora. — Falei, por que mal conseguia respirar. — Precisamos pensar melhor sobre isso. É tudo tão estranho... e inacreditável.

Ela concordou e desliguei sem ao menos dizer boa noite. Caminhei até a janela e fiquei observando o deserto das ruas abaixo. Pensava em Lane e em todas as nossas conversas. No como me senti enganado e ofendido quando cheguei ao local do encontro e não a vi. No mal que pensei dela e no absurdo da situação que vivíamos.

Em minha mente só pensava que era loucura e, ao mesmo tempo, que só podia ser verdade.

Eu tinha encontrado uma garota incrível e estávamos separados pelo tempo.

Coisa de ficção cientifica.

Não tentei entender como aquilo podia estar acontecendo. Não fiquei tecendo mil e umas explicações para a conexão que tínhamos. Apenas fiquei sentado à janela, olhando para o vazio a pensar o que fazer dali em diante.

Quem sabe outro cara achasse a situação divertida e mantivesse aquela amizade com mais afinco, perguntando sobre o futuro, apenas por curiosidade ou por interesse. Mas eu não achava nada daquilo engraçado. Lane estava ali, e mesmo assim, muito distante.

Se fossem apenas por mim, diria a ela que estaria esperando. Mas não era tão simples. Não sabia como seria minha vida durante aqueles anos, nem se poderia continuar apaixonado por uma garota que nunca vi por tanto tempo.

A vida é cheia de tantas reviravoltas que não poderia fazer a Lane uma promessa dessas. Esperar por ela. Encontrá-la depois de tanto tempo. Vinte anos não eram dois ou cinco. Era uma vida. E não podia oferecer a Lane um homem vivido, que não fazia seu tipo. Nem poderia saber que tipo de pessoa eu seria então.

E não podia manter contato e continuar a me apaixonar por ela, sofrendo com sua distância.

Não era justo com nenhum de nós dois.

Nos conhecíamos há um mês, seria melhor que não levássemos aquela situação adiante.

Evitei ligar para Lane nos dias que se seguiram. Desliguei o aparelho do meu quarto para evitar a tentação de ligar para ela, ou de atender se ela me ligasse. Não sabia se aquela conexão entre nós duraria muito mais. Talvez fosse algo de dias para que não mais pudéssemos nos falar, e não queria imaginar como seria quando, do nada, isso ocorresse.

Mas ainda não podia falar com ela, e só o fiz quando me decidi.

— Lane?

Meu Deus, Rick! Tenho tentado te ligar todos os dias, em todos os horários. Até menti no trabalho, disse que estava doente, para não sair do quarto.

— Não queria criar problemas pra você.

É tudo verdade não é? Isso que estamos vivendo?

— É sim. Tenho certeza que sim.

Por que demorou tanto em me ligar?

— Tinha que tomar uma decisão.

Sobre nós?

— Sim.

Não faça isso. Eu sei que é loucura e são vinte anos, mas não faça isso. — Ela pediu, entendendo qual tinha sido minha escolha.

— Não vai dar certo. É muito tempo.

Não...

— É muito tempo para nós dois.

Foi o máximo que conseguir dizer sem chorar.

— Não... Olha, nós podemos...

— Deixei algo para você. — A interrompi. — Na parede, embaixo de sua janela, o segundo tijolo, no meio, de cima pra baixo. Vai precisar raspar o cimento. E nem sei se está aí ainda. Mas não procure agora. Por favor, Lane. Não agora.

Talvez tenha sumido com o tempo, eu tinha colocado pela manhã, mas em vinte anos muito podia acontecer.

Eu não me importo que você esteja mais velho agora.

— Mas eu me importo. Sei que sempre vou me importar. — Parei e resolvi ser cruel. — Eu posso conhecer alguém Lane e me apaixonar.

Não aconteceu, mas não tinha como eu saber naquela época.

— Adorei nossas conversas e sempre vou me lembrar de você, mas essa é a última vez que vou te ligar.

Eu vou continuar te ligando até que me procure.

— E eu não vou atender. — Afirmei.

Rick, por favor... Me procure... Meu nome é Lane Dummont, estarei...

— Adeus Lane. — Disse e desliguei.

O telefone tocou novamente, mas eu puxei o fio do interruptor.

Durante todos os três anos que moramos naquele apartamento nunca mais tive uma extensão em meu quarto.

Nos meses seguintes a minha decisão de parar de conversar com Lane, não me alimentava direito e perdi muitas aulas. Quase bombei no semestre. E nada me interessava o bastante.

Shane não entendia o que estava acontecendo, por que eu nunca falava o que me atormentava, e sempre dizia que tudo estava bem. Acho que ele pensou que eu estava triste por Lori. Não podia estar mais enganado.

Só contei sobre a Lane ao Shane anos depois, quando já tínhamos nossa firma, e em uma noite em que eu tinha bebido demais.

Ele não acreditou.

No entanto, no dia seguinte, Shane me levou de carro até a cidade que Lane nasceu e viveu antes de vir para Atlanta. Um lugar onde todos se conheciam, e não foi difícil encontrá-la.

Ela morava em uma rua no subúrbio, uma casa pintada de verde, com uma grande árvore na entrada.

Quando chegamos algumas crianças brincavam do lado de fora, todas na faixa dos oito a dez anos. Não soube qual delas era Lane até que uma senhora a chamasse para entrar.

Descobri, naquele momento, que não deveríamos ficar juntos.

Eu passei anos cuidando de minha vida, mas ela tinha me marcado fundo. Eu ainda me lembrava de nossas conversas, nunca tinha lhe esquecido e imaginava que poderia procurá-la no futuro. Tinha esperanças, apesar de tudo. Tive relacionamentos, mas nenhum nunca deu em nada. Nenhuma mulher, por mais interessante que fosse, jamais me fez sentir daquela maneira que tinha experimentado com Lane.

Nunca tínhamos sequer nos visto e ainda esperava por ela.

Mas, quando a vi, pela primeira vez, eu tinha quase trinta e ela menos de dez. É só fazer as contas. Mesmo doze anos à frente, eu ainda seria muito mais velho que ela.

Parti dali e a esqueci.

Shane casou e eu morei com uma garota. Nunca tive filhos e esse meu relacionamento azedou depois de quatro anos juntos. Ela me dizia que eu não me entregava por inteiro, que vivia para o trabalho, e eu sabia que era a verdade, por que foi quase o mesmo discurso que ouvi de todas as namoradas que tive ao longo dos anos.

Uma ligação tinha mudado minha vida para sempre.

Doze anos depois voltei a procurar por Lane. Era a época correta, um mês depois da pior tempestade em Atlanta em vinte anos. Lembrei a data e era o aniversário dela. Aquele em que ela conseguiu o papel na peça que tanto almejava. Ela estaria no café e fui vê-la.

No caminho passei por uma floricultura e comprei duas dúzias de rosas vermelhas. Não sabia por que, não ia dizer a ela quem era, ainda nos falávamos por telefone, sem imaginar a loucura de ligação temporal que ocorria entre nós, mas não resisti ao impulso.

Cheguei e era cedo. Sentei em uma das mesas e a reconheci de imediato. Ela era uma jovem linda, sorridente, bem-humorada e atenciosa. Fiz um pedido qualquer e continuei ali a observá-la vez ou outra, até que começaram a cantar os parabéns e foi uma algazarra.

Esperei que a maioria das pessoas se afastasse e me aproximei. Não disse nada, apenas lhe entreguei uma das rosas. Ela me encarou e sorriu, mas seu olhar não escondia sua confusão.

Lane não me reconheceu. Como poderia? Eu era um completo estranho. Um homem mais velho, com quase quarenta, que não fazia seu tipo.

Não disse nada e saí, joguei o resto das rosas em uma lixeira e voltei para o escritório.

Tínhamos feito uma fusão com uma firma grande há alguns anos e eles queriam que nos mudássemos para Nova York. Shane e a esposa, a ruiva/virgem, estavam empolgados em partir, meus pais já estavam lá e Jeff também, mas eu ainda tinha dúvidas.

Agora não mais.

Só precisava me despedir de Lane e seguir em frente.


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Notas finais do capítulo

Bem é isso.
Lembram do homem da rosa há dois capítulos atrás? Era o Rick.
Deixei também algumas pistas como os banners: as fotos do Rick são antigas e as da Lane mais recentes, novas. Ele não tem celular por que eram caros em sua época, pequenas coisas assim.
A história é inspirada em A Casa do Lago, A Mensagem de Charity e In Your Eyes.
Amo a ideia de viagem no tempo, loops temporais, universos paralelos, e aqui fiz uma primeira tentativa (em TWD) nesse sentido. Tenho outra ideias que ainda sairão. Mas serão fics um pouco mais longas.
O próximo é o capítulo final.



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