Rei do Baile 2017 escrita por WakaZ


Capítulo 6
Deixa o relógio rodar


Notas iniciais do capítulo

Algumas pessoas se mostraram interessadas em saber sobre o backstory do Victor e do Yuuri e, bem, bolei esse capítulo especialmente pra isso. Já aviso que acabou saindo um pouco maior do que o que os capítulos anteriores. O título dessa vez é referência da música do Dennis part. João Lucas e Marcelo.



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Para Yuuri, tudo começou há 13 anos.

— Pois é, Yuuri, seria interessante você procurar uma atividade física pra perder esse peso. Não tem algo que você goste de fazer?

As palavras do pediatra ficaram por uns dias na sua cabeça. Ele sempre fora um garoto gordinho e por isso alguns meninos da escola pegavam no seu pé. Só que ele nunca se interessou por alguma atividade física antes.

Sua mãe disse que natação era uma boa opção, visto que se gastava mais energia na água do que em terra, além de ajudar a desenvolver os ombros. Yuuri rapidamente descartou a ideia porque usar traje de banho na frente de pessoas desconhecidas era algo que não se via confortável fazendo.

Seu pai deu a sugestão do judô, dizendo que uma arte marcial também melhoraria seu auto-controle. Porque sim, desde criança Yuuri já era ansioso e era terrível lidar com isso em época de provas. Tinha o hábito de descontar a ansiedade na comida, o que o fez ganhar peso ao longo dos anos. Porém Yuuri também não pensou muito em ser judoca pois lutar fisicamente com os outros era algo que o assustava.

Yuuri era desastrado no futebol, baixinho demais para basquete ou volei. Ele se lembrou de uma vez que seu professor de educação física comentou que ele tinha bastante resistência, o que seria ótimo para corridas longas de atletismo. Mesmo assim não era uma ideia que o chamasse tanto a atenção.

Foi nessa época em que aconteceu a Semana Cultural da escola, tendo um dia específico para o Show de Talentos dos alunos. Uma menina de algumas séries acima fez uma apresentação incrível de jazz, que deixou Yuuri encantado no instante. Foi o primeiro contato que ele teve com a dança e também foi o momento que percebeu que era aquilo que queria fazer.

Demorou alguns dias antes que tivesse coragem de se aproximar dessa garota no recreio, mas assim que Yuuri perguntou sobre as aulas de jazz, ela se mostrou muito amigável.

Seus pais não viram problema em pagar as aulas de dança e logo Yuuri estava envolvido no jazz mais do que qualquer outra atividade. No salão ele conheceu Yuko e Takeshi, amizades que durariam até os tempos atuais.

Era incrível como dançar conseguia tranquilizá-lo por completo. Segunda e quarta passaram a ser seus dias favoritos da semana e as apresentações, embora o deixassem uma pilha de ansiedade, eram o que mais aguardava no bimestre. Seus pais sempre faziam questão de ir e tirar muitas fotos - para desespero de Yuuri.

Alguns anos mais tarde, quando Yuuri tinha 15 anos, o hip hop se tornou muito popular entre os jovens. Todas as noites os clipes eram exibidos na televisão e as músicas tocavam em todas as rádios. E é claro que a dança de rua também ganhou destaque nesse período.

O jazz era muito bom, mas Yuuri queria experimentar a novidade, a grande onda do momento. Eram ambientes muito diferentes: a aula de street dance tinha alunos mais velhos, muitos garotos e ar descontraído ao passo que o salão de jazz praticamente só havia alunas, todas bem novas e bem disciplinadas.

A flexibilidade desenvolvida no jazz o ajudou imensamente a pegar o jeito do hip hop. Rapidamente ele alcançou o nível dos alunos mais velhos e mesmo com a diferença de idade todos o tratavam muito bem. Yuko e Takeshi, enquanto isso, continuaram com as aulas de jazz, mas os três não perderam o contato. Com a internet, eles se falavam todos os dias.

Foi nessa mesma época que houve a explosão do funk, que fazia o maior sucesso nas festas, fossem de aniversário, casamento ou nas próprias casas noturnas. Como música de cunho popular e com letras sugestivas (e em muitos casos bem explícitas), choviam críticas ao novo estilo que aos poucos dominava o Brasil. Yuuri achava engraçado como as mesmas pessoas que criticavam funk por ser obsceno também eram fãs de hip hop, que tinha letras tão sensuais e apologéticas quanto.

O fato é que Yuuri gostava. Mais do ritmo do que das letras, na verdade. As letras conseguiam deixá-lo envergonhado. Mas havia algo na batida, no ritmo, que fazia com que não pudesse ficar parado. Como na época era considerado uma abominação gostar de funk, Yuuri guardou esse segredo para si, dançando escondido em casa.

Outro lugar onde ele podia dançar escondido era com Yuko. Quando ele admitiu, em uma conversa casual, que na verdade gostava de funk, Yuko se surpreendeu de uma forma positiva. Ela também gostava das músicas, mas tinha ficado com receio de contar para Yuuri. Seus pais tinham acabado de abrir a academia na época e os dois decidiram dançar juntos naquele espaço.

Desde então o salão de aulas coletivas se tornou o maior refúgio de Yuuri quando ele precisava esvaziar a cabeça ou tomar uma grande decisão.

Chegado o último ano da escola, Yuuri precisou fazer a escolha mais importante para o seu futuro: apostar na dança ou escolher uma outra profissão. A questão era: dançar era o que ele mais gostava na vida, mas seria o suficiente para se manter? Era um espaço para poucos e não havia muito retorno. Yuuri queria retribuir o cuidado dos seus pais da mesma forma que sempre cuidaram dele. Talvez ele pudesse apenas trabalhar na lanchonete ou assumir os negócios, mas Mari já trabalhava nesse setor.

Foi uma decisão difícil, optar pela graduação. Era algo que Yuuri já havia pensado alguns anos antes, mas ter que de fato fazer essa escolha o deixou mal por um tempo. Ter que abrir mão do seu sonho para ter uma abordagem mais realista era destruidor.

Então Yuuri ia para a escola de manhã, para cursinho à tarde e para o salão à noite. Era como um turista na própria casa, só chegando para comer e dormir. Foi um período difícil e complicado, tendo apenas Yuko, a dança e a montanha de exercícios como companhia. Mas Yuuri jurou não voltar atrás na sua decisão e se dedicava como ninguém.

No mesmo período de tempo, um MC especial o chamava atenção. Ele tinha acabado de surgir no cenário, mas já estava em uma ascensão meteórica e, minha nossa, como ele era bonito. MC Dois L tinha um estilo único de música e era o MC favorito de Yuuri e de Yuko. Os dois chegaram até a tentar imitar algumas coreografias, mas nunca conseguiram representá-las com exatidão. Dois L estava em um nível acima deles e de qualquer outro dançarino que pudessem ter se inspirado.

Ele acabou passando para o curso de Engenharia Civil e se ele achava que as coisas ficariam melhores, ele estava muito enganado. A faculdade tinha uma cobrança enorme, professores exigentes e toneladas de tarefas que deixavam o vestibular no chinelo. O tempo que Yuuri passou dançando na academia o recompensou com uma incrível habilidade e facilidade coreográfica a um ponto que Yuko não conseguia mais acompanhá-lo como na época em que eram adolescentes.

Na faculdade Yuuri fez amizade com Minako, sua veterana. Na verdade, essa era a segunda graduação dela e por diversas vezes foi ela quem o ajudou em momentos difíceis na universidade, como a crise horrível que teve depois da prova de Física ou quando ele pensou em desistir de tudo, pela milésima vez, mesmo tendo jurado não desistir.

Mesmo com bem mais idade que a maioria dos graduandos, Minako era uma festeira de respeito. Yuuri pessoalmente não gostava muito desses ambientes justamente pelo seu “pequeno problema” com álcool, mas com certa frequência ele era arrastado para alguma choppada pela amiga. Foi em uma dessas festas da faculdade que ele deixou o seu segredo vazar, dançando com Minako como se aquela fosse a última festa da sua vida. Quem iria imaginar que o reservado Yuuri desembestava tanto depois de alguns drinks?

Aos trancos e barrancos Yuuri conseguiu o tão buscado canudo. O diploma, na verdade, não representava muito mais do que 6 árduos anos de estudo. Não havia nenhum sentimento de grande realização ou conquista. Yuuri sabia o porquê: o que ele sempre quis não era um CREA. O que ele sempre quis estava em um salão de tábuas corridas e paredes espelhadas.

O paulista pensou que ao se formar finalmente se sentiria realizado com o curso, que veria uma recompensa nisso tudo. Porém ele se sentia mais perdido que nunca. Sempre tinha focado em passar nas provas, sem pensar muito no que viria depois. Ele tinha estudado tanto e agora... E agora? O país passava por uma época ruim, faltando vaga no mercado justamente para os engenheiros. Ele tinha se formado em algo que nem era sua primeira opção e nem emprego conseguia arranjar.

Vendo o amigo tão cabisbaixo com a situação, Minako decidiu levá-lo para uma viagem ao Rio de Janeiro, usando a formatura como justificativa. Nenhuma das partes poderia imaginar que aquela escolha mudaria tão drasticamente a vida dos dois.

A ocasião em que o vídeo viralizado foi filmado foi um tanto inusitada. Na verdade, Yuuri estava em um churrasco na casa de Yuko, um evento de confraternização entre amigos. Papo vai, papo vem, até que um dos integrantes da mesa soltou:

— Yuuri, você não tinha apostado com a gente que a essa época do ano já estaria com emprego?

Ele sentiu a espinha gelar porque, de fato, ele tinha feito aquela aposta. O pequeno grupo havia meses atrás provocado Yuuri a respeito das vagas de emprego, dizendo que não adiantava se preocupar muito com o tempo que ele demoraria para se formar, já que não havia espaço no mercado de qualquer forma. Yuuri rebateu dizendo que por volta desta época a economia já estaria começando a se erguer e que ele pegaria o mercado em momento de ascensão.

Mas seus amigos estavam certos.

— E o que apostamos, aliás?

— No final das contas ficamos debatendo e não decidimos...

Foi Yuko quem acabou dando a ideia:

— Que tal se você dançar algo pra gente?

A mesa inteira se voltou pra Yuuri. Nenhum deles havia o visto dançar antes, muitos provavelmente nem sabiam que Yuuri ainda dançava.

— Pode ser uma do Dois L, né? – Yuko completou.

Yuuri se sentiu extremamente envergonhado sendo o foco de tantos olhares curiosos. Ele nunca tinha dançado funk para alguém antes e agora estava diante de uma mini plateia, uma plateia de conhecidos ainda por cima. Mas Yuuri não era o tipo de homem que voltava atrás nas suas próprias palavras e, embora internamente estivesse gritando de desespero, aceitou a prenda.

Terminou de beber a caipirinha do seu copo, esperando que o álcool desse o boost de coragem que ele precisava para performar aquele tipo de dança, e se dirigiu para uma região aberta de forma que a mesa em que todos estavam sentados se tornasse uma arquibancada preparada para o show.

Sem que alguém visse, as trigêmeas filhas de Yuko – apelidadas carinhosamente de Passinho, Quadradinho e Sarrada – puseram o celular a postos para gravar a cena.

Yuuri respirou fundo e sem aviso prévio Takeshi, que agora era casado com Yuko, deu play na música ‘7 da manhã’. Seus músculos responderam automaticamente à música que conhecia tão bem, cuja coreografia havia aprimorado com perfeição. Poderia ter sido o efeito do álcool, do desafio, da plateia que ansiava por sua apresentação ou todos esses fatores juntos que fizeram Yuuri dançar de forma tão impressionante e envolvedora. Uma apresentação precisa da parte técnica e mais ainda nas partes artística e emotiva. Treinando sozinho na academia ele falhava em demonstrar o último quesito, mas diante daquela situação ele foi capaz de expressar com perfeição todo o sentido da música.

O resultado desse evento todo nós já sabemos.

Especulação: Yuuri nunca havia pensado em dançar competitivamente pra valer, como profissão. Victor apareceu naquele dia do Mercadão para mostrar uma oportunidade completamente nova.

Fato: Yuuri sempre pensou em ser um dançarino profissional. Victor apareceu no momento certo, na hora certa para impulsionar algo que já havia dentro de si. Victor acreditou em Yuuri quando nem ele mesmo acreditava. Victor abraçou o sonho de Yuuri como se fosse o dele próprio.

Yuuri nunca conseguiria agradecer o suficiente por tê-lo salvo – de todas as maneiras possíveis que alguém pode ser salvo.

 

 ~~~~~~~~~~

 

 Na madrugada que se seguiu ao dia da semifinal, Yuuri se encontrava novamente no backstage da HSBC Arena. Sozinho no camarim, com a televisão desligada, ele ouvia o conhecido barulho de pessoas vibrando. Aproximando-se da penteadeira, o espelho era velho e fosco. Não havia como ver o seu próprio reflexo.

— Yuuri Katsuki, onde você está?  - A voz no microfone anunciou.

Certo, ele deveria estar lá em cima competindo na final. E por que diabos não estava a postos? Por quanto tempo estavam esperando-o?

Yuuri abriu a porta do camarim desesperado. Qual não foi a sua surpresa em encontrar as pessoas mais importantes da sua vida ali enfileirados no corredor: seus pais, irmã, Minako, Yuko. Suas pernas pareciam pesadas e por mais que tentasse ir mais depressa para chegar a tempo no palco, elas eram incapazes de obedecer.

E as pessoas olhavam. Encaravam-no sem expressão e sem falar absolutamente nada. No final do corredor, quase chegando na escada de acesso, Victor o esperava impacientemente com os braços cruzados.

— Victor, eu...

Yuuri não sabia o que dizer. Não conseguia pensar em uma desculpa convincente ou que fizesse algum sentido para justificar o seu atraso. Ele nem sequer sabia o porquê estava atrasado.

— Não importa, Yuuri, você precisa subir logo!

Ele conduziu Yuuri pelos ombros pela pequena distância que faltava ser percorrida até a entrada do palco. O dançarino subiu alguns degraus, parou no meio do caminho e olhou para trás – mas já não havia mais ninguém. Nem Victor, nem sua família, nem seus amigos, nem a equipe. Apenas um subsolo deserto.

Finalmente fazendo sua subida ao palco, se deparou com a plateia lotada, mas o espaço era muito maior que antes. Havia pessoas até onde a vista alcançava e nenhuma delas esboçou qualquer reação. Os rostos desconhecidos o fitavam como as pessoas no corredor: sem transparecer qualquer emoção, silenciosamente julgando-o.

Na outra extremidade do palco, perto da saída, Chris estava sentado de pernas cruzadas em um trono de estofado vermelho e detalhes dourados localizado em uma plataforma acima do nível do palco. Seu rival o olhava com ar de superioridade, desafiador e com um sorriso sarcástico.

O Rei levantou devagar uma das mãos e ao estalar dos dedos, que ecoou por toda a silenciosa Arena desde que Yuuri subira ao palco, a música de sua apresentação começou a tocar. Chris em nenhum momento desviou os olhos de Yuuri.

O desafiante foi pego de surpresa, mas rapidamente se lembrou da coreografia, porém seu corpo não parecia obedecer aos seus comandos. Seus membros pesavam toneladas e era impossível fazer um movimento fluido. Ao invés da rotina que estava costumado a dançar, Yuuri apresentava movimentos rígidos, sem amplitude ou naturalidade.

Era desesperador.

Então Chris começou a rir. Sua risada conseguia ser mais alta que a música ambiente e parecia cercar-lhe por todas as direções. Logo a multidão infinita que se estendia logo a frente também começou a rir e a apontar para o palco. Yuuri queria simplesmente sumir ou pelo menos conseguir controlar o próprio corpo para sair correndo de lá – mas era impossível. Yuuri era uma marionete.

Em um instante, Chris apareceu bem a sua frente. Ele pegou Yuuri com as duas mãos pelo tecido da regata, erguendo-o até ficar na ponta dos pés.

— Você acha que pode me vencer assim?

Ele não conseguia responder. Os olhos verdes pareciam o esmagar por inteiro e Yuuri nunca havia se sentido tão pequeno, frágil e tolo na vida.

— Você é patético, moleque – Chris disparou, jogando Yuuri para trás.

Ele perdeu o equilíbrio e pode observar as luzes dos holofotes girando antes que batesse com as costas no chão.

Batesse, supostamente, no chão.

“Patético”

Yuuri acordou em um salto, com a camiseta encharcada, a boca mais seca que nunca e respiração pesada. Demorou alguns segundos para se situar onde estava e o que tinha acontecido.

Uma fraca chuva caía do céu escuro e ele estava na sua cama do quarto-closet. Tinha sido apenas um pesadelo. Na verdade, um pesadelo bem intenso a julgar pelo estado de suas roupas e das cobertas completamente bagunçadas. Tentando se recuperar, levantou da cama, trocou a camiseta e se dirigiu até o banheiro no andar debaixo.

Seu reflexo pálido e com fundas olheiras o fazia companhia enquanto lavava o rosto melado de suor. As palavras que o Chris do sonho havia dito martelavam incessantemente na sua cabeça e, enquanto esfregava o rosto com a água da torneira, ainda podia ver o mesmo par de olhos menosprezando-o.

Saindo do banheiro, se dirigiu diretamente para a cozinha, onde encheu um copo d’água gelada. Nesse momento percebeu como a mansão era assustadoramente silenciosa e vazia a essa hora da madrugada, muito diferente do ambiente amistoso que transparecia durante o dia.

Yuuri também percebeu alguma coisa no sofá, que sua miopia não o deixava discernir no meio da escuridão. Aproximando-se do móvel, ficou aliviado em descobrir que era apenas Makkachin dormindo tranquilamente. Com a chuva caindo lá fora, o cachorro tinha vindo se abrigar dentro de casa. Yuuri, com cuidado para não o acordar, sentou-se ao seu lado.

— Patético, é? – Ele falou sozinho, fitando o copo d’água que suas duas mãos seguravam – Bem, talvez eu seja mesmo.

Tomando mais um gole, ele começou a acariciar Makkachin, deixando que a sensação dos pelos macios do poodle o distraísse um pouco.

Yuuri sabia que precisava voltar a dormir o quanto antes para estar bem descansado no dia seguinte. O problema é que, além de ter perdido completamente o sono, ele sabia que ficar sozinho no quarto-closet não o ajudaria a relaxar. Nesse momento, estar sozinho apenas com seus pensamentos era a pior coisa que poderia fazer.

Pensou em ligar a TV e tentar se distrair com um programa, mas o barulho certamente acordaria Makkachin e talvez até mesmo o Victor.

Victor? Yuuri se lembrou que ele estava dormindo no andar de cima. Uma ideia passou por sua cabeça, mas parecia abuso demais.

Ou talvez não. Victor era a única pessoa que poderia o ajudar no momento, mas... Seus dedos tapeavam ritmicamente no copo enquanto pensava no que fazer. O anel fazia um pequeno barulho ao encontrar o vidro e, fora a chuva, era tudo o que se podia ouvir.

Nesse momento Makkachin acordou e saiu do assento do sofá para o colo de Yuuri, onde deitou novamente.

— O que eu devo fazer, Makkachin? Devo falar com o Victor?

O cachorro respondeu imediatamente ao nome do dono, virando a cabeça pra cima para encarar Yuuri. O rapaz voltou a fazer carinho no animal, dessa vez na parte atrás das suas orelhas. Makkachin de repente decidiu pular para o chão e subir as escadas. Yuuri decidiu segui-lo, não querendo se livrar da única companhia que tinha até o momento naquela madrugada.

Ao chegar no segundo andar se deparou com Makkachin abanando o rabo em frente a porta do quarto do Victor. Apoiando o peso nas patas traseiras, começou a arranhar a porta.

Yuuri hesitou antes de abrir a porta do quarto e deixar Makkachin entrar correndo pelo carpete e pular na cama. Victor estava dormindo de lado, encolhido no canto da cama de frente para o armário. O súbito pulo no colchão o acordou e Makkachin, assim que percebeu o dono acordado, começou a lamber seu rosto.

— Makka, ainda não é hora de acordar. Vamos voltar a dormir, vamos...

A voz de Victor era baixa e sonolenta, de alguém que estava mais dormindo do que acordado de fato. Yuuri entrou sorrateiramente no quarto ainda não tendo decidido ao certo se ele deveria estar ali ou não. Aparentemente Victor não percebeu sua presença no cômodo, pois se ajeitou novamente na cama e fechou os olhos. Makkachin se aconchegou logo ao seu lado.

— Hmm... Victor?

O carioca se virou para onde a voz tinha vindo, esfregando os olhos sem saber ao certo se estava imaginando coisas.

— Yuuri? – Ele chamou tentando focar na silhueta em frente à varanda – Aconteceu algo?

Yuuri roçava uma das mãos atrás do pescoço.

— Aquele convite que você me fez no primeiro dia... Ele ainda tá de pé?

Os dois se olhavam, de certa forma, na penumbra da noite. Victor permaneceu um tempo parado tentando assimilar as coisas e finalmente se lembrou da vergonhosa proposta que tinha feito assim que apresentou os cômodos pra Yuuri – vergonhosa porque achava que seu novo aluno se lembrava do que havia acontecido no Barra Music. Em um estalo ele se sentou no colchão, tentando ajeitar a colcha mesmo com Makkachin deitado em cima dela.

— Sim, claro, só deixa eu arrumar o espaço pra você.

Yuuri, com plena noção que era muito tarde para voltar atrás, se aproximou da cama:

— Não precisa, assim tá bom. Desculpa ter te acordado.

— Imagina.

Assim que Yuuri puxou a colcha, Makkachin se levantou e foi deitar-se no chão próximo ao pé da cama. Yuuri se aconchegou por baixo da coberta, sem saber exatamente o quão próximo ele poderia ficar de Victor.

Ele só não contava que quem iria encurtar o espaço entre os dois era justamente o técnico. Virando de lado, oposto ao armário, de modo a ficar frente-a-frente com Yuuri, ele o observava com atenção:

— Então, o que aconteceu?

Yuuri se encolheu por entre as cobertas.

— Eu tive um pesadelo e não consegui voltar a dormir.

Victor pode sentir seu corpo inteiro amolecer contra o colchão. Yuuri era simplesmente tão frágil mesmo com toda a persona que incorporava na pista de dança. Ele queria cuidar de Yuuri mais do que qualquer coisa. Quando Victor achava que tinha conhecido todas suas facetas, ele sempre voltava para surpreendê-lo novamente.

Victor chegou ainda mais perto de Yuuri, o bastante para que os dois compartilhassem o mesmo ar.

— Vai ficar tudo bem agora. Foi só um sonho.

Yuuri, de olhos fechados, suspirou fundo.

— Eu sei. Eu sei.

Victor institivamente aproximou mais ainda o seu rosto, com os olhos fixados nos lábios do homem a sua frente, porém se freou antes que pudesse concretizar sua intenção. Yuuri queria apenas dormir. Ele não tinha certeza se o beijo seria bem-vindo e o que Yuuri certamente não precisava era de mais turbulência no momento.

Em vez disso, Victor se acomodou novamente no travesseiro e disse de forma doce, por entre um sorriso:

— Durma bem, belo adormecido.

Victor o observou, cantarolando apenas com o som da garganta uma melodia delicada, até ter certeza que Yuuri tinha pego no sono novamente. Só então também fechou os olhos e voltou a dormir.

 

 ~~~~~~~~~~

 

Para Victor, tudo começou há 15 anos.

A primeira vez que entrou na casa de dança do Grajaú, a 20 minutos de casa, é um momento que Victor é incapaz de esquecer. O local em si não era nada grandioso: um grande espelho, como todos complexos de dança devem ter, paredes vinho e iluminação amarela, apenas mais clara que a penumbra. O teto era antigo e resistia fortemente às infiltrações. O piso, diferente das usuais tábuas corridas lustrosas, era de cimento queimado.

A ausência de janelas reforçava ainda mais a atmosfera de galpão underground do lugar.

O menino de apenas 14 anos se encontrava ainda com o uniforme da escola, mochila nas costas, os cabelos soltos na altura dos ombros e com o panfleto preso com vigor em um dos punhos, molhado com o suor da palma das mãos, fruto de nervosismo. Parado frente a porta, já dentro do complexo, ele observava uma mulher de cabelos negros espetados conduzindo uma turma de 7 ou 8 alunos.

Victor se lembra de gaguejar enquanto falava com essa mulher, do quão desengonçado ele era em sua primeira aula e em como na noite depois desse mesmo ensaio ele se encontrava totalmente entrelaçado pelo mundo da dança, pensando apenas em melhorar. Ele queria mais, queria dançar tão bem quanto todos da turma. Criar o seu próprio estilo.

Convencer a sua mãe a pagar as aulas de dança foi uma tarefa árdua. Por que dança de todos os tipos de atividade? Porém acabou concordando, já que era melhor do que ter Victor à mercê dos “jovens góticos delinquentes” que vagavam de noite pela cidade.

Um ano depois, Victor já era o melhor dançarino do lugar. Com os recentes aparecimentos de boybands, o estúdio foi ganhando certa popularidade entre os jovens. Foi dessa forma que ele acabou conhecendo Lucas. O garoto tinha pele morena, cabelo cortado a máquina e alguns centímetros mais alto. Ele era apaixonado por dança tanto quanto Victor e por mais que suas aparências fossem totalmente contrastantes, eles faziam uma boa dupla.

Foi Victor quem sugeriu que se encontrassem mais cedo nos dias de ensaio para que pudessem dançar por mais tempo. Lucas aceitou a proposta sem pestanejar.

Depois de alguns meses, eles não dançavam mais nesses encontros mais cedo que o horário usual de aula. Geralmente sentavam no chão e ficavam apenas os dois conversando sobre os assuntos mais variados: escola, esporte, a própria dança, família. Quando deu por si, aqueles 40 minutos eram mais valiosos do que horas inteiras, dias inteiros.

Quando deu por si, eram mãos dadas enquanto deitavam no chão. Quando deu por si, era deixar que Lucas penteasse o seu cabelo num rabo de cavalo e ouvi-lo dizer que era da mesma cor da lua. Quando deu por si, eram beijos mantidos em segredo pelas quatro paredes vinho.

Porém, já com 16 anos, Victor não poderia imaginar na grande reviravolta que sua vida daria.

Foi em uma noite que resolveram ficar até tarde no estúdio, com a súplica cada dia mais intensa de passar mais tempo juntos. E talvez eles tenham passado muito tempo lá, os dois no chão, Lucas em cima de Victor beijando-o como se fosse a única coisa que importasse na vida, as mãos já deslizando por baixo da camiseta suada. Ninguém esperava que a porta fosse se abrir exatamente nesse momento, exatamente nessa cena, pela mãe de Victor e pela instrutora que vinha logo atrás.

Victor ouviu a maior bronca de sua vida quando chegaram casa, com o garoto arrastado pelo braço tão forte que a marca dos dedos ficou por dias cravada no seu pulso. Eles discutiram feio, muito feio. As palavras começaram a desandar muito rápido por ambos os lados. Victor já estava chorando de raiva com aquilo tudo, pelo embaraço, pelas palavras da sua mãe, por ela ter o proibido de pisar novamente naquela casa de dança – que era o lugar mais importante da vida dele.

Ele só queria saber o porquê daquele tratamento todo e de tanta raiva. Tanto rancor que não existia até aquela noite.

— Eu não criei filho meu para fazer essa sem vergonhice por aí!

Aquilo doeu como cacos de vidro rasgando-o de dentro por fora, pois ele sabia do que sua mãe se referia, mesmo não usando explicitamente as palavras. Sem pensar, ele mirou um belo tabefe no rosto da própria mãe. O som estalou no ambiente, com Victor chorando mais do que nunca e nada mais do que ódio nos olhos.

Victor se trancafiou no seu quarto até que seu pai chegasse em casa. O rapaz não precisou se explicar para o seu pai o motivo da briga porque sua mãe o fizera esse favor, recontando da pior forma possível. Então seu pai não perguntou sobre os olhos inchados no dia seguinte, os lábios mordidos ou o jeito que seu filho se afundava no banco do carona querendo apenas desaparecer enquanto via a cidade pela janela do carro a caminho da escola na manhã seguinte.

Depois daquele dia, Victor nunca mais viu Lucas e também não queria mais saber do garoto. O que aconteceu entre os dois só trouxe embaraços para sua vida e ele queria a todo custo esquecer daquilo, enterrar em algum lugar e nunca mais trazer a superfície. Ele também não havia tentado se comunicar com Victor e, sinceramente, se Lucas não queria comprar a sua briga – que na verdade era briga dos dois — então não era uma pessoa que precisasse manter na sua vida de qualquer forma. Claro que era doloroso ter que abandonar um lance de tanto tempo, mas continuar com aquilo a longo prazo só traria mais problemas e corações partidos.

Victor e seu pai não tinham uma grande intimidade. Eles não passavam muito tempo juntos a sós, pois seu trabalho o mantinha sempre ocupado. Demorou algum tempo para que os dois conseguissem ter uma conversa decente depois de toda a confusão.

Na primeira conversa que tiveram, seu pai não levantou bola sobre o assunto e nem em nenhuma conversa subsequente. Victor não podia ser mais grato. Na verdade, o homem era bem atencioso na medida do possível.  Quando não estava no escritório fumando em frente ao computador trabalhando em qualquer “inferno de planilha” segundo suas próprias palavras, ele tentava iniciar uma conversa com Victor. Chegou até mesmo a comprar um poodle para o garoto porque leu em uma revista que animais de estimação eram ótimos para pessoas tristes. Mas a confiança do filho já estava muito abalada. Ele não sabia se podia confiar naquela figura ou se ela também o mandaria mudar e apedrejá-lo por ser quem era. Victor passava o dia em sua cama, escutando os mesmos 4 CDs que tinha em loop do seu disk-man, dividindo o espaço com Makkachin.

Em uma dessas tentativas desesperadas por buscar assunto, seu pai acabou comentando sobre o jogo do Fluminense da semana. Seu pai era tricolor fanático. Victor não se interessava muito por futebol, mas também concordava que não podia passar o resto da vida deitado na cama. Não custava sair um pouco de casa.

Naquela tarde, Victor conheceu melhor um lado do seu pai que praticamente desconhecia. Antes, o homem reservado do cigarro, que assistia aos jogos roendo as unhas e morrendo de aflição em silêncio. Agora, o torcedor desesperado que gritava, cantava, esperneava, xingava os jogadores de todos os nomes existentes e imaginários. Ter ido para o Maracanã naquele dia foi muito divertido. O abraço que Victor ganhou dele quando o artilheiro tricolor desempatou o jogo de 2x2 para 3x2 logo aos 40 do segundo tempo foi tão caloroso e confortável que se viu envergonhado por ter duvidado de seu pai por todos esses dias.

A relação entre os dois foi evoluindo pouco a pouco. Seu pai o ensinou a barbear e a amarrar uma gravata. Victor tentou ensinar alguns passos de dança, depois que ele assistiu a um clipe de hip-hop na televisão e ficou impressionado com os dançarinos de break, mas ele falhou miseravelmente, tanto pela rigidez do corpo quanto pela falta de fôlego. O programa dos dois no final de semana geralmente era assistir ao jogo do Fluminense no sofá com algumas garrafas de cerveja e correr atrás de Makkachin assustado pelos fogos de artifício que soltavam sempre que saía gol. Dependendo do humor (e do placar), seu pai deixava Victor dar umas bebericadas na bebida também, sem que sua mãe soubesse.

Na escola, Victor ouvia por alto sobre um novo tipo de festa que estava fazendo sucesso na região. Apenas para maiores de 18, ele se viu usando uma identidade falsa para entrar no evento.

Victor esperava encontrar um bom lugar para dançar, com a música tão alta que suprimisse os seus pensamentos e pudesse lhe dar sossego, mas o que ele encontrou na casa noturna com cheiro de fumaça e mofo foi um torneio amador de música. Não era qualquer música: era funk. Funk de todos os estilos, do melody ao proibidão. As pessoas dançavam em quase obscenidade, os MCs no palco curtindo cada momento de seus cinco minutos de fama. Faziam-se apostas, havia rixa, mas também havia dedicação. Victor pensou em como cada um daqueles MCs amadores devem ter derramado sangue e suor para simplesmente vir competir naquele lugar. As batidas eram variadas e todas muito dançantes.

Naquela noite, Victor percebeu onde queria estar. Ele queria ir até o palco que nem eles. Sentir o público em delírio na pista abaixo dele. Fazer despertar aquela vontade incontrolável de dançar, rebolar e requebrar que ele mesmo conhecia tão bem. Ser o cara em que todos apostam suas fichas.

Lucas e todo aquele incidente ainda ardiam em sua mente, mesmo depois de meses. Victor resolveu se dedicar totalmente à música numa tentativa de parar de pensar nesses assuntos. Ele comprou CDs de funk pirata dos camelôs e tentou escrever suas próprias músicas, até mesmo suas próprias coreografias.

Quando se formou na escola, a primeira coisa que procurou foi um curso de DJ. O curso só existia na Zona Sul e ter que se deslocar até lá todo dia era cansativo. Seu pai foi o primeiro que o apoiou nesse sonho louco e arriscado. Naquele ano, Victor ganhou de aniversário sua primeira mesa de mixagem. Também foi o ano que Victor completou sua maioridade e, pela sugestão dos pais, ele cortou o cabelo comprido para ficar com uma aparência mais adulta.

A cada mês, a pilha de rascunhos, ideias e a lista de música no MP3 só aumentavam. Victor ainda frequentava aquelas festas que descobriu na época do ensino médio, porém agora com outra perspectiva. Ele era capaz de saber quanto uma batida estava fora do compasso ou como a música poderia ter tido uma harmonia melhor.

Terminado o curso, era hora de produzir suas próprias músicas de fato. O período logo após a conclusão das aulas foi intenso. Ele precisava dividir o seu tempo em compor, trabalhar em festas de 15 anos e acompanhar os duelos. As coisas apertaram ainda mais quando resolveu se mudar sozinho para um pequeno apartamento em Vila Isabel. Foi nesse bairro que se deixou cair na cadência do samba e, quando tinha tempo livre, não deixava de comparecer às festas na Unidos de Vila Isabel.

Victor também se lembra perfeitamente da noite do seu primeiro duelo. Ele estava tão nervoso que chegou a vomitar no banheiro. Victor havia se preparado por anos, desde os 16, para aquele momento. Ele também sabia que seu pai esperava uma ótima notícia, mesmo acompanhando de longe o início da carreira do filho. E como foi recompensador ver todo mundo na pista perder a razão com a sua música, sua composição original. A música do MC Dois L.

Não demorou muito para que Victor ganhasse fama no evento, recebendo cada vez mais apostas. Em uma dessas apresentações, um olheiro o chamou no final da noite para uma conversa. Algo sobre ter talento, gravadora, visão de futuro. Para ser honesto, Victor nunca havia pensado muito mais além do ponto que ele se encontrava. O Baile do Cafofo já era uma parte da vida dele. Só que essa oportunidade não havia como dispensar. Não havia o que perder, só havia lucro em aceitar a proposta.

Aos 22 anos, Victor, agora de fato MC Dois L, lançou seu primeiro álbum. Garoto novo, com boa carisma, bonito e com um estilo de música que ninguém havia escutado até então no mundo do funk. Victor tinha todos os fatores para dar certo.

Ter um contrato significava que ele precisava ter o seu próprio ballet também. O problema era encontrar uma equipe que topasse participar de algo tão novo e incerto. Na audição que fez junto do seu gerente, um homem em especial chamou sua atenção: loiro, com o cabelo levemente cacheado e apenas um ano mais novo que Victor. Ele era um dos poucos que tinham se inscrito para a audição, mas era o que Dois L precisava.

E no começo era apenas isso: Victor e Chris criando coreografias em um estúdio alugado por algumas horas, se apresentando em pequenos eventos e gradativamente ganhando espaço. Ganhar fama nos pequenos eventos atraiu o interesse de mais dançarinos e logo o ballet do Dois L já era composto por 5 membros.

O cenário todo mudou quando o Rei do Baile foi anunciado. Para Chris, como um dançarino, aquela oportunidade era fantástica. Para Victor, uma grande perda de tempo. Ele se remeteu ao seu tempo de iniciante no Cafofo. Se lembrou de como foi difícil e árduo chegar lá, como todos levavam muito a sério a competição que ocorria nas madrugadas do Rio de Janeiro. MC e dançarino começaram a discutir sobre a visão que cada um tinha para o futuro.

Chris acabou perdendo o período de inscrição para o primeiro Rei do Baile. Algo que ele talvez não perdoe Victor até hoje. No segundo ano, quando o mesmo discurso começou, Chris decidiu seguir seu próprio caminho. Não foi uma quebra pacífica. Os demais dançarinos precisaram segurar os dois no meio do ensaio, no estúdio alugado, antes que acabassem se atracando fisicamente. Gritos eram disparados de ambas partes, a razão perdida há tempos pela raiva.

— JOGAR TUDO FORA AGORA POR ESSA PALHAÇADA DE TELEVISÃO É BURRICE! – Victor defendia o seu ponto de vista a plenos pulmões.

— SE VOCÊ NÃO CONSEGUE ALCANÇAR O SEU PRÓPRIO SONHO, PELO MENOS NÃO ATRAPALHE O MEU! – Chris gritou furiosamente enquanto pegava todas suas coisas e saía do estúdio, batendo a porta tão forte que fez as paredes estremecerem.

Essa foi a segunda pior coisa que Victor ouviu em toda sua vida.

— E SE MAIS ALGUÉM QUISER IR EMBORA DESSA MERDA, PODE IR TAMBÉM!

Os integrantes se olharam, sem saber o que fazer. Mas nenhum deles resolveu abandonar Dois L naquele estado, agora sentado abraçando as pernas sentindo o choro de raiva se formar aos poucos.

Mesmo com a saída de Chris, a carreira de Victor continuou alavancando muito bem. Era show atrás de show, desenvolvimento de álbum novo, pessoas que o reconheciam na rua. Seu nome artístico era conhecido pelo Brasil inteiro. Por volta dessa época criou-se o apelido de Nikifarofa.

Embora as coisas tenham começado a dar muito bem para ele profissionalmente, o mesmo não podia ser dito na esfera pessoal.

Discos de prata e ouro vieram rapidamente, mas depois de um tempo nada havia muito sentido. Victor sabia que o que ele mais queria no mundo era estar onde estava hoje, em cima dos palcos causando delírio em quem estivesse procurando divertimento pela madrugada. Mesmo assim se sentia incompleto.

Victor se mudou para Laranjeiras como uma forma de manter seu pai sempre próximo de si, além de fornecer uma mudança de ares. Viver no bairro onde se originou o time do Fluminense e onde atualmente fica o seu centro de treinamento foi a melhor escolha que pode fazer para si.

Na enorme mansão, ele era terrivelmente sozinho. Sua única companhia era Makkachin. Na sua medida desesperada por esquecer o que aconteceu na época de adolescente, ele se dedicou inteiramente à música e à musica somente. O esforço valeu a pena, mas a que preço? E do mesmo jeito que havia feito quanto mais jovem, resolveu ocupar a mente com trabalho. Ele vivia para a música.

Só que eventualmente nem as melodias traziam mais o mesmo prazer de antes. Cada vez mais era difícil bolar algo que gostasse com todo o coração e que fosse inovador, o que foi apontado inúmeras vezes como seu ponto forte – na verdade, o ponto que sempre o distinguiu dos demais. Sua imprevisibilidade tornou-se previsível, então por mais que tentasse, ele era incapaz de ver aquele mesmo furor na multidão de novo.

Victor procurou conforto em garrafas de destilado, em bocas que não sabia o nome, em quartos desconhecidos e em camas que só o abrigariam por uma noite. As relações eram superficiais e as pessoas mais ainda. Não havia ninguém que realmente prendesse sua atenção. Alguém que pudesse trazer cor e som ao seu mundo de volta.

Até aquela noite no Barra Music.

 

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Victor sempre teve o hábito de acordar cedo pela manhã e daquele dia ele não poderia estar mais feliz por isso. Acordar cedo naquele domingo o permitiu admirar Yuuri dormindo ao seu lado, tão angelicalmente que era quase impossível acreditar que horas antes ele estava apavorado com um pesadelo.

“Agora sinto novas emoções fluindo por mim graças ao Yuuri” Victor pensou.

 “Me pergunto o que eu posso dar a ele em troca”

O silêncio da manhã foi quebrado pelo roncar de estômago do carioca, o que o deu uma ideia. Embora Victor não tivesse certeza de como retribuí-lo, pelo menos já sabia por onde começar.


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