Cidade dos Ossos - Vista por Outros Olhos escrita por Ann Wolf


Capítulo 17
A Taça Mortal


Notas iniciais do capítulo

Lauren quer ajudar os amigos, mas os seus medos ainda a assombram. Ao que parece, uma pequena visita a sua infância pode ser o suficiente para a trazer de volta a vida. Mas será mesmo o suficiente? Estará Lauren capaz de entrar em ação?



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O som do meu telemóvel, dentro da mochila que ficou ao meu lado na cama, acorda-me do meu sonho. Sonho em que eu me encontrava novamente reunida com os meus pais e ficávamos na sala, os três, enroscados num cobertor, com pipocas a acompanhar, e a assistir um filme. Mas quando o ruido do toque começa a zumbir nos meus ouvidos, fico logo mal-humorada por perceber que tudo não passava de um sonho e que eu nunca terei a oportunidade de fazer isso alguma vez na vida.

Esfrego os olhos e espreguiço-me com muita preguiça, para só depois, começar a minha busca pelo telemóvel na minha mochila e consigo finalmente encontra-lo, mesmo com os olhos sonolentos, atendendo logo a seguir a quem me está a ligar, não vendo sequer o nome no visor.

— Bom dia… -Digo, enquanto bocejo e começo a enrolar a bainha da minha sweatshirt, com que acabei por adormecer ontem á noite, nos meus dedos.

— “Lou, onde é que estás!?” – O grito da Briana não melhora muito o meu humor matinal e quase lhe respondo azedamente. – “Não dormiste em casa e desapareceste logo pela manha de ontem. Onde foste?”

— Se falares mais baixo e mais devagar, eu consigo explicar-te isso mais facilmente, não achas? – Respondo, saindo da cama, indo em direção da casa de banho privada dos meus pais.

Ligo a luz e procuro nas gavetas deles, uma escova de dentes e uma pasta dentífrica para tal. Acabo por encontrar uma que ainda se encontra na validade, e nem me dou ao trabalho de pensar em como tal é possível.

— “Ui, mau humor matinal.” – Diz ela, a rir-se do outro lado da linha e provocando-me um suspiro pesado e impaciente. – “Olha só para saberes, nós já sabemos onde está a Taça.”

Abro os olhos, surpreendida e fico completamente sem palavras com tal revelação. Em menos de uma noite, a nossa equipa conseguiu descobrir a localização da Taça e logo no dia em que decidi tirar uma pequena folga.

— Consegues-me explicar isso melhor? – Peço, sentando-me na beira da banheira para que se por acaso ficar sem força nas pernas devido a mais alguma informação nova e Mega importante, não me magoe. – Utiliza mais expressões e frases mais detalhadas.

Ouço vozes masculinas do outro lado da linha a falarem com a Briana e esta a pedir mais uns minutos.

— “Não te consigo explicar detalhadamente mas ao que parece a Clary descobriu onde como a mãe dela escondeu a Taça ontem á noite.” – Explica ela sem grande emoção e com um tom impaciente na voz que faz com os cabelos da minha nuca se arrepiam completamente. – “Nós estamos a ir para lá agora mas eu sinto que algo de mau vai acontecer. Não é como as tuas visões, é mais como um pressentimento incerto.”

Temo as palavras dela, porque não é só a Wayland que também se está sentir ameaçada por algo. Eu também estou a ter uma sensação estranha, como se a boca do meu estomago esteja a encolher-se, assim como este. O pensamento aterrorizante de que alguém se pode vir a magoar atinge-me o peito num abrir e fechar de olhos e sou forçada a expulsar o ar que tinha acabado de respirar.

— Briana, vocês vão para lá agora “agora”? – Pergunto impaciente.

— “O que é que te acabei de dizer? É claro que sim!” – Resmunga ela do outro lado, não tendo piedade dos meus tímpanos. – “É melhor eu ir porque os rapazes já me estão a chamar á muito tempo. Despacha-te a chegar. Estamos a ir para a casa da Clary.”

— Não! Espera! Bri… - Ouço o bip do outro lado da chamada e percebo que não vou conseguir falar com nenhum dos mus parceiros a partir de agora. Isso coloca-me mais em pânico.

Sinto que os devo impedir de ir àquele apartamento pois há lá algo que o vais magoar seriamente se não estiverem prevenidos e decidirem-se aventurar sem qualquer tipo de cuidado.

Procuro fazer uma lista, mentalmente, a quem eu posso lugar para avisar algum deles e a minha opção cai apenas por uma pessoa, com quem eu fiz recentemente um acordo de tréguas e que agora me poderá dar muito jeito de certa forma: o Simon Lewis.

Antes de lhe ligar, trato de desfazer as minhas tranças, que por acaso já estavam metade desfeitas com fios de cabelo espalhados por todos os lados e ângulos, penteio-me e lavo os dentes e a cara, nem me importando em seca-la, e ligo de imediato para o mundano, demorando a encontrar o número dele na minha lista telefónica.

A chamada dá quatro toques antes de ele por fim me atender.

— “Oi, Lauren” – Cumprimenta ele. – “Posso saber o porquê de me estares a ligar agora?”

— Podes sim. Consegues ligar á Clary? – Pergunto, eufórica, ouvindo um grunhido da parte dele como se eu tivesse tocado num assunto delicado.

Ele faz uma pausa da parte da chamada dele antes de suspirar e responder-me:

— “Eu posso ligar-lhe mas não garanto que ela atenda…nem que consigamos ter uma conversa decente…”

— Aconteceu algo? – O Simon, que nunca se chateou com a Clary, subitamente parece constrangido a falar dela. – Tu disseste-lhe algo que não devias?

— “Foi mais ela que fez algo que eu dispensava que ela fizesse á minha frente com o Jace.” – A minha boca abre-se num perfeito “o” por ter uma ideia do que poderá ter sido. – “Mas não interessa. Eu vou tentar ligar-lhe. Se dentro de três minutos não te ligar de volta é porque ela não atendeu.”

— Entendi. – Desligo a chamada e preparo as minhas coisas na mochila.

Saio do quarto á pressa mas não sei antes o trancar a sete chaves para depois ir ao escritório do meu pai. Lá, consigo encontrar duas laminas seráficas e duas espadas de lâminas compridas e finas, capazes que trespassarem uma costela quem que o atingido sequer tenha tempo de sentir dor antes de se encontrar a esvair em sangue. Observo as lâminas e coloco-as dentro de uma bainha para de seguida as entalar entre as minhas costas e a minha mochila.

Como ainda não passaram os três minutos ditos pelo Lewis, decido beber um gole do chá de gengibre da Sra. Silverhood, que ao que parece, também colocou alguns bolinhos de canela nela para que eu comece mais tarde e com os quais me delicio como pequeno-almoço. Olho para o relógio no fim da minha refeição improvisada e percebo que já se passaram cinco minutos desde que falei com o Simon e ponho-me a correr pelo hall entrada, até ao exterior, trancando também a porta.

Tento orientar-me no lugar onde estou e qual o caminho mais rápido para o Instituto, e acabo por traçar uma runa de velocidade, ignorando o facto que isso irá deixar-me indisposta por causa das dores que ainda sinto no ombro, que embora sejam mínimas ainda se fazem sentir em pequena quantidade.

As pessoas e a rua tornam-se apenas imagem desfocadas na minha visão, parecendo estarem a ser arrastadas por algum buraco negro que as suga lentamente para o seu centro. No entanto, isso é um fenómeno normal para quando andamos a uma velocidade anormal para o comum das pessoas normais, logo nem dou muita importância a isso. Em vez disso, procuro focar-me o mais possível em chegar ao Instituto a tempo de para a minha equipa de amigos.

Atravesso a Avenida das Américas e chego á rua do Instituto onde paro bruscamente á frente do portão principal, que se encontra fechado. Entro sem qualquer temor ou respeito, já que o meu humor esta mesmo a afetar a minha manha de uma maneira incrível, e passo pelas portas de entrada com uma velocidade estrondosa. Não ouço vivalma na casa e estranho um pouco isso, já que, normalmente, quando o Hodge ouve muito barulho ou sabe que alguém não está em casa mas deve chegar em breve, permanece atento a todos os movimentos ou então fica por perto da entrada. Mas em vez disso, nem a ele o encontro.

Decido passar pela biblioteca, para me certificar que os meus amigos já se foram mesmo embora e se sim, á quanto tempo. Quando chego á porta entreaberta da nossa grandiosa biblioteca ouço vozes, vozes que eu consigo reconhecer muito bem e que me provocam arrepios pelo corpo inteiro. Mesmo assim, aproximo-me o máximo que posso para poder ouvir a conversa.

— Estás a fazer um ótimo trabalho, Hodge. – A voz do Valentine mostra o quão orgulhoso ele se encontra. – Com isto, matarei dois coelhos com uma pedra só.

— E então poderás livrar-me da minha maldição. – Quando o Hodge diz isto, sinto o pequeno-almoço a subir-me á boca de tal modo como me sabem mal as palavras dele.

Aquele canalha tinha entregado os próprios companheiros ao Valentine para se poder livrar de uma maldição a qual ele merece por ter traído o seu dever como Caçador das Sombras, e agora estava a levar os meus amigos a uma armadilha só para conseguir a Taça Mortal e assim entrega-la finalmente ao Valentine, para assim, poder ser livre finalmente do feitiço imposto pela própria clave nele. Juro, que se eu tiver chance, devo ser capaz do matar por tal cobardia e deslealdade aos verdadeiros amigos.

— É verdade. Mas uma coisa de cada vez. – Diz o Valentine, com uma calma indestrutível na voz. – Mas primeiro tenho que ter a Taça e o meu filho nas minhas mãos.

Filho? Não era filha?

O Hodge suspira e ouço o crocitar do Hugo a rasgar o silêncio que se tinha acabado de inserir na biblioteca e entre a conversa de dois velhos amigos que, sinceramente, eu não nem consigo descrever a relação que agora possuem.

— Não te esqueças, a Taça e ele. – Deixa claro o líder do Circulo. – Eu preciso do meu filho se quero destruir a Clave de uma vez por todas.

— Certo eu percebi, mas eu estou a ter dificuldades com duas pessoas aqui em casa e… - Quando o Hodge refere duas pessoas, compreendo que está-me a identificar juntamente como a Briana.

— Podes-te livrar da Ashblue. Não estou muito interessado nela, embora o dom dela também me pudesse ser útil e até estivesse interessado em como ela iria reagir quando tivesse que lutar contra os adorados pais mas, mesmo assim, ela não valiosa. – Esclarece ele, fazendo com que eu tenha que controlar a minha vontade de ir até ali para lhe dar um murro na boca para o tentar parar de falar baboseiras. – Agora a Briana Wayland, eu também vou quere-la. Ela possui um poder e força inacreditável que bem manipulados, podem servir bastante a meu favor.

Ele gargalhada e ouço o Hugo a crocitar novamente, como que a tentar avisar que eu estou por perto e que eles têm que ser cuidadosos com o que comentam na sala e, ao que parece, o Valentine segue o conselho dele á letra.

— Vou andando. – Diz ele. – Eu quero o que te pedi ainda hoje. Se não o fizeres, podes dizer adeus á tua amada liberdade desta prisão.

Ouço passos que depois de dissipam no ar e depois o Hodge suspira pesadamente como se sentisse culpado mas também tivesse aliviado do Valentine ter ido embora por fim, o mesmo suspiro que ele soltou ao receber a falsa notícia do óbito dos meus pais. A minha raiva continua a crescer, de grau para grau, mas sei que se eu a mostrar para o exterior na sua verdadeira forma, posso deitar a perder o elemento surpresa de que ainda usufruo.

Bato á porta, para disfarçar o facto de que tenho estado ali desde que a conversa tinha começado a chegar ao fim e que não gostei nada daquilo que ouvi, mas fico com a sensação de que bati com demasiada força e que isso pode ser uma mau sinal interpretado por ele.

— Entre. – Fala o nosso tutor, com o timbre a tremer-lhe um pouco.

— Hodge? – A minha atuação parece começar a tomar rumo e sei que não poderei para até chegar ao fim. – Os outros já se foram embora?

— Hum…já. – Ele continua nervoso e, julgo eu por isso, o Hugo sai do poleiro pessoal que tem e vai se recostar num dos apoios das poltronas. – Eles foram logo pela manha.

Eu sei disso. Recebi um telefonema de uma rapariga a gritar comigo como se não houvesse amanha devido a ter de sair de manha para ir em busca da Taça.

— E há quanto tempo foi? – Pergunto mais ou menos. – Assim numa estimativa.

— Talvez há uns quinze, vinte minutos. – O homem não para de tremer com as mãos e, o meu humor matinal, não me dá hipóteses de sentir pena ou remorso por ele.

Tudo aquilo que lhe está acontecer, são consequências que ele já devia ele recebido á muito mais tempo mas que pensa que irá conseguir sair inume de todas elas, embora eu não lhe vá dar a vaga para ele puder escapar desta tão facilmente. Não depois de saber que ele foi, em parte, responsável do estado deplorável em que os meus pais se encontram agora nas mãos do Valentine, é que nem pensar.

— Certo, só vou-me esquipar e vou ter com eles. – Esclareço, preparando-me para começar a andar em direção ao 1º andar.

— Lauren. – O Hodge chama-me e eu, com muito esforço, recuo um pouco para o observar. – Toma conta deles para que não se magoem.

Franzo o sobrolho e ponho-me a andar mal tenho a oportunidade de escapar do olhar receoso dele. Detesto mentirosos que apenas estão a tentar salvar a própria pele quando têm consciência que o erro que cometeram é demasiado grande para o esconderem nas sombras. Mas há algo no nosso tutor que me diz que não o estou a ver como ele realmente é.

É verdade que eu também tenho medo do Valentine mas não seria burra ou, até mesmo estupida, para decidir segui-lo e cumprir as ordens que ele dá mas, o Hodge vive preso neste Instituto, sempre com medo de abrir uma janela, de sair para o exterior, então é um pouco compreensível que possa ser facilmente manipulado ao lhe oferecerem liberdade da sua maldição, mesmo ele sendo culpado e merecedor do castigo que lhe foi dado.

Tantas questões, problemas, acontecimentos e sensações estão a começar a colocar-me enjoada de tanto procurar explicações racionais e repostas para as minhas perguntas no entanto, se quero que tudo isto acabe, só tenho até ao final do dia de hoje para formular um plano digno da Briana, capaz de salvar os meus amigos e Idris, de ser controlada por alguém maléfico.

Troco a minha sweatshirt e a camisola de cabas que trazia, por uma camisola de mangas compridas negra, que me deixa um pouco a clavícula e os ombros expostos e visto um casaco de cabedal sem mangas, com capuz, onde coloco a minha estela e as lâminas seráficas do meu pai, agarrando depois num cinto de couro, com suporte para bainhas, onde prendo as espadas do meu pai. Agarro no meu guisarme e puxo o capuz por cima da cabeça, iniciando assim a minha caça aos meus amigos.

Quando saio do Instituto, o Sol já vai alto e percebo que devem ter passado uns trinta minutos desde que falei com a Briana o que quer dizer que, se eles apanharam o metro, já devem estar em casa da Clary para trazerem a Taça ou seja, não tenho muito tempo se ainda os quero encontrar lá.

Calculo que se apanhar o próximo metro, deverei chegar lá em talvez dez ou quinze minutos e por essa altura eles já deverão ter partido, logo a minha única opção é voltar a fazer um sprint para conseguir alcançar Brooklyn a tempo.

Nem espero para repensar na minha decisão e já me encontro a correr pelas ruas, desviando de vendedores de rua e turistas, assim como cidadãos americanos, que passam por mim numa velocidade vagarosa. O meu pressentimento de ameaça parece aumentar a cada passo de corrida que dou e isso coloca-me mais nervosa e preocupada com a minha família, uma das coisas que tive oportunidade de voltar a ter e não irei perder por nada deste mundo.

É quando reparo que o céu está a tornar-se rapidamente em uma cúpula de nuvens cinzentas e escuras, carregadas de chuva e eletricidade.

— Bonito, só me faltava chuva para acompanhar-me o resto do caminho. – Ainda mal acabei de dizer estas palavras e um pingo de água cai-me nos ombros, deixando claro que a partir de agora não terei tréguas quanto ao tempo. E se antes já estava de mau humor matinal, agora que já é hora do almoço e o clima esta a arrefecer, fico ainda pior.

Passo pela ponte de Manhattan mais depressa que o carro que por ela andam e chego até Brooklyn, no preciso momento em que a chuva se intensifica e eu pareço um pito encharcado. Começo a arrepender-me de ter tomado a decisão imprudente de ter vindo a pé em vez de apanhar o metro, pois agora, provavelmente, estarei em risco de apanhar alguma gripe por me encontrar tão mal agasalhada. Dou uma pequena pausa na minha corrida e sinto a dormência no meu braço a aumentar cada vez mais, a cada minuto que passa.

Mordo o lábio inferior, até começar a sentir o sangue a escorrer deste e a humedecer-me a boca, que se tinha tornado mais seca devido á corrida. No entanto, coloco a minha mente em branco e volto á minha corrida, ignorando o facto que quase não estou a sentir o braço esquerdo devido á sensação de ter agulhas a espetarem a todo o comprimento dele.

Sigo para Berkeley Place, o bairro onde fica localizado o apartamento da mãe da Clary e da Madame Dorothea, à velocidade do vento. Quando percebo que já estou perto, desfaço a minha runa e começo a andar com mais calma, uma vez que não quero dar nas vistas, e também porque já não suporto levar com a chuva dos olhos, mas isso não evita que me cruze com o Kirk.

— Lauren? – Ele chama-me e eu fico frente a frente com ele. – Por aqui?

— Sim, mas não tenho tempo. Preciso de ir andando. – Respondo passando por ele como um foguete, sem a intenção de ao mesmo tempo lhe dar um pequeno empurrão.

Chego até á casa da Clary e vejo uma carrinha especada no passeio, pintada de amarelo e cheia de vestígios de ferrugem, que reconheço como sendo a carrinha do Eric que a usa para os concertos da banda que tem com o Kirk, o Matt e o Simon, e também para os encontros com as namoradas.

Lá dentro, está o Simon a olhar para o ecrã luminoso do telemóvel, quando subitamente começa a olhar em redor como se alguém o tivesse alertado para alguma coisa ou algum perigo. Quando ele, por fim, repara que estou mesmo ao lado da carrinha, esbugalha os ombros e sai a correr da carrinha para vir ao meu encontro.

— Lauren. – Diz ele. – Desculpa não ter dito nada mas quando eu liguei a Clary não tinha o telemóvel ao pé dela. Só me ligou depois para os trazer até aqui.

— Não faz mal. – Digo, ao mesmo tempo que coloco as minhas mãos nos meus braços para me aquecer mais, embora isso só agonize o meu ombro. – Há quanto tempo estão eles lá dentro? Muito?

Ele pensa atentamente, enquanto o sol faz as suas pequenas aparições de vez em quando, mal as nuvens lhe dão oportunidade.

— Talvez um dez ou doze minutos. – Supõe ele. – Mas o tempo aqui fora parece passar mais devagar do que se eu estivesse lá dentro. Já agora, vocês têm umas belas armas.

— Acredita, Simon, não irias pensar nisso se te visses frente a frente com a morte. – Admito. – A sensação de perdermos alguém, consegue parar o tempo. Não é nada agradável. Mas obrigada pelo elogio às armas e não, não te deixo tocar nelas sem que seja estritamente necessário.

A minha clarividência começa a mostrar sinais de ter reiniciado o programa de novo e, por incrível que pareça, fico até aliviada de saber que ainda possuo este dom. Pode ter-me sido dado por alguém horrível, e fazer com que eu fique doente ou cansada, mas tens os seus benefícios. Para mim e para todos. E acho que nas últimas semanas, aprendi que já não consigo viver sem ele.

— E quando será esse momento “estritamente necessário”? – Pergunta ele.

— ALEC! – O grito abafado de uma rapariga trespassa-me o peito de repente.

A voz era a da Briana e é seguida pela voz da Izzy também. Sinto a adrenalina a correr-me pelas veias como pólvora acesa prestes a explodir. Não sei o que poderá a acontecer lá dentro mas algo me diz que os meus amigos estão em perigo e precisam de mim.

— Parece-me a mim que é agora. – Falo, encaminhando-me para a porta. – Prepara a carrinha e, se possível, tenta agarrar alguma arma para te poderes defender!

Corro escadas acimas, sem qualquer prevenção para não escorrer nos degraus molhados e começo ao pontapés na porta até ela se abrir por completo para me deixar entrar. Faço-o á pressa e distingo logo o ambiente diferente cá dentro. O cheiro que o hall impregna é de demónios e, embora esteja mais dissipado, é impossível não conter a repugnância ao aroma de ovos podres e carne putrefata. Mas procuro não dar importância a isso.

Ouço grunhido e gritos do outro lado da porta do comodo da Madame Dorothea, e objetos a estatelarem-se no chão com grandes estrondos. Quando vou a aproximar-me mais da porta para a abrir, ouço passos e gritos de guerra, que parecem estar cada vez mais a aproximarem-se. Agarro numa das espadas e defiro um golpe na porta que a quebra ao meio, dando-me a oportunidade de a conseguir arrombar com mais facilidade e de poder passar.

No entanto, a visão com que me deparo á frente é pior do que a que eu esperava. O Alec encontra-se num canto da sala, inanimado no chão e com sangue à sua volta, juntamente com a Briana, que tem o cabelo ensanguentado e que está a gritar com ele para que acorde. A Clary está em pânico ao lado do Jace que se encontra sentado do chão a olhar surpreendido para o parabatai que se encontra num estado grave, e que qualquer um pode aperceber-se disso, e a Izzy está do meu lado esquerdo, com uma figura disforme e negra, com mais de dois metros de altura e uma corcunda enorme. Consigo ver-lhe os ossos amarelos e destruídos que se escodem por baixo do que parece ser carne podre e que se encontra cheia de vermes e terra. O demónio olha para mim e percebo que ele não é como todos os outros. A sua aura é mais ameaçadora que o mais perigoso demônio com que já alguma vez enfrentámos.

— Mais um brinquedo com que me divertir. – Diz ele, com uma voz sombria e que parece sair de um túnel comprido. – Ou será que posso matar-te agora sem que ofereças resistência, é que eu estou mesmo a precisar de descansar.

— Lauren, foge! – Grita-me a Briana, agarrando no cinto dela e começando a balança-lo no ar, mostrando as kindjais se sobressaem no final. – Ele é um Superdemónio!

Isso explica o porque de sentir que ele é consideravelmente mais perigoso e poderoso que os demais demónios. Mas isso não faz com que eu recue em vez disso, encaro-o com um olhar sério e determinado e corro na direção dele, com uma agilidade e velocidade igual à de uma flecha. Desfiro-lhe um golpe no pescoço e ele salpica-me de sangue negro com cheiro a decomposição que me provoca náuseas. Ele grunhe mas parece que o acabei de fazer, só o colocou mais irritado, de tal modo, que iça uma das suas garras curvadas ao alto para depois fazer com que elas se abatam sobre mim.

Rebolo sobre o meu lado direito e cerro os punhos por ter colocado pressão sobre o meu ombro esquerdo. O demónio gira na minha direção e grunhe alto o bastante para me ferir os ouvidos.

— Como te atreves a desafiar o grande Abbadon.

— Pois, pois, Abbadon. – Troço, com o meu mau humor do dia a aflorar-me a pele. – Posso saber o que te traz a um lugar tão paupérrimo como este? Não é a companhia e suponho que a comida também não.

— Tu! – Ele vem na minha direção mas a Briana atinge-o a tempo na cabeça, algo que o faz cambalear para traz por ter sido afetado num dos olhos. – Arghhhh!

A Briana está agora ao meu lado, mas parece estar sem forças e prestes a desmaiar pelo modo como se encontra pálida e os lábios estão rubros. Ela têm os olhos num tom tão dourado que tenho a sensação de que seria capaz de fulminar quem quer que a desafia-se neste preciso momento.

— Desparece, criatura do mal! – Até a voz dela parece ter-se tornado mais grave e controlada. – Ou então terei eu de o fazer por ti!

— Presença angelical? – O Abbadon parece tão surpreendido que recua mais os passos até já se encontrar debaixo do vão da porta. – É impossível que um Caçador das Sombras como tu…

Ela desvia a sua atenção para a Clary e tenta agarra-la num movimento rápido que eu, por pouco, nem consigo ver. A Wayland volta a içar o chicote e eu saco do meu guisarme a tempo de o conseguir fazer trespassar o peito do demónio, que urra de dor antes de receber outro golpe do chicote da Briana, que lhe abre duas chagas na corcunda.

A Clary sai a correr do comodo para o hall da entrada, enquanto a Izzy se esforça por se manter em pé com grande dificuldade. O Jace permanece em choque a olhar para o corpo inconsciente do Alec que está a poucos metros de nós e que continua imóvel.

A raiva de o ver ali, como se não se lembra-se sequer de como falar faz com que eu queira chegar ali, dar-lhe um safanão e gritar-lhe para ir ajudar a Clary em vez de ficar espantado como uma estátua a ver as pessoas a ficarem feridas à volta dela.

— JACE WAYLAND! – A Briana grita ao meu lado e quase não a reconheço pela voz. – Acorda!

O irmão dela abana a cabeça e iça-se no ar, indo na direção da Clary e do Abbadon, enquanto a Izzy inicia a sua sequência de gritos e ordens para que a Clary não acabe ferida ou perca a Taça, que ao que tudo parece, já tem.

A loira ao meu lado parece começar a perder as forças e vejo-lhe o lábio inferior a começar a tremer enquanto o suor lhe escorre pelas temporãs abaixo, como um rio. Os olhos dela parecem estar a recuperar uma tonalidade mais esverdeada, comum nela, e a palidez torna-se tão clara como água, pois a pele da Briana parece conseguir alcançar a cor do papel.

— Alec… - Ela revira os olhos e perde as forças nas pernas, tendo eu que servir de amparo para que ela não se magoe, esmurrando assim os meus joelhos.

Ela não parece estar febril mas têm a testa encharcada em água e tem um ferimento no couro cabeludo, que parece ser o corte de algum vidro, e está tão fria que não admira que esteja a tremer nos meus braços.

Olho para a morena que, com uma expressão de dor no rosto, olha para nós os três, um tanto aliviada. Por momentos, ignoro o que se está a passar á minha volta, pois parece-se exatamente com um cenário de terror, capaz de derrotar até o sistema de nervos do mais puro ferro, por isso, não é de admirar que eu esteja a entrar em um completo e aterrorizante sentimento de medo.

O som de vidros a partirem-se e a estilhaçarem-se no chão ecoa por toda a casa, seguido pelo grunhidos de sofrimento do Abbadon que logo de seguida, ficam a pairar no ar até desaparecerem por fim. Por esta altura, já a Izzy se encontra ao nosso lado, acariciando os cabelos do irmão enquanto repousava a cabeça no colo deste, e a Briana começa a despertar.

— O que aconteceu? – Pergunta a Briana, com a voz mais rouca que parece que ela tem que colocar todas as forças que tem para conseguir falar. – O Alec?

— Calma, Bri. – Tranquilizo-a eu. – Ele está aqui mas não está nada bem. Temos de o levar para o Instituto e depressa.

A Briana força-se a si própria para se sentar e gatinha até ao Alec, colocando as penas dobradas por debaixo da cabeça dele, de modo a que ele tenha mais facilidade em respirar, algo que parece não surgir o tão efeito esperado pois ele continua a sugar o ar com bastante dificuldade. Os olhos dele, agora abertos, estão baços e o azul não é tão elétrico, a face está pálida e salpicada de sangue negro, sem contar que possui duas profunda marcas no peito. As marcas das garras do Abbadon.

Aproximo-me dele e tento-lhe fazer uma runa de iratze mas não tem qualquer benefício dele, parece que em vez de o estar a ajudar, o estou a sujeitar a uma tortura ainda maior.

— Alec. – O Jace aparece ao nosso lado a coxear e abala-se sobre as próprias pernas, ao nosso lado. – Vamos lá, meu. Então?

— Eu… - Ele agarra o pulso do Jace com tanta força, que os nós dos dedos se tornam brancos, da cor da face, dele. – Eu matei-o?

Percebo o que ele quer dizer. O Alec, que nunca matou um demónio para nos poder proteger, quer sentir-se por uma vez na vida, útil. Saber que se agora está ferido, e está a fazer com que tenhamos que nos preocupar com ele, foi por uma boa causa, foi porque combateu como um Caçador para salvar os seus companheiros.

A minha garganta transforma-se num nó no qual tenho até dificuldades em engolir a minha própria saliva e as minhas próprias palavras. A Briana parece estar a conter-se ao máximo para não dar nenhum sermão ao Alec pela imprudência dele, mas também tem as lágrimas a tingirem-lhe os olhos de vermelho por estar a tentar conte-las.

O Jace está prestes a falar quando a Clary o interrompe subitamente:

— Sim. Está morto.

O Alec suspira de triunfo e sorri para nós. No entanto, no preciso momento em que ele o faz, o sangue sobe-lhe a boca e borbulha numa tosse espumante.

— Alec, não te mexas por favor. – Suplica a Briana, vendo o irmão a tentar acalma-la e ao parabatai também.

Apenas eu e a Izzy continuamos sem palavras. Eu porque estou cheia de medo de perder mais um membro da minha família, que apesar de todos os seus defeitos, é o meu irmão mais velho adotivo insubstituível que sempre nos protege, dá conselhos e restringe os nossos limites dentro das nossas ações. Ela, porque está a sufocar-se com o próprio medo e sofrimento ao ver o irmão de sangue, num estado tão grave e perigoso, ao qual ela teme que seja tirado dela a qualquer momento. Acho que nunca nenhum de nós esteve tão perto de conhecer a morte como aconteceu hoje.

Visualizo o Simon, encostado ao vão da porta, com um ar cansado e o arco e flechas do Alec ao tiracolo. Ele observa-me também e eu aceno-lhe com a cabeça para mostrar o meu respeito e agradecimento por nos ter salvado a pele desta vez. Sem ele, quem sabe se a Clary, o Jace e todos nós estivéssemos mortos e o já Abbadon teria a Taça nas suas mãos.

— Raios. Não está a ter efeito nenhum. – Os resmungos do Jace voltam a desviar a minha atenção para o Alec, que permanece imóvel e com os olhos fechados, com o Jace ao seu lado de estela na mão. – O veneno do demónio está a correr-lhe no sangue. As runas não estão a ter qualquer efeito nele. Alec, consegues ouvir-me?

Ele não responde e continua inconsciente, com o rosto pálido, as cicatrizes no peito á exposição de todos, e as olheiras dos olhos a adotarem um tom azulado que me coloca um aperto insuportável no peito que me impede de respirar.

Não. Não! Isto não pode acontecer! Eu não posso perder mais ninguém!

A Isabelle acaba por fim, por mostrar todo o seu temor ao abraçar-se ao irmão num choro compulsivo que insiste em conter. A Wayland apenas repousa a testa na do Alec e deixa que as lágrimas escorram lenta e silenciosamente para que ninguém repare no sofrimento que ela está a sentir neste preciso momento, na agonia pela qual ela está a passar por poder perder o rapaz por quem é apaixonada desde dos seus doze anos.

E eu, imóvel, a gritar comigo mentalmente e a não saber como reagir ao certo por saber que o que precisamos agora é de salvar o Alec e não chorarmos por ele como se já não houvesse salvação e o destino dele já estivesse traçado para terminar neste dia e com este cenário.

A única opção de ele poder recuperar cai sobre a pessoa na qual eu menos confio neste momento mas que pode ser-nos útil para conseguirmos salvar o Ligthwood mais velho.

— Temos de o levar ao Hodge. – Digo, surpreendendo a Briana, que me olha com os olhos inchados e vermelhos, sem compreender o por quê de eu querer a ajuda do nosso tutor logo agora. – Nós não vamos conseguir curá-lo se ficarmos aqui parados, temos de o levar até ao Hodge.

— Sabes que ainda é um caminho longo até Manhattan? – Aceno que sim com a cabeça para o Jace. – Mas tens razão, se queremos salvar o Alec, precisamos de chegar ao Instituto o mais depressa possível.

O Simon entende o recado e toma uma atitude que eu não esperaria da parte dele, mesmo ele tendo alterado o comportamento connosco, mas mais porque na nossa pequena conversa, ela tinha comentado acerca da Clary ter feito algo com o Jace á frente dele que o embaraçou, e suponho que não foram meras palavras mas sim um beijo, um ato. Logo, fico um pouco confusa quando lhe vejo a empatia nos olhos ao observar o Jace.

— Vamos levá-lo para a carrinha.

Ajudo a Isabelle a encontrar um pano sujo e cobrimos o Alec com ele para depois o Jace o retirar do colo da Briana, que parece a toda a força não querer separar-se dele. Eu permaneço ao lado dela para lhe oferecer o apoio e o ombro amigo que ela sempre precisa quando está assim.

Por tanto, quando a vejo a correr para fora dos meus braços, a chamar a Clary e a pregar-lhe um chapadão que a faz virar a cara mas a não levar as mãos ao local, como se aquilo que acabara de acontecer fosse uma punição bem merecida para ela.

— Se acontecer alguma coisa com o Alec, vais desejar nunca teres aparecido na nossa vida, Clary. – As lágrimas voltam a acumular-se nos olhos da loira, mas não consigo distinguir se são de raiva ou de pavor. – Eu nunca te vou perdoar…nunca, se ele morrer por tua causa.

Corro para a ela, a tempo de ela se esconder no meu peito para não a verem chorar. A Clary olha para mim, com uma expressão de culpa e preocupação no rosto mas eu faço-lhe sinal que é melhor ela não fazer nada agora pois a Wayland não se encontra nas condições certas para falar com alguém.

Vamos para a carrinha do Eric, e sentamo-nos no chão da carrinha com o Alec no meio de nós com a cabeça pousada no colo da irmã. O Jace senta-se ao lado dele assim como eu e a Briana, esta agarra numa das mãos dele e leva-a a bochecha dela como se assim lhe pudesse dar um pouco de reconforto. Eu fico apenas a observar o Alec, sem saber o que fazer para o poder ajudar de mais alguma forma.

—Conduz depressa, mundi. – Diz o Jace para o Simon. – Guia como se o inferno viesse atrás de ti.

Sinto a carrinha a dar uma guinada e o Simon a pregar a fundo no acelerador, fazendo com que ao princípio eu balance de um lado para o outro, enquanto praguejo dentro da minha mente, em como os meus pressentimentos e os da Briana nunca estão errados.

Chegamos ao Instituto em tempo recorde e logo que chegamos, encontramo-nos com o Hodge especado, à porta da entrada, com o Hugo empoleirado ao ombro e uma expressão carregada no rosto, que me aflige um pouco. A Briana lança-lhe olhares de morte quando o vê, especialmente ao corvo, que ainda no dia anterior a atacou.

O Jace parece não aperceber-se muito disso, e salta da carrinha para o exterior, levantando o Alec, embrulhado no pano já ensopado de sangue, sendo seguido pela Isabelle, com a arma do irmão, por mim e pela Briana.

Assim que entramos, a porta fecha-se com um barulho estrondoso e é quando somos interrogados pelo Hodge:

— O que aconteceu para vocês estarem todos arranhados e cobertos de sangue?

Como ninguém parece saber ao certo como responder a esta pergunta, chego-me á frente e decido fazer o papel que o Alec faria, caso estivesse em condições.

— Tivemos um encontro com um Superdemónio, Abbadon. – Digo, fazendo uma pausa para puder respirar fundo e clarear a minha mente. – Durante a luta ficamos feridos mas conseguimos derrotar o Abbadon, por agora, mas o Alec encontra-se gravemente ferido.

— Isso bem vejo eu. – Responde ele, observando os ferimentos do Alec com uma cara assustada e receosa. – E a Taça? Conseguiram-na?

Fico calada. Não lhe quero responder a isso especialmente quando sei que o prazo de entrega que ele tem a cumprir é até ao final do dia e se lhe revelarmos que temos a Taça no poder da Clary, é possível que o prazo encurte razoavelmente, e não estou disposta a que ele nos abandone antes de curar o Alec.

Mas não preciso de procurar uma forma de lhe responder, pois a Briana recupera parte da sua postura de durona e fala por mim e por ela.

— O Alec está em perigo de morrer e a única que coisa que lhe importa é essa estupida Taça Mortal! – Exclama ela, quase fora de si. – Por que se preocupa tanto se a temos connosco ou não? O que isso traz de tantos benefícios para ti?

Ele não lhe responde e parece entender o peso das palavras dele e dela no grupo. Agora, encontramo-nos todos a olhar para ele á espera de uma resposta que sei que ele não será capaz de confessar, o que demonstra o quão cobarde e falso ele consegue ser ao ponto de nem ser verdadeiro com as pessoas que o conhecem desde da sua infância.

Em vez disso, ele levanta a cabeça e caminha em direção da enfermaria, como se o que a Briana acabou de dizer não tivesse infringido qualquer ferida nele.

— Tens toda a razão, Briana. – Confirma ele. – Temos de cuidar do Alec primeiro.

— Consegues curá-lo? – Pergunto, recuperando a fala.

— Não sei mas tentarei tudo o que poder.

Seguimo-lo sem mais palavras, e encaminhamo-nos para a enfermaria, onde o Jace decide ficar no exterior, sozinho, rejeitando até a companhia da própria irmã, enquanto o resto do grupo permanece á cabeceira do Alec, esperando ordens do Hodge que continua a murmurar coisas sem sentido acerca dos venenos, poções e os seus efeitos.

A Wayland divide a sua atenção entre o Lightwood e as portas abertas da enfermaria, julgo que por saber que o irmão se encontra ali, encostado á parede e envolvido nos seus próprios pensamentos.

— Bri. – Chamo. – Não vale de nada continuares assim.

— E como devo estar? – Responde-me com um tom frustrante a revelar-se no timbre. – O meu irmão paralisou no meio de uma luta e o Alec foi atingido por causa disso. Ele deve estar agora a culpar-se por causa disso e está sozinho mas se me tentar aproximar dele agora, isso só poderia causar mais confusão nele.

— Não podes ignorar o código pelo qual fomos criados. – Explico. – Sabes bem que o Jace o segue á letra e por isso de nada vale se o tentares dissuadir de tal coisa.

Ela baixa a cabeça e começa a embrulhar o casaco de cabedal nas mãos, para disfarçar o que está a sentir verdadeiramente no interior.

— Não posso fazer mais nada, meninas. – Diz o Hodge, com o rosto sério virado na nossa direção. – Vou ter de chamar os Irmãos Silenciosos para que ele tratem deste ferimento pois eu não consigo fazer melhor que isto.

— Nós compreendemos. – A Isabelle puxa uma cadeira e senta-se ao lado do irmão, respondendo por nós; algo que não gosto nada. – Estás à vontade para os ires chamar.

Ela acena com a cabeça e sai da enfermaria deixando-nos sozinhas, com o corpo imóvel do Alec sob o efeito de sedativos que o colocam numa aparência de alguém já morto, esse pensamento arrepia-me o corpo desde a ponta dos pés até aos meus cabelos.

— Acham que poderíamos ligar a uma pessoa que chegasse aqui mais rápido? – Comenta a Isabelle. – Os Irmãos Silenciosos demoram sempre muito tempo para chegarem ao Instituto e não sei se consigo aguentar tanto tempo á espera.

Não sei o que lhe responder. Embora seja experiente em ervas medicinais, se o Hodge não o conseguiu curar totalmente, então eu não faria um trabalho melhor. E também não conheço quem poderia ter um conhecimento ou capacidade tão avançada para curar.

— Penso que sei a pessoa certa para isso. – Diz a loira ao meu lado. – O Magnus Bane deve conseguir. Ele é o feiticeiro Supremo de Brooklyn, tem que servir para alguma coisa.

— E qual será o pagamento que lhe vamos dar? – Pergunto, lembrando-me que nunca há almoços grátis e que toda a ação tem o seu preço.

— Pensamos nisso depois. – Esbraceja ela. – Eu tenho o número dele, que saquei de um dos cartões que ele tinha na mesa do quarto. Se eu lhe ligar e pedir que ele venha até aqui, pudemos curar o Alec mais depressa do que imaginamos.

Penso na proposta dela e em como é tentadora. Um feiticeiro que consegue teletransportar-se é muito mais rápido e eficiente que dois Caçadores das Sombras cobertos de runas e todos mutilados e que, na minha mais honesta opinião, pregam medo ao susto com as expressões vazias e mutiladas.

— Eu não demoro nada. Vou só até à biblioteca para ligar-lhe. – E então sai a correr da enfermaria como se não houvesse amanha e com os cabelos soltos a esvoaçarem a cada passo que dá.

Algo me diz que este dia ainda não está acabado e tenho a breve sensação de que algo está prestes a acontecer connosco. E eu não devo estar feliz de essas questões me estarem a assombrar logo agora.

Espero pacientemente durante vinte cinco minutos para que a Briana regresse mas continuamos sem receber mais nenhuma visita, nem sequer da Clary, que parecia estar tão preocupada e com um sentimento de culpa tão grande como o tamanho do mundo. E como se não bastasse, o meu peito continua a afundar-se em maus presságios e em agonia.

— A Briana está a demorar. – A Izzy coloca em palavras os meus pensamentos e eu volto a ser tomada por um semblante preocupado.

Mas logo percebo o por quê de tudo isso.

— Iz, o Hodge ia para a biblioteca, não ia?

— Sim, ele disse que ia falar com os Irmãos Silenciosos e comentar qualquer coisa com o Jace. – Explica. – Provavelmente é capaz de se ter cruzado com a Clary pelo caminho e agora deve estar a admirar a Taça.

A Taça! Merda, como é que eu não pensei nisso!

— Vou procurar a Briana. – Anuncio, levantando-me á pressa. – Fica por aqui até que eu volte.

Não espero pela reação dela e ponho-me a correr em direção da biblioteca, onde ainda tenho a esperança de me reencontrar com a Clary, o Jace e a Briana a terem tempo de encarar a Taça do Anjo. Abro as grandes portas de madeira maciça e o que encontro é um salão vazio, com uma janela aberta, deixando a chuva cair por esta até o interior do salão. Adentro mais no comodo e reparo num monte de pluma e de sangue num dos cantos da sala e, no outro oposto, um líquido espesso e negro que não consigo identificar e, perto de um dos cortinados, está o medalhão da Wayland, coberto pelo sangue dela.

— Ele entregou-lhe a Taça e a Briana. Mas se o Jace e a Clary não estão aqui… - A minha garganta fica subitamente seca quando me dou conta da conclusão a que acabei de chegar. – Será que o Jace é o “filho” de quem o Valentine falava?


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Notas finais do capítulo

Nada bom...O tempo escasseia. E agora ou nunca. Lauren precisa de salvar Briana e Jace antes que Valentine acabe com tudo. E ainda existe o problema da Taça Mortal. Que decisões tomara ela? Sera Jace o filho perdido de Valentine como ela pensa?



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