Hoje é segunda feira e estou dentro do meu carro indo em direção à escola. Sim, as férias acabaram para minha infelicidade, bom, talvez nem tanta. Estou triste porque as aulas voltaram, mas em partes estou feliz porque hoje começaremos com os ensaios para o show.

Essa última semana de férias foi quase um inferno pra mim. No dia seguinte a aquela festa na praia procurei Gale para por um fim em nossa relação, mas ele como sempre não aceitou, passou o resto da semana me infernizando com ligações, mensagens e emails, mas é claro que eu não respondi a nenhum. Nossa discussão sobre o fim do nosso namoro ainda estava fresca em minha memória.

“ Estava sentada no banco da praça enquanto esperava por Gale, que não demorou a chegar.

— Katniss, sobre ontem eu queria te pedir desculpas, eu... — começa falando, mas o interrompo.

— Sem essa de desculpinhas Gale. — digo seria enquanto me levanto e fico a sua frente — Já estou cansada de tudo isso, então pretendo ser rápida.

— Espera ai, não estou entendendo. Do que você está falando? — pergunta-me confuso.

— Estou falando do nosso namoro Gale. Eu pedi um tempo pra pensar, e fiz isso também na esperança de que você refletisse sobre seus erros, que pudesse crescer, amadurecer. Só que mais uma vez eu fui trouxa, trouxa por ainda acreditar que você pudesse ser capaz de mudar. Você nunca vai mudar Gale! Não importa quanto tempo passe você sempre vai ser um babaca! — cuspo cada palavra.

— O que você quer dizer com isso Katniss?! — pergunta-me nervoso.

— Quero dizer que nosso namoro acaba aqui Gale. — falo e ele arregala os olhos assustado, abre e fecha a boca varia vezes, mas nada sai. Até que finalmente parece encontrar a voz.

— V-você está terminando comigo?

— Sim, estou. — digo firme com os braços cruzados, sua expressão muda de assustada para raivosa.

 — Você não pode fazer isso Katniss! Eu sei que eu agi feito um idiota ontem, mas eu estava bêbado!

— Chega de desculpas Gale! — exclamo irritada.

— Mas não é desculpa. É a mais pura verdade!

— Mas é claro que é uma desculpa, até porque você precisa de desculpas pra tudo! Tem que manter a fama de macho e por isso acha que pode pisar nos outros.

— Eu nunca pisei em você! — diz indignado.

— Porque eu não deixei! Porque se eu bobeasse, estaria aí na sola do seu sapato como todo mundo da escola.

— Katniss! — exclama enquanto leva as mãos até os cabelos em um ato de nervosismo.

— Que foi? É a mais pura verdade, você está sempre agindo como um idiota, maltratando os outros, botando medo em qualquer garoto do primeiro ano. Quando eu te conheci você era completamente diferente, mas esse Gale parado aqui na minha frente eu não conheço. Você se transformou em um riquinho prepotente que acha que só porque tem dinheiro pode tudo. — digo com arrogância.

— Você está pegando pesado Katniss!

— Você acha? Por que eu não. Eu tentei Gale, eu lutei de todas as formas possíveis para que nosso namoro desse certo, mas você se encarregou de estragar tudo! — exclamo enquanto pressiono meu dedo indicador em seu peito — Eu simplesmente cansei Gale, cansei das suas burrices, dos seus ciúmes, das suas confusões. Esse relacionamento só estava nos machucando. A melhor saída é por um ponto final nisso. — sinto uma lágrima escorrer por minha bochecha e ele segura meu rosto entre suas mãos.

— Eu te amo Katniss. Você não pode fazer isso comigo, eu não sei viver sem você. — então me beija, um beijo rápido e forte. Empurro-lhe pelos ombros, mas ele me prende em seus braços e continua me beijando.

— Gale para. — peço, mas ele me aperta mais em seus braços — Gale para!

— Eu te amo Katniss!

— MAS EU NÃO TE AMO!! — grito lhe empurrando pra bem longe de mim.

— Você não me ama? COMO ASSIM VOCÊ NÃO ME AMA?! — grita me fuzilando com os olhos — Você não pode ter deixado de me amar assim da noite para dia, não pode!

— Eu não deixei de te amar da noite para o dia! Meu amor por você foi morrendo aos poucos, foi morrendo conforme nossas brigas aumentaram, conforme seus ciúmes foram ficando mais possessivos! Eu te amei Gale, amei muito mesmo, mas eu amei o cara que conheci dois anos atrás, não no que você se transformou hoje.

— Mas que merda Katniss! Eu posso mudar, eu posso voltar a ser o Gale de antes!

— Não, você nunca vai voltar a ser o Gale de antes. Assim como também não tem um botão para fazer você voltar no tempo e apagar todas as merdas que fez. — suspiro pesado — Eu queria um cara pra ficar comigo, sem me azucrinar, sem me levar a loucura! Mas esse cara não é você. — pego minha bolsa que estava em cima do banco e me afasto dele.

— Katniss?! Katniss! — chama-me desesperando — Você não pode fazer isso comigo, por favor!!

— Sinto muito Gale, mas já é tarde demais. Acabou. — dou-lhe as costas e sigo o mais rápido que consigo para casa. Como eu esperava não foi fácil, nada relacionado à Gale é fácil. ”

Quando chego ao estacionamento da escola avisto Peeta descendo de sua moto, estaciono meu carro ao seu lado e desço com um grande sorriso no rosto.

— Hey. Bom dia. — diz me acolhendo em seus braços.

— Bom dia. — sussurro em seu peito.

— Então, ansiosa para os ensaios? — pergunta desfazendo nosso abraço para poder olhar em meus olhos.

— Sim! Estou muito, muito, muito empolgada.  — digo dando alguns pulinhos.

— É eu estou vendo. — ele ri da minha animação.

— E você? Está ansioso? — pergunto estreitando os olhos em sua direção. Ele sorri de lado e vejo um pequeno lampejo de felicidade passar por seus olhos e aquilo me trás uma alegria sem tamanho.

— Confesso que sim. Mas agora vem, vamos encontrar com os outros. — diz passando o braço direito por meus ombros e seguimos rumo ao campos, onde nossos amigos nos esperavam.

Mas antes de chegarmos onde nossos amigos se encontram, sinto Peeta ser puxado de perto de mim bruscamente e no segundo seguinte ele está jogado no chão com a mão na boca. Corro até ele e vejo que sua boca tem um pequeno corte no canto.

— VOCÊ FICOU MALUCO! — grito com Gale que está parado a nossa frente espumando de raiva. Nossos amigos, assim como algumas outras pessoas que estavam no campos, se aproximam para ver o que estava acontecendo.

— O que está acontecendo aqui? — pergunta Madge confusa, mas quando vê Peeta no chão e Gale praticamente soltando fogo pela boca, entende que a coisa não está nada boa.

— Você! Você é o culpado pela minha vida ter virado um inferno! Primeiro você me tirou meus amigos, depois o papel principal do show, depois roubou meu lugar no time e agora a Katniss! Isso não vai ficar assim, eu vou acabar com você seu merdinha! — cospe as palavras e avança na direção de Peeta na intenção de lhe dar mais um soco, mas os meninos são mais rápidos e o impede.

— Você está maluco?! Eu não tirei porra nenhuma de você! — exclama Peeta já de pé e muito irritado — Se sua vida virou um inferno à culpa é totalmente sua! Você que não soube dar valor as coisas que tinha e agora que as perdeu por completa imaturidade, fica tentando me culpar!

— O que é que deu em você Gale?! Mas que droga! Você não cansa de fazer merda?! — pergunto exasperada.

 — O que deu em mim?! — me fuzila com os olhos — Você terminou comigo pra ficar com esse merdinha, Katniss! O que você esperava? Que eu deixasse isso barato?! Eu vou é dar uma lição nesse idiota pra ele aprender a não mexer com a garota dos outros! — tenta avança mais uma vez, só que os meninos impedem.

— Sua garota? Que eu saiba a Katniss terminou com você! E se ela terminou não foi pra ficar comigo! Ela terminou porque você foi tão idiota e imaturo, que não soube ama-la como ela realmente merece! — Peeta diz sem desviar seus olhos de Gale.

— Você não sabe nada sobre nosso relacionamento! — Gale praticamente grita.

— Sei o bastante para saber que você estava tão cego de ciúmes que acabou magoando a Katniss! Você foi tão imbecil que fez todo o amor que ela sentia por você morrer! Então se existe um culpado aqui, esse culpado é você! — decreta fazendo Gale tentar mais uma vez avançar para lhe dar um soco, sem sucesso claro.

— Bom, já que você sabe tanto sobre o relacionamento dos outros, acho justo você nos contar sobre você também, né seu merdinha?! — ele sorri irônico para Peeta — Sabe Peeta eu sempre me perguntei qual foi o motivo de você ter vindo morar em Los Angeles. Mas você sempre tão misterioso, nunca nos contou. O que acha de falar agora? Eu adoraria ouvir sua historinha. — ri sarcástico e vejo Peeta contrair os músculos ao meu lado.

— O motivo que me fez vir morar em Los Angele não te interessa! — Peeta responde de forma rude.

— Wow. — ele ri divertido — Não me interessa? Acho que interessa sim! Você foi intrometido o bastante para apontar meus defeitos, acho que também tenho o direito de apontar os seus!

— Gale já chega! Você está descontrolado, vem vamos sair daqui! — diz Finnick tentando puxa-lo, mas o mesmo se solta e se aproxima de Peeta. Os dois se encaram, frente a frente.

— Por que você veio morar aqui, hein Peeta? O que você aprontou de tão grave em Miami que foi obrigado a vir pra cá? — pergunta desafiador.

— Eu já disse que isso não te interessa! — Peeta diz entre dentes.

— Bom, já que você não quer contar vamos tentar descobrir. — diz cruzando os braços.

— Gale para, por favor. — suplico próxima aos dois.

— Será que você matou alguém? — ri com as próprias palavras ignorando minha suplica — Não, melhor! Seus pais te expulsaram de casa porque você era um filho bastardo! — ri mais uma vez.

— Gale para com isso. — dessa vez quem pede é Annie, mas ele também a ignora.

— Bom. Talvez você tenha vindo morar aqui porque descobriu que a mamãe é uma prostituta e o papai um completo drogado. — diz em um tom acido de maldade.

— Você lave sua boca para falar sobre meus pais! Você não sabe nada sobre eles! — fala Peeta fechando as mãos em punhos.

— Olha só, ele ficou nervosinho. — ri debochado — Sua mãe deve ser uma ótima prostituta hein? Bom, já que ela não veio com você os negócios em Miami devem dar muito dinheiro.

— Gale para! Você está pegando pesado! — repreendo-lhe com raiva.

— Olha Peeta eu vou querer o telefone da sua mãe, ok? Ela deve fazer um boquete maravilhoso eu adorari... — Gale é interrompido pelo punho de Peeta que lhe acerta em cheio na boca.

— VOCÊ NUNCA MAIS TOQUE NO NOME DOS MEUS PAIS VOCÊ ME ENTENDEU?! NUNCA MAIS! — grita com fúria, assustando todos nós, nunca tinha o visto daquele jeito. Gale se levanta com um sorriso de vitoria no rosto e em vez de calar a porra da boca continua é falando.

— Finalmente achei seu ponto fraco Peetinha. Deve ser doloroso ouvir a verdade sobre seus pais não é? Onde eles estão hein? Foram presos? São traficantes? Ou um bando de drogados que não deram conta de criar um bastardo como você? — pergunta com um sorriso debochado e antes que qualquer um possa intervir, Peeta avança em sua direção e começa a distribuir vários socos em seu rosto.

— ELES ESTÃO MORTOS! MORTOS! — grita e dá um último soco no rosto de Gale — Satisfeito agora?! Eles estão mortos! — repete enquanto lágrimas escorrem por seu rosto.

Gale assim como todos que estavam ali ficam paralisados e chocados com a revelação, principalmente eu. Sinto uma forte dor seguida de angustia passar por meu peito, nunca em um milhão de anos eu iria pensar na hipótese de que os pais de Peeta estivessem mortos, sempre achei que eles pudessem ter brigado ou que talvez não tivessem uma relação boa, mas, mortos?

Com a ajuda de Cato tiro-lhe de perto de Gale. Ele senta no chão chorando como um bebê. Está tremendo e parece perdido em meio sua dor. Abraço-lhe bem apertado. É angustiante vê-lo assim.

— Peeta... — murmuro seu nome, mas as palavras saem mais como um lamento.

— E-eu preciso sair daqui. — diz em um sussurro para si mesmo e se afasta de meu abraço.

— Peeta? Peeta! — chamo desesperada enquanto vejo-o se afastar cada vez mais rápido. Estou sentindo uma angustia tão forte ao vê-lo assim que chega a ser quase sufocante.

— Eu vou atrás dele. — avisa Marvel correndo na mesma direção que Peeta.

— Você passou de todos os limites! — exclamo entre dentes me dirigindo a Gale.

— Katniss, eu... — tenta se justificar, mas o interrompo.

— CALA A PORRA DESSA SUA BOCA! Isso que você fez foi baixo, cruel. Nunca mais... Olhe na minha cara! O que você fez não tem perdão! EU TE ODEIO GALE! TE ODEIO! — grito sentindo as lágrimas escorrerem por minhas bochechas embaçando minha visão.

Choro pelo aperto que estou sentindo no peito, choro pela dor que Peeta está sentindo. Choro por ver que o cara que eu amei se transformou em uma pessoa desprezível.

Vejo seus olhos me encarando marejados enquanto se levanta do chão, ele me olha uma última vez, se vira e vai embora sem falar mais nada.

— O SHOW ACABOU PESSOAL, VAMOS, VÃO PROCURAR ALGO ÚTIL PARA FAZER! — grita Johanna e o pessoal começa a se afastar aos poucos.

— Vem katniss vamos sair daqui. — diz Madge abraçando-me de lado, nos guiando para dentro da escola.

Entramos em nossa sala e Clove me trás um copo d’água. Ficamos todos em silencio, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Alguns minutos depois Marvel aparece ofegante.

— Então, cadê o Peeta? — pergunto preocupada.

— Eu corri, mas infelizmente não cheguei a tempo de lhe impedir de sair na moto. — diz após recuperar o fôlego.

— Gale passou de todos os limites! Por que ele tinha que fazer aquilo? Por quê? — pergunto mais para mim mesma e sinto as lágrimas voltarem a fazer caminho por minhas bochechas.

— Calma Kat. — diz Madge me abraçando apertado.

— Eu estou preocupada com o Peeta, Mad. Ele estava muito mal e se alguma coisa acontecer com ele? — pergunto e só de pensar nessa hipótese meu coração se contrai em meu peito.

— Não vamos pensar besteiras Kat. Tenho certeza de que nada vai acontecer com Peeta. — Annie sorri para me tranquilizar.

— A Annie tem razão Kat. Peeta só precisa de um tempo sozinho, deve estar sendo muito doloroso pra ele expor assim um segredo ao qual ele tanto preservava. — fala Finnick e todos concordam.

Naquela manhã tudo pareceu fora do lugar. Às aulas, as pessoas, até mesmo a música pareceu perder o ritmo. Cheguei em casa e simplesmente me joguei na cama e assim fiquei o dia inteiro. Meus pensamentos não saiam de Peeta, tive diversos pesadelos à noite relacionados a ele e sua dor. Eu sabia que ele estava sofrendo e eu... Estava sofrendo junto com ele.

No dia seguinte ele não apareceu na escola, liguei incontáveis vezes para ele, mas em nenhuma ele me atendeu, assim como também não atendeu a nenhum de nossos amigos. Cada segundo que passava eu me via mais e mais preocupada com ele, queria estar ao seu lado, queria poder de alguma forma reduzir sua dor. Mas quando ele não apareceu no terceiro dia, foi que me desesperei. Comecei a imaginar inúmeras coisas ruins que não faziam bem para minha sanidade, então assim que sai da escola fui até sua casa.

Cada passo que eu dava em direção a sua casa, meu coração diminuía mais em meu peito. Toquei a campainha e em pouco tempo Effie apareceu na porta, seus olhos estavam vermelhos e sua expressão era de puro cansaço, como se não dormisse há dias.

— Katniss. — diz um pouco surpresa.

— Oi. Eu queria falar com o Peeta. Ele está bem? — pergunto e é quando ela começa a chorar, e ali meu desespero aumentou para nível Máximo. Ela me puxa delicadamente pela mão até a sala.

— Ele está muito mal Katniss. Não sai do quarto a três dias e os pesadelos o assombram até acordado. — responde depois de se acalmar.

— Será que eu posso vê-lo?

— Claro. Só não garanto que ele vá falar, ele se fechou em seu mundo, em sua própria dor. — suspira pesadamente enquanto seca os vestígios de lágrimas de sua face.

Ela me guia pelo corredor e paramos em frente a uma porta com alguns detalhes em marfim.

— É aqui. Qualquer coisa é só me chamar, está bem?

— Pode deixar Effie. — ela me lança um pequeno sorriso, que apesar de triste, era bastante sincero, e some pelo corredor. Respiro fundo e entro no quarto com o coração a mil.

Ele estava meio escuro, a única iluminação vinha da janela que estava entreaberta. Seu quarto era simples, porem belo. A esquerda havia um guarda roupas embutido na parede e ao seu lado uma escrivaninha com alguns materiais escolares. Já a direita havia uma porta - que suponho ser o banheiro - e um pouco mais para o lado havia uma prateleira repleta de livros e ao seu lado, um belo violão preto, aquilo me fez sorri. E bem ao centro do quarto estava a cama, onde Peeta se encontrava de bruços. Aproximei-me em passos lentos e sentei-me ao seu lado, levei minha mão direita até seus cabelos loiros e comecei a acaricia-los. Eles eram tão macios.

— Peeta. — chamo, mas não obtenho resposta — Peeta... Eu sei que você está sofrendo muito, mas... Você sabe que estou aqui, por você, sempre. — continuo acariciando seus cabelos e assim permanecemos por um bom tempo, ele deitado e eu lhe fazendo carinho. Então ele levanta-se lentamente e senta a minha frente, me permitindo ter uma boa visão de seu rosto. Seus olhos marejados estão mais tristes do que nunca, sua boca está em uma perfeita linha reta. Olhando assim ele parece um garotinho assustado e indefeso que só precisa ser cuidado, e se depender de mim, ele receberá todos os cuidados do mundo.

 — Sabe Katniss... — se pronuncia depois de minutos em silencio com a voz um pouco rouca — Eu nunca tive medo de dançar conforme a música, mas eu confesso que o ritmo começou a ficar pesado demais, tão pesado ao ponto de ser insuportável até respirar.

— Peeta...

— Me deixa falar, por favor. — pede quase suplicante enquanto uma lágrima escorre por sua bochecha. Seco-a com o polegar enquanto assinto levemente com a cabeça — Bom, assim como eu tinha de contado antes, Delly e eu começamos a namorar com 16 anos. Delly era o tipo de garota que faz você perder o sono à noite e faz você imaginar toda uma vida ao seu lado. Ela era a felicidade em pessoa, sempre sorridente, não importava quão ruim fosse a situação ela sempre dava um jeito de te fazer sorri. — suspira enquanto se levanta, vai até a escrivaninha e pega algumas fotos — Alguns meses antes de completarmos 18 anos ela descobriu que estava grávida de dois meses. — me entrega uma foto onde ele estava abraçado a uma garota loira de olhos azuis. Os dois tinham suas mãos sobre a barriga dela. Era uma foto linda, realmente linda — Quando contamos para nossos pais, primeiramente eles ficaram assustados por sermos novos demais, mas nos acolheram de braços abertos. Meus pais sempre amaram crianças, então eles estavam muito felizes. Minha irmãzinha nem se fala...

— Você tem uma irmã? — pergunto o interrompendo, aquela história estava me deixando cada vez mais surpresa.

— Sim. — me entrega uma foto e arregalo meus olhos com o que vejo, a garotinha da foto era muito, mais muito parecida com Prim, ergo meus olhos e encaro os de Peeta — Sim, elas são muito parecidas. — sorri triste.

— Qual o nome dela? — pergunto voltando meus olhos para a foto em minhas mãos.

— Hope. — responde me fazendo encara-lo novamente.

— Hope? Então a tatuagem... ? — não completo a pergunta.

— Sim. Eu fiz em homenagem a minha irmãzinha. — e foi ali que tudo começou a fazer sentindo em minha cabeça — Quando contei a ela sobre a gravidez de Delly, ela não conseguia se conter de tanta felicidade. Vivia dizendo que seria a melhor tia do mundo. — outra lágrima escorre por sua bochecha — Quando Delly completou o terceiro mês de gestação descobrimos que o bebê era um menino, meu menino. Nossas famílias não conseguiam se conter de tanta felicidade. Meus pais sempre foram excelentes pessoas, minha mãe era daquelas que todas as noites me colocava para dormir contando uma canção de ninar, e meu pai sempre tirava os finais de semana para me ensinar a jogar bola e a andar de bicicleta, então quando souberam que o neto seria um menino prontamente fizeram uma sessão com todas as fitas que tinham de quando eu era pequeno, aquela noite se resumiu em muitas risadas. Eu nunca tinha estado tão feliz, estava junto da mulher de minha vida, que esperava um fruto do nosso amor. Tinha os melhores pais do mundo e uma irmã ao qual amava com todas as minhas forças. Delly e eu pretendíamos nos casar assim que nosso filho nascesse. Então resolvemos marcar um jantar entre nossas famílias, onde eu pediria sua mão em casamento. Mas no dia do jantar, um pouco mais sedo, tive que ir até Brownsville para fazer a entrega de um bolo de aniversário, meus pais tinham uma padaria em Miami Beach e como naquele dia meu pai tinha dispensado os funcionários mais cedo por causa do jantar, me ofereci para fazer a entrega. Delly protestou bastante dizendo que eu chegaria atrasado, mas acabei convencendo-a. Lembro-me de seus olhos azuis brilhando, de seu sorriso lindo em minha direção. Ao seu lado, segurando em sua mão estava Hope, acenando freneticamente pra mim enquanto sorria sem parar. Aquela foi à última visão que tive das duas antes de ligar o carro e dar partida. — seu rosto já estava banhado em lágrimas e eu, bom, eu escutava cada palavra atentamente — Fiz a entrega do bolo e quando estava voltando para casa me deparei com um engarrafamento bem grande, aquilo me atrasou bastante e já estava imaginando à bronca que Delly ia me dar... — ri sem humor — Mal sabia eu o que me aguardava. Quando dobrei a esquina de minha casa fiquei em choque, ela estava tomada de policiais, bombeiros e ambulâncias. Desci do carro às pressas e perguntei a um policial o que havia acontecido, ele me respondeu que, houve um vazamento de gás. A cozinha explodiu e minha família, juntamente com a de Delly estavam lá. — fico em choque — Não... Não sobrou ninguém. — chora fortemente enquanto eu estou de boca aberta tentando não chorar junto com ele.

— Peeta... — tento interrompe-lo, mas ele continua. Acho que ele guardou aquilo por tanto tempo, que só precisava desabafar.

— Só lembro-me de ver corpos ensacados saindo de minha casa. De minha cozinha estar irreconhecível. Eu simplesmente desabei no chão. Abracei meus joelhos e comecei a chorar sentado no gramado da frente de casa, enquanto olhava para a cozinha destruída e sentia ódio de mim mesmo por não está ali quando tudo aconteceu, por não poder fazer nada para... para salvar minha família... eu... — ele não consegue terminar de falar, pois os soluços impedem.

— Shiii. — lhe abraço bem forte e ele retribui. Seu corpo treme por conta do choro, sinto suas lágrimas em meu ombro e a cada uma que entra em contato com minha pele, sinto sua dor trespassar por elas fazendo minha pele queimar. Ele desfaz o abraço e me encara. Nunca tinha visto tanta angustia, tanta dor nos olhos de uma pessoa como estava vendo nos de Peeta.

— E-eu perdi todo mundo Katniss. Perdi meus sogros. Perdi meus pais que sempre estiveram ao meu lado, me ajudando a enfrentar tudo. Perdi minha irmãzinha de seis anos que era a doçura em forma de criança. Perdi minha namorada, minha companheira, a pessoa que trazia em si a chama da felicidade, da minha felicidade e acima de tudo, perdi meu filho, perdi meu menininho que nem sequer cheguei a pegar nos braços, a ensinar jogar futebol, a andar de bicicleta... Dói tanto Katniss, tanto, que chega a ser insuportável. É uma dor tão forte, que a cada dia que passa vai te corroendo cada vez mais. — diz quase que em um sussurro. Seguro suas mãos com carinho — O único parente que me sobrou foi a tia Effie. Quando tudo aconteceu ela foi às pressas para Miami Beach. Ela também sofreu bastante, minha mãe era sua irmã casula e as duas eram bastante apegadas. Depois do velório ela me trouxe para Los Angeles para morar com ela, naquela mesma semana completei 18 anos e além de ser o pior aniversário da minha vida, também foi o primeiro que passei sem meus pais ao meu lado. — terminou a história ali e eu não consegui mais me conter, acabei provando o gosto das minhas próprias lágrimas enquanto ele provava as das suas.

O abraço mais uma vez e ele me abraça de volta. Durante todos esses meses sempre quis saber o que havia acontecido com Peeta, o porquê de ele sorri por fora, mas sempre parecer que estava desmoronando por dentro. E agora eu sei. Ele não parecia, ele realmente estava desmoronando por dentro. Apesar de estar sempre sorrindo e se fazendo de forte, no fundo ele estava sofrendo, estava guardando toda aquela tragédia só para si e aquilo poderia leva-lo a loucura. Porque se fosse eu no seu lugar, certamente já estaria louca. Não consigo nem imaginar viver sem meus pais, sem minha patinha.

E estou sem palavras, nada do que eu diga será suficiente diante de toda essa situação. Ele perdeu tudo em uma única noite. Agora entendo o porquê de ele ter escolhido a música Dust In The Wind para cantar meses atrás, a letra se encaixa perfeitamente a tudo que lhe aconteceu e principalmente se encaixa a vida. Nada dura para sempre, apenas a terra e o céu. O tempo foge e todo seu dinheiro não comprará outro minuto. Tudo o que somos é poeira no vento.

Vê-lo sofrendo assim e não poder fazer nada é desesperador, queria poder tirar-lhe toda essa dor, queria poder voltar no tempo e ser capaz de impedir que algo tão trágico assim lhe acontecesse. Mas, apesar de estar totalmente quebrado por dentro, apesar de todos os pesadelos que lhe assombram todas as noites, apesar de todas essas feridas na alma ele continua aqui, continua vivendo, continua sorrindo mesmo estando chorando por dentro. Tudo isso só me faz admirá-lo cada vez mais, seja como homem, seja como pessoa. Aqui, agora com ele em meus braços chorando, tão frágil, tão indefeso percebo que o que sinto por ele não é paixão, é algo que vai muito além disso. É amor. Eu amo Peeta Mellark.

Depois de vários minutos em que passamos abraçados em silencio, desfazemos nosso abraço. Ele está com os olhos um pouco inchados e vermelhos, suas bochechas estão levemente coradas enquanto rastros de lágrimas estão sobre elas. Limpo cada uma delas e forço minha voz a sair.

— Peeta... Eu sinto muito... Muito mesmo.

— Eu... Eu estou bem. — sussurra com a voz embargada.

— Não. Você não está.

— Então eu espero ficar. — fala me fazendo sorri.

— No que depender de mim, você ficará mais que bem. — lhe mando uma piscadela para tentar amenizar o clima o que funciona, pois um pequeno sorriso se forma no canto de seus lábios.

— Obrigado Katniss. Obrigado por me ouvir, por estar aqui comigo.

— Não precisa agradecer Peeta. Se eu estou aqui é porque me preocupo muito com você e estou muito grata por ter se aberto comigo, por ter confiado em mim o bastante para me contar algo tão importante.

— Eu confio em você Niss. Muito, muito mesmo. — diz pegando minhas mãos nas suas começando a acaricia-las.

— É muito bom saber disso, por que eu também confio muito em você. — sorrio pra ele que retribui. Fiamos um tempinho conversando sobre coisas aleatórias quando ele boceja e começa a coçar os olhos — Está com sono?

— Sim. Não tenho conseguido dormir direito há três dias, os pesadelos voltaram com força total. — responde suspirando.

Levanto-me, dou à volta na cama e me sento ao seu lado, pego um travesseiro, coloco sobre minhas pernas e dou duas batidinhas nele.

— Vem. Deita aqui. — chamo e ele me olha confuso me fazendo soltar uma risadinha — Vem. Vou te colocar pra dormir. — digo a ele que sorri.

— Me colocar pra dormir?

— Sim. Agora vem, deita. — então ele deita e põe a cabeça em meu colo, começo a acariciar seus cabelos — Que música você quer que eu cante?

— Vai cantar para eu dormir? — pergunta me olhando de cabeça para baixo.

— Vou. Quando eu era pequena e tinha um pesadelo minha mãe sempre cantava para eu dormir, segundo ela os pesadelos iam embora, o que de certa forma funcionava, porque eu dormia a noite inteira sem pesadelos. — explico a ele que desvia os olhos dos meus.

— A minha também. — diz em um sussurro e fica alguns segundos em silencio, depois volta a me olhar nos olhos com um leve sorriso nos lábios — Safe and Sound. Minha mãe sempre cantava essa. — diz me fazendo sorri, ele fecha os olhos enquanto continuo acariciando seus cabelos. Então começo a cantar.

I remember tears streaming down your face  (Eu me lembro das lágrimas escorrendo pelo seu rosto)
When I said, I'll never let you go  (Quando eu disse, eu nunca te deixarei ir embora)
When all those shadows almost killed your light  (Quando todas as sombras quase acabaram com a sua luz)
I remember you said, don't leave me here alone  (Eu lembro quando você disse, não me deixe aqui sozinho)
But all that's dead and gone and passed tonight  (Mas tudo está morto e acabado e já passou nessa noite)

Just close your eyes  (Apenas feche os seus olhos)
The sun is going down  (O sol está se pondo)
You'll be alright  (Você ficará bem)
No one can hurt you now  (Ninguém pode machucá-lo agora)
Come morning light  (Ao chegar a luz da manhã)
You and I'll be safe and sound  (Nós ficaremos sãos e salvos)

Na metade da música percebo que ele já está dormindo, seu peito sobe e desce com sua respiração. Ele fica tão lindo dormindo, Peeta é tão jovem mais já passou por tanta coisa. Fico ali lhe observando dormir por horas, para ter certeza de que nenhum pesadelo vá atrapalhar seu sono.

Retiro sua cabeça de meu colo cuidadosamente e lhe ajeito sobre o travesseiro. Pego as fotos ao qual ele havia me mostrado e coloco-as sobre sua escrivaninha. Olho mais uma vez para a foto dele abraçado a Delly, eles realmente formavam um lindo casal e tenho certeza de que o bebê seria a coisa mais linda, com certeza teria as bochechas rodas, olhos azuis e cabelos loiros. Sorrio ao imaginar.

Volto meus olhos para Peeta que se encontra na mesma posição que havia lhe deixado. Aproximo-me silenciosamente e deposito um beijo em sua testa, acaricio sua bochecha e sem me conter deposito um leve selinho em seus lábios, depois me afasto e saio de seu quarto em silencio para não acorda-lo. Quando chego à sala vejo Effie sentada no sofá com uma xícara em mãos. Aproximo-me e ela se vira em minha direção, sorri e me chama para sentar ao seu lado.

— Ele te contou tudo não é? — pergunta depositando a xícara em cima da mesa de centro.

— Sim. Eu sabia que Peeta tinha passado por algo grave, mas não imaginava que fosse algo com tamanha proporção. — respondo sentindo uma fisgada em meu peito ao lembrar-me de como ele estava chorando horas atrás.

— Peeta sofreu e ainda sofre muito com tudo isso. Foi muita coisa para um rapaz tão jovem como ele aguentar. E eu estou sempre com medo, sabe Ketniss? Medo de que ele não aguente todo esse sofrimento e tente algo contra a própria vida. — ela confessa fazendo meu coração pular algumas batidas ao imaginar não ter mais Peeta em minha vida.

— Não pense nessas bobagens Effie. Peeta apesar de estar sofrendo é muito forte, ninguém passa pelo que ele passou e consegue seguir em frente, claro que ele não está cem por cento, mas tenho certeza de que ele vai ficar bem. Assim como você também vai. — digo fazendo-a sorri pra mim e retribuo.

— Você realmente é uma pessoa muito especial Katniss. Peeta nunca contaria algo tão doloroso e pessoal assim para alguém se não confiasse.

— Peeta que é uma pessoa muito especial Effie e prometo que farei o possível e o impossível para vê-lo feliz. — ela sorri mais ainda e pega em minhas mãos.

— Você não gosta dele somente como amigo, não é? — não parece uma pergunta, parece mais uma afirmação — Você o ama. — é realmente foi uma afirmação.

— Effie eu... eu... — fico sem saber o que falar. As palavras simplesmente somem de minha boca.

— Não precisa falar nada querida. Esse será nosso segredinho. — pisca pra mim e acabo rindo.

Despeço-me dela e lhe digo para me avisar se qualquer coisa acontecer com Peeta. Volto para casa com o coração um pouco apertado. Agora mais do que nunca tenho que encontrar um jeito de fazer Peeta feliz, de fazer seus olhos brilharem, de fazer seus sorrisos serem realmente verdadeiros e não aqueles que por trás, traziam tantas magoas. Aquela tarefa poderia até parecer impossível diante de tudo que havia lhe acontecido, mas eu conseguiria, eu faria Peeta Mellark muito feliz.