Lost escrita por Gabs


Capítulo 23
XXIII




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—Estejam aqui amanhã de manhã, vamos discutir essa situação e, se os Deuses permitirem, eu terei uma solução até lá. -analisou os dois mais jovens de cima a baixo, torceu os lábios e completou. -E venham limpos por favor.

—Você não precisava ter dito isso sabe. -replicou Leviathan emburrado, mas Dex apenas lhe mostrou a língua e fechou as portas obrigando os dois a assisti-lo enquanto ele desfilava pelo saguão através das portas de vidro até o elevador.

—Sabe, eu realmente poderia aproveitar um bom vinho e uma refeição agora. -cutucou Leviathan com o ombro deixando claras as suas intenções e observando no que ele revirava os olhos e jogava a cabeça para trás.

—Eu vou querer o que eles tiverem de mais caro. -murmurou o moreno colocando o braço sob o ombro da amiga indo em direção a um bar conhecido de Leviathan que ficava nos arredores.

Estavam ambos um pouco tensos do conflito e Katherine ainda estava com uma tensão estranha nos ombros que achava ter sido causada pelo uso excessivo de seu poder, mas estavam sem dúvida muito melhores do que uma hora atrás.

Dex havia lhes fornecido cuidados, roupas e banho, mas algo ainda parecia fora do lugar.

Estavam bebericando vinho e comendo aperitivos deliciosos há cerca de meia hora enquanto Leviathan lhe explicava como tudo havia acontecido antes dela chegar, num segundo o sabor intenso do vinho lhe preenchia os sentidos e no outro tudo estava fora de foco e sua pulsação estava mais acelerada do que o normal e o colar em seu pescoço esquentava em seu peito.

—Espera aí. -pediu e Leviathan parou de falar e percebeu que havia algo estranho ali.

Mas tudo estava perfeitamente bem, as pessoas bebiam e riam e dançavam e comiam e as luzes refletiam em copos e em sorrisos e no piso bem encerado, mas algo estava gravemente errado.

—Katherine Williams? -preto, um preto azulado cobriu sua visão de repente e ao olhar para cima, não sentiu nenhuma hostilidade vinda dali, do policial fardado à sua frente.

Leviathan estava inquieto em sua cadeira do outro lado da mesa, uma palavra da garota e ele daria um jeito de tirá-los dali.

—Sim, sou eu. -afirmou.

Se o policial e seu companheiro parado na porta segurando a arma não eram os transmissores da hostilidade e daquela coisa tão errada e confusa que sentia, sabia que eles a levariam até a fonte.

—Temos uma queixa de desaparecimento com seu nome, pode nos acompanhar até a delegacia, por gentileza?

Não havia ninguém que pudesse ter feito aquilo, a única pessoa que conhecia naquele lugar que não estava ali com ela era Dex e a polícia seria sua última opção caso ela estivesse desaparecida, ele recorreria aos vampiros primeiro.

—Tudo bem. 

Tomou o restante do vinho que permanecia em sua taça e encarou Levi por alguns segundos antes de acompanhar o policial até a viatura do lado de fora.

Manteve sua atenção no amigo saindo devagar do restaurante assim que ela entrou na viatura e sabia que ele não a deixaria sozinha.

O caminho foi cercado de mistérios, não sabia quem tinha dado queixa de seu desaparecimento, não sabia como a polícia a havia encontrado ali uma vez que já estava morando com Levi há alguns meses naquele bairro e não havia visto um oficial da polícia dentro ou fora de uma viatura naquele bairro nenhuma vez sequer e não sabia porque o policial sentado no banco do carona estava segurando aquela arma com tanta força, como se ela fosse algum tipo de procurada federal.

A delegacia para onde tinha sido levada ficava há cerca de quinze minutos do bar onde estavam e não gostou de ter sido segurada pelo braço como uma prisioneira quando saiu do carro.

—Achamos ela. -comunicou o oficial para quem quer que fosse que estivesse aguardando no salão.

Os diferentes tons de vermelho e laranja se misturaram no que sua visão se embaçou ao encará-los, sua boca entreaberta não proferia nenhuma palavra e suas mãos se fecharam em punhos.

—Obrigada oficial, não faz noção de quanto tempo esperamos para encontrá-la, do quanto nos preocupamos com ela. -a voz melodiosa e enganadora estava ali, ela seria capaz de destruir aquele humano com uma mão amarrada nas costas e vendada, mas lá estava, fingindo que precisava de seus serviços.

Não conseguia proferir uma palavra, sua boca estava seca e parecia que nunca havia aprendido a falar, seu coração batia com força contra as costelas e soube que aquela era a fonte dos sentimentos conflitantes e da confusão que sentia, mas não era a fonte da hostilidade.

—Estávamos desesperados atrás de você. -viu a mão de Max se aproximar para tocá-la e desviou tão abruptamente que sentiu suas costas baterem na parede fria atrás de si.

—O que é isso? -a voz de Leviathan invadiu a sala e aos poucos ele absorveu o olhar de incredulidade da garota. -Fiquem longe dela.

—O que é isso? Quem é você garoto? -Morgana não escondia o sentimento de superioridade, eles eram exatamente iguais, os três, todos eles.

—Como podem dizer que não sabiam onde eu estava quando você me mandou para longe? -sibilou encarando-a nos olhos, e se deleitou ao ver Morgana encolhendo-se, a doce dor da culpa recaindo sobre seus ombros.

—Você sabe o que teria feito se eu não tivesse tirado você de lá.

—Tudo o que aconteceu foi um resultado das consequências das atitudes imundas de vocês. -Leviathan permanecia no espaço entre a garota e os dois estranhos.

—Você diz isso com tanta confiança quando nem sequer nos deu uma chance de explicar! -Max tentou intervir, ele sabia que Morgana não saberia lidar com a situação.

—E o que vocês tem pra explicar? Por acaso não mentiram pra mim?

—Não sabe quais motivos tivemos para fazê-lo.

—E não estou interessada.

Leviathan dividia a atenção entre os três, analisava suas expressões, ouvia os argumentos e tentava juntar uma história completa com os fragmentos que Katherine havia lhe dado no passado, mas ainda haviam pedaços demais faltando.

Sentiu-se ser puxado pela amiga para fora da delegacia e pareceram estar sozinhos por alguns segundos enquanto katherine tentava recuperar o fôlego e o foco depois desse encontro indesejado, seu cérebro não conseguia processar a imagem dos dois ali, não parecia real.

—Quem eram aqueles ruivos?

—Pessoas… Do meu passado. -a garota sentia que cuspiria os próprios órgãos em alguns segundos.

—Precisamos da sua ajuda, Kate. 

—E eu não consigo pensar em um motivo pelo qual eu ajudaria vocês. 

—Não teríamos vindo até aqui pedir se não fosse uma questão de vida ou morte. -se encararam por longos segundos. -Não teríamos.

—Teriam sim, adoram pensar em mim como sua propriedade.

Foi ignorada pelos dois no que Max massageou as próprias têmporas tentando pensar numa forma de dizer aquilo.

—Santa Marcelina foi invadida, mais da metade dos alunos foi massacrado, alguns conseguiram fugir pela floresta e chegar a algum reino, e a grande maioria dos que escaparam ainda está desaparecida.

Seus amigos, todos aqueles alunos com os quais havia dividido a arena, a sala de aula, o refeitório, o jardim, uma parte de sua vida. Os que ela conhecia podiam estar mortos.

Sophia, Joshua e Megan, aquela que ela havia abandonado quando ela mais precisava de sua ajuda, todos podiam estar mortos, ou morrendo de fome sozinhos na floresta, esperando para serem pegos desprevenidos por algum animal.

Suas mãos tremiam e sua mente estava pensando em centenas de situações ao mesmo tempo, sabia que podia ter impedido se estivesse lá.

—Achamos que essa foi só a forma que nossos inimigos encontraram para nos enfraquecer, e conseguiram. -Max se aproximava com cautela no que Katherine permanecia com a cabeça baixa e apoiava o corpo nos joelhos. -E Teagan não está feliz desde que você se foi, não vemos Thomas há meses, Kate.

Precisava se controlar, precisava colocar os pensamentos no lugar e pensar, mas era tanta coisa, tanta informação, tanta dor. Ouvir o nome dele não ajudava em nada.

—Abaixe a arma! -Leviathan ordenou ao policial parado na porta da delegacia, ele encarava os quatro ali com pavor nos olhos, a arma tremia em suas mãos. -Você pode parar de brilhar por um segundo? Não ajuda nada na discrição. -Levi sussurrou e a garota notou que emitia um brilho dourado de seu corpo todo, pouco menos que uma lanterna, mas mesmo assim, luz pura saía de seu corpo.

Mas aquela não era a única razão pela qual o oficial apontava uma arma para ela naquele momento, sabia que algo estava estranho com relação a ele, ele não tinha nenhuma razão para ter ficado tão apreensivo em sua presença anteriormente e assim que conseguiu apagar sua luz viu brilhar em seu pescoço uma marca de lua exatamente àquela que ela carregava no braço.

—Ele está enfeitiçado. 

Três balas vieram em sua direção, uma em sua testa e as outras duas em seus olhos caso não tivesse feito um escudo de energia em torno de si e de Leviathan, que havia se colocado na frente dela, disposto a tomar os tiros em seu lugar.

Morgana tomou posição de batalha e as asas de Max foram soltas em meio segundo, mas sabia que aquilo não era necessário.

Apenas uma de suas adagas conseguiu resolver o problema, um trajeto linear perfeito até a testa do oficial, um corte fundo e limpo.

Dex a havia ensinado que ela nunca podia sair de casa sem uma arma e as três adagas que mantinha presas a sua coxa provavam mais uma vez sua utilidade.

—Ele era humano! Você tem noção do que acabou de fazer? -Morgana gritava e Kate estava a um passo de fazer exatamente a mesma coisa com ela quando Max segurou-a pelo ombro lembrando a garota de que estavam ali para convencê-la a voltar com eles, não brigarem mais uma vez.

—Ele não era mais humano, vá dar uma olhada na marca no pescoço dele se quiser. -virou-se para Max e sentiu o coração pesar ao perguntar. -Como posso ajudar com a situação de Santa Marcelina?

—Pode nos ajudar a curar os estudantes que voltaram, conversar com eles, mas pensamos que uma guerra está por vir, Katherine. Santa Marcelina nunca havia sido atacada e derrotada antes, nossos inimigos são muito poderosos, precisamos de alguém muito poderoso do nosso lado também, é aí que você entra.

Não havia espaço ali para seus dramas ou a desconfiança que sentia dos dois, não podia colocar seus sentimentos à frente das vidas do povo de Ellarya.

—Tudo bem, eu volto com vocês.

Nenhum dos dois fez questão de esconder o alívio que sentiam, já Leviathan parecia apreensivo ao seu lado.

—Realmente precisamos de você.

—O ideal seria começar a viagem hoje, cada minuto conta. -comentou Morgana examinando o corpo do policial morto.

—Não pode projetar um portal? -perguntou, com a voz mais ácida do que desejava.

Os lábios da ruiva eram uma linha reta quando ela reuniu forças para respondê-la.

—Não posso fazer isso tão perto da civilização, vamos ser alvos fáceis.

Ela se lembrava do que Dex havia dito uma vez, se você estivesse sendo caçado por pessoas que te conhecessem, sua magia era como um cheiro, usá-la era como aparecer no mapa como um ponto brilhante.

Leviathan tocou o ombro da garota de leve chamando sua atenção.

—Então vamos viajar para Ellarya? Não sei quem são os ruivos e você não parece confiar muito neles, então eu me sinto obrigado a perguntar, tem certeza disso? -ele parecia preocupado e apreensivo, se preocupava com a amiga.

—Você não vai pra guerra, Leviathan. -prontamente recusou assim que se deu conta de que o moreno havia dito "vamos". 

—Você realmente não deve me conhecer se acha que vou te deixar ir até lá sozinha com pessoas que você não confia. Sei o quão poderosa você é, mas não vou deixar você fazer isso sozinha. Além de que você precisa do meu apoio moral.

Ele não conseguia não fazer piada da situação, ela riu. Gostava dele, sabia que se sentiria mais segura e confortável se ele fosse consigo, mas colocá-lo em perigo era demais.

—Não adianta, Katherine. Eu vou. -ele sorriu sem mostrar os dentes e colocou as mãos em seus ombros, naquele momento ela se sentiu querida de uma forma que não se sentia há um tempo.

—Eu não vou ficar arrastando essa sua bunda braquela por aí se você não aguentar, já aviso. -provocou e observou enquanto ele gargalhava. 

Assentiu com a cabeça e voltou sua atenção aos dois que estavam ansiosos atrás de si.

—E para onde devemos ir?

—Um lugar afastado e vazio, de preferência. Facilitaria se conhecessem algum. -Max respondeu.

Katherine e Leviathan se entreolharam, e sabiam que estavam pensando no mesmo lugar. 

—Não tem problema se formos pra lá? Sei que é um lugar especial pra você. -tocou o ombro do amigo, se fossem mesmo para o hotel abandonado não podia garantir que a velha estrutura continuaria de pé depois do portal. 

—Não acredito que você realmente está preocupada com os meus sentimentos com relação a um piano velho quando existem vidas em risco, você é uma criatura única, Katherine. 

Deu de ombros e decidiu que daria um piano de presente a ele se sobrevivesse aquilo. 

—Conhecemos um lugar. -declarou e observou os ruivos afirmarem com a cabeça. -Mas precisamos passar em um lugar primeiro, e não vou abrir mão disso. -insistiu já que sabia que eles tentariam arrastá-la o mais rápido possível de volta a Ellarya, mas ela precisava de algumas coisas antes de voltar.

Não deu muita informação de para onde iam, mas Leviathan sabia que estavam indo para a casa de Dex e sabia que ele não ficaria feliz em receber pessoas da corte em sua casa, um homem que trabalha com o tipo de coisa que Dex lida todos os dias não costuma ser muito próximo das autoridades.

O elevador parecia minúsculo com os quatro ali, Morgana observava Katherine intensamente, ela parecia exatamente a mesma pessoa que ela tinha conhecido em Santa Marcelina, mas algo parecia fora do lugar, como se a garota que ela observava agora fosse apenas um reflexo do que ela tinha se tornado.

—Trouxe colegas hoje, Katherine? -o troll que guardava a entrada perguntou, ela havia feito amizade com ele depois de um tempo, era gentil com ela e acabaram se tornando amigos como resultado das suas vindas constantes a boate.

—Não exatamente.

Atravessaram a massa de corpos para chegar até a sala privada do feiticeiro e não encontraram o que esperavam.

—Não tenho nada contra vampiros, mas consigo sentir o fedor pútrido de Teagan vindo de vocês dois, e não gosto disso. -Dex era alto e tinha uma postura imponente perante os desconhecidos a sua frente, ele não planejava ser amigável.

—Viemos de lá, sim. -afirmou Max, com uma postura humilde ao contrário de Morgana que o analisava com olhos de águia.

—Então não são bem-vindos aqui. -declarou o feiticeiro com os olhos vibrando em branco, magia pura, forte.

—Eles estão comigo, Dex, por favor. -segurou a mão do maior, linhas brancas começavam a envolver sua mão e seus dedos lentamente, o feiticeiro liberava sua magia lenta e sorrateiramente como uma forma de autoproteção, ele poderia atacá-los tão rápido e com tanta força que eles nem sequer saberiam o que lhes atingiu.

—Tínhamos combinado de resolver isso amanhã. -ele avisou entredentes encarando a jovem aprendiz de cima, analisando a situação se perguntando qual seria a melhor decisão a tomar.

—Não posso esperar até amanhã, Dex! Não tem noção de quanto eu gostaria de não estar aqui com eles, mas não posso fazer as coisas apenas quando quero.

Ele a analisou intensamente e encarou os forasteiros num aviso silencioso, eles não entrariam na sala dele, nem por cima de seu cadáver.

Katherine precisava de alguns ingredientes para feitiços e precisava de sua mochila de volta, Dex não fazia nenhum esforço para esconder o quanto desgostava da situação, mas a garota percebia toda a preocupação por trás daquele desprezo aos ruivos que aguardavam do lado de fora do escritório e sua absoluta reprovação ao que estavam fazendo.

—Leviathan, eu achava que você seria a pessoa que colocaria juízo na cabeça dessa garota. -o feiticeiro resmungou ao perceber que já haviam pego tudo o que achavam necessário e logo o deixariam.

—Se não consegue vencê-los, junte-se a eles. -retrucou Levi com um sorriso de canto.

Ninguém tinha certeza sobre aquilo, nem Katherine nem Leviathan queriam ir embora e arriscar a vida, mas algumas coisas simplesmente precisavam ser feitas.

—Você pode me odiar se quiser, mas não posso recusar o pedido que eles me fizeram, o que eles fizeram não me importa se existem vidas inocentes sendo tiradas porque não estou lá para protegê-los. -encarava Dex numa tentativa desesperada de fazê-lo entender.

—Só faça o que for preciso para sobreviver. -o feiticeiro envolveu os dois num

grande aperto com seus braços fortes, Kate podia jurar que naquele momento podia chorar.

—Vamos, tempo é tudo. -abriu a porta e observou quando Leviathan saiu da sala e voltou sua atenção uma última vez para o amigo. -Vou sentir sua falta.

—Eu também princesa. -ele sorriu e a garota sentiu um carinho intenso fluir do feiticeiro até si, o adorava e adorava sua rotina ali como sua aprendiz e tudo que havia construído com Leviathan naquele tempo, mas aquilo era tão maior que eles, ela tinha que ir.

—Então aquele é o famoso feiticeiro que fugiu de Tamir para construir uma vida luxuosa aqui com os humanos? -Morgana se apoiava no batente da porta e parecia entediada enquanto tentava puxar uma conversa com Max que parecia mais pressionado do que nunca.

—Podemos ir agora. -interrompeu chamando a atenção dos dois.

Não trocaram uma palavra enquanto Levi os levava até o hotel abandonado em seu conversível vermelho sangue, a feiticeira observava atentamente o amigo ao seu lado engolir em seco e segurar o volante com força, entendia seu nervosismo e queria que houvesse algo que pudesse dizer para acalmá-lo, mas ela estava tão pilhada quanto ele.

O hotel parecia ainda mais apavorante durante a noite, o vazio parecia maior e ele parecia ainda mais frio, como um grande cadáver de cem anos.

Morgana entregou um pergaminho que havia trazido consigo de Ellarya para que Katherine conseguisse formar o portal, Max sairia para caçar algo enquanto Levi e Morgana montariam vigília enquanto a princesa se preparava para levá-los de volta.

—Garoto, é admirável o que você está fazendo pela Kate, mas quando chegarmos lá você não vai ser proteção o suficiente. -Morgana comentou no que Katherine estava focada no feitiço e se movia para um lado e para o outro com o pergaminho em mãos fazendo movimentos aleatórios com os dedos, como se praticasse para quando fosse realmente fazer o feitiço.

—É impressionante o quanto vocês me subestimam, realmente. Vocês dois almofadinhas não fazem ideia das coisas que eu já fiz pra proteger a Kate, eu sou amigo dela e amigos fazem isso, vocês não podem achar que vão me impedir disso.

—Você não faz ideia faz? Ela não te contou um pedaço sequer da história. -Morgana bateu na própria coxa e riu. -Nós somos os mocinhos, só fizemos a coisa certa da forma errada.

—Não dou a mínima pra história de vocês, ela nunca mentiu pra mim. -Leviathan parecia irredutível.

—Mas também nunca chegou a te contar a verdade, você faz juras de proteção por alguém que mal conhece, ela teria matado Thomas se eu não tivesse entrado no quarto.

—Já a vi em ação, ela já matou para nos manter a salvo, isso não me surpreende.

—Você é difícil de corromper, huh? -sorriu maliciosamente e decidiu que só havia uma forma de fazê-lo entender a gravidade da situação, ele precisava saber da história toda. 

Levou algum tempo para contar todos os detalhes e como foi todo o processo de evolução da garota, ele quase não reagiu enquanto ela discursava, e não deixou a desejar ao reagir apenas na parte em que ela revelou que Katherine e Thomas se relacionavam.

—Então vocês só não contaram nada para ela com medo que ela acabasse se matando e a toda a população? 

—Sim, mas ela só ouviu uma parte da história e decidiu que nos odiava por termos mentido para ela.

—E vocês a consideraram emotiva demais, certo? Não pararam nem um segundo para pensar que vocês eram as únicas pessoas do mundo que ela ainda tinha por perto para confiar e amar, as únicas que aparentemente não mentiam e manipulavam-na para benefício próprio, as únicas pessoas que ela conhecia, no geral. Como acham que ela se sentiu ao descobrir que mais uma vez estava sozinha no mundo? -Morgana tinha sido pega de surpresa e havia ficado sem ar ao ouvi-lo dizer aquelas palavras, ele parecia conhecer Katherine de uma forma completamente diferente da que ela e Max conheciam, eles conheciam apenas a versão ingênua da garota enquanto o moreno conhecia a versão mortal e implacável, era quase como se estivessem falando de pessoas diferentes. -Não podem culpá-la por reagir daquela forma e não podem esperar que ela os perdoe com facilidade, se é que ela vai chegar a perdoar vocês algum dia, mas tentar se desculpar e tentar se redimir de alguma forma já é um começo. Esperar que ela passe por cima de toda a desconfiança só porque vocês estão arrependidos também é um pouco cruel, não acha?

—Odiamos cada segundo, cada palavra vazia para mantê-la satisfeita e dócil e sob controle que saiu de nossas bocas nos envenenava, creio que o que recebemos em troca foi apenas o que nós merecemos, mas nos arrependemos. Sentimos muito, garoto, por tudo o que fizemos. -Morgana observava o horizonte intensamente, mas Leviathan podia jurar que o brilho em seus olhos eram de lágrimas por muito tempo contidas.

—Ela é muito boa, melhor do que eu achava que era, melhor do que gostaria de ser, mais do que deixa qualquer um ver, então acho que se você está mesmo arrependida, ruiva, ainda tem uma chance.

Max entrou pela porta da frente da mansão e as dobradiças rangeram no que eram empurradas com força pelo garoto alado, ele carregava um saco ensanguentado cheio de animais pendurado no ombro e suas asas eram duas sombras encolhidas em suas costas, pareciam esperar por algo, espreitando silenciosamente.

—O jantar está servido. -ele tirou dois coelhos do saco e Katherine pôde ver que ali ainda devia haver cerca de oito coelhos ou mais, e entregou o saco para Morgana.

A princesa então se deu conta de que nunca havia perguntado a Leviathan qual era sua espécie, nunca havia sequer se perguntado ou tido qualquer dúvida acerca do assunto, mas observou no que ele seguia Morgana para outro cômodo com a sacola.

—Será que algum dia eu vou ter algum amigo que não seja um vampiro? -perguntou para ninguém em particular e ouviu Max rir ao seu lado.

—Eu não sou um vampiro, o seu amigo dono da boate também não é um vampiro. -Kate não fez nenhum tipo de comentário, ainda ponderava se devia deixar claro que não o considerava um amigo, Max logo tratou de mudar de assunto. -Vou assar estes dois para nós.

Assentiu com a cabeça e voltou a tentar memorizar o feitiço enorme que Morgana havia lhe entregado, se esforçando para ignorá-lo.

Cerca de quatro horas depois a princesa decidiu que merecia alguns minutos de paz, pegou o que havia deixado de seu jantar e foi sentar-se na beirada da janela com Leviathan, sua cabeça doía.

—Eles não parecem ser tão ruins assim. -ele comentou depois de alguns minutos de silêncio, Leviathan era absolutamente incapaz de se sentar ao lado da amiga em silêncio.

—E não são esses os piores tipos? 

Ele riu e a garota encarou as pequenas presas dele brilharem sob a luz da lua no que ele ria, imaginou como seria sua aparência com suas presas completamente a mostra, se conseguiria ficar amedrontador.

Ele irradiava conforto, alegria, constância, ela se sentia presenteada por tê-lo encontrado.

Se aproximou dele devagar, olhando fundo em seus olhos violeta, eles sempre brilhavam tanto, ela se sentia tão sortuda por ter sido escolhida por ele. Tirou proveito da proximidade e observou cada detalhe em seu rosto, desde a pinta que ele possuía debaixo do olho direito até as pequenas linhas de expressão ao lado de sua boca, ele era encantador. 

Beijou-o de forma rápida, mal chegou a fechar os olhos, nada mais do que um leve toque de lábios.

E soube que aquilo era errado, não fazia sentido algum, não parecia certo e tampouco era prazeroso.

—Me desculpe, mesmo. -imediatamente cobriu a boca com as mãos e se afastou do garoto. -Eu… Não estou pensando direito. -se levantou e até mesmo ficar perto dele doía, ela sentia como se tivesse traído sua confiança, não era certo usá-lo daquela forma porque ela estava com o coração partido.

—Não vou levar para o pessoal, não precisa se preocupar. Também não cultivo esse tipo de sentimento romântico com relação a você, acho que deveria saber. Não foi de um todo ruim, acho que ninguém nunca me olhou daquela forma antes. -ele coçava a nuca e parecia tímido, mas sorria e tentava tranquilizá-la da melhor forma que conseguia pensar. -É sério, não foi tão ruim assim, não quero que você fique estressada por causa disso, somos amigos, certo?

—Sim, e é exatamente por isso que eu não deveria ter feito o que fiz. É errado usar as pessoas porque você está se sentindo mal… Não quero usar você para tapar buracos em mim que não foi você quem criou.

—Você não vai me usar, e eu não vou deixar, tá tudo bem. Mas eu acho que agora seria uma boa hora pra me contar qual é o lance entre todo mundo aqui, desde que eles chegaram falando sobre Santa Marcelina e um tal de Thomas você anda estranha.

—Levi, é muito complicado. -esfregou as mãos no rosto, ainda sentia muita vergonha por tê-lo beijado e não sabia se conseguiria reviver todos aqueles momentos com Thomas para contar para ele.

—Tudo bem, eu sou um bom ouvinte. -ele cruzou as pernas e se aproximou dela feito uma criança.

—Tudo aconteceu por causa de uma mentira, ok? É tudo que você precisa saber. -abaixou-se na frente do garoto e tocou seu ombro, era difícil falar sobre aquilo, mesmo depois de tanto tempo.

—Então eles mentiram pra você e mesmo assim estamos indo ajudá-los?

—Não estou indo fazer isso por eles, tenho outros amigos que deixei para trás, pessoas que eu abandonei deliberadamente, deixei para trás por ser covarde e egoísta, e agora preciso tentar consertar meu erro. -era difícil se lembrar de que poderia ter protegido seus amigos caso os tivesse levado consigo quando fugiu, se não tivesse fugido e tivesse enfrentado as adversidades ao lado deles...

—Isso é legal da sua parte, querer corrigir o seu erro. Eu não queria ser essa pessoa, de verdade, mas Morgana me contou toda a história entre vocês, eu fingi que não sabia para caso você resolvesse me contar, mas… -ele gesticulava com as mãos e estava claramente incerto sobre como tocar no assunto. -Morgana parece ter o mesmo sentimento que você.

Seu coração se apertou em seu peito, não os odiava tanto, mas não simpatizava mais com os dois como costumava, não se sentia em casa ao redor deles, muito pelo contrário, se sentia inquieta ao redor da vampira e do anjo que espreitavam atrás de si.

—Creio que ambas vamos ter que trabalhar duro para reconquistarmos o que perdemos. -concluiu o assunto e se levantou voltando ao estudo do feitiço, qualquer coisa parecia melhor do que pensar naquele assunto.

Levou cerca de nove horas para ter certeza de que faria o feitiço sem nenhum erro, praticou usando todas as dicas e ensinamentos de Dex à risca.

Com os ingredientes necessários para o portal colocados num círculo em uma das paredes que parecia ser a mais resistente do local concentrou cem por cento de sua energia e atenção nas palavras que saíam de sua boca e nos movimentos precisos de sua mão e dedos.

A imagem era clara como cristal em sua mente, tão clara que já conseguia sentir o aroma fresco do jardim do castelo dos Collins, uma pressão forte estava posta em seu peito como se uma grande pedra tivesse sido grudada a si, respirar ficava cada vez mais díficil e uma dor de cabeça lancinante crescia embaçando a imagem em sua cabeça, era como se o poder que ela carregava fosse grande demais mesmo depois de todos os treinamentos e exercícios, era tão arrebatador quanto ela se lembrava.

—Conseguiu! -ouviu Morgana exclamar ao seu lado e viu o portal aberto a sua frente, o jardim silencioso e fresco com as extremidades enevoadas como uma pintura molhada flutuavam onde antes haviam apenas alguns pedaços de grama e pedras. -Pelos Deuses, você fez um portal perfeito.

—Vamos logo, não sabemos quanto tempo isso vai durar. -apressou Max e foi o primeiro a atravessar o portal e sumir no ar, do lado mundano do portal parecia que um terremoto atingia o velho hotel, as paredes tremiam e era difícil ficar em pé, Leviathan encarava as paredes descascadas e velhas como se fossem velhas amigas, o coração de Katherine se partia no peito.

—Vamos garoto, temos que ir logo antes que esse prédio nos enterre vivos. -Morgana puxou o moreno pelas roupas e ambos entraram no portal ao mesmo tempo.

Os braços de Katherine pareciam que poderiam se despedaçar a qualquer momento de tanta dor, o teto estava perigosamente rachado e algumas pedras já caíam pelo chão, respirou fundo se concentrando e mergulhando na imagem verde borrada a sua frente.

Estar dentro de um portal era exatamente como se lembrava, era como se te partissem no meio e te montassem novamente em segundos, e era impossível respirar, parecia durar minutos ao mesmo tempo em que em um piscar de olhos já estivesse do outro lado.

Havia caído sem jeito na grama bem aparada do jardim do palácio e observou enquanto Morgana limpava um pouco de terra de suas roupas e Leviathan parecia petrificado ao lado de Max, que tentava falar com ele.

—Tudo bem? -levantou-se rapidamente e foi checar o amigo, sua boca estava aberta e ele encarava o palácio sem nem mesmo piscar, talvez não estivesse nem respirando.

—Eu não acredito que é aqui que esse Thomas está preso e eu não acredito que é daquele Thomas que vocês estavam falando. -ele encarava a amiga com os olhos arregalados de uma forma que ela nunca havia visto antes.

Ela nunca havia imaginado, nunca nem havia lhe passado pela cabeça que ele não soubesse de qual Thomas eles estavam falando.

—Morgana te contou a história, não contou? 

—Esse Thomas é o último Thomas que eu imaginaria que seria o seu Thomas.

Conhecia a história, sabia que os vampiros que fugiam eram menos que traidores, lixo, a escória da sociedade, a garota sentiu certo receio de não ter pensado naquilo antes, estava muito afobada com tudo o que estava acontecendo e levando apenas os seus pensamentos em consideração quando Leviathan estava correndo grandes riscos fazendo aquelas coisas por ela.

—Não se preocupe, ninguém vai fazer nada com você. -tocou sua mão e notou que a mão do amigo estava mais fria que o normal, ele não diria em voz alta, mas estava com um pouco de medo.

—Não é como se ele pudesse fazer algo contra você, nem sabemos onde ele está. -murmurou Morgana no que pareceu ser uma tentativa de animar Leviathan, Katherine havia reparado que os dois haviam conversado nas horas que passaram no hotel, mas não era surpresa nenhuma que Leviathan já estivesse fazendo suas aproximações, além de extremamente amigável ele também era muito esperto, não era à toa que era um dos homens mais próximos de Dex, ele sabia manter seus inimigos tão próximos quanto seus amigos.

Então manteria Morgana e Max próximos até que eles se provassem de que lado realmente estavam.

—Não sou muito amigo das autoridades. -ele comentou recompondo-se e esperando as próximas instruções.

—Bom, Teagan está fora, viajou para a cidade há três dias e tem prazo de volta para amanhã, então acho que temos tempo, mas a rainha Earyn está no castelo, mas não achamos que será difícil lidar com ela. -Morgana deu as informações e parecia muito confiante que entrariam e sairiam ilesos com os gêmeos, Katherine não sentia a mesma confiança que ela.

—Você já devia ter aprendido que as mulheres mais quietas costumam ser as mais poderosas, rainha Earyn não foi escolhida por Teagan por ser só um rosto bonito, ela não vai simplesmente nos deixar entrar, levar os seus filhos e sair. 

Quase que como uma deixa uma dezena de soldados saíram do palácio às pressas de encontro ao grupo, eles não estavam ali para lhes dar as boas-vindas.

Um deles tentou enfiar a lança na barriga de Leviathan, que estava mais à frente, o moreno desviou e pareceu atordoado pelo ataque simples, rápido e mortal dos soldados.

Eles possuíam armas, mas logo as largavam no chão, vampiros eram ótimos lutadores corpo-a-corpo, rápidos e mortais. Um deles pareceu se iluminar de felicidade ao ver a princesa ali, claro que Teagan já devia ter colocado um prêmio pela sua cabeça.

Era difícil desviar dos ataques deles, era como se eles tivessem energia infinita, um atrás do outro sem parar, dos mais inimagináveis ângulos e com força absurda, Katherine não conseguia nem mesmo se focar para tentar lançar um feitiço, não tinha tempo para pensar, sua vida dependia daqueles milésimos entre um golpe e outro.

Ao lado Max e Morgana pareciam lidar com a situação de melhor forma, tinham um treinamento melhor do que a feiticeira e com certeza muito mais prática, embora também suassem devido ao esforço.

Um pensamento, era de tudo que ela precisava, um segundo a mais e conseguiria fazer o feitiço que precisava.

O soldado segurou-a pelo pescoço e um sorriso viperino brilhou em seu lábio, o pensamento de quem já tinha vencido estampado em seu rosto, até que não estava mais. E no centro de seu peito havia a mesma lança que ele havia tentado usar para matar Leviathan.

Sabia que aquilo não era o suficiente para matá-lo, mas vampiros sentiam dor da mesma forma que feiticeiros, ele parou por dois segundos para absorver a informação e Katherine colocou as duas mãos na cabeça do soldado e a viu explodir em seus dedos, resultado da pressão que havia colocado nela.

Ainda tinha receio de usar muito de seu poder com medo de que não conseguisse se controlar, então se mantinha na linha dos feitiços que necessitam do toque, os que eram mais simples.

—Você tá bem? -Leviathan veio checar e viu alguns respingos de sangue no rosto do amigo também, embora o seu devesse estar ainda pior, sentia o líquido escorrer devagar por sua bochecha.

—Precisamos entrar antes que venham mais soldados do que conseguimos lidar. -chamou Max indo na frente em direção às portas escancaradas do palácio.

Não haviam muitos soldados ali, o salão de entrada estava praticamente vazio, apenas a rainha e cerca de seis soldados estavam à base da escada.

Os quatro pararam bruscamente ao encará-la, Katherine não entendia como Max e Morgana não conseguiam ver, ela podia ser a esposa de Teagan, o monstro, parecer inofensiva e assustada, mas ali frente a frente com eles ela emanava poder e autoridade.

Aquela não era a mãe dos poderosos gêmeos, não era a esposa de Teagan.

Aquela era Earyn Collins, a rainha de Fortress.


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