Lost escrita por Gabs


Capítulo 1
I




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/723469/chapter/1

Como se já não estivesse sendo duro o suficiente para mim o fato de a minha tia e guardiã ter falecido em um acidente de carro e eu ter ficado dependente do governo que, aliás, quase não dá a mínima tanto para mim quanto para os outros aqui, ter decidido que eu teria de ser transferida para um internato do outro lado do oceano, na Europa.

Eu estava muito mais do que nervosa, eu estava furiosa.

Eles não poderiam simplesmente me deixar num orfanato até eu ser adotada por uma família caridosa, ou sei lá, esperar eu completar a maior idade e ser livre de uma vez por todas? Ao invés disso eles preferiram me despachar para outro continente, qual é a lógica disso?

E o pior! Obrigaram-me a acordar às cinco horas da madrugada para ir para o aeroporto!

—Acho melhor você se apressar. –comentou uma das minhas colegas de quarto, da qual eu não tinha trocado nem duas palavras nessas duas semanas que fiquei aqui.

—Tenho certeza de que eles podem esperar eu terminar de amarrar o tênis. –resmunguei. Eu já estava mal humorada o suficiente, e ela ainda me manda comentários sarcásticos? Poupe-me.

—A riquinha está mal humorada, Sally. Não a provoque ou ela chama madame Lola para conversar com você. –outra garota, que mais parecia um garoto bem feio, opinou rindo.

Terminei de vestir aquele uniforme bem inapropriado para o frio que fazia lá fora, e muito menos para o frio que faria quando chegássemos lá, mas o uniforme é muito bonitinho até. Uma saia plissada, uma camisa social branca (que de tão branca chegava a ser azul, bem diferente das roupas que as crianças daqui usam, que de tão velhas são laranja), um colete bem justinho preto e um terninho.

—Sabe qual é o melhor de sair desse lugar? –perguntei as duas nojentas que insistiam em dar suas opiniões nem um pouco requisitadas.

—Não ter mais que comer a comida sem sal?

—Dormir em camas mais macias?

—O cheiro por lá deve ser bem melhor que o daqui, com certeza. –elas continuaram.

—Não, eu poderia me acostumar com isso. Não ter mais que olhar para essas caras nojentas de quem nunca está satisfeita de vocês me dá mais prazer do que qualquer hotel cinco estrelas faria, adeus. –eu sorri em deleite, a sensação era maravilhosa! A pedra no meu sapato finalmente havia saído.

—Que demora menina! –madame Lola exclamou, ela é quem comanda este lugar com, hm... Punho de ferro, por assim dizer. –Seria mais rápido esperar que a Europa se juntasse com a América novamente do que te esperar, cruzes.

Esperar você calar a boca que seria uma espera infinita.

—Tá. –respondi me contendo para não revirar os olhos, e isso exigiu realmente muito de mim.

—Enfim, vamos as instruções. –ela pigarreou, chamando a atenção de uma mulher vestida de social que conversava com dois homens fortes também vestidos de social, fazendo-os virar sua atenção a nós. –A senhorita Layer irá te acompanhar até o local onde ficará instalada e nada mais, nada de muitas conversas, sem tentativas de fuga nem nada do tipo, senão volta imediatamente para cá.

—Pode acreditar que não tentarei. –segurei o riso, qualquer coisa que me fizesse voltar para cá é imediatamente riscada da minha lista de coisas a fazer.

—É ela? –a tal senhorita Layer puxou madame Lola para um canto, mas eu ainda conseguia ouvi-las, o que mais me surpreendeu foi aqueles dois guarda-costas enormes me encarando o tempo todo, é bizarro. –Pensei que, sendo filha de quem é, fosse mais... Excepcional. Ela me parece só mais uma adolescente frustrada e irritante como todas as outras humanas.

—Apenas faça o que lhe foi ordenado sem reclamações, ou a realeza não tem mais poder sobre você Marise? Sabe muito bem o que eles fazem com quem lhes desrespeita, principalmente os da sua espécie. —Marise arregalou os olhos por um segundo e recuou, como se tivesse sido atacada, o que parecia ter sido mesmo, porém eu tenho zero de conhecimento do que esteja havendo.

—Sabe muito bem que não somos os monstros que você fantasia. –Layer rebateu fazendo com que madame Lola estreitasse os olhos de forma ameaçadora e respirasse fundo buscando não perder a paciência.

—Saia logo daqui, antes que... –madame Lola olhou em minha direção, não tive tempo para desviar o olhar e fingir prestar atenção em qualquer outra coisa, madame Lola logo tratou de reformular a frase. –Antes que perca o voo.

Layer apenas respirou fundo, ela definitivamente gostaria de terminar aquela discussão, por isso me olhou com raiva quando passou por mim sinalizando para os dois homens atrás de mim que me escoltassem até o lado de fora.

Entramos em um táxi que nos esperava do lado de fora do grande e velho prédio, senhorita Layer se sentou a minha esquerda, um dos dois homens a minha direita e o outro que restava sentou-se no banco do passageiro ao lado do motorista, disseram ao motorista para nos deixar no aeroporto e seguimos viagem.

Marise Layer ainda parecia estar remoendo aquela “discussão” que tivera minutos atrás com madame Lola, eu gostaria de entender o que madame Lola quisera dizer com “os da sua espécie”, ela estava se referindo a pessoas esnobes? Não que ela não seja esnobe...

E parecia que quanto mais a senhorita Layer repassava aquela discussão em sua mente, com mais raiva ela ficava, já que tencionava sua mandíbula cada vez mais e respirava fundo diversas vezes.

—Bem... O que madame Lola quis dizer com aquilo? Das espécies. –perguntei receosa, com a raiva que a mulher aparentava estar eu não duvidava que ela me atirasse para fora do carro pela janela, que nem sequer estava aberta.

—Qual parte de “sem conversas” você não entendeu? Já não basta a decepção que tive quando a vi, ainda tem de se fingir de sonsa? –a mulher rebateu e eu podia ver em seus olhos a raiva que sentia, me encolhi no banco e decidi que só abriria a boca para falar qualquer coisa que fosse apenas quando ela estivesse longe.

—Uh. –murmurei expirando o ar, eu me sentia envergonhada por ter sido diminuída daquela maneira.

Quando chegamos ao aeroporto passamos direto pelo check-in e fomos direto para a pista de embarque, dei um longo e profundo suspiro antes de embarcar.

Uma vez dentro do avião comecei a me perguntar onde estariam todas aquelas malas que levei um trabalhão para arrumar ontem, já que aqueles demônios daquele orfanato, que se dizem crianças ficavam pegando minhas roupas e brincando com elas, que ódio.

—Minhas malas foram descartadas? –me arrisquei em perguntar, já me preparando para receber de volta uma resposta ácida.

—Foram embarcadas, não jogaríamos suas roupas fora. Por mais que agora duvido que venha a usá-las tão cedo. –ela riu de canto, como alguém pode se divertir tanto com coisas tão... Nada a ver?

Mas ela me surpreendeu com a resposta suave, por assim dizer. Mas é claro que ela não deixaria assim mesmo e fez questão de deixar claro que lá minha vida vai continuar sendo um inferno.

Obrigada senhorita Layer, sua desgraçada.

A viagem até lá estava prevista para durar quatro horas, eu definitivamente não iria levar mais uma patada dela, então permaneci em silêncio.

Eu nunca havia viajado de avião antes, a experiência era completamente inusitada para mim, eu estava nervosa. Ouvimos a voz do piloto pedindo que colocássemos os cintos, e eu assim o fiz, já tremendo de nervoso. Senti o avião vibrar, sinal de que estaríamos no céu logo, o avião começou a andar e eu estava mais agarrada aquele apoio do que quando eu me agarrei em minha tia quando eu tinha quatro anos e estava com medo dos palhaços do circo. Meu estômago se embrulhava cada vez mais, tencionei minha mandíbula e tentei controlar a respiração. Qualquer um que me olhasse agora diria que eu estava tendo um ataque de pânico, e eu provavelmente concordaria.

—Fique calma, ou vai congelar este avião e não queremos que isso aconteça. -disse a mulher colocando sua mão sobre a minha e me lançando um olhar autoritário, ao perceber que eu não havia entendido sequer uma palavra que ela dissera ela explicou, muito mal por sinal. -Não percebeu que está mais frio aqui dentro? E posso te garantir que não é o ar condicionado. –e em seguida deu uma risada sarcástica e me lançou mais um olhar duro e disse: - Ao invés de estragar anos de tentativas de permanecermos incógnitos para os humanos em uma tarde, durma. E preserve minha paciência também.

Eu realmente não gosto dela.

Ela me deu dois comprimidos que não hesitei em tomar, o verdadeiro castigo seria continuar sendo maltratada por essa mulher odiosa que não aceitava ter perdido uma discussão com aquela velha.

Encostei minha cabeça à janela e respirei fundo, eu estava muito ansiosa para chegar lá. Mas antes eu só pensava no quão feliz eu estava por sair daquele orfanato e nunca mais ter que ver aquelas pessoas, porém agora imagino como será ter de viver lá, com pessoas que desconheço, num país que não sei absolutamente nada sobre, costumes diferentes, culturas diferentes... Tudo isso adiciona uma carga nervosa em mim muito grande.

Não sei se estou preparada.

Mas não é como se eu tivesse alguma escolha, eu não tenho mais ninguém a quem recorrer, eu estou completamente sozinha agora. Na verdade eu nem sei o porquê de estarem me levando para tão longe. Gostaria de ter pais agora, para me acalmar e dizer que tudo ficará bem, que mesmo eu sabendo que provavelmente não ficaria tudo bem, eu acreditaria.

Gostaria de não ter sido abandonada por eles também.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Lost" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.