Foclore Oculto. escrita por Júlia Riber


Capítulo 13
Capítulo 12




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Era cinco da manhã, na praça matriz da vila Fim do Mundo onde o prefeito montara seu palanque e começava o discurso. Enquanto a multidão tentava ficar próxima ao prefeito, Ângela Cruz observava de longe e com medo de ser notada.

— Estamos cansados, todos nós, desses monstros vivendo conosco, de estar sobre o controle de Edgar Cabrall, como ovelhas para o abate! _ protestava o prefeito.

— O senhor o apoiava _ disse alguém da multidão, um homem rustico de barba mal feita, e todos voltaram-lhe a atenção _ o senhor sempre o apoiou, mesmo sabendo que ninguém aqui gostava dele e agora só está contra Edgar porque enfim te afetou.

— Não! _ defendeu o prefeito _ Eu... Nunca apoiei qualquer mal que aquele bruxo tenha feito a vila, isso porque não imaginava que o caráter de Edgar fosse assim tão sujo, não imaginei do que ele seria capaz, achei que tudo que diziam sobre ele fossem somente boatos!

Uma onda de vaias cercou o prefeito, enquanto algumas pessoas jogavam jornais amaçados e frutas estragadas nele, que foi defendido por seus três capatazes que estavam em volta de seu palanque.

— Calma! _ pediu ele.

— Tu sempre soube muito bem quem Edgar Cabrall era, mas ignorava por troca de dinheiro! _ retrucou o homem rústico aos berros.

 Toda a população concordou e alguns moradores levantaram as armas que já haviam usado no ataque do dia anterior contra o casarão. Ângela mordeu os lábios nervosa, aquelas pessoas realmente estavam em seus limites e aquilo sem dúvida poderia causar grandes problemas.

— Acalmem-se – implorou o prefeito claramente com medo_  não sou eu o vilão, é o Edgar! Nossa cidade, eu e vocês, devemos nos unir para lutar contra tudo que vier daquele casarão, é isso que devemos fazer.

— Ele é forte de mais! _ disse uma mulher da multidão.

— Decerto é, mas, deve ter alguma fraqueza e descobriremos qual é.

Todos berraram em concordância e Ângela negou com cabeça, nervosa. Sabia que seu ex-patrão era maluco, mas matar o filho do prefeito? Edgar não era descuidado a esse ponto. Será que não imaginou a confusão que isso causaria?

Ângela suspirou, concluiu que quem sabe a falta de Iara causou tudo aquilo, foi sempre a esposa que impedia Edgar de cometer burrices na hora de raiva, com ela Edgar era poderoso, sem ela, Edgar era perigoso.

Ela decidiu sair daquele lugar, antes que a reconhecessem e a perseguissem também. Caminhou em passos rápidos deixando a multidão para trás, fechou a blusa de lã que usava e ficou de cabeça baixa como costumava fazer. Entrou na pensão as pressas com o objetivo de chegar em seu quarto e ficar sozinha e trancada por um bom tempo, mas ouviu a recepcionista, filha da dona da pensão, chama-la.

— Senhora Ângela.

Ângela sorriu daquela maneira nervosa e voltou-se a ela.

— Sim?

— Eu... Sinto muito, mas minha mãe mandou avisar que... Não quer mais você aqui.

Ângela ficou um tempo pasma e calada depois tentou sorrir.

— Como? Por quê? Eu fiz algo errado? Fiz?

— Não exatamente, mas agora com essa revolta da vila contra o Cabrall, ter alguém envolvido a ele aqui dentro acaba com a imagem da pensão e não é seguro nem para senhora.

— Eu só fui a cozinheira do casarão, uma empregada, empregada sim, só isso.

— Por muitos anos, aliás, e todos sabem disso. Perdão, Ângela.

A moça deu de ombros e Ângela assentiu tristonha.

— Tudo bem, eu entendo, entendo sim... Vou arrumar minhas malas, minhas coisas.

Ela subiu as escadas mais cabisbaixa que o comum, se trancou no quarto e começou a chorar, ainda sim, arrumou sua mala, molhando todas sua roupas com lágrimas, definitivamente ela era a pessoa mais azarada do mundo.

Meia hora depois ela saia da pensão de cabeça a baixa e em silencio, caminhou pela rua da vila da mesma forma, enquanto tentava pensar para onde ia. Logo esbarrou com alguém, Malvina, a mulher que não saia da igreja, mas fazia um inferno, a criatura mais fofoqueira e hipócrita que Ângela conhecia, a mesma mulher de cara emburrada que chamou Cícero de macumbeiro.

Malvina olhou Ângela de baixo a cima com desdém.

— Vai embora da vila?

Ângela deu de ombros de seu jeitinho acanhado.

— Não sei... Não sei mesmo, mas pensei em ficar na igreja.

— Nunca! _ protestou Malvina _ uma pecadora que nem você, que servia aquele bruxo diabólico, não podia sequer entrar numa igreja, sorte sua o padre ser tão bonzinho.

— O padre é justo, justo! Ele sabe que eu não tenho nada haver com os problemas de Edgar, nada haver, eu só trabalhava para ele, só isso.

— Claro _ disse Malvina nada convencida _. Como pode trabalhar naquele covil de pecado, com um bruxo e uma vadia por tantos anos sem ter se sujando também?

— Não diga isso _ disse Ângela sem pensar e Malvina levantou uma sobrancelha _ Quero dizer... Não que eu os defenda, mas, Iara e Edgar não são tão maus se conhecê-los de perto.

— Você é como eles Ângela! _ disse a mulher _ uma pecadora e vai queimar no fogo do inferno com seus patrões.

Ângela sabia que discutir não mudaria nada, então somente revirou os olhos e prosseguiu caminhando, mas Malvina e pegou pelo braço e derrubou suas malas.

— Não adianta fugir, você será caçada como todos que pertencem aquele casarão.

— Mas eu não fiz nada! _ insistiu Ângela pegando as malas do chão.

Malvina riu sádica.

— Não me venha com essa.  _ Malvina então começou a gritar _ alguém, socorro, uma espiã do Edgar na vila! Uma espiã do Cabrall!

— Não faça isso, não, não _ implorou Ângela _, por favor, para de gritar.

Algumas pessoas que estavam até então ouvindo o discurso do prefeito se aproximaram.

— Aqui _ chamou Malvina enquanto Ângela já começava a dar passos para trás _ Essa mulher é uma espiã do nosso inimigo!

— Ela trabalhava para ele _ disse alguém na multidão.

— É da laia dele _ concordou outro.

— Não! _ disse Ângela _ Eu não tenho nada haver com Edgar, juro, juro sim.

Mas ninguém a ouviu, estavam todos sendo controlado pela raiva guardada por anos e pela dor do prefeito.

— Peguem-na então _ disse Malvina.

Ângela olhou para os lados e não viu outra solução a não ser fugir. Ela correu o quanto pode, mas era fraca demais e logo uma multidão estava chegando próximo de pega-la.

Na estrada de terra já saindo da vila, quando suas pernas ficavam fracas e ela já estava aceitando a morte, ouviu gritos vindo de trás. Ângela ousou se virar e viu que havia raízes saindo do chão  pegando as pernas dos seus perseguidores, alguns se assustaram com as raízes e esqueceram-se de Ângela outros quando conseguiram escapar, continuaram a persegui-la, o que foi um erro e tanto.

Quando eles estavam chegando próximo a Ângela algo surgiu bem a frente deles como um raio vindo da mata.

Curupira se colocou a frente de Ângela segurando com firmeza seu cajado, com os cabelos pegando fogo e encarando com fúria os moradores da vila.

Todos pararam, pasmos.

— Deixem ela em paz! _ ordenou Curupira.

A maioria se amedrontou e começou a se afastar, outros ainda cogitavam a ideia, mas foi só o Curupira avançar um pouco na direção deles e soltar um berro que todos correram como baratas tontas.

Após se afastaram, Curupira se voltou a Ângela que ainda estava com aquela expressão assustada, que já era natural dela.

— Curupira... Obrigada, obrigada de novo.

Curupira somente acenou com a cabeça, depois fitou as malas.

— Te expulsaram _ supôs ele e Ângela assentiu com cara tristonha _, para onde vai gora?

— Pensei em voltar para o casarão, se Edgar permitir, o casarão é bom.

— O que? _ disse Curupira fazendo cara feia.

— Eu não tenho para onde ir, não tenho família, família alguma e preciso trabalhar, preciso muito _ argumentou ela dando de ombros.

Curupira franziu os olhos, parecendo confuso e as chamas de seus cabelos cessaram.

— Você tem a mim.

Ângela sorriu de canto.

— Eu sei, sei sim... Mas acho que o melhor pra mim agora é voltar para o casarão, sei que Edgar vai proteger aquele lugar, vai proteger bem, então se eu estiver com eles vou estar segura.

Curupira assentiu compreendendo.

— É , quem sabe seja melhor mesmo.

Ângela assentiu com um sorrisinho.

— Eu te levo até lá então

Curupira foi até ela, pegou as malas sem avisar com uma mão e segurou-a pelo braço com a outra depois simplesmente foi andando em direção ao casarão, mas Ângela não ligou, estava acostumada com o jeito direto dele, por mais incrível que parecesse, aquilo era o máximo de gentileza que ele poderia ter com alguém então ela sentia-se grata por isso.

Edgar estava na sala de jantar, sentado, bebendo seu “vinho” e pensando nos próximos passos que daria para se livrar da encrenca em que havia se metido.

Logo ouviu batidas na porta, mas em tais circunstancias, onde uma vila inteira queria lhe matar, decidiu que atender o visitante seria idiota, porém, as batidas prosseguiam, mas eras fracas, não parecia vir de alguém com raiva. Edgar então deixou seu vinho na mesa e foi caminhando até a porta devagar, fechou os olhos e tentou sentir as energias da pessoa de fora e havia muito medo, insegurança, mas não maldade, apesar de algo rancoroso, é, Edgar conhecia aquela mistura de sentimentos. Ele suspirou, mas abriu a porta se deparando com uma mulher franzina com malas nas mãos e um sorriso nervoso.

— Ângela Cruz, que surpresa _ disse Edgar.

— Olá senhor Edgar... Camisa bonita _ disse ela claramente puxando o saco, pois as camisas de Edgar eram a sempre as mesmas, pretas.

Edgar franziu os olhos.

— Deixa-me adivinhar, te expulsaram da vila, provavelmente de maneira nada educada, e agora você precisa de um lugar para morar e é claro, um emprego.

— O senhor é muito esperto, é sim.

  O Cabrall revirou os olhos mas fez sinal de cortesia.

— Entre.

Ângela sorriu e entrou, ainda com os ombros contraídos.

— O senhor me aceita de volta?

— Bem, para dizer a verdade, eu me viro na cozinha, mas desde que fora embora essa casa não vê uma vassoura, eu preciso de uma empregada e sei que ninguém mais aceitaria trabalhar nessa casa além de você. Mas primeiro vamos conversar.

Ângela assentiu e Edgar a convidou para sentar-se no sofá, enquanto ele sentava-se na poltrona próxima a tal. Os dois ficaram de frente um ao outro, como devia ser uma entrevista de emprego, mas Ângela permaneceu de olhar baixo, pois mesmo convivendo por anos com Edgar, ainda não gostava de o olhar nos olhos.

— Bem _ começou Edgar apoiando a mão no cajado _ você foi a única empregada que conseguiu trabalhar para eu e minha esposa por mais de uma semana.

— 25 anos _ lembrou Ângela _ trabalhei 25 anos.

— Exatamente e é claro que confio e gosto de seu trabalho, mas, você me traiu e muitas vezes.

Ângela contraiu os lábios.

— Eu... Só queria ajudar a senhora Iara, é difícil não fazer algo que ela peça, muito difícil.

— Eu sei bem disso, então sequer lhe culpo. Seja como for, a ultima traição me deixou bem nervoso, a vontade de quebrar seu pescoço foi grande, mas eu não fiz isso.

— Que bom ne _ disse Ângela com os olhos mais arregalados que o comum.

— Muito bom, pois eu teria me arrependido depois _ admitiu Edgar _, você é a melhor cozinheira e funcionaria que eu tive e se tu não voltasse por conta própria, mais cedo ou mais tarde, eu iria te buscar na vila.

Ângela conseguiu sorrir.

— Então estou contratada.

— Ainda não, preciso que me diga todas as regras que te ensinei quando te contratei da primeira vez, se você ainda se lembrar de todas, você voltará a ter seu quarto, sua cozinha, e seu sustento. Antigamente também lhe dava os remédios contra a transformação, agora que não precisa mais disso, te darei proteção contra os moradores da vila. O que acha?

— Ótimo!

— Então diga as regras.

Ângela respirou fundo, lembrava-se claramente de cada regra lhe dita a 25 anos atrás.

— Não fazer perguntas desnecessárias, não entrar no escritório ou nos quartos sem permissão, não discutir, fingir não ver qualquer coisa ilegal que meus patrões fizerem, não ter amigos fora do casarão e nunca dizer para ninguém o que vejo aqui dentro.

Edgar sorriu satisfeito.

— Bah tchê, muito bem. Está contratada Ângela, pode colocar suas coisas no seu antigo quarto.

Ângela sorriu e bateu as palmas das mãos.

— Obrigada, obrigada!

Edgar assentiu e abanou a mãos em indiferença.

— Mas é bom que não desobedeça tais regras, sim? E... Quero lhe dar uma tarefa em especial.

— Diga, pode dizer.

Edgar encarou-a daquela forma que deixava qualquer de pernas bambas.

— Quero que fique de olho em Núbia, que dê um cuidado especial a ela, digamos que Núbia está muito abalada com os últimos acontecimentos, uma amiga será bom.

Ângela assentiu com um sorrisinho.

— Farei isso, farei sem problema. Onde está a senhorita Núbia, alias?

Edgar encostou na poltrona.

— Deve estra nas redondezas do sítio, ela saiu pela janela era umas 6 manhã, provavelmente achou que eu não saberia.

— Fugiu?

— Não, deve ter ido ver aquele Cícero, logo volta. E apesar da vila estar atrás de todos que pertencem ao casarão não vou busca-la, acho que será bom  para ela despedir-se daquele rapaz.

— Despedir-se? Iremos embora? _ supôs Ângela.

Edgar sorriu sínico e negou com a cabeça.

— Ele vai.


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Notas finais do capítulo

Edgar tá aprontando....



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