Finnick Odair — 65ª Edição escrita por Magicath


Capítulo 2
♆ — O Mar de Sangue


Notas iniciais do capítulo

Olá! Cá estou eu, soltando para vocês esse segundo capítulo. Eu programei ele, mas provável que minha ansiedade não me deixe em paz até que ele seja postado. Obrigada a quem comentou e está acompanhando, fico realmente feliz com isso.

Agora, como eu já disse, comecemos pela arena. A apresentação de alguns personagens é breve, e como vocês não os conhecem, pode ser um tanto quebra-cabeça no começo, mas garanto que vocês vão conhece-los melhor depois.

Sem mais delongas, ao capítulo!



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♆ 

O MAR DE SANGUE

 

Só mais cinco minutos.

Medo. Era tudo que a figura no espelho transmitia. Mas ninguém a via, somente eu. Somente eu compreendia a profundidade daqueles sentimentos, tão confuso quanto uma criança prestes a estrelar num abate poderia estar. Aquele poderia ser meu último dia de vida, dependendo das minhas chances. 

Não, aquele não seria meu último dia de vida, eu dizia para a figura no espelho. Tudo dependia de mim. Eu deveria traçar meu destino. Eu precisava ganhar, canalizar a raiva e o medo e transformar em determinação. Era só focar que tudo daria certo. Precisava lembrar do meu treinamento. 

Isso era o que eu achava. Hoje eu sei que grande parte do que eu enfrentei nos primeiros dias e o que me ajudou a sobreviver foi na verdade o meu privilégio. Nada foi mérito próprio.

A estilista pousou a mão no meu ombro. Levantei a cabeça para encarar seus olhos radioativos. Helva era uma bruxa. Tinha olhos verdes cintilantes que davam a impressão de brilhar no escuro. A pele era escura, e os cabelos encaracolados eram pintados de branco. Por baixo de toda graciosidade que a aparência dela passava, no fundo com certeza havia os desejos mais obscuros de um ser humano — se é que eu podia chamá-la de ser humano.

Ela apontou o caminho até a plataforma que me levaria para a arena. Com pesar, levantei-me.

Helva me acompanhou até o pequeno elevador. Tinha o formato perfeito para apenas uma pessoa entrar. Observei a imagem que as paredes de vidro refletiam. O uniforme da arena marcava bem o corpo, um collant com shorts acima do joelho azul e preto. Tinha a textura de escama de peixe, talvez para dinâmica na água ou isolamento térmico. Duvido que ajudasse a manter a temperatura do corpo, já que os braços e pernas estavam expostos. O conjunto acompanhava botas pesadas que pareciam ser de escalada ou caminhada. Minha mente ia a mil tentando imaginar os possíveis cenários da arena. 

Olhei para Helva. Ela sorriu tentando me encorajar, mas seu sorriso era cínico, como sempre. 

— Não nos decepcione, Finnick — ela pediu. — Falei de você para todas as pessoas que conheço e com certeza elas já têm seu favorito. Não quero que descontem em mim ao perderem as apostas.

— É o melhor que tem a dizer para me consolar? — eu disse com um toque de ironia que ela não iria captar. Ela pareceu ofendida a princípio, mas logo entendeu que era só uma brincadeira. O sorriso de escárnio voltou a aparecer.

Ela me odiava, eu tinha certeza. Tudo por que eu era muito novo e frustrei os planos dela de me deixar sem roupa para o Desfile (ela cobrou e me fez pagar por isso anos depois, infelizmente). Além disso, ela dizia que eu era muito desanimado e tinha a cara muito fechada, apesar de bonitinha. O que eu fiz? Simplesmente não dei a mínima, o que a irritou mais ainda.

Uma voz interrompeu o momento e preencheu a sala. Estava na hora.

Posicionei-me na plataforma circular e imediatamente ela ergueu-se do chão. No momento em que comecei a subir, os lábios de Helva se movimentaram dizendo algo que não fui capaz de ouvir. Minha pouca habilidade com leitura labial deduziu que ela desejava boa sorte, de uma forma extravagante, como se completasse com “vai precisar”. 

Tudo ficou escuro e silencioso enquanto a plataforma me arrastava para a arena. Não ouvia nada a não ser minha respiração e meu coração batendo. Quando inspirei o ar, pude sentir um cheiro leve e familiar. Foi a mesma sensação de passar por um lugar no qual estão cozinhando algo e você sabe imediatamente o que é. Exceto que, no meu caso, era o cheiro de maresia.

Então pude ouvir o som: o barulho já conhecido das ondas batendo contra as rochas. O ar salgado entrava pela abertura do túnel por onde a plataforma me elevava em direção a arena.

Fechei os olhos, controlando o enjoo, esforçando-me para manter minha última refeição dentro do meu estômago.

Finnick praticamente mora no mar, é claro que vai se dar bem. É isso que você está pensando? Pois bem, vou te contar uma coisa. O oceano nem sempre é algo muito acolhedor. Se tratando dos Jogos Vorazes, acha que eu ficaria satisfeito em saber que o ambiente escolhido é uma praia? O oceano? Eu preferiria estar em um deserto. Os Jogos Vorazes só tornam as coisas trinta vezes mais mortais. Tsunamis, tempestades, bestantes, tufões, desidratação, insolação, ar úmido, noites frias, dias extremamente quentes. E isso é só o básico do que era capaz de acontecer. A criatividade dos Idealizadores e o poder para pôr em prática suas ideias era enorme e sem limites.

Ao contrário do que muitos pensam, aquilo não era para me favorecer. Transformar uma coisa que amo, o mar, meu lar, em um campo de batalhas sangrentas e mortes injustas não me favorecia de modo algum. A água solta suas presas assim que você entre nela.

A visão explícita que tive da arena apenas confirmou meus temores.

Estava em uma ilhota isolada no meio da água. As ondas, como imaginei ao ouvir o som, batiam nas rochas e respingavam seu conteúdo no chão pedregoso. O piso molhado dificultaria a corrida até os suprimentos. Bastava um escorregão para despencar no chão e ter seu crânio aberto por uma rocha pontiaguda. 

Bem atrás da Cornucópia, havia uma outra ilha distante, dessa vez muito maior. Os picos das montanhas eram iluminados pelo sol, refletindo o verde da vegetação tropical. É lá que deve ser a arena, eu pensei. O lugar onde o chifre dourado se encontrava era muito pequeno para representar a arena toda. Havia mais pedaços de terra ao redor isolados no oceano. Eram várias ilhas menores, como em um arquipélago, e a Cornucópia era uma delas. Essa era a arena da 65ª edição.

Por mais medonho que fosse, deixei escapar um sorriso. Eles foram muito espertos a isolando totalmente da arena. Era o lugar perfeito para o banho de sangue. Muitos tributos sempre corriam para longe das lutas na hora que a contagem regressiva acabava e a chacina começava. Daquela vez, não havia como escapar facilmente, não havia para onde ir. A única saída era pular diretamente na água. E acreditava que muitos não sabiam nadar.

Meu sorriso imediatamente desapareceu. Pensando nisso, faltando apenas vinte segundos, constatei que a ilha grande, lugar para onde todos deveriam ir, estava muito longe. Mesmo para quem sabia nadar, ou seja, eu, seria uma tarefa muito árdua. Ninguém conseguiria chegar lá nadando. Ademais, quem garantiria que não havia criaturas marinhas famintas embaixo d’água?

Então, nos últimos dez segundos, pensando numa maneira de chegar até o outro lado, eu os avistei. Botes salva vidas amarelos flutuando na água. Consegui contar doze, a metade do número de tributos. Nem todos conseguiriam pegar carona. Eles realmente queriam diminuir o número de sobreviventes no primeiro dia.

O gongo soou e não houve mais tempo para pensar em como sair dali. Avancei com determinação até as pilhas de suprimento na boca do chifre, mesmo com meu coração a mil. Meus aliados logo se juntaram a mim para começar o massacre.

Procurei uma arma adequada para me defender. Avistei machados, alabardas, facas, arpões, espadas, todo tipo de arma que puder imaginar, então não seria difícil escolher uma. Contudo, é claro que eu estava procurando por uma em especial. Fui até o fundo do chifre dourado, derrubando caixas na esperança de que ele estivesse bem escondido. No entanto, isso não aconteceu. Nada de tridente para Finnick Odair.

Peguei a coisa mais  morfologicamente próxima de um tridente: uma lança. Possuía quase a mesma estrutura, porém era mais leve do que um tridente. Meus aliados já estavam matando ferozmente, defendendo o território. Olhar aquilo me causava náuseas terríveis, mas eu precisava ignorar.

Então parti para cima da menina que julguei ser do Distrito 5. Ela recolhia comida enlatada empilhada em um canto. Sua reação foi imediata no momento em que me viu: jogou as latas que segurava com tudo em cima de mim. Levantei a lança para me defender, o que quase a fez escapar das minhas mãos. Isso deu uma brecha para a garota, que correu em direção a beirada da ilha. Foi aí que me lembrei deles. Os botes.

Olhei para meus aliados, ocupados demais saboreando o gosto do sangue que espirrava em seus rostos ao rasgar a carne dos outros tributos. Se ficássemos lá dizimando as pessoas vivas, os sortudos iriam conseguir fugir. Ficaríamos sem botes e os ferrados seriamos nós. Será que eles sabiam das limitações que teríamos que enfrentar? Mesmo que matássemos um monte de gente para que sobrasse uma carona, não queria arriscar.

Nesse momento de distração, fui surpreendido. No segundo em que virei para avisar Ruber, — minha aliada do Distrito 1 — o tributo masculino do Distrito 10 estava preparado para me atacar com um bastão de metal. Meu instinto agiu mais rápido que a razão e me defendi no último instante, quase caindo em seguida. Recuperei o equilíbrio e agi rápido, desarmando-o. A arma dele foi parar longe, deixando o tributo ficou atordoado.

Houve então um momento de hesitação, que eu acho que ele percebeu. Uma oportunidade de por à prova tudo que eu aprendi na academia. Mas algo dentro de mim me segurou por alguns segundos, e aquela confiança simplesmente se esvaiu. Ela voltou aos poucos quando o tributo tentou se aproveitar desse instante, e era tarde demais quando o desabilitei perfurando sua coxa. Jorrou tanto sangue que pensei ter rompido a artéria femoral do cara. Nas aulas especiais que tínhamos na academia, ensinavam-nos formas de matar ou incapacitar alguém apenas atingindo partes importantes do corpo. E sangue jorrando daquela forma não significava coisa boa. Ele precisava ser muito sortudo para sobreviver a esse ferimento.

Olhei para a água de novo. Alguns botes estavam ocupados por tributos, já bem longe do perigo.

— Ruber! — gritei para chamar a atenção dela. — A arena está do outro lado! Há botes ancorados na água, mas são poucos. Precisamos ir!

Ela olhou atônita para o horizonte, percebendo o problema. Ela recapitulou a informação na cabeça, pensando no que deveríamos fazer.

— Jasper, Febe! — a carreirista chamou os outros companheiros mais próximos a ela. — Reúnam os suprimentos o mais rápido possível, precisamos chegar até os botes!

— Botes? — Jasper indagou, confuso. Ruber apontou para onde eles estavam boiando sobre as ondas. O carreirista percebeu imediatamente a situação na qual os Idealizadores nos enfiaram, que a Cornucópia era uma ilha isolada e não havia outro meio de chegar do outro lado.

— Porcaria! — ele xingou, então saiu correndo.

Tudo estava um caos e não só por nossa causa. As pessoas lutavam por mochilas e outros objetos, rolando pelo chão áspero e cortante, e tentavam principalmente impedir umas às outras de chegar até a praia onde a única chance de escapar se encontrava.

Sendo assim, demos meia volta, indo em direção ao chifre dourado. Em certo momento avistei uma garota no meio do caminho recolhendo uma das mochilas. Não deu tempo para ela perceber minha presença. Quando a menina me viu, era tarde demais. Eu prostrei meus braços para frente e a empurrei para fora do meu caminho. A menina escorregou e caiu de cabeça no chão. Sangue tingiu as pedras, que logo foram lavadas com água do mar. Tentei ao máximo não me importar com isso. Tentei dissolver em meu interior a culpa que sentiria mais tarde ao ouvir o canhão anunciando a morte dela.

Ruber e Jasper ficaram de guarda enquanto eu e o restante preparávamos as mochilas. Os tributos que procuravam avançar até o chifre dourado buscando ter a chance de conseguir algo se afastavam apreensivos.

Tivemos que pegar só o necessário. Os carreiristas não se esbaldariam com o famoso estoque de suprimentos naquela edição, não era possível levar tudo da Cornucópia até a arena. Realmente, todos estavam em desvantagem.

Junto com os outros, minha companheira de distrito, Delphine Algor, já corria na direção oposta enquanto eu terminava de enfiar as cordas e medicamentos nas bolsas. Agarrei as duas mochilas cheias de utensílios e corri para as boias amarelas.

Alguns tributos já estavam se preparando para escapar de lá. A garota do 3 que se livrou de mim parecia ter formado uma aliança com outros dois tributos — uma menina e um menino — cujos distritos eu não reconheci. Eles já estavam distantes quando perceberam que esqueceram os remos e empurravam a água com os braços a todo vapor para escapar da ameaça que eu representava.

Os outros carreiristas já estavam aninhados prontos para sair e gritavam para que eu entrasse logo no bote. Minha mente trabalhava diabolicamente conspirando contra aqueles que aproveitaram nossa saída para recolher os suprimentos que sobraram e ainda estavam em terra firme. Senti muito pelo que iria fazer.

Joguei as mochilas e os remos para meus aliados. Desamarrei a corda para que pudessem remar em direção ao mar aberto.

— Vão indo e me esperem a alguns metros daqui. Eu tenho uma ideia.

— O que... — Ruber protestou, mas não deixei que continuasse.

— Vão! — gritei para enfatizar que era uma ordem. — Eu consigo nadar até a metade. Não fiquem tão longe!

Ela assentiu e então corri em direção aos outros botes enquanto eles se afastavam da Cornucópia. Com uma das facas que pegamos de lá, cortei a corda que ligava eles à praia. Fiz isso com o restante dos botes e então joguei todos os remos bem longe. Pulei na água antes que os oponentes surgissem para descontar a raiva deles em mim.

Submergi totalmente no mar, podendo desfrutar por pelo menos alguns segundos o silêncio. Nada de gritos de dor e agonia. Não respirei profundamente, é claro, mas é o que eu teria feito se não estivesse embaixo da água ou se tivesse como respirar. Deixei que meu corpo afundasse até que fosse a hora de voltar à superfície. Não é hora de perder o controle, repetia a mim mesmo.

Assim que emergi, nadei até meus aliados. Apesar de não estarem longe, o exercício foi suficiente para fazer meus músculos arderem. Delphine esticou os braços oferecendo ajuda. Eu os alcancei, encharcando todo o bote logo que caí dentro dele.

Ao longe, pude ver a pequena ilhota que abrigava a Cornucópia. Alguns botes vazios que eu desamarrara estavam perdidos no mar e o restante dos tributos se desesperava para alcança-los. Havia um bote virado e um tributo tentando desvirá-lo. O cara mergulhou, porém não voltou para a superfície. O bote amarelo continuou flutuando solitário.

Ainda ocorriam lutas, tanto em terra firme quanto dentro da água. Todo o mar ao redor da ilha estava banhado de vermelho, como quando um tubarão faz a festa com um banhista desatento. Observávamos aquilo com certa perplexidade e encanto. Era a cena perfeita de um massacre bem-sucedido.


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Notas finais do capítulo

Por favor, peço que não associem a arena do Finnick com a arena de Catching fire, pelo amor de Deus, não tem nada a ver. Não usem a influência do filme para imaginar o cenário.

Helva não aparecerá muito, é uma pena, admito, pois eu gostaria de explorá-la mais. Confesso que iria fazer um capítulo do Desfile, mas sabe, a preguiça me convenceu de que era complicado demais. Coloquei-a nesse capítulo porque não queria jogar a personagem fora e possivelmente terei de usá-la no final. Ah, é, quais a suas primeiras impressões sobre ela?

Críticas a acrescentar sobre a arena? Elogios, sugestões? Digam-me os pontos interessantes e não interessantes dela. Por favor, deixe seu comentário, você é sempre bem-vindo!

Att,
Magicath.



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