Kingdom Hearts: Motherland escrita por Kyra_Spring


Capítulo 16
A resistência




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/72295/chapter/16

            Naquela mesma noite, Sora despertou aos gritos de um terrível pesadelo.

            Ele não sabia dizer ao certo quem estava tendo aquele pesadelo, ele ou Seth. Mas pôde ver muito claramente a si mesmo – caído sobre uma enorme poça de sangue, olhos abertos e vazios, uma expressão de pavor no rosto. Morto. E Erinia, de pé ao lado dele, rindo. Ela estava diferente de quando a encontraram em Pixie Hollow, porém – cabelos mais curtos, sem o manto escuro. Ela segurava uma lança coberta de sangue.

            E, na mão dela, algo emitia uma luz prateada fraca. Mas a luz foi crescendo e crescendo, até se tornar um facho cegante e cáustico, que foi engolindo e destruindo tudo. Foi nessa hora que ele acordou, encharcado de suor, ofegante.

–Droga, Seth, por que você não diz logo onde a maldita Fonte está? – disse Sora, em voz alta.

            Então, para seu choque, a voz dele respondeu ao seu chamado.

–Você sabe onde a Fonte está! – a voz dele estava impaciente – Você viu também. Você esteve lá.

–Eu estive lá? – Sora murmurou, sem entender – Não faço idéia do que... ei, espere...

            A sala para a qual fora enviado no Claustro de Testes...

            A sala onde todos os seus pesadelos se passavam...

            A sala de orações do castelo. Então era lá a entrada para a Fonte das Eras.

–Quer dizer que... o castelo... – murmurava Sora – A Fonte está nele?

–Ele foi construído exatamente para protegê-la – explicou Seth – Por isso, há tantos feitiços de proteção, e por isso Erinia não a tocou ainda. Mas esses feitiços não irão durar para sempre. Pouco a pouco, as barreiras que as Iniciadas e Tsukihanas foram colocando estão enfraquecendo.

–E é aí que entramos – murmurou Sora – Por que está fazendo isso? Você... você está morto, não é? Então, por que ainda está aqui? Por que não... segue em frente, sei lá?

–Eu não posso – respondeu ele, amargurado – Fiz um juramento, e preciso cumpri-lo.

            Sora não fez mais perguntas. De juramentos ele entendia.

–Então... – ele disse, por fim – é isso. Agora que sabemos onde a Fonte está... é só nos prepararmos para a batalha.

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

            Quando se deram conta, quase dois meses haviam se passado desde o dia em que chegaram a Waterfall City.

            Foram semanas de trabalho muito árduo, divididas entre pesquisas e treinamento. A cada dois dias, eles recebiam relatórios completos de cada um dos grupos. Naqueles dois meses, eles haviam feito paradas em muitos mundos. E foi com alívio que receberam um relatório da Celsius. Ele dizia que uma nave, Strahl, havia encontrado sobreviventes de Port Royal em uma caverna subterrânea e os havia conduzido até Radiant Garden. E, pela descrição de Rikku (“ah, entre eles tem também um pirata meio sem-noção que parece ter mais álcool que água no sangue e insiste em querer ver um tal de Zola e dizer que ele tem uma dívida a acertar com ele... quem é esse, afinal de contas?”), os seus amigos da cidade portuária estavam bem.

            Mas isso ainda não era o bastante. O silêncio e a inércia de Erinia e Maleficent ainda eram perturbadores. E irritantes, de certa forma.

            As tarefas cotidianas pelo menos os mantinham ocupados. Sora e Riku continuavam ensinando Kairi a lutar. Ela havia evoluído muito naqueles dois meses, e começava a dar cada vez mais trabalho a eles. Leene, por sua vez, assumia a tarefa de professora secundária de magia dela. Ela mesma havia melhorado muito, e finalmente dominava feitiços de cura e suporte com perfeição. Lulu, por sua vez, ensinava a magia elemental de Waterfall City. Inclusive, submeteu Kairi ao mesmo teste pelo qual as Iniciadas passaram. O elemento da garota era o vento, e ela treinava duro para dominar os feitiços. Além disso, todos passavam muito tempo na biblioteca do templo. Sora ainda tentava conhecer mais a fundo a história de Waterfall City, e como ela se relacionava com Seth, sem muito sucesso. Apesar disso, descobriu muito sobre a história da cidade. Selene tornou-se uma grande rainha, muito justa e sábia, além de muito valente. As lendas diziam que ela mesma conduziu, mais de uma vez, suas tropas para defender a cidade.

            A hora se aproximava. Todos sabiam disso.

            Mais de uma vez, Sora havia dito que entraria no castelo para selar a Fonte, mas os outros nunca permitiam. Ele queria entrar logo em ação, e terminar aquilo de uma vez por todas. Mas tinha que admitir que se fossem precipitados, acabariam estragando tudo. Essa era a pior parte.

            Então, o momento chegou. Na forma de um alerta de Cid.

            Leene havia preparado um sistema portátil de comunicação, para acessar qualquer mensagem que viesse para o sistema da nave. Um pressentimento a assombrava, e ela queria estar pronta para o que quer que acontecesse. A tensão crescia cada vez mais, como uma imensa bolha prestes a estourar ao menor toque. E foi numa tarde que chegou a mensagem que eles esperavam ouvir:

–Meninos, estou captando uma coisa muito estranha aqui – a voz dele estava tensa e sufocada – A atividade em The World that Never Was está aumentando gradualmente. Começou há pouco tempo, mas se continuar nessa proporção prevejo que em pouco mais de doze horas irá superar e muito os picos que Twilight Town atingiu durante a destruição.

            Por um instante, os quatro apenas ouviram, em silêncio. Eles sabiam o que aquilo significava.

            Então, numa voz completamente sem emoção, Leene disse:

–The World that Never Was é provavelmente o ponto de reunião. O foco do ataque será Waterfall City, com certeza. Cid, prepare grupos de assalto e apoio. Mande todos os que você puder para cá o mais rápido possível – e, com um suspiro profundo – É agora. A batalha decisiva... é agora.

–Pode deixar, Leene – a voz de Cid estava revestida de obstinação – Todos estarão aí em poucas horas. Por favor, meninos... se cuidem.

            Sora sentiu-se estremecer. Ele queria que aquele momento chegasse logo. Mas, agora que ele havia chegado, ele queria protelá-lo mais um pouco. Ainda não estava pronto.

            Mas não havia escolha. Ele tinha que ir. Seus amigos dependiam disso.

–Eu vou entrar na torre, e vocês cuidam dos arredores – ele disse, a voz baixa – Vou sozinho. Isso é uma coisa que só eu posso resolver.

–De jeito nenhum – protestou Riku – Não vou deixar você ir atrás da Erinia sozinho. E não vou aceitar nenhuma reclamação sobre isso. Vou com você e ponto final.

            Àquela altura do campeonato, Sora não estava mais disposto a discutir. Apenas encarou Riku. O olhar do amigo estava tão incandescente de decisão que era simplesmente impossível recusar. Naquele momento, ele admitiu para si mesmo que não queria ir sozinho. E apenas acenou afirmativamente com a cabeça, aceitando.

–Podem ter certeza de que eu lutarei, também – disse Lulu – Esta ainda é a minha cidade, e como Tsukihana é o meu dever protegê-la. As outras Iniciadas também estão se preparando para o ataque. Sabemos que há Nobodies aos montes lá em cima, então vamos tentar abrir caminho para os seus amigos chegarem.

–Obrigada, sra. Lulu – disse Kairi – Isso é realmente muito importante para nós.

            Tudo já havia sido planejado. Tudo o que precisavam fazer era colocar em prática.

–Vão na frente, meninos – disse a feiticeira – Preciso conversar com o Sora em particular.

            Eles foram. Sora ficou sozinho com Lulu, em silêncio. Ele tentava manter a tensão e o medo sob controle, e esforçava-se para não pensar em nenhum momento sobre as conseqüências do que estava prestes a fazer. Mas o olhar dela era intenso demais, quase perturbador...

–Eu disse que ia pensar numa forma de salvá-lo – disse ela – Leene e eu temos trabalhado nisso constantemente, e encontramos uma forma de ajudá-lo. Mas... entenda, isso é apenas para uma emergência absoluta. Pode me dar o seu colar, por favor?

            Ele tirou a corrente com pingente de coroa que sempre usava e entregou a ela. Ela, então, derramou sobre o colar um pequeno frasco de poção transparente e começou a murmurar encantamentos. O colar, então, começou a emitir um brilho incandescente, até que surgiu um clarão que se apagou quase instantaneamente. Então, ela o devolveu a Sora. Aparentemente, não havia nada diferente nele, com exceção de uma gravação de um par de asas no verso do pingente.

–O que é isso?

–Esse é o gatilho para a ativação da Angel Form – ela explicou – A Angel Form canaliza toda a energia do seu corpo e a aumenta, tornando-o muito mais forte e mais rápido que o normal. Ela o torna praticamente indestrutível, um verdadeiro tanque de guerra. Porém, ela só pode ser ativada se você estiver muito fraco ou muito ferido. Use-a para uma carga adicional de energia, para se curar ou fugir.

–Entendo... – ele murmurou, sentindo um lampejo de esperança. Sim, aquilo podia dar certo!

–Aqui tem mais uma coisa – então, ela estendeu uma Keychain a ele. A corrente tinha um pingente com o mesmo formato de lua da Moonbeam de Kairi, mas era feito de um cristal azul envolvido por um fino fio de prata – Esta é a Mother’s Promise. Com ela, você levará todas as bênçãos e orações do Templo de Shiva. Por favor, tome cuidado – a voz dela baixou mais – Estamos rezando por vocês.

            Sora apertou a Keychain com força, um segundo antes de guardá-la no bolso e assentir com a cabeça afirmativamente. Então, deu as costas, andando sem hesitar e sem olhar para trás. O tempo de dúvidas havia passado. Então, dirigiu seus passos ao hangar. Havia uma grande movimentação lá, e todas as naves se preparavam para partir em direção à superfície. Assim fez a Fantasia. Ninguém ousava quebrar aquele momento de silêncio com palavras.

            Ou... talvez ninguém soubesse ao certo o que dizer, naquele momento.

            Antes mesmo de pousarem nos arredores do castelo, eles puderam perceber uma grande concentração de Nobodies ao redor dele. Leene, porém, não hesitou em descer sobre eles tudo o que os canhões da nave permitiam e abrir uma clareira que permitiu o seu desembarque.

–Não podemos gastar energia aqui – murmurou ela – Mas como vamos afastar essas coisas?

            Então, um clarão violento surgiu, cegando-os momentaneamente. Assim que ele desapareceu, porém, eles perceberam que todos os Nobodies haviam desaparecido. E, olhando por uma das clarabóias laterais, eles se depararam com uma outra nave, parecendo velha e lenta. Em grandes letras vermelhas, a palavra Aeon estava pintada no casco.

–Bem, elas não brincam em serviço – disse Kairi – E é um belo nome, também.

            As duas naves pousaram. Assim que desembarcou, Sora percebeu uma espécie de cúpula tênue, impenetrável aos Nobodies, que os mantinha em segurança. Lulu desembarcou da Aeon, acompanhada de um grupo de pessoas com capuzes brancos. Ela olhava em volta, tensa, observando a cidade, até que por fim disse:

–Tudo o que a rainha Selene construiu... tomado por monstros, dessa forma! Isso não vai ficar assim...

–Não vai mesmo – concordou Leene, entredentes – Isso acaba essa noite. É uma promessa.

            Assim que desembarcou, Sora afastou-se do grupo. Ele precisava ficar sozinho.

            Estava chovendo forte. As luzes das duas naves estavam acesas, e eram a única fonte de luz.

            Ele tirou a keychain do bolso, e a observou. Era realmente muito delicada. E, ao olhá-la mais de perto, percebeu um entalhe em forma de floco de neve no cristal. Então, invocou sua Keyblade e a colocou no lugar da keychain original. Assim que a colocou, a Keyblade foi envolvida numa faixa de névoa azulada, e então, se transformou. Por um momento, ele apenas a observou, sem palavras.

            Então aquela era a Mother’s Promise. E era realmente linda.

            Longa, de traços delicados e fluidos, era feita de prata e de cristal azul. A lâmina reluzia ao menor movimento, e era muito leve e veloz. E ele podia sentir o poder que emanava daquela lâmina. Com toda a certeza as feiticeiras do Templo de Shiva não haviam mesmo poupado esforços para fabricar uma peça tão delicada e poderosa como aquela.

            Ele guardou a Keyblade, e por alguns minutos ficou apenas parado, olhos fechados, o rosto voltado para o céu, deixando que a chuva o atingisse. Era uma sensação boa, a da chuva. Ele sempre gostou de água, fosse do mar, fosse da chuva. Ela o acalmava, e o ajudava a se concentrar e pensar com clareza.

            Tanto dependia dele... muito mais do que antes.

            E, por isso mesmo, não podia de forma alguma se permitir falhar. Não podia nem mesmo pensar na possibilidade. Ele sabia bem o que iria acontecer se perdessem. Só que, dessa vez, não seria apenas um mundo, como Twilight Town. Não. Se ela realmente vencesse, aquilo aconteceria a todos os mundos. Tudo o que eles amavam seria destruído, também.

            Radiant Garden.

            Traverse Town.

            Waterfall City.

            Destiny Islands.

            E, ao pensar em Destiny Islands, ele sentiu-se estremecer involuntariamente. Ele já a viu ser destruída, uma vez. E não suportaria uma segunda. Aquelas ilhas pequenas e isoladas, com sua vida pacata e sem grandes acontecimentos, com suas praias de areias brancas e árvores com frutas paopu, e uma imensa fusão azul de céu e mar que se tingia de laranja e salmão com o pôr-do-sol... não, se havia um lugar pelo qual ele lutaria até o fim, era aquele.

            Quem diria... logo ele, um filho daquelas ilhas, com a responsabilidade de salvar o mundo.

            Ele ouviu o barulho de naves se aproximando. Provavelmente, Fenrir e Ragnarok. Ele não foi até elas, nem se virou na direção do som. Havia mais em que pensar.

            Ele havia feito uma promessa a Kairi. Uma promessa de que todos ficariam bem.

            Mas será que seria capaz de cumpri-la?

            Ele abaixou a cabeça, deixando a chuva escorrer pelos seus cabelos. Isso lembrou de algo que o fez rir, um diálogo que teve com Leene na noite da festa em Pixie Hollow...

            “Ah, fala sério. Vai me dizer que ele fica parado desse jeito assim, de graça?”

            “Estou falando, ele fica assim naturalmente”, ele disse, com uma risada. Ela começou, então, a mexer no cabelo dele, observando assombrada as mechas voltarem à posição original.

            “Isso não é normal. Sério, esse cabelo de porco-espinho desafia as leis da física!”

            “Ninguém fala nada do cabelo do Cloud, e ele é mais espetado que o meu...”

            “É porque ninguém fala nada de nada do Cloud. É mais divertido tirar com a sua cara.”

            E os dois riram. E lembrar disso também o fez rir. E aquilo parecia fazer tanto tempo... Tanta coisa aconteceu depois daquilo...

            E ele se perguntava se um dia poderiam rir de coisas tolas como aquela, outra vez.

            Então, ouviu o barulho de mais naves se aproximando. Highwind e Celsius, pelo som. Já era hora de voltar.

            Que aquela fosse a última batalha. Ele não se importava. Contanto que desse tudo de si para vencê-la.

            Ele respirou fundo, reunindo coragem. E invocou a Mother’s Promise, ao mesmo tempo em que segurava com força o pingente de coroa. Aquelas eram as suas esperanças. Era com aquilo que poderia contar. E, com passos decididos, voltou para o lugar onde as naves estavam se reunindo.

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

            O rei Mickey foi o último a desembarcar da nave. Todos já estavam no solo, encarando a silhueta do Mooncastle que se erguia contra o céu nublado. Não havia luzes em nenhum ponto da cidade, apenas as das naves. E todos já estavam alinhados em frente às suas naves, observando a mesma cena com olhares decididos.

–Vai ser difícil entrar aí – disse Cloud – O castelo está cercado por fora e é provável que o interior também esteja cheio de monstros.

–É por isso que nem todos irão entrar – explicou Lulu – Só precisamos nos certificar de que Sora conseguirá ir até o topo da torre sul em segurança. Depois, entramos.

–Mas... ele ficará bem? – perguntou Tifa, preocupada.

–Sim, eu vou – o próprio respondeu – Eu vou ficar bem.

–E eu vou com ele – Riku se manifestou – Eles vão pensar duas vezes antes de se meter conosco.

            Kairi e Leene se entreolharam, preocupadas. Elas estavam morrendo de medo pelos dois, mas precisavam guardar seus medos para si mesmas, até para não preocupá-los ainda mais.

            Então, o rei passou todos em revista, caminhando em frente a eles e os observando. Em todos, o mesmo olhar teimoso, a mesma determinação. Todos tinham razões próprias para estar ali. E todos realmente estavam dispostos a tudo para ver aquele pesadelo ter um fim naquela noite. Ele se demorou um instante em Cloud e Leon. Os dois tinham um motivo adicional. Ele só esperava que não fizessem nada estúpido ou perigoso demais por causa de algum desejo de vingança que ainda existisse. Tifa e Yuffie também estavam prontas para qualquer coisa. Talvez elas mantivessem os dois na linha.

            Depois, o time de Twilight Town. Pence e Olette pediram para ir, como uma equipe de apoio. Naqueles dois meses, ela havia estudado e treinado feitiços de cura, e ele ficou ajudando Cid com as comunicações. Quistis, por sua vez, havia praticamente exigido ir para a linha de frente. Ele não podia culpá-la por isso.

            Yuna e Rikku, por sua vez, também tinham razões pessoais para querer entrar naquela batalha. Nos olhos da primeira, ardia uma chama estranha, algo que definitivamente não combinava com a sua gentileza habitual. Ela ainda não havia se perdoado completamente pelo que aconteceu em Twilight Town, e estava disposta a tudo para se redimir. Rikku também estava com o mesmo olhar.

            E, por fim... a tripulação da Fantasia. Os quatro observavam o castelo com uma decisão inacreditável no olhar. Eles haviam sido atirados contra a vontade naquela história desde o começo, mas agora... eles pareciam os mais determinados a colocar um fim naquilo. Principalmente Sora. Não era justo, todos eram ainda tão jovens... alguns eram pouco mais do que crianças. E já estavam naquela batalha absurda.

            Mas era exatamente por isso. Eles lutavam para que outros não tivessem que lutar.

–Majestade, precisamos entrar logo – murmurou Donald – Temos pouco tempo.

–Sim, eu sei – ele respondeu. Por um momento, pensou se devia dizer algo a eles, mas percebeu que nada do que dissesse iria alterar o que sentiam – Você e Goofy, organizem os grupos e expliquem o plano de ação a cada um deles.

            O mago assentiu. Mickey ficou observando o castelo por mais algum tempo. E ficou imaginando o que os reis do passado que ocuparam aquele castelo fariam, em seu lugar.

            Então, chegou a hora da entrada.

            Riku e Sora iriam na frente, e entrariam no castelo. Sempre que pensava nisso, o coração de Leene ia parar na boca. Ela daria tudo para ir com eles. E queria muito chutar o traseiro de Erinia pessoalmente, mas, muito mais do que isso, queria que os dois ficassem em segurança. Mas o pior é que ela sabia que não podia terminar bem. Ela havia visto, também.

            Então, ela percebeu que Riku a encarava.

            Eles não haviam se falado desde o dia em que brigaram. Ela havia cobrado uma atitude dele, e ele ainda não havia respondido diretamente. Mas ela o ouvira se confessar para Woodstock. Por mais que parecesse ridículo o fato de ele abrir seu coração para uma ave, ela havia sentido que ele estava sendo absolutamente sincero. Mas, ainda assim, queria ouvir da boca dele. Queria que ele dissesse tudo para ela, diretamente, sem subterfúgios.

            Antes que fosse tarde demais.

–Leene – então, ele começou a falar – Sei que você ainda está brava comigo, e você tem motivos pra isso. Mas saiba que eu nunca quis te magoar.

            Ela o encarou, surpresa. Havia tanta segurança na voz dele...

–Eu e o Zell agimos como idiotas – ele continuou – Bem... acho que eu, mais do que ele. Na verdade, Zell pelo menos tomou alguma atitude, por mais irritante que seja...

            E, de repente, ele parecia falar mais para si mesmo do que para ela.

–É só que... droga, é difícil... dizer o que se sente para alguém... e você sempre espera ouvir um não...

–Riku... – ela gaguejou. Ele estava se confessando para ela?

–Ah, droga, eu estou falando bobagens outra vez! – então, ele se desculpou, com uma risadinha nervosa, corando furiosamente – Me desculpe... só estou nervoso.

–Entendo... – ela abriu um sorriso um pouco decepcionado. Então, Sora chamou Riku. Os dois iriam na frente, seguidos por Kairi, Leene, Yuna e Rikku. Nessa hora, ela sentiu-se empalidecer.

            “Ainda não...”, ela murmurou, para si mesma. “Por favor, ainda não... só mais um minuto...”

            Então, para seu choque, ele segurou a mão dela. O olhar dele estava sério.

–Eu vou voltar – ele disse, decidido – Prometo. E vou trazer o Sora comigo.

            Ela olhou de relance. Sora estava beijando Kairi. Ela havia ficado sabendo que os dois estavam juntos, e imaginou o que a amiga estaria sentindo. E ela percebeu que, apesar de tentar imprimir força e decisão à voz, as mãos dele estavam geladas e trêmulas contra as suas. Ela fechou os olhos, sentindo-os ficarem úmidos. Ela sabia que aquela podia ser a última vez que se veriam.

–Por favor... – ela sussurrou, a voz fraca – Volta pra mim...

–Nada de chorar, Leene – ele disse – Vai ficar tudo bem.

            E ela queria ficar ali para sempre, segurando as mãos dele.

            E ele também queria que aquele momento nunca mais terminasse.

            Mas, cedo demais, ele soltou as mãos dela, e deu as costas, caminhando com passos cadenciados na direção de onde Sora estava. Ela ficou ali, estática, parada, sentindo as lágrimas escorrendo pelo seu rosto, apenas vagamente consciente dos passos dele entre os passos dos outros. E ela não fazia idéia que, um pouco à frente, Riku estava prestes a desabar.

            Ele se odiava por ser tão fraco. Por não ter coragem de dizer o que sentia.

            Mas, pensando bem, talvez fosse melhor assim. Se algo acontecesse, a dor seria menor, para ela.

            Foi por isso que respirou fundo, forçando-se a se concentrar naquela missão, apenas. Ainda sentia o calor dela em suas mãos, e isso teria que ser o suficiente. Isso, e a certeza do que sentia por ela. Mesmo que aquele sentimento jamais fosse confessado, mesmo que ela jamais soubesse... isso não mudava o fato de que o que sentia por ela era realmente algo além da sua compreensão.

            Mas, então, ouviu passos rápidos às suas costas.

            E teve tempo apenas de se virar, e se deparar com Leene correndo na sua direção, abraçando-o pelo pescoço e colando seus lábios aos dele. Naquele momento, toda a dúvida, todo o temor, se dissolveram completamente. O primeiro sentimento, surpresa, logo deu lugar a uma infinidade de outros. Ela o abraçava pelo pescoço, puxando-o para si, apoiando-se nas pontas dos pés, enquanto ele a abraçava pela cintura, afagando seus cabelos, sentindo-a tão intensamente que, por um momento, era quase como se todo o seu corpo estivesse reagindo inconscientemente à presença dela.

            Ela era dele. E ele era dela, da mesma forma.

–Não me deixe... – ela murmurava, nos instantes em que seus lábios se separavam, antes de se encontrarem outra vez.

–Eu não vou... – ele respondia.

–Fica comigo...

–Eu vou voltar...

–Eu te amo...

–Eu também...

            Havia aflição naquele beijo. E medo. Mas havia também a promessa de que aquele não seria o último. E isso bastava. E foi com essa certeza que eles se separaram, olhos fixos um no outro.

–Agora vá... – ela sussurrou – Tome cuidado, por favor. Não quero te perder...

–Você me roubou um beijo, senhorita Leene – ele sussurrou, com um sorrisinho – Pode apostar que eu vou voltar para pegar de volta.

–Seu bobalhão... – ela sorriu, enxugando uma última lágrima teimosa – É melhor voltar mesmo.

            Riku deu as costas, e seguiu em frente. Sora o esperava, com um sorrisinho debochado.

–Fale qualquer coisa sobre isso e eu te dou um chute – ele sussurrou, enquanto os dois iam na direção dos portões do castelo – Sim, eu a beijei, e daí? Gosto dela, essa é a ordem natural das coisas.

–Não, ela te beijou, porque você é um mole e não tem iniciativa – ele respondeu, mantendo o sorriso. Assim que pararam em frente à tranca do portão, porém, o sorriso morreu.

            Silêncio outra vez. Ele podia sentir-se tremer.

–Nós dois temos promessas a cumprir, Sora – disse Riku – Tem duas pessoas esperando a nossa volta, e não podemos decepcioná-las.

–Eu sei disso, Riku – ele respondeu. “E pode ter certeza que eu vou cumpri-la”, pensou.

            Ele invocou a Keyblade, mas antes de destrancar o cadeado que selava o imenso portão, olhou para trás. Todos esperavam ali, olhares decididos, prontos para o que quer que surgisse. Na frente, Leene e Kairi. Ao lado delas, o rei Mickey. Um pouco atrás, Donald e Goofy. Em frente às naves, todo o time de Radiant Garden. Ao lado deles, os amigos de Twilight Town. Todos estavam ali. Todos estavam prontos para lutar contra o que quer que viesse.

            E todos estavam contando com eles.

–Riku... – disse Sora – Obrigado por estar comigo agora. Não sei se conseguiria sozinho.

–Nah, não há o que agradecer – ele sorriu, e piscou – É isso que irmãos fazem uns pelos outros.

            “Irmãos...”, ele pensou, por um instante, encarando-o surpreso. Sim, irmãos. Era isso mesmo. Os dois haviam ido longe demais um pelo outro, coisa que só verdadeiros irmãos fariam. E todos os erros, todas as mágoas haviam ficado para trás. Era isso que importava.

–Parece que está na hora de salvar o dia – disse Sora, com um sorriso, enquanto erguia a Keyblade. Um raio prateado partiu da sua ponta em direção ao cadeado, destrancando-o e lançando-o ao chão. O alcance da cúpula de proteção invocada pelas Iniciadas só ia até o portão. Além dele, seria uma terra de ninguém.

–Está pronto, Sora? – perguntou Riku.

–Pode apostar que sim – respondeu ele.

            E, então, os dois empurraram o portão com força, correndo na direção do castelo, até sumirem em meio às sombras.

–Eles vão ficar bem, Kairi – Leene sussurrava à garota – Eles vão ficar bem. Eu sei disso.

–Eu sei disso também – disse a outra, teimosa – Sora me prometeu isso.

–Ótimo, eles já entraram – disse Goofy – Essa é a nossa deixa.

–Vocês sabem que essa pode ser a nossa última batalha – disse o rei, passando o olhar pelos rostos de todos os que ali estavam – Então vamos fazer com que seja uma batalha a ser lembrada para sempre.

            Uma luta para ser lembrada... isso era o que todos queriam.

            E, enquanto corriam para dentro dos portões do castelo, e assumiam suas posições, e se lembravam de tudo o que os havia levado até aquele momento, pensavam que aquela noite deveria ser deles. Todos já haviam perdido muito, ali. E estava na hora de dar o troco.

            Aquela era a resistência deles. E, naquela noite, aquele império de terror teria um fim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Kingdom Hearts: Motherland" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.