Kingdom Hearts: Motherland escrita por Kyra_Spring


Capítulo 13
Despedida




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            No fim da tarde do dia seguinte ao ataque, todos estavam no que um dia havia sido o mirante de Twilight Town.

            Naquele momento, todos estavam em silêncio. Daquele lugar, era possível ver a devastação causada pela onda de energia: tudo estava em ruínas, tudo parecia estar daquela forma há eras. O único indício de movimento eram as pequenas luzes coloridas que flutuavam sobre os destroços como borboletas.

            Pyreflies. Pequenos fragmentos da essência de tantas almas e vidas perdidas.

            A última a chegar foi Yuna. Ela sabia que todas as atenções se voltavam para ela.

            Aquela cena a fez se lembrar do passado. Alguns anos antes, ela também esteve em ruínas milenares cobertas por pyreflies. Mas, naquela época, havia alguém para segurar sua mão. Agora, ela estava sozinha – e todos dependiam dela.

            E então, uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Tanto já havia sido perdido... tanto...

            Por um momento, ela pensou que talvez devesse dizer algo, mas logo mudou de idéia. Não havia nada que pudesse dizer. Pelo menos, nada que pudesse fazer a diferença para alguém.

            Não... havia uma única coisa a dizer...

–Ouçam a minha história – ela murmurou, apenas para si mesma – Esta pode ser a nossa última chance.

            A última chance. Seria mesmo a última? Ou ainda era possível ter esperança e acreditar que, no final, eles poderiam salvar o dia?

            E então, começou.

            Leon percebeu que Yuna, com seu báculo, começava a descrever uma coreografia delicada e sutil. Uma dança sem música que, até onde sabia, ajudaria as almas dos mortos a encontrarem o caminho para o outro lado. Mas a dor que sentia não o deixava se importar com isso. Havia falhado, outra vez. Ele sempre falhava. Nada que fazia era suficiente. Alguém sempre terminava ferido.

            E ele sempre terminava sozinho. E todas as pessoas que ele amava acabavam partindo.

            Mesmo assim, quase contra a sua vontade, seus olhos se fixaram nas pyreflies, que agora rumavam em direção ao céu. Quais delas seriam as de Aerith? Seria mesmo possível que uma dança pudesse levá-las até o paraíso? E afinal, haveria mesmo um paraíso do outro lado? Ou todas aquelas almas estavam indo em direção ao esquecimento e ao fim?

            Ele a encontraria, outra vez?

            E as perguntas levavam a outras perguntas. Por que ela havia pedido para ir? Por que ele não estava lá para salvá-la? Por que ela, e não qualquer outra pessoa, e não ele, não estava lá na hora em que a mansão desmoronou? Qual foi o erro que eles cometeram para que a vida dela se perdesse daquela forma? Ele precisava de uma explicação, uma resposta, antes que enlouquecesse e a dor o consumisse por completo.

            Levou algum tempo até perceber que Tifa estava parada ao seu lado. Os olhos dela estavam úmidos, e a expressão triste e confusa. Ele sentia que talvez devesse dizer algo para confortá-la, mas as palavras simplesmente se recusavam a sair. O que iria dizer? Tudo o que dissesse iria soar falso demais, forçado demais.

            Tudo o que eles poderiam fazer era assistir à dança das pyreflies em direção à sua morada definitiva... e, em meio à dor, acreditar e rezar para que, no final, todos encontrassem seu caminho para a luz – tanto os que haviam partido como aqueles que ficaram para trás.

            E então, seu olhar cruzou com o de Cloud, um pouco à frente, mais afastado. A expressão dele era vazia, perdida, e os olhos ardiam como se estivessem em chamas. Ele engoliu em seco. De certa forma... ele o compreendia, e sabia exatamente o que ele sentia naquele momento.

            Um pouco mais longe, Kairi não se envergonhava em chorar abertamente. Com ela, estavam Leene e Olette. A loura estava com os olhos vermelhos e inchados, mas naquele momento não se permitia chorar porque tentava transmitir a Olette um mínimo de força e confiança. A garota de cabelo castanho e olhos verdes, por sua vez, parecia completamente fora de si. Os olhos estavam opacos e parados, fixos em um ponto qualquer do chão, sem realmente o ver. Era possível saber o que passava pela mente dela. Ela, como todos os outros, buscava uma explicação para algo inexplicável, algo que não podia ser justificado.

            E algo que não podia ser perdoado.

–Aquela desgraçada vai me pagar por isso – Leene murmurou, numa voz embargada e cheia de fúria, enquanto enxugava nas costas da mão uma lágrima que teimava em cair – Ela traiu tudo aquilo em que as Iniciadas acreditam. O que ela fez aqui... o que ela destruiu aqui... isso não tem perdão. Ela quer brincar de Deus? Ela acha que tem esse poder? Pois é o que veremos!

–Eu... eu quero lutar – então, para surpresa das outras duas, Olette levantou os olhos e encarou o horizonte cheio de pyreflies – Não posso ficar parada assistindo outra vez. Essa mulher... Erinia... ela destruiu meu lar. Não posso deixar que ela faça isso em outros lugares.

–Olette, isso é perigoso – advertiu Kairi – Não sabemos o que ela quer, não sabemos como detê-la... Sei o que você está sentindo, mas precisa tomar cuidado.

–Eu devo isso a eles... – a voz dela estremeceu – Fuujin, Seifer, eu podia não ser amiga deles, mas os conhecia. E eles lutaram, droga! E Hayner, ele... Hayner... não... – ela perdeu a força, e Leene teve que ampará-la – Eu não posso deixar que tenha sido em vão.

            As três garotas, então, ficaram em silêncio, juntas, unidas pelo mesmo luto. Não havia nada que pudessem dizer para amenizar a dor umas das outras, mas ali, em meio às lágrimas silenciosas, as três juravam que iriam seguir em frente. Era o que podiam fazer. Mesmo que parecesse pouco.

            E a dança de Yuna continuava, graciosa e delicada como uma flor de cerejeira voando ao vento. Seus pés pareciam nem tocar o chão, e sua expressão era compenetrada e neutra. Mas, de onde estava, Sora pôde perceber uma lágrima teimosa lhe caindo pelo rosto. Ele sabia o quanto estava sendo difícil para ela fazer aquilo. Entre as pyreflies, estava também a alma de Paine, amiga dela. Aliás, era triste pensar que a primeira vez em que todos estavam reunidos depois de tanto tempo foi justamente para chorar a morte de tantas pessoas especiais.

            E a lista era grande... Paine, Aerith, Hayner, Seifer, Fuujin... isso sem falar de tantos outros desconhecidos, e de tantos outros feridos... Rikku ainda estava desacordada, Pence estava com escoriações por todo o corpo, Sora com o braço direito envolvido em faixas, Leene com um corte imenso na testa... E as cicatrizes inacessíveis dentro dos corações daqueles que haviam ficado para trás... Cloud, Leon, Yuna, Tifa, Yuffie, Olette, Leene...

            Ninguém havia permanecido ileso. Todos estavam feridos, de diferentes formas.

–Riku... – Sora murmurou – Você sabe o que isso significa, não é?

–Eu sei – ele respondeu, a voz decidida – Significa que temos que atacar.

–Essa pode ser a nossa última guerra – continuou Sora, olhando para o céu – Podemos vencer, ou podemos todos cair. Mas, independente do que acontecer, isso vai terminar. E – ele acrescentou com o punho fechado e os olhos estreitos e cheios de ódio – quero cuidar de Erinia eu mesmo.

–Você não sabe o quanto dói ouvi-lo falar assim – sussurrou Riku, mais para si mesmo.

–Eles mataram nossos amigos, Riku! – Sora o encarou como se o outro tivesse dito uma insanidade – E vão continuar fazendo isso até que nos destruam por completo... ou até que alguém os impeça!

–A busca por vingança é perigosa e destrutiva – o outro insistiu – Eu também quero justiça, e também quero que isso pare. Mas justiça é diferente de vingança. Sei o que você está sentindo, e sei exatamente o que vai acontecer se você continuar trilhando esse caminho!

–Eu... ah, você não entende – ele tentou retrucar, mas parou no meio do caminho – Eu só não quero perder mais ninguém. Não dessa forma.

            Mas antes que Riku pudesse responder, os dois perceberam a aproximação das três garotas. Eles perceberam os rostos inchados e vermelhos – mas, nos olhares de Leene, Kairi e Olette brilhava uma chama que eles nunca haviam visto. Não havia necessidade de se usar palavras – elas estavam dispostas a lutar até o fim para que aquilo nunca mais acontecesse.

            E foi então que a dança de Yuna atingiu o seu ápice.

            Se antes parecia que seus pés não tocavam o chão, agora ela realmente flutuava. Era uma imagem sublime, bela e irreal. Mesmo assim, era uma cena triste, melancólica. Talvez, mais triste por ser tão bela. Ou mais bela por ser tão triste, era difícil dizer.

            Mas, naquele momento em que as pyreflies se uniam e brilhavam e ascendiam e desapareciam, e os olhos de todos permaneciam abertos e fixos no céu, e as almas finalmente atingiam o seu destino final, um juramento silencioso era compartilhado por cada um deles. Um juramento que dizia que eles iriam lutar até o fim, para que Yuna não tivesse mais de dançar, e para que ninguém mais tivesse de chorar ou sofrer.

            E, no fim, quando a dança terminou, a própria Yuna olhou para o céu. E disse adeus para todos os que haviam partido, em silêncio. Era agora missão dela, e dos outros, seguir em frente. Era o melhor tributo que poderiam prestar àqueles que haviam partido. Seguir em frente, continuar a viver, continuar a lutar, até que pudessem, enfim, deixar as armas de lado e viver em paz.

            Era esse o juramento. E, mesmo sem palavras, todos sabiam que iriam levá-lo para sempre.

            E, em silêncio, um a um, todos foram dando as costas às ruínas do mirante, em direção às naves. Agora, tudo o que lhes restava era seguir em direção à próxima pista. Os tripulantes da nave Fantasia caminharam até ela em silêncio. Na porta, porém, Leene parou e disse:

–Gente... eu vou ter que pedir mais uma vez pra irmos pra Waterfall City.

–Eu sei – respondeu Sora – E concordo com você. Acho que, até agora, todas as pistas apontaram para lá o tempo todo, e nós é que nos recusamos a ver. Vamos dar um tempinho em Radiant Garden e, depois, iremos para lá.

–Sora! – então, ele percebeu que ela o segurava pelo ombro, e o encarava com os olhos repletos de desespero – Por favor... eu tô com um péssimo pressentimento.

–Leene, vai ficar tudo bem – ele traduziu os sentimentos dela – Nada vai acontecer a Waterfall City, ou a Radiant Garden. Não dessa vez – e, baixando o tom de voz, acrescentou – Dessa vez nós é que vamos atrás dela.

–O quê? – Kairi, que estava por perto, interveio – Você ficou maluco? Viu o que ela fez com esse lugar? Como acha que vamos combatê-la.

–Não podemos nos esconder para sempre – respondeu ele – Ou esperamos ela destruir outro lugar, ou nos viramos e contra-atacamos.

            Kairi parou por alguns instantes, pensativa. Era idiotice, ela sabia. Mas, ela sabia também, era a última chance deles. Por fim, disse:

–Todos estamos exaustos. Vamos voltar para Radiant Garden, respirar um pouco e decidir nossos próximos passos, OK?

–Sim – os outros concordaram, enquanto viam a Highwind e a Ragnarok levantarem vôo. Sora e Kairi foram os primeiros. Riku ia subindo atrás deles, mas Leene o deteve.

            Ele se virou, e engoliu em seco. Era doloroso ver tanta tristeza nos olhos dela.

–O que foi? – ele disse, suave.

–Eu tô com medo – então, algumas lágrimas começaram a correr pelo rosto dela, mas ela rapidamente as enxugou – Isso é demais para nós. Não vamos conseguir...

–Shhhh, não diga isso! – então, ele a abraçou com força. O abraço foi imediatamente correspondido, e ela afundou o rosto no peito dele – Nós vamos conseguir. Eu prometo.

            Ela parecia tão pequena e frágil em seus braços... E ele queria tanto protegê-la...

–Que bom que você tá aqui... – ela sussurrou, agora sem esconder o choro – Aqui... comigo...

–Eu não vou a lugar algum – ele respondeu, afagando os cabelos dela – Sempre estarei ao seu lado. E nós vamos lutar juntos, e vencer juntos.

            Eles ficaram ali, abraçados, sem se dar conta do tempo. Era quase impossível pensar em Leene como alguém frágil, mas naquele momento, ela parecia implorar por proteção... seu corpo era sacudido por violentos soluços, e seu rosto permanecia colado ao peito dele, e suas mãos envolviam-no e o abraçavam com força...

            Era mais um juramento silencioso. Palavras não poderiam ser mais eloqüentes.

–O que quer que aconteça, saiba que estarei sempre aqui – ele sussurrou ao ouvido dela, decidido – E nada irá mudar isso. Sempre, ouviu bem? Sempre.

            Aquele momento parecia eterno. De repente, ele percebeu que tê-la em seus braços lhe proporcionava uma sensação de conforto e carinho que jamais experimentou. Era como se seus corações de repente começassem a bater na mesma freqüência, como se ela fosse uma extensão do seu próprio coração – uma extensão mais bela e mais cheia de luz, sem as cicatrizes e as mágoas que o seu próprio era obrigado a carregar.

            Será que o que ele sentia naquele momento era o mesmo que ela sentia?

–Vamos para a nave, está bem? – ele sussurrou – Você deve estar exausta e precisamos dar um jeito nesse corte.

            Ela se aconchegou mais a ele, e os dois foram para a nave. Dessa vez, Sora pilotou, enquanto Kairi e Riku ajudavam a cuidar de Leene. Ela estava completamente esgotada, e dormiu quase a viagem inteira. Ninguém falou. Ainda era difícil lidar com o que havia acontecido, e colocar tudo em palavras era mais difícil ainda.

            Eles chegaram em Radiant Garden depois de algumas horas. A cidade estava completamente lotada. Os refugiados de Twilight Town estavam espalhados pela cidade, perdidos, desorientados. Era uma cena triste, sem dúvida. Todos tentavam processar o que havia acontecido, e tentavam descobrir uma forma de dar continuidade às suas vidas.

            Seria difícil. E doloroso. E, o pior de tudo, o que eles podiam fazer para amenizar a dor dos moradores da cidade destruída era muito pouco.

            Eles passaram uns dois dias na cidade, apenas descansando e tratando dos ferimentos. Nesse meio-tempo, falavam-se muito pouco. Não havia muito o que dizer, também. Pelo menos nada que pudesse tornar tudo menos pior.

            Foi num entardecer, porém, que tudo desmoronou.

            Leon havia simplesmente desaparecido da vista de todos. Desde o desembarque na cidade, ninguém fazia idéia do paradeiro dele. Tifa podia entender o motivo. E se odiava por não ter percebido nada antes. Agora, porém, quando pensava no que tinha acontecido... a forma como ele falava com ela, a forma como ele olhava para ela... Por mais reservado e austero que ele fosse, não poderia esconder aquilo o tempo todo.

            E ela sabia, também, o que Cloud sentia por ela. Ela também não o via desde a volta.

            Então, ela foi até a fissura de cristal naquela tarde. Já fazia tempo que não passava por ali, e precisava de um lugar tranqüilo para pensar. Mas não esperava se deparar com aquela cena.

            Leon estava lá, sentado à beira do abismo, observando. Ela fez menção de se aproximar dele, mas mudou de idéia. Ele provavelmente queria ficar sozinho, e talvez por isso tivesse evitado a presença de todos na cidade. Em vez disso, ficou ali, apenas observando.

            E foi então que Cloud apareceu.

–Estão todos lá procurando por você – ele disse. Tifa se assustou. A voz dele, normalmente séria e controlada, estava agora tingida de alguma emoção indefinida e sufocante – Devia ir até lá.

–Eles também estão procurando por você – respondeu Leon – E você também está aqui.

            Havia algo mais na voz deles, ela percebeu. Havia – seria isso mesmo? – hostilidade.

–Me deixe sozinho – disse Leon – Vá embora. Você não tem motivos para estar aqui.

            Mas Cloud permaneceu de pé, ao lado dele. Havia tensão no ar.

–Ah, eu tenho sim – ele disse, a voz mais baixa – E você sabe qual é.

–Eu não quero falar sobre isso – retrucou o outro – Já disse, me deixe em paz. Eu não... quero tocar nesse assunto.

–Você sabe por que isso aconteceu! – a voz de Cloud falhou um instante – Ela se foi. Ela se foi, e a culpa disso é sua!

–O quê?! – sibilou Leon, colocando-se de pé e encarando o outro – Minha culpa? Como você ousa?

–Você poderia tê-la impedido – sibilou o outro – Você podia ter dito não, mas deixou-a ir! Era sua missão protegê-la!

–Era a decisão dela – retrucou o primeiro, em voz baixa – Eu não podia impedi-la – e, então, encarando o outro fixamente – E você sabe por que ela insistiu tanto em ir? Porque você estava lá! Porque ela queria se certificar de que você voltaria com ela! Então acho que é melhor você rever seu conceito de culpados, Cloud.

            Ele virou o rosto e fechou os olhos. Não queria que o outro visse seus olhos ficarem úmidos.

–Seu desgraçado... – então, o louro sibilou – Desgraçado... DESGRAÇADO! – e, no instante seguinte, deu um soco brutal em Leon, pegando-o de surpresa e jogando-o no chão. Tifa assistia tudo, paralisada, sem saber o que fazer. E ela assistiu Cloud se aproximando do outro, para acertá-lo outra vez.

            Leon, porém, esquivou, e devolveu o soco, dessa vez no estômago, fazendo o outro arquejar. E logo os dois estavam engalfinhados numa luta violenta, rolando pelo chão da fissura, um tentando acertar socos no outro. Os olhos de ambos estavam injetados de ódio e acusação.

–VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE ME ACUSAR DE NADA! – berrava Leon – VOCÊ NEM ESTAVA AQUI, QUANDO ELA PRECISAVA! VOCÊ NUNCA ESTEVE AO LADO DELA! AGORA, NÃO OUSE ME CULPAR! VOCÊ NÃO ME CONHECE O SUFICIENTE PARA ISSO!

–E VOCÊ FAZ ALGUMA IDÉIA DO QUE EU PASSEI PARA CHEGAR AQUI? – devolvia Cloud, empurrando-o e acertando o seu estômago – FAZ IDÉIA DO QUE TIVE QUE ENFRENTAR PARA VOLTAR? ENTÃO NÃO ME JULGUE, SEU CRETINO ARROGANTE!

            E eles voltavam a se esmurrar. Até que, enfim...

–PAREM VOCÊS DOIS!!!!!!!

            Finalmente, Tifa conseguiu tomar uma atitude, e correu até eles. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Será que já não bastavam as perdas, os ferimentos, a destruição? Eles ainda tinham que brigar entre si e tornar tudo ainda pior?

–Tifa... – a raiva na voz dos dois morreu assim que eles a viram ali. Logo, eles se levantaram, e se recompuseram, ainda trocando olhares de mágoa. Ela não disse nada, apenas deu as costas, e se afastou, com passos lentos. Foi Cloud quem a interrompeu, dizendo:

–Tifa, me desculpe! Eu não...

–Não é a mim que vocês devem desculpas! – ela se virou, a voz trêmula – É à Aerith – e continuou a andar, dizendo – Vai haver uma assembléia na sede do comitê essa noite. É melhor que vocês dois estejam lá.

            Os dois ficaram ali, olhando para o chão, sem saber o que pensar. Cloud quebrou o silêncio:

–Você a amava, não é?

–E isso faz diferença agora? – respondeu Leon, com amargura na voz, enquanto limpava o sangue da boca com as costas da mão. O outro, porém, respondeu:

–Para mim, não. Mas para ela fazia. E espero que ainda faça, para você – e também saiu, em direção à cidade, deixando-o sozinho.

            Leon sabia de uma coisa. O que sentia por Aerith nunca foi recíproco. Mas, só porque ela não sentia por ele o mesmo que ele sentia por ela, isso não mudava o fato de que devia isso a ela.

            “Vamos vencer essa luta... Aerith”, ele se forçou a pensar no nome que mais tentava evitar naqueles dias. “Vamos vencer essa luta, porque... isso ainda faz diferença para mim”. E, então, lançou um último olhar ao abismo incendiado pelo pôr-do-sol, antes de voltar à cidade.

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            Naquela noite, aconteceu uma assembléia inflamada na cidade.

            O tema da discussão girava em torno do que eles deveriam fazer, dali para frente. Já havia ficado claro que eles não tinham condições de impedir os ataques, e era óbvio que era questão de tempo até que o mesmo acontecesse a Radiant Garden. Mas o que fazer em relação a isso?

–Não podemos ficar simplesmente esperando que nos ataquem outra vez! – disse Yuffie, com ferocidade no olhar – Não conseguiremos nos defender, e eu não quero deixar todos os nossos morrerem aqui! Não agora... não depois do que aconteceu em Twilight Town.

–E o que você espera que façamos? – retrucou Riku – Ir até The World that Never Was, bater à porta do castelo da Maleficent e atacá-la lá? Nah, não podemos fazer isso ainda, não temos condições de enfrentá-las! E além do mais, nem sabemos se elas ainda estão lá. É bem provável que não. Precisamos, primeiro, ter certeza do paradeiro das duas.

–É, mas não podemos esperar para sempre – disse Yuna – A cada mundo que ela captura, ela fica mais e mais forte. Se esperarmos demais, aí sim não poderemos derrotá-la.

–Isso não quer dizer que podemos ir enfrentá-las às cegas – observou Tifa – Já tivemos baixas, da última vez – ela engoliu em seco, e hesitou por um momento, antes de continuar – Não. Isso seria uma estupidez completa. Precisamos de informações, e de um plano.

–Acho que devemos sair em busca de informação outra vez – sugeriu Leene – Temos boas naves à nossa disposição, então vamos sair pelos mundos e encontrar alguma coisa útil.

–Mas e se um ataque acontecer? – rebateu Cid – E se Radiant Garden for o alvo, e não conseguirmos voltar a tempo de tirar todos daqui? Nossas defesas são um lixo, somos poucos, não dá pra confiar totalmente nos sistemas de comunicação... se houvesse um ataque, estaríamos ferrados.

–Mesmo assim, precisamos arriscar – disse Leon – Não faz sentido simplesmente esperarmos pelo pior.

–Sim... tudo o que vocês falam está correto – por fim, o rei se manifestou – Não podemos atacar agora, estamos enfraquecidos e não sabemos o que iremos encontrar. Por outro lado, ficar parados aqui também não ajudará em nada.

            Sora permanecia em silêncio. Ele, mais do que qualquer outro, estava desesperado para pôr fim àquilo tudo. Mas também sabia que seria no mínimo idiotice tentar algo naquele estado.

–Seguiremos a sua sugestão, Leene – continuou o rei – Além do mais, precisamos avisar a todos. Chegamos a um ponto em que qualquer ajuda é não apenas bem-vinda, mas extremamente necessária.

            Eles se encararam, com tensão no olhar. A idéia não parecia boa, mas ainda assim... era o melhor que tinham.

–E quanto às nossas bases? – perguntou Cloud – Radiant Garden, Traverse Town, Disney Castle...

–Iremos nos alternar – respondeu o rei – Nenhuma cidade ficará completamente desprotegida. E Cid está trabalhando para aprimorar nossas comunicações. Quando partirem, todas as naves terão pleno contato umas com as outras.

            Eles ficaram em silêncio, por um momento. E, depois, o rei continuou:

–Sei que estamos passando por tempos muito difíceis e árduos – o tom de voz dele era suave – E que estamos confusos, e que parece não haver saída. Mas nós vamos conseguir. Eu juro. Bem, meninos, acho que encerramos por hoje. Vocês partem em dois dias. Estejam preparados.

            Eles saíram. Cid, porém, interpelou Leene, dizendo:

–Soube que vocês vão tentar chegar a Waterfall City – ele coçou a cabeça – Bem, andei cruzando as coordenadas antigas da nave do rei com umas leituras que fiz... acho que achei as coordenadas, mas não dá pra ter certeza. Vocês querem arriscar mesmo assim?

–Acho que não temos escolha – respondeu ela – Obrigada.

–Beleza, então – ele acenou – Vou programar as coordenadas na sua nave. Cuidem-se.

            Aqueles dois dias foram dedicados a reparos e intensas preparações. Todas as naves estavam sendo equipadas com tudo o que eles tinham. E, na madrugada da partida, o hangar estava movimentadíssimo. Os dois Cids berravam instruções, cada um de um lado, tentando acelerá-los. Leene revisava os canhões da Fantasia, quando Yuffie a interpelou.

–Sim? – ela se virou – Ah, é você... O que houve? – sua voz, porém, não saiu hostil, como ela esperava.

–Eu soube que você perdeu uma adaga. A outra também deve estar imprestável, por causa daquela luta toda – respondeu Yuffie, também com a voz neutra – Não pode ir para um lugar daqueles desarmada, então... eu trouxe uma coisa para você.

            Ela estendeu à loura um par de adagas muito longas e finas, que estavam em bainhas de couro negro. O cabo emitia projeções pontiagudas, fazendo-a parecer uma espécie de tridente. Ela observou, por um momento. O punho era fino e delicadamente entalhado, e a lâmina era prateada e reluzente.

–Elas se chamam sai – explicou Yuffie – Adagas ninja. Muito leves e velozes. São mais longas do que as suas antigas, mas também são bem mais mortais. Pode usá-las até consertar as suas.

–São... nossa, eu nem sei o que dizer – murmurou Leene, espantada pela gentileza inesperada – Muito obrigada.

–Acho que a gente devia dar uma trégua – disse Yuffie – Sabe, tentar não matar uma à outra, pelo menos até isso tudo acabar. Estamos lutando pela mesma coisa. E... naquele dia, em Twilight Town, lutamos lado a lado. E mandamos bem, com isso. Precisamos lutar juntas.

–Sim – concordou a outra, abrindo um sorrisinho amargo – A que ponto chegamos, não é? Sempre pensei que um dia teríamos que parar de brigar... mas nunca pensei que seria assim.

–Isso é verdade – a primeira também sorriu, da mesma forma – Enfim, não temos muito tempo. Faça uma boa viagem... e tome cuidado.

–Você também. Até a volta.

            E, então, todos embarcaram em suas respectivas naves, e partiram, em direções diferentes. Boa parte do percurso foi feita em silêncio. Cada um dos tripulantes da Fantasia estava perdido em seus próprios pensamentos, em suas próprias razões. Todos tinham promessas a cumprir, promessas feitas naquele dia, sob o pôr-do-sol coberto de pyreflies em Twilight Town.

            E foi Kairi quem quebrou o silêncio.

–Não sei quanto tempo temos – a voz dela estava endurecida – Mas prometi à Olette que iria lutar. Leene, sabe de alguém que possa me ensinar enquanto estivermos em Waterfall City?

–Minha professora pode te ensinar alguma coisa – respondeu a garota – Se bem que... sei lá, estou com um pouco de medo desse reencontro.

–Nós vamos treinar com você, Kairi – disse Sora – Prometemos fazer isso antes mesmo de sair de Destiny Islands, mas não conseguimos. Eu e Riku vamos te ensinar o que sabemos.

            E, então, a nave oscilou com força. Os sistemas começaram a falhar.

–É, parece que as coordenadas de Cid estavam certas, afinal – disse Leene – Estamos provavelmente entrando no campo de força que a cidade, e ele está tentando nos repelir. Segurem-se aí, as coisas vão ficar um pouquinho turbulentas.

            Todos apertaram os cintos, enquanto ela forçava a nave. A princípio, parecia que eles estavam indo em direção ao nada, mas quando conseguiram quebrar o campo de força e atravessá-lo, depararam-se com uma belíssima visão. A cidade era inteira branca e brilhante, como um modelo de marfim e cristal. Ao centro e no topo, um enorme castelo de torres que pareciam reluzir à luz da lua, e uma enorme cascata, que caía e cortava a cidade em duas.

–É... é tão lindo... – murmurou Kairi, boquiaberta.

–Com certeza é – Leene sorria – Mas chegar aqui é só metade do desafio – ela acionou o sistema de rádio da nave e começou a dizer – Crystal Fortress, aqui é a nave Fantasia, de Radiant Garden, requisitando permissão para pouso.

–Fantasia? Radiant Garden? – do outro lado, uma voz espantada soou – Leene?

–Eu mesma – ela riu – E então, dá pra abrir os portões ou teremos que dormir no meio dos Nobodies?

–OK, OK! – do outro lado, a voz também riu – Fantasia, pouso autorizado. Prossiga.

            Então, Leene manobrou a nave, fazendo-a dar uma violenta guinada, seguida por outras. A Fantasia fazia ângulos absurdos, e se aproximava muito dos prédios, passando quase rente a eles. Os outros se seguraram nas poltronas, apavorados. Ela se aproximava da cascata, e quando chegou perto, uma fenda se abriu, e a nave entrou.

            E tudo ficou escuro. E ela continuou voando daquela forma louca.

            Por fim, chegaram a um lugar muito amplo, que parecia um hangar. Havia algumas naves velhas pousadas. Leene manobrou a nave e pousou em segurança, saltando rapidamente da cadeira de comando. Os outros não estavam tão empolgados quanto ela – em parte porque ainda estavam tentando fazer a cabeça parar de girar, e em parte porque simplesmente não sabiam o que esperar dali. Mesmo assim, desceram rapidamente da nave.

–Uau... esse lugar não mudou nada mesmo – murmurou a garota, olhando em volta. Todos olharam para cima. Mesmo estando muitos metros no subterrâneo, o teto enfeitiçado lhes permitia ver o céu estrelado da noite de lua crescente.

–Leene! Ei, Leene! – então, alguém a chamou, de longe. Sora reconheceu a voz como sendo a mesma do rádio, e virou-se na direção dela. Era um garoto louro, de cabelos espetados, e uma grande tatuagem de um dos lados do rosto. Ele tinha um sorriso enorme, e corria na direção deles – Nem acredito que você está de volta!

–É bom te ver também, Zell – ela respondeu, com um sorriso – Pessoal, este é o Zell. Zell, estes são Sora, Kairi e Riku, meus amigos.

–Olá para vocês! – ele os cumprimentou amavelmente – Sejam bem-vindos a Crystal Fortress. Mas o que os traz aqui?

–Infelizmente não são boas notícias – respondeu ela – Mas podemos falar disso depois. Por hora, precisamos falar com o pessoal da central de comunicação.

–Ora, mas você já está falando! – ele respondeu prontamente – Operador júnior de comunicação, ao seu dispor! Sigam-me, eu os levarei à torre.

            Riku não soube explicar o que, mas algo em Zell o desagradava profundamente. Mesmo assim, não disse nada, e limitou-se a seguir o grupo. Antes que saíssem do hangar, porém, ouviram uma voz grave às suas costas.

–Não pensei que a veria tão cedo por aqui outra vez, Leene.

            A garota engoliu em seco, e virou-se lentamente. Os outros se viraram também, e inconscientemente se encolheram ante aquela presença. Era uma mulher alta e imponente, vestida de negro, com os cabelos escuros presos em tranças e um olhar frio nos olhos avermelhados. Ela segurava um pequeno urso de pelúcia, que parecia deslocado naquela roupa, mas ainda assim era intimidador.

–Não vai dizer nada? – disse a mulher – Não vai nem cumprimentar a sua mestra?

–Pessoal... – ela murmurou – Esta é Lulu... Tsukihana de Waterfall City... e minha professora.


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