50 Tons de Mentiras escrita por Carolina Muniz


Capítulo 29
Capítulo 28


Notas iniciais do capítulo

Oie, obrigada pelos comentários, ainda não consegui, mas vou, podem deixar.



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Você estava sem amor, e agora você está mudando de ideia. Eu te perdoo, mas eu não consigo esquecer, nós andamos por essas estradas muitas vezes, eu conheço as cordas e todas as suas linhas, mas algo mudou quando eu vi você. Meus olhos não podem mentir, você disse, eles são tão malditamente azuis... e eu amo como você está tão à frente, é muito cedo para dizer que estou caindo?

— James Arthur

Ana sorriu mostrando todos os dentes quando viu seu nome no primeiro presente, era da Vovó Grey, que já tinha um sorriso que a morena identificava como suspeito. Diferente de todos da família, a vovó Grey era a única que não dava presentes iguais para Mia e Ana, alegando que elas eram diferentes demais para que conseguisse comprar um presente que ambas gostasse, suas personalidades eram distintas por isso Ana recebia uma caixa com todos os livros da 1° edição de Tomas Hard e Mia ganhou patins quando tinha doze anos, estranhamente as duas ficaram felizes.

Naquele Natal, Ana desembrulhou a caixa vermelha e percebeu que ganhara um álbum scrapbook maior do que deveria.

— Não esqueça que tem outro presente - Vovó Grey falou enquanto apontava para uma caixa atrás ao lado da árvore de Natal.

— Aquela caixa enorme é para mim? - ela questionou surpresa. - Engole essa, Lelliot - implicou com o loiro que lhe mostrou a língua.

— Tomara que seja um monte de caixas uma na outra - resmungou o outro.

— Isso aí, espírito natalino - Ana ironizou, fazendo os outros rirem.

Mesmo com toda a curiosidade, o maior presente Ana deixou para depois, o olhar da Vovó Grey foi algo que lhe disse secretamente que era particular. Apesar de tudo, Elena sempre mandava os presentes de Natal à Ana assim como Link, e em seus aniversários ela recebia uma enorme quantia de dinheiro, que ficava em sua conta de qualquer forma porque não era como se houvesse um shopping no internato. E ela ganhava livros, muito livros. Naquele Natal não fora diferente, Ana sempre seria Ana, sempre amaria livros.

No fim da noite, já de madrugada, a morena estava na sala de estar com Christian, Mia, Ethan, Kate e Elliot, casal que parecia um pouco "assumido" já que Elliot estava simplesmente deitado com a cabeça no colo de Kate e brincava com suas mãos.

Ana permaneceu sentada no chão, ao lado da grande árvore de Natal.

— Okay, abre esse presente, eu estou muito curiosa, para não dizer com inveja por ter ganhado uma blusa da minha vó enquanto o seu presente parece que é moto - Mia murmurou.

Os outros riram.

Ana balançou a cabeça em negação mesmo que ainda sorrisse.

— É estranho, mas eu estou com fome.

Com certeza era efeito dos remedios que ela havia tomado corretamente depois daquele drama todo com Kate.

Mia se levantou no mesmo segundo.

— Eu vou pegar comida para voce - falou enquanto ja ia para a cozinha. - Doce ou salgado? - gritou.

— Doce - Ana respondeu um pouco sem graça com toda a atenção desnecessária, ainda por cima na frente de outras pessoas.

— Okay, eu trouxe um pouco de cada - Mia voltou com uma travessa.

Ana arregalou os olhos. Ela só estava pensando em talvez comer um pedacinho de torta, ignorando o instinto de simplesmente beber uma garrafinha inteira de água.

— Obrigada, Mia - agradeceu de qualquer forma.

Poucos minutos depois, os outros se despediram para dormir, Ana comeu metade de um pedaço de torta de maçã e beliscou o pudim, a culpa entrando em sua cabeça quando percebeu o estômago cheio, o enjoo fazendo parte da rotina.

Ela apenas se recostou na parede, as luzinhas incomodando seus olhos, fazendo-os se fecharem, respirando pela boca para parar de soar frio como sempre quando estava enjoada.

Ela ouviu as vozes de Kate e Elliot dizerem "boa noite" e ignorou o fato de escutar apenas uma porta havia sido aberta e fechada.

— Ana, não vamos comentar sobre? - Mia questionou do sofá. - Ana? - chamou quando a mesma não respondeu.

A morena voltou a abrir os olhos.

— Hey, você está bem? - a outra já se preparava para se levantar, assim como os outros.

Ana balançou a cabeça, sorrindo em seguida.

— Só estou... distraída - respondeu.

— Pensando em que?

Ana revirou os olhos.

— Para de ser intrometida, Mia - Christian murmurou, jogando uma almofada na cabeça da menina, o que fez Ethan rir.

— Eu só perguntei - ela resmungou.

— Tudo bem, amor, vamos dormir - Ethan falou, já se levantando e puxando a Grey.

— Só porque eu quero deixar eles sozinhos, porque se não eu iria fazer totalmente o contrário, não esqueça que eu vi que você riu do Christian sendo mau comigo, isso não vai ficar as..

— Então, boa noite, gente - Ethan interrompeu, o que fez Mia bufar enquanto andava batendo o pé em direção as escadas.

— Boa noite, Ana - falou, despedindo-se, fazendo Christian e Ethan rirem alto.

Ana continuou ouvindo a garota resmungar pragas para Ethan enquanto o mesmo continuava rindo, eles eram aquele tipo de casal, o que fazia a morena sorrir toda vez que via Ethan irritar Mia.

E então a porta lá em cima se abriu e fechou novamente, abafando as vozes dos dois.

Ana desviou o olhar das escadas e mirou Christian, que já a encarava. Ela não prestou muita atenção, mas ele a olhava diferente desde o telefonema na escada, Ana não conseguia decidir se era exatamente pelo telefonema - seja qual fosse - ou pelo beijo... De qualquer forma eles não tiveram tempo algum para conversar. E, sinceramente, ela nem sabia se queria descobrir o motivo daquele olhar, o motivo do telefonema que o manteve tão distraído a noite inteira, ou o que ele estava prestes a lhe dizer. Naquele momento ela só queria saber de seu presente - e da droga de seu estômago se revirando sem dó.

— Você está mais branca do que costuma estar - Christian murmurou do outro lado da sala.

Ana bufou baixinho.

— Eu estou enjoa-Mas não é nada alarmante - corrigiu quando percebeu que o outro ja estava a sua frente. - Meu Deus, vocês precisam parar de achar que eu vou morrer a qualquer momento - ela riu.

Christian revirou os olhos e sentou ao seu lado no chão.

— Você não vai mais comer? - ele questionou, indicando com o queixo a travessa ainda cheia em seu colo.

Ana lhe passou o recipiente e deu de ombros.

— Havia muito tempo que eu não como doces... E a Mia quer que eu vá com ela na prova do bolo, me diz que sou só eu quem vê o problema geral nisso – ela murmurou, tocando em uma bolinha brilhante pendurada na árvore.

— Ela só quer que você participe de tudo, ela acha que você vai embora a qualquer momento, então...

Ana suspirou.

— Por que eu me sinto tão culpada por uma coisa que ao menos é culpa minha? – questionou aleatoriamente.

Christian se virou para ela, deixando a travessa de lado.

— Você tem razão: não tem culpa alguma. Mas você sabe o que aconteceu, a Mia não, então para ela é um tiro no escuro lidar com você.

Ana recostou a cabeça na parede e mirou os olhos de Christian.

— Odeio que você sabia explicar as coisas. Odeio você, na verdade. Já falei isso?

Ele sorriu.

— Hoje, eu acho que ainda não – rebateu.

Ana sorriu de lado, fechando os olhos por um segundo quando seu estômago voltou a remexer de uma forma nada boa.

— Eu te odeio – ela sussurrou, o tom irônico em cada sílaba, o que fez Christian rir. – É sério, eu odeio mesmo, não ache que só porque eu te beijei, tem algo a ver com algum sentimento bom – ela continuou a falar quando ele se aproximou de repente.

— Quanto ódio...

— Sim – ela rebateu quando os lábios dele estavam a um centímetro do seu. – Eu...

— O quê?

— Eu...

Por que de repente era tão difícil pensar com Christian perto daquela forma?

— Eu... Eu vou abrir meu presente – ela de declarou, virando o rosto totalmente para o lado.

Sinceramente, ela ainda odiava ele, mas aquilo não tinha nada a ver com o fato de ela querer beijá-lo, porque ele beijava bem para caramba, e ela meio que precisava daquele tipo de coisa para se distrair. O único fato que atrapalhava no momento era o hálito doce de Christian, ela sentia que poderia vomitar a qualquer momento se tivesse mais daquilo.

Não seria uma cena bonita.

— Eu estou mesmo enjoada, se você não quer ver a ceia triturada que está no meu estômago, eu sugiro alguns centímetros de distância – Ana murmurou.

Christian bufou baixinho, e surpreendentemente deixou um beijinho em sua bochecha esquerda e voltou a sentar ao seu lado.

— Abre logo esse presente, nem eu nunca recebi um desse tamanho da minha avó.

A garota se apoiou nos joelhos e se pôs a rasgar o embrulho, sem delicadeza alguma com o papel, ela não tinha paciência para aquelas coisas, até ser revelado uma grande caixa, que se abriu assim que Ana terminou de rasgar o papel. Havia outras caixas, algumas grandes, outras pequenas, um amontoado delas.

— Eu espero que a vovó Grey não tenha seguido nenhum conselho do Lelliot - ela murmurou enquanto pegava uma das caixas pequenas.

Christian levantou uma das sobrancelhas ao ler o cartão grudado na caixinha.

De: Vovó Grey Para: Ana 

Natal, 2010

 

Ana engoliu em seco e abriu a caixinha. O que encontrou era um lindo carrossel de música, com certeza não era o presente ideal para uma mulher de vinte e dois anos, mas seria perfeito para uma garota de 13. Olhando um pouco mais, observando suas iniciais gravadas da forma mais delicada bem no meio, pôde lembrar de já ter visto um idêntico no closet de Mia.

Observando outra caixinha, percebeu o cartão, logo o pegando.

 

De: Vovó Grey Para: Ana

Natal, 2015

 

Okay, ela com certeza teria amado ganhar aqueles louboutins aos dezoito anos (e com vinte e dois também).

Com a forma que percebeu os cartões, entendeu o que eram aqueles presentes: Vovó Grey apenas estava lhe entregando os presentes que não pôde dar antes, nos anos anteriores em que Ana não esteve. A garota engoliu a bola que se formou em sua garganta.

Havia um realmente grande, o que fazia mais volume com certeza. Ana jogou os louboutins em cima de Christian e se levantou para abrir o presente maior, somente ouvindo o resmungo do outro por provavelmente ter acertado uma área sensível.

 

De: Vovó Grey Para: Ana

Feliz 15nceneira.

 

A mala mais perfeita da Louis Vuitton, apenas isso. 

— Nossa - Christian murmurou.

Ana concordou com a cabeça, porque realmente: nossa.

E havia vários outros. De natal, aniversário, até mesmo de formatura, e formatura da faculdade também. O que mostrava a Ana que todos ali acompanharam sua vida, através das redes sociais, quase que jogando em sua cara o fato de ela nunca ter sequer entrado em contato, nunca ter dito adeus.

E mais uma vez a morena se sentia culpada por algo que por muito tempo não esteve em suas mãos. Era uma história ruim, anos e anos que se passaram e muitos culpados englobavam as mentiras que foram surgindo, as desavenças e todo o ódio que cresceu em Ana, ela também tinha culpa, muita culpa, porque afinal ela cresceu, ela pôde tomar suas decisões e tudo o que fez fora esquecer a vida que um dia teve, sem se importar com as pessoas que se importaram com ela um dia - e pelo visto, nunca parou.

Uma lágrima desceu por sua bochecha sem ao menos perceber quando mirou um presente de aniversário de 2014, uma linda rosa de A Bela e a Fera, uma réplica idêntica e perfeita. Ana amava aquele conto de fadas.

Percebeu mais lágrimas quando as mesmas acabaram caindo no cristal que guardava a rosa vermelha.

— Hey... - Christian se levantou, segurando seu queixo com uma das mãos de forma delicada.

A garota fungou, odiando aquilo tudo, toda aquela cena, aquela necessidade de se sentir sufocada e então chorar. Então era aquilo? Ela não chorou litros, mas iria chorar a cada nova sensação? Era mais constrangedor do que inundar uma cidade com suas lágrimas.

— Eu nem sei porque estou chorando - ela falou, surpreendendo-se com a facilidade, limpando o rosto de forma bruta.

— Não precisa ter motivo - ele respondeu, segurando sua mão, fazendo-a parar de esfregar a pele que já havia ficado estranhamente vermelha.

Mas ela tinha sim, era o peso. A droga do fato de aqueles presentes falarem sobre uma vida que foi tirada brutalmente dela. Ela só queria não sentir o mundo caindo toda vez que o peso do passado pesar em seu presente. Cada peça, cada caixinha, cada cartão era o resultado de algo que ela amava e nunca poderia ter de volta. Okay que sua vida não era perfeita, mas era mais do que o suficiente para uma garota, ela podia lidar com sua mãe, lidar com o mundo cruel da "perfeição" que ela exigia, mas podia lidar, as outras coisas a faziam tão feliz e normal, que compensava todo o estresse. Mas ela não teve escolha, ninguém a perguntou se ela queria ficar e encarar a realidade podre que seus pais viviam, ou ir embora e deixar toda a sua felicidade.

— Mas eu não gosto de chorar, isso é... Não sei - bufou, deixando Christian secar seu rosto com as costas da mão, sendo bem mais delicado que ela.

Ele acariciou seu cabelo, logo descendo os dedos por sua bochecha, chegando ao queixo e então o pescoço ainda coberto por seu casaco, e então voltando ao começo. Era como um mantra para Ana, ter o coração totalmente disparado pelos motivos certos - que ela julgava mais do que errado.

— Você não pode me beijar toda vez que eu chorar - disse ela quando de repente sentiu os lábios dele nos seus. 

Ela gostou. Aff.

— Mas seus lábios ficam tão macios quando você chora - ele sussurrou de volta, tendo os próprios esbarrando nos dela.

Ela gostou daquilo também.

Balançando a cabeça em negação, mas sorrindo pequeno, ela mesma grudou novamente os lábios nos dele da forma mais singela e inocente, é que ela realmente gostava daquele gesto.

— Minha psicóloga diz para eu chorar, mas ela nunca me beijou, então nao sei realmente o motivo dela - ela murmurou, fazendo o outro sorrir.

— Seus olhos ficam extremamente azuis também - ele respondeu.

Ana desviou o olhar quando percebeu o do outro penetrando no dela. Ela não queria acreditar, talvez sua atual situação não a deixasse aceitar, mas era nítido a admiração que refletia no outro.

— Ela nunca me viu chorar -  a morena respondeu, um pouco desconfortável com a intensidade no olhar do outro.

— Eu deveria tirar uma foto então, com certeza é isso que ela quer ver.

Ela revirou os olhos e se afastou um pouco.

— O marido dela é um gato, não acho que Carla tenha uma quedinha por mim - Ana falou.

Christian paralisou um segundo.

Logo aquele nome? 

Ele estava tentando ao máximo não pensar naquilo, naquele nome, no que ele significava. E se a mulher não quisesse? Houve um motivo para Ana ser adotada por Elena, era porque sua mãe biológica não a queria. E se ela se recusasse a salvá-la?

— O Sr. Adams parece aqueles mexicanos super gatos de filmes estilo pornô, mas discreto o suficiente para poder ser estreado no cinema - Ana continuou, sem perceber a reação de Christian. - Até você iria querer dar mole para ele.

— Sr. Adams? - Christian questionou, afastando-se para poder olhá-la melhor.

— Sim, eu encontrei no instagram da minha psicóloga, a criança é fofa também, mas eles dois são coisa de outro mundo, eu...

— Espera, Carla Adams então?

Ana revirou os olhos, um pouco sem paciência,  aquela virtude nunca fora o seu forte mesmo.

— Você demorou para deduzir ou...?

— Não acredito nisso. Como a sua psicóloga pode ser Carla Adams?

Ana franziu o cenho.

— Você a conhece? Ela cuida de você também, né? Ela é boa em ficar fuxicando minha mente.

Ele passou a mão pelo cabelo, sem respondê-la.

Quais as chances em um milhão de a psicóloga de Ana, a mulher que a garota vê por uma hora três vezes na semana ser a mesmo mulher que fez Welch lhe ligar a quase meia noite de natal?

— Você está bem? - Ana questionou, aproximando-se totalmente. - Ficou estranho de repente - falou, tocando em seu rosto como alguém tentando verificar a temperatura.

Christian sorriu, apesar de tudo, pegando em seu pulso com a cicatriz e deixando um beijo.

— Está tudo bem, eu só... Eu tenho que dormir, está tarde - respondeu ele.

— Isso foi um convite? - ela brincou.

Mas se ele quiser, ela quer.

Mentira.

Verdade.

Talvez.

Olha...

Ele riu, mas levantou uma sobrancelha com a porra de um sorriso de lado nos lábios.

Então...

— Não, não é a hora, não posso fazer esforço - ela falou, como se falasse do clima, o que fez Christian rir mais ainda.

Ela fazia aquele tipo de coisa com ele, era como se ele estivesse em uma galáxia, um universo novo a cada conversa, a cada assunto com ela, conseguia distraí-lo, fazê-lo esquecer de tudo.

— Você não faria esforço - ele rebateu em tom de brincadeira.

Ana sorriu maliciosa.

— Tenho certeza que não - falou descarada.

E era como se ela estivesse de volta, o primeiro dia em Seattle, aquela fachada sarcástica, encobrindo seus sentimentos ruins e confusos, a diferença que que aquela crescente em é ódio por Christian não ficava mais subindo, não estava no limite prestes a explodir.

— Okay, é melhor eu ir, vou dormir antes que eu sinta vontade de vomitar novamente - declarou ela em seguida, não querendo ir por aquele caminho.

Não era a hora. Não era o momento.

— Tão delicada...

Ana riu.

Christian balançou a cabeça concordando. Ele não conseguiria dormir, mas longe de Ana pelo conseguiria se concentrar para a explosão que seria amanhã.

***

Então, no momento ela estava a deriva, num mar de raiva em que até Mia havia a irritado com a sua preocupação exagerada.

Havia Christian, quem ela estava evitando pelo simples fato de ter sido o primeiro a saber, passar uma noite inteira cheia de oportunidades e não lhe contar absolutamente nada.

Havia Elena, quem era de praxe e gratuito.

Havia Link lhe segurando e protegendo como a um bebê.

Havia Kate lhe importunando por seus medicamentos.

Havia Elliot roubando sua melhor amiga de si.

Havia Ana consigo mesma.

Havia tanta coisa, tanta raiva, tanto ódio, aquilo não normal, ela sabia, lá no fundo ela também se achava estranha por conseguir armazenar tanto sentimento ruim, por tão facilmente decretar ódio a alguém... porque de repente ela tinha mais uma pessoa para odiar.

Foi um baque daqueles.

Você é muito privilegiada, mora na cobertura perfeita com vista para toda a baía de Seattle, e você está muito cansado e suando depois de uma corrida matinal, mas então chega no seu prédio finalmente para tomar um banho gelado e relaxante. Era assim que Ana se sentia. Claro, até perceber que o elevador do prédio estava quebrado e ela teria que subir um milhão de andares de escada para chegar a sua cobertura.

Se olhar de fora, bem de longe, foi mais ou menos assim toda a sua vida.

Ana sempre acreditou muito em destino, deuses e até signos. Ela podia conversar horas sobre essas coisas. Também acreditava em equilíbrio e carma. Colocava a culpa no equilíbrio, tudo o que aconteceu em sua vida. Ela sempre fora uma garota muito rica, com ótimos amigos e tinha tudo o que desejava, ela precisava de algo que a fizesse ver a realidade, talvez seus pais fossem aquele equilíbrio, eles fossem a equação que a fazia acreditar que ninguém tem uma vida perfeita. Então ela se esqueceu deles, voltou a ter uma vida ótima, mas aí teve de voltar a Seattle. Sua vida ficou melhor, mas então ela descobriu uma doença fatal. Ela começou a aceitar, encontrou o doador perfeito, de quebra teve a confirmação de que Elena realmente não é sua mãe... Mas então...

A música de fundo era a voz de Rihana e o coração acelerado era de Ana mesmo. Os pés que batiam no chão do consultório cobertos por seus novos louboutins, calça jeans escuro de cintura alta demais para uma garota com sua cintura causar inveja até na Beyonce, blusa azul claro com uma pequena manchinha respingada de sangue porque ela havia resolvido puxar o braço quando a enfermeira enfiou a agulha em sua veio bem na costa de sua mão.

Aquilo doía como um inferno.

Ela também tinha o cabelo preso de qualquer jeito num coque, todo desgrenhado de forma que Ana Lincoln nunca ficava. Mas era o que tinha para aquele dia.

E olha a ironia terrível do destino, Ana precisava dela agora.

Equilíbrio, com certeza. Ninguém pode ser feliz de verdade. O que está ruim sempre pode piorar.

A enfermeira entrou novamente, fazendo Ana despeçar de seus pensamentos.

— Prontinho, querida - disse a mulher, retirando seu acesso, o braço já roxo. - Nos vemos depois de amanhã para repor-nos soro e leucócitos.

Ela odiava aquilo também.

Repor coisas em seu organismo, sempre doía. Mas doía bem menos do que retirar sangue como teve que fazer novamente há três dias.

Era um exame simples, apenas para ter uma certeza absoluta de seu DNA com sua mãe biológica, sua mãe por DNA com certeza era 100% compatível com ela, a mulher poderia de boa vontade apenas doar parte da medula para Ana e no mesmo dia até sair por aí andando, sem mais contatos.

Aliás Ana recusou todas as chamadas do celular e todas as tentativas da mulher de tentar falar com ela. Descobrira que aquilo era também um direito seu, que se quisesse até uma ordem de restrição poderia ter, afinal, ela havia se abdicado de qualquer direito sobre Ana.

Foi como um estouro quando há duas noites o advogado da família se sentou com ela e seus pais para lhe explicar o processe de ter uma mãe biológica, explicar o fato de que a mulher fora identificada e mesmo com toda a situação de vida ou morte, ninguém poderia obrigá-la a doar parte da medula. Também foi lhe explicado o processo de adoção, como Elena era legalmente sua mãe, mas Link era um pai "tercerizado", ele era mais como um tutor secundário caso Elena faltasse, fora aquele jeito que sua mão arrumara para colocar o nome dele em seus documentos sem contar a verdade e ainda assim não ser presa. Dizer que Ana entendeu alguma coisa era um eufemismo, ela havia ficado paralisada no primeiro nome: Carla Adams, psiquiatra e psicóloga, casada, mãe de dois filhos e reside no Pic Place, quase no centro de Seatlle. Resumindo, a mulher que Ana visita toda segunda, quarta e sexta por uma hora toda semana. Aquela era sua mãe biológica, a mulher de longos cabelos negros, sorriso reconfortante e que falava de sua família como se fossem um graal. Ana não conseguia associar a dona daquela voz doce, a única pessoa depois de Kate para quem Ana contou os maiores segredos de sua vida, não conseguia imaginar como alguém capaz de entrar em sua mente pudesse ser a mesma pessoa que simplesmente pariu uma criança e a entregou a uma desconhecida, sem nunca sequer pensar em descobrir o que lhe aconteceu.

O que importava de verdade era que eles a encontraram.

Há duas noites...

E então houve ontem a noite, a droga dos documentos médicos que o advogado trouxe. Diabete gestacional, aquilo acabou com todos as expectativas. Fora a droga do elevador quebrado naquele prédio luxuoso onde ela mora numa cobertura. Aquela sempre seria sua melhor metáfora. Carla teve diabetes gestacional na primeira gravidez, uma diabetes que evoluiu e está com ela até hoje. Ana não poderia ter uma medula produtiva que não produzia insulina, era o mesmo que lhe dar a morte de bandeja.

Ana voltou a realidade novamente.

— Então vamos?

Elena.

A loira havia insistido em ir com ela, então lá estava as duas, com Kate tendo de ir para o jornal cedo demais e Grace em uma cirurgia.

Não era como se elas tivessem o que falar, cada uma em uma poltrona no consultório e o silêncio reinando. De alguma forma era bem melhor ter Elena do que qualquer outra pessoa, com Elena ela não precisava conversar e não se sentia mal a todo momento que se desligava do mundo.

— Sim - a morena respondeu, já se levantando. - Vamos logo.

— Podemos ir até o Franco, ou ele pode ir lá em casa - a loira comentou enquanto caminhavam pelos corredores.

Ana franziu o cenho.

— Está querendo insinuar alguma coisa? - questionou na defensiva, tocando no próprio cabelo embolado.

Elena balançou a cabeça.

— Achei que se sentiria melhor.

Ana revirou os olhos e passou a andar mais a frete.

As duas saíram juntas da clínica, com Ana alguns passos a frente caminhando para o Audi prata de Elena estacionado em uma das vagas.

— Talvez possamos almoçar em um restaurante perto - sugeriu a loira numa segunda tentativa após desarmar o carro.

Ana parou antes de abrir a porta, mirando um outro carro passando por seu lado.

Reconheceu, claro. Estranhou também, claro.

— Não estou com fome - respondeu, abrindo a porta rapidamente, mas não o suficiente, o Gol vermelho parou bem ao seu lado, a janela do motorista baixando em seguida.

— Eu entendo que não queira falar comigo... - ela começou, Carla, saindo do carro em seguida, parando ali, onde nem era uma vaga de estacionamento. - Eu só queria que me escutasse.

— Não quero - Ana respondeu, se sentindo extremamente cansada como sempre nos últimos dias. Não estava afim daquela conversa, daquele desgaste.

— Só alguns minutos - insistiu a outra.

Ana colocou uma das mãos sobre os olhos para se proteger do sol da manhã que caía sobre si, apoiando o corpo numa perna e uma das mão no carro atrás de si.

Olhando bem de perto, os olhos de Carla eram tão azuis quanto os seus, o cabelo tão negro como carvão idêntico ao de Ana, e o lábio inferior sendo capturado pelos dentes era uma característica de nervosismo adquirida hereditariamente como se podia ver.

— Eu não quero - Ana repetiu.

A garota não entendia muito bem seus sentimentos, mas sabia que não eram bons, nunca havia imaginado que poderia ter alguém que ela sentiria mais raiva do que sentia de Elena. A loira havia realmente sido cruel com ela quando criança, de uma forma que Ana não gosta de lembrar e quando lembra tem pesadelos, e então chega alguém como Carla, a principal causadora daquilo. As duas rejeitaram Ana, as duas eram alvo de seu ódio. Mas diferente de antes, Ana apenas queria se afastar, ela não tinha forças para aquela batalha mais, a grande guerra estava acabando com ela.

— Eu só...

— Ela já disse que não quer, deveria respeitar o espaço da minha filha, ela acabou de passar horas numa clínica, não é o momento - Elena interveio.

Ana bufou baixinho. Não precisava que ela dissesse nada.

— Respeitar o espaço? Você quer me falar sobre isso? - a outra rebateu, o tom meigo sumindo de repente.

— Eu não estou a fim de participar dessa conversa nem mesmo apreciar. Estou cansada. Elena, ou você continua essa conversa e eu vou para casa de taxi ou nós podemos entrar no carro e ir embora - Ana declarou.

A loira apenas se virou, elegante como sempre e se caminhou para o banco do motorista, sem uma única palavra de adeus.

— Eu entendo que precisei de você agora, e não é sua culpa não poder me ajudar, mas é só isso, não há mais nada que eu possa querer ou aceitar de você - a morena falou para a mulher que continuou parada.

— Eu só quero me explicar, você não tem que me odiar, eu procurei tanto por...

— Não, você não tem que me dizer o que eu tenho ou não que fazer ou sentir, você só tem que aceitar. Não pense sequer por um momento que algum dia vamos ter uma conversa sobre nós ou sobre seus motivos, eu não quero ouvir, não quero conversar.

— Eu nunca...

— Okay, era só isso. Para de me ligar, os médicos e meus advogados resolvem tudo com você, não temos que ter nenhum tipo de contato.

Ana queria ter sentido mais do que indiferença ao ver os olhos de Carla se encherem de lágrimas, mas ela não teve tempo de saber se sentiria, seu celular tocou estridente em seu bolso.

Mia.

Ana se virou e abriu a porta do carro enquanto atendia a ligação, Elena já esperava no banco do motorista, a morena ainda sentia a presença de Carla atrás de si.

Os soluços foi a primeira coisa que Ana reconheceu, eram altos e pesados. Seu coração apertou de forma horrível e sufocante.

— O Christian...

A droga do elevador nunca seria consertado, os andares de escada nunca acabariam.

***

 

 

 


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