The Witcher: Broken Blades escrita por BadWolf


Capítulo 14
Iorveth




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/722792/chapter/14

Dh'oines capturaram Cerbin. Eles o mantêm preso, como um cachorro. Dois bandidos o guardam constantemente, então eu não posso atacar, ou ele acabará se ferindo... E eu não tenho nenhuma intenção de negociar com um dh'oine.

Mas Cerbin tem uma boa cabeça sobre os ombros. O dh'oine o força a beber álcool, a fazê-lo cantar. Ele então os insulta ou nos chama na Linguagem Ancestral. Sua voz atravessa todo o pântano, de onde ouvimos cada palavra. Conhecemos a rotina desses humanos. Sabemos quando mudam a vigia. Que armas eles têm. Eu tomo nota de tudo. Quando eu souber o suficiente, vou atacar. Rapidamente. Quando eles não estiverem esperando - e vou atacar onde vai doer mais.

 


(Nota de um Scoia’tael)



            Pessoas tinham maneiras diferentes de lidar com o luto.

Iorveth sabia desde jovem, mas não por experiência própria. Em seus longos duzentos e tantos anos de vida, Iorveth jamais lidou com o luto por um ente querido. Primeiro, porque já os havia perdido antes que pudesse compreender o que havia acontecido. Segundo, porque quando alcançou a idade de conseguir retribuição por sua perda – seus sessenta anos de vida – os humanos responsáveis pela morte de seus pais já estavam mortos de velhice.

Iorveth pouco sabia dos seus próprios pais. Soube apenas que foram mortos porque “foram longe demais” ou “se aproximaram dos dh’oine mais do que deveriam”. O elfo sequer se lembrava do nome deles. Foi criado pelo Sábio Elfo da aldeia. Passava os dias de sua infância e adolescência estudando sobre a Sabedoria Élfica, a história dos Aen Seidhe, seus deuses e feitos gloriosos do passado, agora tão esquecidos e ofuscados pelo avançar dos humanos, ou “dh’oines”, como desde cedo aprendera a chama-los.

Agora, o submisso Elendil precisava lidar com seu luto. E ele escolheu matar.

—É difícil matar um dh’oine, Iorveth? – ele lhe perguntou.

O elfo ponderou, diante da pergunta repentina de Elendil. Alguma vez, para ele, já foi difícil matar um humano? Não que ele se lembrasse. Desde seus primeiros anos de vida, em meio aos elfos das Montanhas Azuis, Iorveth questionava a passividade de sua existência. Afinal, nascera e crescera isolado nas montanhas, em um confinamento cada vez mais decretado a ter um término melancólico onde o último elfo viveria para enterrar o penúltimo elfo e assim aguardar a vinda de sua própria morte. Iorveth não enxergava um futuro desses para si. E quando matou pela primeira vez – o dh’oine estuprador de uma elfa, ele se recordava bem –, sua vida nas Montanhas Azuis teve seu encerramento. Nem mesmo voltou para se despedir. Seguiu em uma vida irregular e difícil, até encontrar nos Scoia’tael o objetivo de vida que tanto procurava.

—Fica mais fácil com o tempo. – foi o que preferiu dizer. Após ouvir tal pergunta, Iorveth sentiu necessidade de questionar o elfo diante de si, que agora detinha uma raiva imensurável e simplesmente não sabia o que fazer com ela.

—Mas afinal, Elendil, está realmente certo do rumo que pretende adotar para sua vida? Devo te avisar que matar é um caminho sem volta. – insistiu Iorveth.

—Absoluta. Mataram meu filho. Meu filho, um inocente... Eu quero que Lathlake queime. Que arda nas chamas. Que o solo daquele vilarejo seja manchado com o sangue dos dh’oines, da mesma maneira que eles mancharam suas mãos com o sangue inocente de meu pequeno Berdelon. Quero pagá-los na mesma moeda.

Turiel assistiu horrorizada a transformação de seu marido, de pacífico caçador de cervos a um assassino com sede de sangue. Da mesma forma que ele, Turiel aprendeu a se adaptar ao mundo dos humanos, sabendo e reconhecendo o seu lugar. Porém, nem mesmo a violência desnecessária contra seu único filho fez a elfa retroceder. Ela vivia ali. Não iria perdoá-los, mas também não iria fugir para longe como um cão com o rabo entre as pernas para outro lugar onde sofreria o mesmo tipo de violência, senão pior.

—Eu não vou compactuar com isso. – murmurava outra vez Turiel, após ver Elendil treinando combate de espadas com Iorveth. Elendil jamais pegou em uma espada antes e agora, tinha aulas com Iorveth, diariamente e em um ritmo intenso. O elfo havia aceitado ser seu professor, alegando que isso o “desenferrujaria um pouco”, mas algo dizia a Elendil que, embora jamais admitisse, Iorveth tinha esperanças nele. Talvez porque, assim como muitos, achasse que o ódio era um bom combustível.

E neste ritmo frenético alimentado pelo ódio, Elendil se tornava, a cada dia, um exímio espadachim, e também um péssimo marido. Seu casamento com Turiel piorava com cada golpe de espada trocado com Iorveth. O elfo líder dos Scoia'tael também não escapava de Turiel, mas Iorveth jamais a retrucava. Não era dos mais versados em relacionamento, mas sabia que era imprudente e incorreto envolver-se em briga de casal. Especialmente quando um ou outro vaso era arremessado contra uma parede.

—Acho que já estou pronto.

Elendil arfava, cansado. Havia sido derrotado mais uma vez por Iorveth, o que não era surpreendente, mas desta vez, o caçador dera mais trabalho a ele. Iorveth parecia ponderar.

—Talvez sim. Talvez não.

Isso foi o bastante para animar Elendil. Iorveth sempre o respondia com “não”. E ouvir um “talvez” já significava alguma coisa.

—Não se anime. Ainda falta muito para você não acabar morto na primeira investida contra os dh’oine. Agora, vamos voltar ao treinamento. Está faltando precisão em seus golpes.

Uma semana depois, Iorveth desapareceu, voltando apenas no cair da noite. Encontrou Elendil e Turiel discutindo mais uma vez, mas como sempre, sua postura neutra e civilizada o impediu de se intrometer. Assim que abriu a porta, a discussão se encerrou.

—Já tenho um treinamento adequado para você.

Turiel olhou para o seu marido, horrorizada.

—Que tipo de “treinamento”, Iorveth? Matar humanos?

—Há um acampamento de bandidos ao norte do rio. Soube que atacaram um elfo mercador e arredondaram suas orelhas com uma faca cega. Claro, depois de roubar toda a sua mercadoria.

—Está vendo, Turiel? Esses dh’oines são...

—Pare de falar como Iorveth, Elendil! – exaltou-se a elfa. – Não foi com um homem desses que eu me casei.

Deixando Elendil aturdido, sentado sobre um banco, Turiel foi para o seu quarto e se trancou por lá. Suspirando profundamente, Elendil voltou-se para Iorveth.

—Um dia, ela entenderá. – ele disse.

Iorveth tinha lá suas dúvidas quanto a isso, mas preferiu não comentar. Com a elfa já longe de ambos, Iorveth suspirou profundamente. Era hora de contar a verdade.

—Creio que agora que sua esposa está longe de nós dois, eu preciso te avisar que seu treinamento será, na verdade, uma verdadeira “prova de fogo”.

—Como assim? – ficou curioso Elendil.

­ -Aqueles elfos e anões cravados de flechas Scoia’tael que encontramos na estrada... Eu não me esqueci deles.



II



A densa floresta de Hotsch margeava o rio Pontar. Do alto das árvores mais altas, era possível ver Novigrad, bem como seus prédios que, de tão altos, insistiam em aparecer por cima da muralha que rodeava e, aparentemente, protegia a cidade. Mas a proximidade com a importante cidade da Redânia não tornava o lugar próximo de habitável. As estradas eram altamente perigosas. De simplórios viajantes a soldados, todos que se atreviam a se aproximar daquela floresta pereciam sangrentamente, cravados de flechas. Pelos Scoia’tael.

            Aquela era uma unidade Scoia’tael comandada por um elfo chamado Eruedrithant. Caudas de esquilos ornamentavam os uniformes dos rebeldes, juntamente a emblemas de soldados mortos por suas mãos. Àquela altura, todos estavam ao redor do fogo, comendo um porco assado no espeto, quando um dos vigias apareceu acompanhado de outro elfo desconhecido.

            -Eruedrithant, temos um visitante. – chamou um vigia.

            Eruedrithant levantou-se do banco de madeira, deixando seu prato pela metade, para ver o que afinal estava acontecendo, pois receber “visitas” não era costume em um acampamento dos Scoia’tael. Logo, um vasto sorriso se abriu no rosto do elfo.

            -Pois veja o que os bons ventos dos nossos deuses nos trazem! Iorveth!

            A menção ao nome de Iorveth fez todos os demais Scoia’tael se sobressaltarem, mas não em alerta. A maioria estava surpresa por ter a presença do infame Iorveth por ali. Apenas um ou outro ficaram desconfiados.

            Em suas costumeiras maneiras austeras, Iorveth trocou um simples aperto de mão com Eruedrithant, que foi um pouco mais além, sorrindo e dando um leve tapa no ombro do líder.

            -Todos pensam que você está morto, Iorveth.

            -Eu sei. Mas tudo não passa de boatos.

—Sim, estou vendo. Uma pena tudo que nos aconteceu em Vergen. Estávamos confiantes de que consolidaríamos o nosso reino de inumanos, no entanto...

—Sim, eu sei. Fomos massacrados. Aliás, tem notícias das demais unidades, Eruedrithant?

O elfo coçou levemente a cabeça.

—Não são das melhores, Iorveth. Quem não morreu em Vergen agora está escondido na floresta, assim como esta unidade. Tivemos baixas importantes. Agora, estamos dispersos, sem esperanças...

—Sem esperanças? – questionou Iorveth. – A ponto de atacar e matar elfos mercadores?

Uma comoção tomou conta do acampamento Scoia’tael. Alguns elfos começaram a cochichar entre si, como crianças pegas a fazer traquinagem. Todos pareciam apreensivos. Eruedrithant, no entanto, parecia despreocupado.

—Tempos difíceis demandam escolhas difíceis.

—Não irá nem mesmo se dar ao trabalho de desmentir? – questionou Iorveth, braços cruzados. Alguns elfos começaram a, lentamente, colocar suas mãos nas espadas, sendo claramente observados por Iorveth, que apesar de mexer em um verdadeiro vespeiro, trazia o semblante estoico de sempre estampado no rosto.

—Precisávamos daqueles suprimentos. – justificou Eruedrithant, seriamente. Por fim, o líder daquela unidade Scoia’tael pôs-se a rir. – Você me entenderia se não tivesse abandonado seus irmãos para correr atrás daquela sua putinha, a Saskia...

Uma risada começou a tomar conta de todo o acampamento. O sentimento de ser ridicularizado por seus irmãos de guerra muito enfureceu Iorveth, mas ele não se deixaria abalar por isso. Sobrevivi a Loc Moinne e a uma cadeia temeriana. Posso sobreviver a um pouco de zombaria.

—Ah, mas agora eu entendi... – começou Eruedrithant, com um sorriso malicioso. – Entendo agora porquê você está aqui. Alguém já andou a cacarejar sobre o paradeiro de sua vadia e você resolveu vê-la com seus próprios olhos, não é?

O coração de Iorveth disparou.

—Vocês estão com Saskia?! – questionou o elfo.

—Nós a encontramos vagando pela floresta. Suja, balbuciando palavras estranhas... Um absurdo dizer que essa louca seria a nossa líder. Mas é aquilo, às vezes uma buceta tem poderes extraordinários...

—Onde está Saskia? – esbravejou Iorveth, já sem paciência.

—Por que tanta urgência em vê-la, Iorveth? Por que ela foi a única mulher que te deu uma chance, apesar dessa sua cara fodida?

—Digam-me logo – virou-se Iorveth para os demais Scoia’tael – Onde. Está. Saskia?

Para surpresa de Iorveth, nenhum deles se moveu ou disse qualquer palavra. Alguns Iorveth conhecia de vista. Eram elfos de bem, tinham ideais como ele. Agora, estavam próximos de monstros, insubordinados. Os terroristas sem coração que tanto Vernon Roche os acusava.

            -Pode esbravejar, espernear a vontade. Ninguém o obedecerá mais, Iorveth. Não só porque a cabeça de Saskia é valiosíssima e muitos Reis dariam sacos de ouro para degolá-la, mas também porque você nos abandonou, Iorveth. Nos deixou em Vergen para morrer porque claramente sua prioridade era a vagabunda da Saskia. E não me venha com “ah, ela era a líder de nossa insurgência”, porque poderíamos nomear outro líder. Esse novo líder poderia até mesmo ser você!

            -Eu fui preso em Loc Moinne. – disse Iorveth. – Só sobrevivi a cada açoitamento, tortura, fome e humilhação naquela prisão temeriana porque meu maior desejo era juntar-me a vocês novamente, reagrupa-los, voltarmos ao nosso objetivo de um território livre e...

            -Porra nenhuma, Iorveth! – exclamou Eruedrithant. – Os dh’oines nos massacraram em Vergen, assim como aconteceu nos tempos de Elirena e da Rosa Branca de Shaerrawedd. A história se repetiu, e irá se repetir se permanecermos neste mesmo caminho. Será que não entende? Sua “causa” está perdida. Elfos jamais serão respeitados em um mundo onde esses malditos dh’oines ainda existem.

            -E isso é razão para matar elfos? Gente do nosso povo?

            -Matamos meia dúzia de comerciantes elfos, sim. Elfos que se corromperam ao aceitar conviver com humanos, viver entre eles... E se não temos direito a absolutamente nada deste maldito mundo, que o façamos queimar!

            -Não posso acreditar que esta seja a opinião de todos aqui...

            Eruedrithant riu. – Está achando o quê, Iorveth? Que todos os Scoia’tael estão seguindo minhas ordens por coerção minha? Eles me escolheram como líder, quer você queira ou não.

            Iorveth voltou seu olhar aos demais Scoia’tael, que observavam aquela discussão com apreensão. Todos, sem exceção, com sua mão levemente recostada à espada. Pronta para desembainhar à primeira ordem. E para seu temor, não sob sua ordem. Mas sob a ordem de Eruedrithant.

            -De fato, estou inclinado a acreditar em você, Eruedrithant. O que é uma pena.

Eruedrithant cambaleou repentinamente. Gotículas de sangue borrifaram no rosto do vigia Scoia’tael, mas não foi isso que o colocou em alerta. Quando o corpo de Eruedrithant caiu sobre o chão, aos pés de Iorveth, sem vida, todos os demais Scoia’tael do acampamento desembainharam sua espada.

Dentro da mata, Elendil apertava os olhos, retirando flechas de sua aljava com extrema agilidade. A cada flecha disparada, as palavras de sua última conversa com Iorveth ressoavam em sua mente.

Eu lhe apresentei o cerne de nossa luta, Elendil, mas creio que falta mostrar também que mesmo na mais justa das causas, haverá uma falha. Uma maçã podre no cesto de boas maçãs. E para evitar que ela permaneça ali, tentando apodrecer as demais, é necessário arrancá-la de lá.

Iorveth sacou sua espada. Elendil era um arqueiro extremamente habilidoso, mas não era onipresente. Os Scoia’tael que não pereceram com uma flecha precisa na cabeça ou no peito acabaram por enfrentar a espada de Iorveth. Os mais próximos à Iorveth foram os primeiros a sucumbirem por sua lâmina. Os Scoia’tael mais distantes apavoraram-se, diante de seus companheiros abatidos em segundos, concluindo que o posto de líder ocupado por Iorveth não era por acaso. O antigo líder dos Scoia’tael fatiava, um a um, todos os seus antigos companheiros de causa e luta. Nem em seu pior vislumbre do futuro, Iorveth imaginou que sua lâmina derramaria tanto sangue Scoia’tael como naquele dia.

Argalad estava com a razão quando disse que o Iorveth recém-saído da prisão e com cara de faminto seria passado facilmente por um impostor, mas agora estou pronto para retomar o meu lugar de líder e arrancar o mal pela raiz, se necessário.

Eruedrithant estava certo. Os tempos mudaram.

Elendil teve sua posição descoberta. Assim como Iorveth, precisou sacar sua espada. Seus inimigos eram extremamente rápidos, mas o árduo treinamento dado por Iorveth nos últimos meses foi o bastante para enfrenta-los. Como Iorveth havia passado pelo mesmo treinamento que muitos Scoia’tael, o elfo sabia de todos os pontos fracos. E melhor, ensinou a Elendil como explorá-los.

Eu não me separei de Yaevinn por mero capricho, como imaginam alguns Scoia’tael. Eu ainda acredito que é possível formarmos uma sociedade com o reconhecimento de igualdade entre humanos, elfos e anões. Os elfos não precisam que os humanos sejam completamente exterminados da face da Terra. O que precisamos é de respeito. Nada mais que isso. Respeito.

Iorveth deixou sua espada cair sobre o chão, quando o último Scoia’tael vivo teve sua garganta cortada. O elfo arfava de cansaço. Eles estavam mortos. Por sua lâmina. Mas aqueles não eram os mesmos Scoia’tael que Iorveth tão bem havia recrutado e treinado. Eles foram tomados pela escuridão do fracasso, do ódio. Perderam o rumo, distorceram e desvirtuaram uma causa nobre, reduzindo-se a meros bandidos de estrada.

—Saskia... Precisamos... Achar... Saskia...

—O quê? – indagou Elendil ao exausto Iorveth. – Do que está falando, Iorveth? Iorveth?!

Ignorando os questionamentos de Elendil, Iorveth começou a revirar o acampamento dos Scoia’tael. Tenda por tenda, até encontrar, na maior delas, uma mulher inconsciente, amarrada, com seus cabelos loiros desalinhados a tampar o seu rosto. Boquiaberto e com o coração acelerado, Iorveth pôs-se de joelhos diante da mulher. Moveu suas mãos para o rosto dela, e com grande temor, ergueu seu rosto delicadamente pelo queixo.

Era Saskia.

Eruedrithant não havia exagerado quando disse que Saskia estava imunda. A roupa de Saskia, outrora uma armadura digna de alguém de sua estirpe, havia dado lugar a uma camisa branca e empoeirada. Havia uma mancha de sangue velha, um pouco acima dos seios. Iorveth chegou a pensar que era um ferimento, mas percebeu que estava enganado. Apesar de inconsciente, ela estava bem. Ao menos isso.

—Precisamos libertá-la!

Iorveth correu para uma adaga que jazia caída sobre o chão. Com grande desespero, o elfo começou a rasgar as amarras, até destruí-las.

—Você a conhece? – perguntou-lhe Elendil, que estranhou ver o sempre estoico e inatingível Iorveth a limpar o rosto da mulher, com tamanho cuidado que poderia se dizer que havia até ternura em seu gesto.

—Sim, mas esta é uma história muito longa para ser contada aqui. Precisamos voltar para sua casa, imediatamente.

Iorveth recusou a ajuda de Elendil, carregando ele mesmo Saskia em seus braços. Por todo o caminho, tudo o que Elendil pôde escutar foram seus passos pela floresta, o pisar da grama e o som dos grilos. O elfo líder dos Scoia’tael não proferiu uma só palavra. O elfo caçador já conhecia Iorveth o bastante para saber que ele só falaria abertamente sobre quem era aquela mulher quando se sentisse à vontade para tal, muito embora Elendil já tivesse suas próprias suspeitas.



III



Não foi qualquer surpresa para Elendil que sua volta para casa seria altamente questionada por Turiel, mas as perguntas típicas como “por onde você esteve?” tiveram que esperar, pois em nenhuma hipótese a herbalista poderia imaginar que Iorveth voltaria para casa carregando uma mulher – uma dh’oine – nos braços, com grave preocupação em seu semblante.

—Deite-a na minha cama. – ordenou a herbalista, sendo obedecida rapidamente por Iorveth. Turiel mediu sua temperatura. Estava normal. Seus batimentos cardíacos, porém, estavam lentos. Sua tez também era pálida, apesar da camada de poeira a cobrir seu rosto.

Turiel estava começando a retirar as botas da mulher quando percebeu que Iorveth permanecia no quarto, recostado ao limiar da porta e observar seu trabalho, como um leal cão de guarda pronto para o primeiro comando. Foi necessário dois pigarreios fortes da elfa para que o elfo percebesse que sua presença ali era inadequada – “ou não seria?”, não deixava de se perguntar a herbalista – e saísse dali, deixando a elfa despir a jovem sem olhares curiosos.

Com Saskia sozinha aos cuidados de Turiel, Iorveth agora sabia que tinha que enfrentar as perguntas de Elendil. Ele não poderia culpar o elfo por sua curiosidade.

—Quem é ela, Iorveth?

O elfo bufou, impaciente. – Guarde sua curiosidade, pois não vou contar agora. Assim que Turiel terminar de cuidar dela, eu contarei tudo de uma vez, e aos dois. Tenho certeza de que ela também exigirá explicações.

O elfo caçador assentiu, juntando-se a Iorveth em sua espera quase angustiante.

Após longos minutos, Turiel emergiu do quarto. A porta estava recostada, permitindo a Iorveth ter um vislumbre de como estava Saskia. Deitada sobre a cama, já devidamente limpa e arrumada. Isso o tranquilizou.

—Ela está com exaustão.

Elendil parecia surpreso, mas não Iorveth.

—Como assim, Turiel? Exaustão?

—Eu também estou tão pasma quanto você, Elendil. Essa jovem está apresentando um quadro que costumo ver com frequência em camponeses após quinze horas de trabalho intensas nos campos. Exaustão física. Mas não há qualquer sinal em seu corpo de atividade física. Parece que... Que algo extraiu suas forças.

Iorveth imaginava porquê Saskia estava tão exausta. Decerto, ela permaneceu muito tempo transformada em um dragão, sem qualquer controle sobre si, graças à maldição de Phillipa Eilhart. Mas as últimas palavras de Turiel foram... Estranhas. O elfo notou uma troca de olhares entre a herbalista e o caçador. Uma troca de olhares típico de marido e mulher que compartilhavam um segredo.

—Conte a verdade, Turiel. Tenho certeza de que ele não se importará.

—Mas Elendil... Isso é muito sério...

—Espere, do que vocês estão falando? Por que estão de segredinho?– questionou Iorveth, estranhando o tom de Turiel e Elendil.

—Eu menti sobre Turiel, Iorveth. Ela não é uma aprendiz expulsa de Aretuza. Ela é uma feiticeira. Uma feiticeira de verdade.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ihhhh...

Turiel não é uma mera herbalista, mas uma feiticeira...
Tudo que o Iorverh gostaria - ou não - ter Saskia perto de OUTRA feiticeira...
Isso pode ter suas vantagens e desvantagens, vocês devem imaginar...

Aliás, bem-vinda, Saskia!


Próximo cap: no esquecido vilarejo de Dorka, Roche, Brigida e Anais tentam se ajustar à dura vida de camponês e assim aguardar por dias melhores. Por quanto tempo isso durará?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Witcher: Broken Blades" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.