Olhou-se no espelho e suspirou.

Definitivamente, ela era uma nerd. Uma nerd digna de filme.

Ela não tinha espinhas, nem franja, nem usava óculos. Na verdade, ela até penteava o cabelo cacheado, mas ainda assim ele parecia volumoso e descuidado. Andava sempre de moletom da escola que ia até o meio da coxa, uma legging preta e um mocassim preto também. E claro que não esqueceremos seu hábito de sempre estar lendo.

Definitivamente, ela era uma nerd. Suspirou colocando o pente em cima da bancada da pia enorme do banheiro

—Ei, Lauren, vai ficar muito tempo na frente do espelho? Tem mais gente querendo usar!

Ela olhou para trás e viu uma de suas colegas de quarto. Apesar de ambas usarem o estilo nerd, Julia era bem diferente. Na opinião de Lauren, Julia até que era bem inteligente sim, ficava entre o top 20 da escola em todos os bimestres, mas a aparência nerd dela tinha a ver com os óculos enormes que usava, pela franja perfeitamente desarrumada e o coque milimetricamente bagunçado no topo da cabeça.

Ela era a imagem de uma adolescente comum: cabelos castanhos claros, andava na moda, tinha vários amigos e sempre tinha histórias interessantes a contar. Julia sempre muito bem maquiada e o sorriso no rosto que faziam todos se aproximarem. Apesar de estar bem abaixo da classificação de Lauren, era a ela que todos vinham procurar para tirar dúvidas.

— Por favorzinho, Lauren, eu ainda tenho que passar maquiagem. – Lauren saiu da frente do espelho do banheiro, a outra pulou na frente do espelho e abriu a sua necessaire começando a se arrumar.

O banheiro era enorme e dava para as duas usarem ele tranquilamente se Julia não fosse espaçosa e bagunceira como era. Para não se irritar, Lauren a proibia de colocar o pé dentro do banheiro enquanto estivesse lá.

—Cadê a Isa? Ainda dormindo? – Julia assentiu enquanto pegava um lápis marrom. Meia necessaire já estava esparramada sobre a bancada.

— Eu até tentei acordar ela, mas ela reclamou sobre algo e me xingou. Aí eu larguei pra lá. – ela deu de ombros -  Sua vez.

Lauren saiu do banheiro e suspirou mais uma vez. Era todo dia igual: Isabela sempre as fazia chegar atrasada no café da manhã e raramente elas conseguiam pegar um bom cappuccino pra beber. Então, ambas davam umas broncas em Isabela e que sorria amarelo e pedia desculpas. E tudo ficava bem. Porque todos gostavam dela. Desde os faxineiros, os alunos e o diretor. Todos gostavam daquela menina divertida e sapeca. Por mais que ela tivesse no auge de seus 16 anos, ela era ainda assim muito sapeca: brincava com todos e tinha sempre um sorriso no rosto.

Lauren andou pelo quarto simples e comum e foi até a cama da outra. Sabendo que nada mais funcionaria, com um puxão ela arrancou o lençol de Isa, mostrando uma menina de pijamas listrados de azul com um B1 na gola. Rolou os olhos. Somente Isabela pra ter um pijama dos bananas de pijamas.

Notando o frio súbito fora das cobertas, Isabela abriu os olhos e a olhou com um ódio indescritível, depois seguiu para o guarda roupa e o banheiro xingando tudo e todos. Enquanto bagunçava ainda mais seus cabelo volumoso e bagunçado por conta do sono.

Olhou o relógio. 8:15. Fazia algumas horas que ela estava acordada e ela já sentia o peso do cansaço do dia em sua mente. Espreguiçou-se, alongando cada músculo que conseguia.

Olhou para a cama pensando em mandar todos irem a merda e voltar a dormir, mas lembrou-se que dormir não a descansaria mentalmente como precisava. Pelo amor! Ainda era quarta feira da primeira semana de aula!

Precisava urgentemente de um mangá que fizesse seu coração palpitar e a fizesse ficar sonhando. Precisava sair da realidade. Precisava fugir de suas obrigações ao menos um pouco. Isso a descansaria o suficiente para ter uma noite de sono melhorzinha.

Sentou-se em sua cama e pegou seu tablet. Acessou os sites brasileiros e internacionais e frustrada que nada bom tinha saído, ela entrou no fórum de mangá e pediu indicações para ler. Depois de alguns instantes, descobriu que ainda era cedo demais para alguém responder.

Saco.

— Vocês vão demorar muito? – ela perguntou alto, sem tirar os olhos da tela do computador.

— Eu to pronta – disse uma voz na cama ao lado – Mas a Isa ainda tá arrumando o cabelo.

—To pronta já, reclamonas. – disse Isa vindo do banheiro.

Isa nunca usava maquiagem, então para se arrumar ela simplesmente tomava banho, colocava o uniforme, passava uns 30 cremes no cabelo preto molhado e estava bom. Ela era tão naturalmente bonita que podia sair com os cachos molhados e ainda assim ela pareceria uma modelo de revista de moda o dia inteiro.

O uniforme da escola era simples: vários tipos de camisas, camisetas, moletons e blusas todos brancos e com o símbolo da escola. Para a parte de baixo, cada aluno escolhia o que queria com a única regra que fosse descente: nada acima de 10 centímetros do joelho era permitido para as garotas e nada que fosse justo demais para os garotos. No pé, era permitido qualquer calçado que não fosse de salto nas aulas e nada acima de 7 centímetros fora do período de aulas. No começo todos reclamavam, mas acabavam se acostumando com as regras.

As três saíram do quarto juntas e, como sempre, Lauren trancou a porta. Enquanto as duas iam na frente, conversando e rindo, ela ia atrás com os olhos na tela do computador em silêncio.

Olhando para aquela cena onde as duas conversavam alegremente, Lauren não pôde deixar de pensar como seria sua vida se ela fosse personagem de um romance. Nos romances que lia não havia meios termos: ou as duas a sua frente seriam suas super amigas ou seriam inimigas mortais.

A realidade era diferente, era insossa: o que as três tinham era apenas um bom relacionamento que veio junto com a convivência. Embora ela tivesse que admitir que ambas sempre a tratavam bem e a chamavam pra sair. Só que mesmo assim, chamar o que elas tinham de amizade seria o eufemismo do século.

O que podia fazer? Ela não era um personagem de um mangá ou de uma fic. Ela era um ser humano. Um ser humano que sabia que sonhar era coisa de criança que deveria se focar na realidade. Na sua chata, entediante e cansativa realidade.

Cansativa realidade. Sua mente estava cansada. Queria descansar, precisava descansar. Espreguiçou-se.

A realidade era chata demais.

Voltou a pensar como seria se ela fosse um personagem. Quem seria as duas a sua frente? Elas seriam a vilã da história ou seriam suas fiéis escudeiras?

Riu de si mesma, comparando as personalidades ali, provavelmente Isa seria a principal da história. Ela era tão extrovertida e apesar de ser meio burrinha quando comparada aos outros alunos, certamente ela era quem mais tinha amigos. E em todos os mangás os que mais tinham amigos eram os principais.

Sim, Isa seria a principal.  E então, a melhor amiga e rival de Isa seria Júlia. Elas lutariam pelo amor do cara mais popular do colégio que seria... Quem era o cara mais popular da escola? Hum... Precisava observar mais ao seu redor se quisesse fazer uma trama bacana para seus colegas encenarem.

Riu de si mesma.

—Tá tudo bem, Lauren? – perguntou Júlia sorrindo – Você fica olhando sua xícara de café e rindo.

—Só pensando bobagens. – Lauren olhou as duas com um sorriso.

—Um dia você terá que me contar essas bobagens que você pensa – disse Isa com um sorriso enquanto pegava algo da pilha de comida que estava a sua frente – Aposto que é pornografia.

Lauren ficou vermelha e abaixou o rosto. As outras duas riram. Ela era aparentemente tão tímida perto dos outros que apenas escutar essa palavra a fazia corar e as outras duas aproveitavam a fraqueza para brincarem com ela.

Era costume as três tomarem café da manhã juntas. Não sabiam como ou quando começou o hábito, mas todo santo dia elas tomavam café da manhã juntas falando sobre os colegas, comentando os acontecimentos novos do dia a dia delas ou qualquer outra coisa que lhes parecesse interessante. Geralmente, Lauren se perdia em seu mundo e deixava ambas conversando a vontade.

Lauren voltou a olhar sua xícara. No fundo, ela sabia que usava sua timidez para afastar as outras pessoas. Sorriu fraco para o café. Ela tinha tantos motivos para afastar as pessoas que acabara ficando sozinha.

Tudo bem. Ela não ligava em ser sozinha. Estava bem acostumada com a solidão. Tanto que até a preferia.

Depois de comerem, escovaram os dentes, pegaram seus livros nos armários do corredor e foram para a aula. Lauren sorriu olhando para o computador. Era irônico que uma garota tão nerd quanto ela sempre se sentasse na última carteira ao lado da janela, geralmente atrás de Bruno, o cara mais alto da sua sala.

Quando o professor entrou na sala de aula, ela guardou o tablete e se pôs a prestar atenção na aula. Anotou tudo, perguntou algumas coisas e foi almoçar. Voltou para a classe, fez todo o ritual novamente até as aulas acabarem. Depois seguiu para a biblioteca e revisou o conteúdo do dia e o conteúdo que cairia no dia seguinte, pegou um notebook e o tablete e se concentrou neles até a hora da janta.

Estava esgotada. Os ombros tensos a estavam matando. Caminhou até o refeitório dando batidinhas em seus ombros pra aliviar a tensão.

Chegara em seu limite. Três dias fora o suficiente para chegar em seu limite.  Se fosse sincera, aquele cansaço já vinha acumulado desde antes de ir viajar com o irmão e Caio.

Suspirou. Tinha uma rotina tão estressante. Tão cheia de coisas a fazer. Ela só queria fugir de tudo às vezes fugir e descansar.

Não aquelas férias relaxantes que tivera semana passada. Mas descansar de verdade: arranjar algo para o cérebro se divertir e liberar vários hormônios que a ajudariam a dormir. Ela precisava de algo que a tirasse de seu tédio. Ela precisava de algo que a fizesse se sentir viva.

E então ela conseguiria dormir um sono reparador.

Olhou entediada para sua comida. Tinha até perdido a fome. Mesmo assim, jantou. Porque essa era ela: a pessoa que sempre tomava decisões lógicas e fazia o certo, independente do que quer que fosse.

Levantou-se e olhou para o refeitório enquanto se alongava. Lauren estava numa mesa sozinha enquanto todas as outras estavam cheias de gente conversando, gargalhando... Ela não precisava olhar no rosto de cada um ali para saber que nenhuma delas prestava atenção em si.

Não importava se estava cercada de gente, no fundo estava sozinha. No fundo, ela sempre estava sozinha.

Sorriu. O primeiro sorriso verdadeiro em dias. Era naquelas horas que ser sozinha vinha bem a calhar.

Ela até tinha vergonha do que ia fazer, mas quando estava nessa situação, ela não via outra forma de descansar a não ser escapar para um lugar secreto. Secreto vírgula. Apesar de ela geralmente ficar sozinha nele, várias pessoas tinham o conhecimento de sua existência.

Com esse objetivo em mente, foi até seu quarto, pegou a mochila que escondia no fundo de seu guarda-roupa e seguiu até o prédio mais distante da escola.

Esse prédio ficava tão distante do restante do complexo escolar que era uma caminhada de uns 10 minutos até chegar até ele. E então subir cinco andares, passar por mais um portão que somente ela e o zelador tinham a chave e depois de subir mais um andar você chegava ao terraço.

O que tinha de diferente nesse terraço? Um jardim. Um jardim enorme e bem cuidado. Com graminha fresca e longe das vistas de todos. Era um lugar espetacular na opinião de Lauren. Tinha tantas flores e...

Nada disso importava porque Lauren ia ali não para apreciar a beleza das flores e sim porque era um local escondido. Ela tirou a mochila das costas, pegou um controle e apertou o botão para fechar o portão escondido.

Estendeu um lençol que tinha trazido e retirou sua roupa. Deitou-se. Ligou o tablet, colocou no modo de navegação anônima e colocou-se a ler hentai.

Hentai. Uma palavra tão simples fazia seu coração bater mais rápido. Imaginar-se em cada uma daquelas cenas era tão excitante. Era tão bom.

Ela quase podia se ver subindo e descendo lentamente em cima de seu personagem favorito no meio daquele bar enquanto era observada por vários homens que faziam fila e a disputavam. Ela era a rainha do sexo. Todos a queriam e ela escolhia quem faria o que com ela.

Segurando o tablet com uma mão, ela levou a mão até suas partes íntimas. Passou a página. Agora ela estava por baixo e tinha mãos em seus seios. As mãos daqueles homens no bar subiam e desciam de seu corpo, tocando em todos os lugares. Seus dedos ficaram frenéticos. Passou a página. Gemeu alto. Gozou.

Um barulho diferente a fez olhar na direção da entrada. Apesar da pouca luz, conseguiu ver dois olhos a olhando por entre o portão. Dois grandes olhos esbugalhados de surpresa.

—PUTA QUE PARIU! – gritou surpresa, largando o tablet e se cobrindo com o lençol.

Que merda! Ela só queria desestressar e agora tinha arranjado mais trabalho. Quem era o desgraçado que ela precisava matar agora?