Segundo ato escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 7
Intermissão V




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POV Ginny

 Dia 27/02.

Eu poderia dizer poucas coisas relevantes a respeito desse dia: era quarta-feira, choveu um pouco durante a tarde, ministrei minha primeira aula para a turma de economia, passei uma lista de exercícios para a turma de estatística, almocei apenas uma salada porque não estava com fome e dei uma volta pelo shopping antes de ir para casa.

Mas haviam dois enormes detalhes que faziam desse dia um dia diferente, mas não especial: há exatos seis meses que Harry saiu de casa. E também é o dia do nosso aniversário de casamento.

Durante todo o dia ocupei minha mente com pensamentos e atividades mecânicas o bastante para me afastar de qualquer lembrança, qualquer resquício de sentimentalismo. No entanto, bastava uma olhada no relógio para que minha mente me golpeasse com a lembrança do que eu estava fazendo há três anos nesse mesmo dia, naquele sábado ensolarado que amanheceu com o céu tão aberto quanto meu sorriso.

Às dez da manhã eu estava mergulhada em uma banheira.

Às duas da tarde eu estava de frente para a manicure.

Às cinco da tarde o cabeleireiro estava trabalhando para deixar meu coque preso no lugar.

Às seis da tarde Hermione estava me ajudando a fechar os botões do vestido branco.

Às sete e doze da noite, quando entrei em casa, eu estava à caminho da igreja.

Soltei a bolsa sobre o sofá da sala após fechar a porta, e fui direto ao banheiro. Não me apressei em sair do chuveiro, a água quente fazendo a nuvem de vapor se acumular pelo cômodo. Num rompante nostálgico, ri alto ao me lembrar de todas as reclamações do Harry para minha mania de tomar banho quente mesmo no verão, ele adorava a água fria e era bem criativo em elaborar protestos engraçados para o meu hábito.

Era, bastante tempo atrás, quando a atenção ainda fazia parte da nossa rotina e ele não estava ocupado demais, cansado demais ou fazendo nada demais para aceitar tomar banho comigo.

Sacudi a cabeça para espantar essa linha de raciocínio e me apressei a sair dali, não era um dia bom para eu ficar apenas com meus pensamentos como companhia. Pendurei novamente a toalha depois de usá-la também para desembaçar o espelho, desembaracei os cabelos molhados e vesti minha camisola confortável.

Dispensei o chinelo e caminhei descalça até a cozinha, apanhando no sofá o sanduíche que comprei antes de vir para casa. Arrumei meu prato, enchi um copo de suco e me sentei no balcão para comer.

A porta espelhada do armário à minha frente, do outro lado da cozinha, refletia meu rosto inexpressivo enquanto eu me concentrava em apenas morder, mastigar e engolir, ignorando a qualquer custo o banco vazio do meu lado, praticamente gritando para que eu o olhasse.

Tão logo coloquei o último pedaço na boca, deixei o prato e o copo onde estavam e voltei à sala, decidida a me afundar na correção dos trabalhos que havia aplicado e preencher meus pensamentos apenas com os resultados da Tabela Z, parte básica da matéria para o resto do semestre.

A pilha de trabalhos era imensa, visto que as turmas eram grandes, com satisfação a coloquei sobre a mesa de jantar e me sentei para começar meu trabalho. Os trabalhos corrigidos foram se amontoando, um após o outro, numa pilha secundária que indicava o meu progresso, mas antes da metade eu já não conseguia mais me concentrar no que estava fazendo.

Soltei a caneta vermelha sobre as folhas, irritada comigo mesma, e tampei o rosto com as mãos, me impedindo fisicamente de olhar a cada minuto para a porta, completamente imóvel desde que a fechei.

—Para, Ginny, ele não vem! - Lembrei a mim mesma em voz alta.

Me parecia tão errado passar essa noite sem comemoração, sem jantar especial, sem presentes trocados, sem o vinho de sempre, sem ouvir aquele “eu te amo” que me fazia flutuar. Era tão inadequado passar essa noite sozinha.

Em momentos como esse, que eu sentia falta dele de um jeito que não conseguia nem explicar, era difícil controlar a raiva de mim mesma. Já fazia seis meses, não seis dias, nem seis semanas, mas meses, e eu não tinha me acostumado completamente.

Auto comiseração nunca foi uma característica minha, e nem seria, então minha vida continuou exatamente como era, exceto pela ausência de um marido: trabalho, família, amigos, coisas que eu gostava de fazer, absolutamente nada mudou. Ainda assim, esporadicamente eu me sentia tão sozinha que era impossível não desejá-lo aqui outra vez.

Hipocrisia também não era meu forte, então eu podia afirmar que a solidão não era falta de alguém, era falta do Harry. Certos vazios tem a forma exata de alguém, esse tinha a forma dele, e eu nunca deixei de demonstrar e dizer quanto dentro de mim o pertencia.

Exatamente por isso era tão difícil aceitar que ele foi embora, meu marido sabia perfeitamente o estrago que estava deixando quando bateu a porta.

Permaneci na mesma posição por alguns minutos, decidindo o que fazer para acalmar minha necessidade de fazer alguma coisa. Minha cabeça era um emaranhado de coisas que eu adoraria estar fazendo nesse momento, mas todas elas envolviam uma ligação, um par de olhos verdes como companhia, duas taças de vinho e um desfecho que nos fizesse terminar a noite sem roupa e sem fôlego, e isso estava fora de cogitação.

Eu não conseguiria me concentrar em outra coisa, pensar em outra coisa ou sequer fazer outra coisa enquanto o relógio não me indicasse que o dia 28 havia chegado. Mesmo que eu não quisesse pensar dessa forma, antes disso ainda era nosso dia e não poderia passar totalmente em branco.

Desliguei o celular para evitar qualquer interrupção da minha noite, fui até a cozinha e apanhei a garrafa de vinho que estava no armário há muitos meses. Depois de abri-la, peguei uma taça, apaguei todas as luzes enquanto passava e subi a escada sem pressa.

A privacidade de estar completamente sozinha me permitia dar vazão às minhas vontades, mesmo as mais estranhas, como essa. Eu não precisava esconder de mim mesma esses momentos ridículos, o resto do mundo não saber já era suficiente. Não importava que não houvesse mais casamento para fazer aniversário, eu teria minha comemoração.

Pensando nisso, abri a porta do nosso quarto e entrei.

Dessa vez não ignorei o cheiro, o aspirei até encher os pulmões de ar e me inundar, e não evitei olhar para a cama. Varri com os olhos todo emaranhado de edredom e lençol que eu mantive ali mesmo depois de seis meses, deixei a garrafa e a taça sobre o criado mudo e voltei ao corredor para buscar o que faltava.

Entrei no meu quarto tempo suficiente para apanhar o travesseiro dele, que ainda ficava sobre a minha cama, e o lenço muito elegante que ganhei exatamente um ano atrás, mais ou menos nesse mesmo horário, em comemoração às nossas bodas de algodão, material que compõe o tecido do meu presente.

Voltei ao cômodo anterior e me acomodei sobre o colchão confortável, as costas apoiadas na cabeceira e as pernas esticadas, ocupando o lado que meu ex marido usava para dormir. Enchi a primeira taça, prendi o travesseiro entre os braços e degustei minha bebida lentamente enquanto rolava entre os dedos o tecido delicado do meu lenço, olhando com atenção cada detalhe da peça.

Minha primeira lágrima caiu quando a garrafa estava pela metade, eu ainda estava na mesma posição. Afundei o rosto no objeto macio a que estava abraçada, mas senti apenas o cheiro do amaciante que perfumava a fronha recém trocada. Toda vez que Harry saía antes de mim da cama, assim que ficava sozinha eu puxava o travesseiro dele para mim, a peça impregnada com seu cheiro, mas essa característica já não existia mais.

Se fosse para ser ridícula por uma noite, eu seria por completo. Pousei minha taça ao lado da garrafa, me levantei um pouco zonza e fui até o meu antigo armário. Puxei da primeira prateleira o nosso álbum de casamento, uma pasta de couro escuro, elegantemente adornada com um G e H entrelaçados, grafados em letras douradas.

Voltei para a cama, enrolei o meu lenço no pescoço, coloquei o travesseiro sobre o colo e o abri, a foto que me encarou na primeira página era minha e dele, sorrindo cúmplices um para o outro enquanto segurávamos uma placa com a data do grande dia. O foco era a placa, então ela estava completamente nítida, enquanto nós dois um pouco embaçados pelo efeito. Tiramos aquela foto num ensaio fotográfico pouco mais de um mês antes, e eu estava rindo porque ele tinha acabado de dizer como aquilo era brega.

Ri de novo ao me lembrar, sequei mais uma lágrima, terminei de um gole a minha taça antes de enchê-la novamente, e continuei olhando as fotos.

Meu vinho terminou muito antes do fim do álbum, mais ou menos na foto em que estamos nos beijando após a troca de alianças, mas continuei vendo até o fim, ilustrado numa foto em que estamos no banco de trás do carro antigo, a caminho do hotel onde passamos nossa noite de núpcias.

Ri com ironia ao pensar que seria um fim mais real se estivéssemos nas extremidades opostas do assento, e não grudados no meio, presos num abraço que Harry parecia muito feliz em manter enquanto eu apoiava minhas mãos sobre os braços dele.

Ver todos aqueles sorrisos felizes e radiantes era estranho, porque hoje eles pareciam pedaços trazidos de outra vida, não da minha.

Empurrei para o lado o álbum e a pasta que o guardava, me levantei tempo suficiente para apagar a luz e voltei a me acomodar. Puxei a coberta para cima de mim, deitei a cabeça no travesseiro dele e mantive meu último presente de casamento preso entre os braços.

Com o quarto escuro e o silêncio absoluto, as lembranças dessa outra vida ficaram mais presentes, assim como meus pensamentos sobre o Harry: o que será que ele estava fazendo na nova vida dele? Será que se lembrou desse dia? Pensou em mim por pelo menos um minuto? Também tratou a ocasião com um dia especial ou está sentado em frente à TV, dividido entre o Telecine e a tela do celular?

Eu nunca saberia, mas isso não importa, afinal nada mais a respeito dele é problema meu.

Eu já conseguia sentir o sono chegando, o vinho fazendo seu papel de deixar as coisas mais fáceis, e não lutei contra ele. Dormir era tudo o que eu queria, o dia seguinte deixaria tudo isso no passado e eu seria eu mesma outra vez.

 

POV Harry

A primeira coisa que me causou estranheza naquele dia, foi acordar sozinho e precisar engolir o beijo de bom dia e a vontade de ter o corpo quente dela ao meu lado para eu provocar enquanto Ginny fazia sua manha habitual antes de abrir os olhos.

Depois vieram uma sucessão de pequenos detalhes que me mostraram que nada naquela quarta-feira seria normal.

Não tinha bilhetinho carinhoso na minha carteira, no espelho do banheiro e nem em nenhuma parte do meu caminho até o carro. Não teve ligação em nenhuma hora do dia. Não tinha um presente na minha gaveta do trabalho, único lugar possível para deixá-lo sem que a curiosidade da minha esposa estragasse a surpresa. Não mandei e nem recebi nenhuma mensagem romântica e com certeza não teria jantar de comemoração quando eu chegasse em casa.

O dia se arrastou sem que eu conseguisse me concentrar completamente em nenhuma tarefa que precisava executar, o que resultou no acúmulo do meu trabalho para o dia seguinte.

Quando o relógio marcou o minuto exato em que se encerrava meu expediente, desisti de tentar fazer outra coisa que não pensar em Ginny, e fui fazer isso em casa.

—Já vai? - Helen estranhou quando me viu levantar da minha cadeira pontualmente, o que era bastante incomum ultimamente.

—Já, hoje não é um bom dia. - Respondi simplesmente, sem dar detalhes. - Até amanhã, boa noite.

Ela só observou enquanto eu saía, mas me poupou de qualquer comentário.

Nesses seis meses longe de casa, houve dias bons e dias ruins, momentos de calma e lucidez em que eu me tranquilizava por ter feito a coisa certa, afinal aquela vida de negligência e desconfiança não nos estava fazendo bem, e momentos de saudade e quase desespero por querer estar no lugar do qual eu escolhi sair.

Mas nenhum dia como o que deveríamos estar comemorando três anos de amor incondicional, fazendo valer mais um aniversário do "para sempre" que prometemos um ao outro.

Há meses eu já não estranhava fazer o caminho do meu apartamento, mas aquelas ruas tão diferentes do bairro residencial e tranquilo onde era nossa casa me pareciam erradas enquanto eu as percorria. Passar pela portaria, subir no elevador e atravessar o pequeno hall foram atitudes que meus reflexos estranharam tanto, que achei melhor conferir o número da porta antes de colocar a chave na fechadura.

O interior vazio me recebeu com mais uma pontada de estranheza, eu quase pude ouvir os passos empolgados em minha direção, antes de ser esmagado em um abraço que certamente a faria tirar pés do chão, como teria acontecido se eu estivesse abrindo a porta certa.

Desabotoei a camisa à caminho do quarto e a deixei de qualquer jeito sobre a cômoda, a calça foi deixada de lado logo depois do sapato e o restante da roupa igualmente abandonada antes que eu entrasse no banheiro. Demorei propositalmente no banho, preocupado apenas em manter meus pensamentos vazios.

Me enxuguei, tirei o excesso de água dos cabelos e voltei ao quarto para vestir uma cueca limpa. Sem me preocupar com qualquer outra peça de roupa, me joguei de costas na cama e cobri o rosto com as mãos, sem conseguir adiar mais o momento de me ressentir por passar esse dia sozinho.

Puxei o celular de cima do pequeno criado mudo e selecionei minha pasta de imagens. Eu não era muito de tirar ou ficar olhando fotos, mas sabia que ali encontraria o rosto que queria tanto ver.

Selecionei a primeira imagem, onde Ginny aparecia sentada em uma cadeira na casa do irmão e sorria na direção da câmera do meu celular, olhei por um tempo para a pose despreocupada e passei para as próximas. Ela de pijama no sofá de casa, deitada na minha frente em uma espreguiçadeira na praia, no ponto turístico da última cidade que visitamos.

Ri comigo mesmo e olhei com mais atenção uma foto que ela me mandou usando apenas lingerie, um conjunto vermelho bastante revelador, num dia em que eu precisei trabalhar até mais tarde, para ilustrar por que eu deveria ir logo para casa. Fiz o mesmo com outra que eu mesmo tirei numa tarde em que entrei no quarto e a encontrei deitada de bruços na cama, usando apenas calcinha e uma camiseta minha, essa última um close apenas da bunda dela e um pedaço do cabelo vermelho fazendo contraste com o tecido branco da minha roupa.

Havia uma sequência de fotos, mas reparei que era uma sequência pequena demais se comparada a quando éramos apenas namorados e minha memória não suportava todas as fotos que tirávamos juntos, eu tirava dela e ela me mandava. Não bastasse isso, não identifiquei nenhuma fotografia com menos de um ano. Quando foi que parei de achar importante ter fotos da minha esposa?

Passei todas as fotos vezes suficientes para saber qual seria a próxima de qualquer uma delas, decorei cada pose, cada sorriso, cada roupa que ela estava usando, cada expressão. Quando não havia mais em que prestar atenção, parei na foto em que ela aparecia apenas de lingerie e gastei os próximos minutos fantasiando, como eu sentia saudades de tudo aquilo.

Soltei o celular sobre o colchão, passei as mãos no rosto em um gesto firme e respirei fundo para acalmar a excitação que já me dominava. Joguei as pernas para fora da cama e me levantei, ficar em casa não estava me ajudando a ter uma noite mais agradável.

Tirei uma roupa limpa do armário, me vesti sem muito capricho, ignorei a bagunça dos meus cabelos e saí. Eu não tinha nenhum destino em mente, apenas a vontade de não estar sozinho me motivando a continuar dirigindo.

Virei à direita em uma rua repleta de bares e parei em frente a um deles, cujo nome não reparei. Me acomodei em um banco no balcão e pedi uma cerveja. Minha vontade era beber qualquer coisa muito mais forte que isso, mas o fato de precisar dirigir me impediu.

Bebi o primeiro copo rápido, o segundo degustei com mais calma. Ali estava o ambiente repleto de gente, conversas pipocando à minha volta, mas eu não me sentia nem um pouco menos solitário.

Puxei a carteira do bolso e tirei de dentro a foto dela, também não me trouxe nenhum conforto. Coloquei a fotografia sobre o balcão e continuei apreciando minha bebida, deixando meu pensamento voar por uma época em que as coisas eram menos complicadas e minha única preocupação seria se Ginny iria gostar do meu presente.

—Ai! - Uma voz fina falou alto ao meu lado, ao mesmo tempo em que me senti ser prensado. - Desculpa, moço.

Apoiei as mãos no ombro da mulher que praticamente caiu cima de mim e a ajudei a se equilibrar. Ela não devia ter mais do que vinte anos e não estava bêbada, mas também não estava sóbria.

—Não tem problema, tá tudo bem?

—Tá tudo bem. - Os olhos dela focaram meu rosto e ela sorriu. - Na verdade, está melhor agora.

Ri da frase ensaiada, fazia tanto tempo que eu não era paquerado que foi até engraçado.

—Por que você está sozinho aqui?

Dei de ombros, indicando que a resposta era irrelevante.

—Você não devia estar sozinho, vou fazer companhia para você. - Se ofereceu determinada.

Antes que eu tivesse tempo de aceitar ou negar, ela se aproximou ainda mais de mim. Endireitei as costas para me afastar um pouco, mas ela deu um pequeno passo à frente, o peito encostado no meu.

—Moça... - Tentei falar alguma coisa, mas meu estado de choque não ajudou e ela foi mais rápida.

—O que é? Você está sozinho, não está?

—Estou, mas...

—Então, está! - Afirmou e me beijou.

Senti o momento exato em que os lábios dela encostaram nos meus, quando sua mão direita se enroscou no meu cabelo e a esquerda espalmou minha coxa. Senti sua língua se chocar com a minha em um movimento cadenciado, explorador. Mas apesar disso, era apenas um beijo. Vazio, sem gosto e sem significado, nada mais que um beijo. E um beijo que eu não queria, pelo menos não nesse dia.

Forcei minhas mãos a se moverem das laterais do meu banco, de onde não saíram, e as apoiei em seus ombros, empurrando-a para longe de mim. Ela me encarou com expectativa por trás dos olhos escuros emoldurados por longos cabelos pretos, mas eu nem soube o que dizer.

Coloquei sobre o balcão uma nota suficiente e disse ao garçom que ele poderia ficar com o troco. Puxei a carteira dali de cima e me virei com pressa para ir embora.

—Você nem vai perguntar meu nome?

—Não.

Sequer olhei para os lados à caminho da porta. Ainda ouvi uma voz me chamar duas vezes por "senhor", mas eu não estava interessado no que quer que fosse e continuei meu caminho até a rua.

Bati a porta do carro com força e encostei a testa no volante. O que eu acabei de fazer?

Era nosso dia, a data que escolhemos juntos para ser nossa para sempre, e eu a estava comemorando com um beijo diferente.

Não me importava que não estivéssemos juntos, a única coisa que eu conseguia sentir com o que aconteceu é que eu a estava traindo no pior dia possível, no nosso dia. Eu não queria beijar uma garota qualquer num bar, eu queria beijar a minha única garota.

Sem pensar, dei partida no carro e fiz o caminho que eu conhecia tão bem. Me concentrei em manter a mente em branco até parar entre ao meio fio, em frente a nossa casa.

Minha única vontade ao fazer esse trajeto era vê-la, saber que estava tudo bem e implorar para que ficássemos bem e voltássemos a ser nós outra vez. Nem no dia seguinte à nossa separação eu me senti tão arrependido por ter ido embora.

Levei a mão à maçaneta da porta, decidido a tocar a campainha e chamá-la, e cheguei a abri-la. Mas a coragem me faltou e eu a fechei novamente.
Que direito eu tinha de bagunçar a vida dela e achar que ela deveria arrumar a minha minutos depois de beijar outra pessoa? Que direito eu tinha de trai-la, quando eu nem sabia que era capaz? Será que é por isso que Ginny era tão ciumenta? Será que ela via essa pessoa que eu nem sabia que existia dentro de mim?

Minha única vontade era preencher minha memória recente com o beijo certo, que teria o gosto certo e viria acompanhado do toque certo, mas eu me sentia completamente indigno.

Pela primeira vez prestei atenção na nossa casa, o carro dela estava na garagem, mas eu não conseguia ver nenhuma luz acesa. Ainda era cedo para o horário que ela normalmente dormia, será que não estava em casa? Com o carro dela aqui, quem estava fazendo companhia?

Será que Ginny estava fazendo o mesmo que eu, e tentando achar meu gosto em outra boca? Num rompante egoísta, desejei que ela não conseguisse, porque eu não consegui.

Espantando qualquer pensamento a respeito da minha mulher com qualquer outra pessoa, dei partida no motor e fui embora.

Meus pensamentos eram um misto de raiva, saudade e ciúmes durante todo o percurso, a ideia de Ginny em outros braços me fazia entender um pouco como ela se sentia quando eu chegava mais tarde do trabalho.

Mal fechei a porta e me livrei da camisa, que estava impregnada com o cheiro daquela garota, o cheiro errado. Enfiei o resto das roupas no cesto da lavanderia e me encaminhei decidido ao banheiro.

Não fazia nem quatro horas do meu último banho, mas eu precisava de outro. Dizer que eu me sentia mal era piada, eu nem sabia nomear meus sentimentos. Abri o registro e deixei que a água fizesse seu papel em me livrar de qualquer resquício da cagada dessa noite.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!
E essas maneiras diferentes que eles tem de lidar com lembranças do outro, hein? A saudade não deu trégua nesse capítulo...
Aguardando ansiosa pela opinião de vocês.
Beijos e até semana que vem.