Amores Perdidos escrita por JM


Capítulo 5
Capitulo IV


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas!!
Não tenho muito a dizer hoje, o capitulo dirá por si mesmo.
Quero só agradecer, a querida da Cath Locksley Mills pelo comentario no capitulo anterior. espero que goste desse tambem miga!
Boaa leitura a todos!



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“ Mas a saudade é isso mesmo, é o passar e repassar das memórias antigas”.

Londres, 1778

A chuva, que começara com uma fina garoa, agora caia pesada, transformando-se rapidamente em uma tempestade. O vento assoviava em seus ouvidos como se lhe contasse um segredo, e segurando o paletó por cima de sua cabeça com uma das mãos e um ramalhete de rosas vermelhas na outra, Robin corria a toda velocidade pela rua, sentindo as gotas de água perfurarem suas costas como pequenas e finas agulhas.

A casa de Regina, um sobrado amarelo canário, já estava à vista, faltavam apenas alguns metros, e então ele estaria abrigado sobre um teto seco, os olhos de sua amada morena voltados para ele, transbordando preocupação por seu estado ensopado. Depois que ela certificasse que ele estava bem e fora do risco de contrair um resfriado, eles se sentariam na sala, ele com um cobertor ao redor dos ombros, ela, com um sorriso a iluminar o rosto, e ririam da situação, como quase sempre acontecia.

O estrondo dos trovões ecoou pelo céu, preenchendo os ouvidos do loiro, que agradeceu mentalmente por estar a caminho de um abrigo, já que a chuva dava sinais de que iria aumentar de intensidade a qualquer momento.

Finalmente, depois do que lhe pareceu uma pequena e torturante eternidade, Robin se viu diante dos degraus da casa de sua morena, e bateu na porta com os nós dos dedos o mais forte que pode, lutando para se fazer ouvir por detrás da voz furiosa da tempestade que castigava a cidade.

Um minuto inteiro se passou sem que ninguém fosse atender a porta, e o loiro se perguntou se não o haviam escutado bater, ou se a casa estaria vazia. Se a resposta fosse a segunda opção, Robin se perguntou onde estaria Regina, se estaria abrigada da chuva, presa em algum lugar enquanto aguardava que a tormenta cessasse.

Quase no mesmo instante em que estes pensamentos passaram por sua mente, a porta se abriu para dentro da casa, e uma criada apareceu diante dele, parecendo temerosa, como se não esperasse vê-lo por ali. Sem dizer nada, ela se afastou da porta, permitindo que ele entrasse, e voltou a fecha-la em seguida, com um baque surdo.

— Não estávamos esperando uma visita sua hoje, Senhor Robin. Temo que esta não seja a melhor ocasião para...- a criada começou a falar, olhando de esguelha de Robin para o corredor, como se temesse ser ouvida por alguém, como se sentisse medo de suas próprias palavras.

— Aconteceu alguma coisa Emily? – questionou o loiro, sentindo que havia muito mais na hesitação da moça do que propriamente nas palavras que esta lhe dirigia.

A moça abriu a boca para responder, mas não foi preciso que ela dissesse mais nada. Os gritos chegaram aos ouvidos de Robin vindos do andar de cima, e ele se perguntou o que estaria causando toda aquela confusão. Ele ouviu a voz de Regina, estridente e chorosa. Não conseguiu entender todas as palavras que haviam sido ditas, já que os trovões voltaram a ribombar lá fora, mas o pouco que ouviu já foi o suficiente para ter certeza que algo de muito errado estava acontecendo.

Sem esperar por convites ou explicações, Robin corre escada acima, subindo de dois em dois degraus, atraído pela voz de sua morena, que aparece mais alarmada a cada segundo que passava. Seu paletó molhado foi esquecido, jogado ao chão, e as rosas vermelhas balançam frouxamente em sua mão enquanto ele cobre a distancia que o separa da discussão acalorada que ocorre no andar de cima.

No quarto, a discussão já dura algum tempo, e desde que começara, Regina se esforçava para entender qual era sua causa. Porque desta vez tinha vindo parar numa casa como aquela? Porque sua mãe tinha que ser tão petulante e preconceituosa? Qual era a dificuldade dela em aceitar as escolhas e decisões de sua filha?

Essas perguntas rodavam na mente da morena enquanto ela escutava as mesmas palavras que sua mãe vinha repetindo desde que aquela confusão tivera inicio como se fossem as únicas coisas que ela soubesse falar.

— Não sei onde errei com você Regina. Criar uma filha com tanto esmero e carinho para ela se engraçar pelo primeiro homem que aparece em sua porta. E pior, um homem sem classe, sem porte, e sem um tostão furado. Logo você, para quem eu tinha grandes planos.

Cansada de ouvir a mesma ladainha repetidas vezes, Regina explodiu, finalmente liberando toda a raiva e a frustração que sentia com relação às atitudes da mãe. – Chega!! Não aguento mais ouvir à senhora falar sobre isso. A senhora não manda na minha vida mãe, não tem direito de fazer plano algum para mim, entendeu? Não tem o direito de escolher nada, muito menos escolher por quem vou me apaixonar. – esbravejou a morena, querendo dar um fim aquela discussão estúpida e sem sentido.

— É ai que você se engana. Sou sua mãe e você me deve total obediência Regina. E acredite, por mais que você seja uma decepção, um estorvo em minha vida, não vou permitir que cometa os mesmos erros que eu e se case por ilusão de algo tão volúvel e incerto quanto o amor. Vou separa-la desse pobretão que você se enche de orgulho para dizer que é seu namorado. Vou manda-la para longe, e arranjar o melhor partido que puder para casar com você. – a voz da mais velha permaneceu baixo, mas perigoso. Cora não precisava se exaltar para que suas palavras tivessem algum efeito, bastava dizê-las em seu tom autoritário habitual. Tinha certeza de que suas palavras haviam atingido Regina de uma forma muito mais eficaz do que se ela tivesse gritado.

Regina não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Como sua mãe podia acreditar que iria separa-la de Robin? Como ela pensava que poderia separar um amor como o deles, que sobrevivia havia séculos, imune às areias do tempo? Como ela podia ser tão vil e cruel, a ponto de priorizar o dinheiro e as posses em detrimento da felicidade da filha? A morena não conseguia achar nenhuma resposta para aquelas perguntas, mas decidiu que não iria permitir que os planos de sua mãe se concretizassem, nem que para isso tivesse que dizer adeus a aquela casa e a aquela vida que nunca pedira.

— A senhora ficou maluca? Isso não vai acontecer! Prefiro sumir desta casa antes de permitir que a senhora me separe de Robin, entendeu? Não, é claro que não entendeu. A senhora nunca entende nada do que eu digo não é? Nunca me escuta, não presta atenção em mim. Tudo que te importa é que eu arranje um bom casamento, um bom partido que possa sustentar seus gostos caros, já que a fortuna que papai lhe deixou não é suficiente. Já que sou tão decepcionante quanto diz que sou, acho que a senhora não irá se importar de não me ver mais por aqui não é? – as palavras saíram da boca de Regina em uma torrente desordenada, e instantaneamente ela sentiu como se um nó se desfizesse em seu estomago.

Sim, aquela era a decisão certa a ser tomada. Tudo seria mais fácil se ela simplesmente se virasse e fosse embora. Nada a prendia ali no fim das contas. Nenhum titulo, dinheiro ou joia, nem mesmo as ameaças de sua mãe seriam suficientes para fazê-la mudar de ideia. Ela seria livre, e liberdade, ah, a liberdade não vinha com nenhum preço.

Diante das palavras exasperadas da filha, Cora apenas lhe lançou um olhar de desaprovação. Aquela garota pensava mesmo que poderia desafia-la? Que engano terrível. – Não me faça rir, garota estupida. Você não vai a lugar algum, nem tente se iludir. Você vai fazer exatamente o que eu mandar. E sabe por quê? Porque eu sou mais velha e mais experiente que você, não há nada em que você possa pensar em fazer que eu já não conheça. – respondeu, seu tom de voz finalmente se alterando um pouco, ela estava perdendo a paciência com aquela garota que só fazia trazer desgostos.

— Às vezes eu me pergunto como meu pai se apaixonou por você. O que será que ele viu de bom? Porque sinceramente, tudo que eu vejo é uma pessoa amargurada e cruel, que fica feliz em trazer a infelicidade pros outros. Uma mulher fria, que só se importa com dinheiro. Sabe, tudo que eu consigo sentir por você é desprezo. Desprezo e pena, pela criatura horrível e solitária que você é.

O barulho da mão de Cora no rosto de Regina soou antes das palavras da mulher mais velha, estalando tão alto e estridente quanto os trovões lá fora. A marca dos dedos brilhou escarlate sobre a pele da morena, e Regina sentiu seus olhos se encherem de água quase instantaneamente. Ela cambaleou, ligeiramente atordoada por conta do impacto repentino e encarou a mãe, cujos olhos brilhavam de fúria.

Antes que Regina pudesse reagir ou dizer alguma coisa, Cora voltou a falar, cuspindo as palavras em uma raiva contida. – Não fale do que não sabe! Não ouse colocar o seu pai no meio dessa história. Não tente me desafiar, eu garanto que irá se arrepender!

— Ah é? E o que a senhora vai fazer se eu não a obedecer? Vai me bater de novo? – gritou à morena, furiosa com a atitude de sua mãe, sentindo a raiva se inflar por suas veias feito um veneno poderoso.

Tão furiosa quanto à filha, Cora se aproximou dela com a mão levantada, prestes a responder a pergunta que lhe havia sido feita com uma demonstração pratica, mas antes que sua mão completasse o trajeto para atingir o rosto de Regina, uma mão forte segurou seu pulso, e antes que ela pudesse entender o que estava acontecendo, a voz de Robin ecoou pelo aposento, parecendo tão forte quanto os trovões que assolavam o céu da cidade. – Nem pense nisso. A senhora não vai encostar nela. – falou simplesmente, baixando o braço da mulher mais velha de volta para perto do corpo dela novamente.

 

Dias atuais...

Robin

Clic-clic-clic. Ouço o barulhinho da máquina fotográfica, ou como costumo chamar, a máquina dos momentos, e um leve sorriso brota em meus lábios. Estou em um casamento, registrando os momentos felizes de um casal apaixonado.

Esse não costuma ser um dos meus trabalhos favoritos. Não, sempre preferi fotografar pequenos momentos, flashs das vidas que passam ao meu redor, momentos que às vezes parecem cotidianos, insuportavelmente rotineiros, mas que sobre a luz certa de uma câmera, podem se tornar surpreendentemente especiais.

Hoje, no entanto, resolvi fugir a minha regra de não aceitar fotografar casamentos. O porquê disso? Não sei. talvez seja apenas um reflexo por ter reencontrado minha morena. Talvez seja o fato de saber que ela está próxima de mim novamente  que faça com que eu enxergue as coisas por um outro ângulo, que me faz aceitar propostas que em geral recusaria.

Seja por qual motivo for, o fato é que estou em um casamento, passeando pela tenda onde se realiza a cerimonia, tentando capturar as melhores partes de tudo. Os noivos parecem felizes. Mesmo sobre a lente da câmera, posso ver o olhar de cumplicidade e amor que dirigem um ao outro. Em alguns momentos, quando olho para eles, é como se estivesse mergulhado em uma memória minha e de Regina. Esses dois tem o mesmo olhar que nós costumávamos ter. Um olhar que diz muito sem precisar pronunciar nem uma palavra que seja.

Sinto falta disso. Dessa nossa sintonia, de nossa proximidade... sinto falta de nós. E essa falta, que eu por muito tempo acreditei que iria desaparecer quando eu enfim a reencontrasse, parece só aumentar, talvez pelo fato de desta vez ela não se lembrar de mim.

Já faz quatro dias desde que nos encontramos naquele café. Quatro dias desde que a vi pela ultima vez, e a saudade que sinto dela chega a ser sufocante. A todo momento ela está em minha mente, e mesmo agora, quando tiro fotos dos noivos com os braços entrelaçados e taças de champanhe nas mãos, meus pensamentos fogem ao encontro dela.

Não posso deixar de me perguntar como seria se ao invés de Alisson e Jack, fossemos eu e ela trocando votos de amor eterno em uma festa como aquela. Consigo até imagina-la com um vestido branco, deslumbrante como sempre, caminhando serenamente até o altar enquanto eu a espero, um sorriso bobo e encantado brincando em meus lábios. Enquanto esses pensamentos borbulham em minha mente, não posso deixar de me perguntar se um dia teremos a chance de ter algo assim, nem que seja uma única vez.

O clic-clic continua por mais algum tempo. Passo por amigos sorridentes e um pouco bêbados, que entretém os convidados com suas piadas sem graça. Tiro fotos de crianças barulhentas e divertidas, que parecem não se importar com seus trajes finos e elegantes, e correm pela festa como se aquele lugar fosse um imenso playground. As crianças são seguidas pela decoração e fotos com o bolo, até que por fim, o grand finale são as imagens dos noivos abraçados com a luz do por do sol para iluminar seus sorrisos largos e olhares perdidos.

Quando a noite cai, estou finalmente voltando para casa. Apesar de estar cansado, decido ir a pé, já que o local onde moro não fica muito longe de onde a cerimonia se realizou. Enquanto caminho, minha mente está de volta a Regina, e eu me pergunto como ela está, o que está fazendo. Mais importante que isso, me pergunto se ela pensa em mim tanto quanto eu penso nela, ou se já se esqueceu do homem que lhe ofereceu uma fatia de torta e um ombro amigo.

Uma sensação esquisita se apossa de mim, um aperto no peito, uma angustia desmedida que não consigo identificar de onde veio. Alcanço o celular em meu bolso, e verifico a tela, na vã esperança de que haja alguma ligação perdida ou ao menos uma mensagem de texto dizendo “olá”, mas como todas as outras vezes, a tela do aparelho brilha vazia, e eu sinto meu coração afundar um pouquinho mais.

O numero dela está lá, ao alcance de um toque meu, mas algo me impede de apertar o botãozinho verde e me arriscar a ouvir o som da voz dela. E se Regina estiver melhor sem mim? E se ela não quiser que eu me aproxime? E se aquele encontro no café, durante o qual ela se abriu e desabafou comigo, foi apenas um momento de fragilidade, e não um resquício de nossa antiga ligação?

As perguntas borbulham em minha mente, e por mais que eu tente e me esforce, não consigo encontrar resposta para nenhuma delas. Estou dividido, afogado em um mar de incertezas e possibilidades, e não consigo enxergar a luz do farol ou o bote salva vidas.

Sem que eu realmente tenha me dado conta disso, estou em meu apartamento, girando a chave para abrir a porta. Cansado, largo a mochila com a câmera em uma cadeira qualquer, e desabo no sofá, o celular ainda preso em minha mão, como se estivesse à espera de minha decisão.

O rosto de Regina está de volta a minha mente, e junto com a imagem da minha morena, ouço as palavras que escutei quando procurei saber o que estava diferente desta vez. “Mas sei de uma coisa: o amor não é construído somente por recordações, e o sentimento, o amor dela por você, continua intacto. Tudo que você tem que fazer é mostrar isso a ela. Quem sabe se o que os dois precisam não são de novas memórias?”

Novas memórias. Amor intacto. As palavras giram e giram em minha mente como se fossem ingredientes para uma sopa que cozinham a fogo lento. Será que aquilo daria certo? Será que eu conseguiria reavivar o amor de Regina que estava adormecido?

Aquelas eram apenas mais algumas perguntas, mais questionamentos para a minha lista de coisas “a descobrir”, mas percebo que nenhuma daquelas perguntas verdadeiramente importa. Não importa se tudo der errado. Eu não vou deixar de tentar. Não vou deixar de lutar para ter minha morena de volta. Acho que não deixaria de tentar, mesmo que já soubesse tratar-se de um fracasso certo.

Sem pensar muito, com medo de que se pensasse demais acabaria desistindo, abro a tela de meu telefone e encontro o numero de Regina. O botãozinho verde acende do lado direito, como se me instigasse a aperta-lo .

Regina

O celular está na minha mão, um tijolo de silencio que aperta meu coração. Eu queria ligar. Mais de uma vez ensaiei em fazer isso, abrindo a tela e vendo o numero de Robin piscar para mim, como que se fizesse um convite, um convite que, toda vez que estou prestes a aceitar, acabo desistindo, minha mente se enchendo com teorias mirabolantes, uma lista de motivos para que eu deixe o silencio perdurar.

Já se passam quatro dias. Quatro dias de silencio. Quatro dias de memórias. Sim, memórias. Desde nosso ultimo encontro no café que tudo que faço é reviver aqueles momentos, relembrar a forma carinhosa com a qual ele me ajudou a superar o ataque de asma e depois conversara comigo, tentando me mostrar que eu poderia superar meus problemas. Ele parecia ter tanta confiança em mim....

O que está acontecendo comigo afinal? Porque não consigo tirar a imagem de Robin da minha mente? Porque sempre que fecho os olhos é o sorriso de covinhas e seus olhos, tão azuis quanto o mais profundo dos oceanos, que domina minha cabeça? Eu simplesmente não consigo entender. Nunca fui o tipo de pessoa que permite que os outros se aproximem com facilidade. Tenho dificuldade de me abrir, de falar sobre o que sinto. Se tem uma lição que aprendi com a minha mãe é que nunca devemos mostrar fraqueza diante dos outros....e no entanto, quando se trata de Robin, todas as minhas barreiras parecem sumir como num passe de mágica.

Foi tão fácil conversar com ele...tão simples me abrir e falar sobre meus problemas....e eu simplesmente não consigo entender o motivo disso. Nós nem nos conhecemos, só nos vimos duas vezes, e mesmo assim...tudo me pareceu tão certo na hora. Foi como se eu sentisse que podia confiar nele, que podia desabafar sem medo de reprimendas ou julgamentos...

A campainha toca estridente, me arrancando de meus devaneios e me jogando de volta a realidade. Estou sozinha em casa, Daniel já não aparece a quase dois dias, e pela primeira vez isso não me importa. Desde o começo de nosso relacionamento, essa é a primeira vez que não estou desesperada por noticias dele, o que é realmente estranho.

Deixo meu celular sobre a mesinha de centro e caminho até a porta, imaginando quem poderia ser do outro lado. Será que Daniel perdera a chave? Ou será que era só a correspondência? Por um mágico e irreal segundo, me pergunto se poderia ser Robin do outro lado, me presenteando com seu amável sorriso de covinhas.

Tão rapidamente quanto esses pensamentos surgem em minha mente, eu percebo o quanto são irreais. Robin nem sabe onde fica a minha casa, é claro que não poderia ser ele. Agora estou diante da porta, girando a maçaneta, prestes a ver o que me espera do outro lado. Quando meus olhos pousam na pessoa que está parada a porta, não consigo refrear um desejo de ter mantido a porta fechada.

Minha mãe, com toda a sua pose e frieza, está empertigada diante da minha porta, com uma expressão de poucos amigos. Sem esperar por convite, ela começa a andar, e tenho que sair do caminho para que ela não colida comigo. Ainda e choque com a súbita aparição (minha mãe não costuma me visitar com frequência, e quando isso acontece, nunca é uma visita agradável), fecho a porta da sala e me viro para encara-la, meus olhos fazendo a pergunta que minha boca não conseguia fazer.

— Ainda me pergunto o que você fax em um lugar como esse. – a voz de minha mãe era cortante, e ela passeava o olhar por minha sala com desaprovação.

— Veio aqui apenas para insultar minha casa? – respondo, repentinamente percebendo que estou sem paciência para as grosserias de minha mãe. “Você não pode deixar que ela te afete desse jeito”. As palavras de Robin voltam a minha mente. Ele tem razão, não posso permitir que minha mãe faça da minha vida um inferno, não de novo.

Parecendo ligeiramente surpresa com minha resposta, ela volta a falar tentando inutilmente eliminar o descaso de sua voz. – Não Regina, não foi para isso que eu vim a sua...casa. Vim aqui para conversar com você.

— Conversar? Isso é novidade. – digo, sarcástica, percebendo que há muito mais nessa visita do que minha mãe está dizendo em suas palavras. Me sinto desconfortável. Apesar de estar na minha casa e minha mãe ser a visita, me sinto uma intrusa, como se não pertencesse a aquele lugar.

— Não seja sarcástica, essa não é uma das suas qualidades, - ela me repreende, e posso notar que está indecisa sobre ficar ou ir embora. Pessoalmente, prefiro a segunda opção. Infelizmente, ela parece se decidir a ficar, e volta a falar, os olhos de contas grudados nos meus, como se me avaliasse. – Estou aqui para saber quando você vai parar de brincar de casinha esse...apartamento, e vai voltar pra casa.

Aquela pergunta me surpreende. Não que ela já não tivesse sido feita. Desde que eu saíra de casa que minha mãe tentava fazer com que eu voltasse, mas ela nunca se desprendera até onde eu morava para isso. Ainda assim, respondo de pronto, sabendo que a resposta para aquela pergunta não vai mudar, não importa a forma como minha mãe a faça.

— Nunca. – digo simplesmente, observando os olhos de minha mãe faiscarem de raiva.

— Porque Regina? O que te prende aqui? Porque tudo tem que ser tão dificil com você? Porque você tem que ser sempre uma decepção ambulante? Eu pensei que quando você ficasse mais velha as coisas seriam mais fáceis. Achei que fosse amadurecer e parar de bancar a menininha sofredora, mas pelo visto estava enganada. – as palavras dela me atingiram feito facas, e eu senti meus olhos se encherem de lágrimas.

Menininha sofredora? Então era isso que ela pensava de mim? Que eu me fazia de coitadinha? Eu sabia perfeitamente bem que minha mãe nunca havia me perdoado pelo que acontecera, sabia que talvez ela nunca me perdoasse, mas não esperava tamanha frieza dela.

— Se eu sou tão decepcionante quanto você diz, porque ainda perde tempo comigo? Porque simplesmente não vai embora e me deixa em paz? Você nunca esteve presente mesmo...não vai me fazer falta agora. – disparo, finalmente permitindo que minha mãe veja o quanto às palavras dela me afetam.

Nossa relação nunca foi exatamente fácil. Nunca chegamos a ter uma verdadeira relação de mãe e filha. E tudo só piorou depois daquele acidente....tenho certeza que ela preferia que eu tivesse morrido ao invés deles. Mas o destino, cruel e caprichoso como só ele, me escolheu para continuar aqui, e minha mãe nunca superou isso.

Os segundos se passam e o silencio perdura entre nós, pesado e desconfortável. Minha mãe olha pra mim como quem encara algo extremamente desagradável, e eu luto para segurar as lágrimas. Ela sempre teve esse dom comigo, de me fazer sentir como se eu fosse a pior dos piores. E talvez, ela realmente esteja certa no fim das contas.

— Você tem razão, eu errei em ter vindo aqui. Você não tem nada que possa ser salvo. – a voz dela sai baixa e contida, e ela para de me encarar, jogando os olhos para o chão. Meu coração afunda, e por um instante desejo que ela tivesse continuado a gritar e falar daquele jeito arrogante, teria doido menos.

Mas minha mãe não faz isso. Ela não grita mais. Nem mesmo volta a se dirigir a mim. Eu a observo se afastar, os olhos prostrados a sua frente, como se não houvesse mais nada para ver. Eu escuto o barulho de seus passos duros e decididos. Ouço quando ela bate a porta ao sair, mas não saio do lugar.

Não me mexo até ter certeza que estou sozinha novamente. E então, depois de alguns segundos, ou minutos, eu senti meu corpo desabar, como se tivesse sido desligado da tomada. As lágrimas, que eu havia lutado tanto para não mostrar a minha mãe, agora rolavam livremente por meu rosto, fazendo meus olhos arderem e meu coração se apertar.

Não gostava de admitir, mas sentia falta da minha mãe. Sinto falta da relação que nunca fomos capazes de construir. Agora, sentada no chão da minha pequena sala, abraçada aos joelhos e embalada pelas lágrimas, me pergunto como seria se tudo fosse diferente.

Mesmo que aquele seja um apartamento pequeno, e que a maioria das minhas coisas esteja espalhada por ele, me sinto como se estivesse em um lugar novo e enorme, completamente desconhecido. me sinto completamente sozinha, perdida numa imensidão vazia e silenciosa.

Meu telefone toca na mesa, quebrando o silencio no qual estou emersa. Penso em deixa-lo tocar, apenas para ter algo que preencha o silencio ensurdecedor que se instalou em mim, mas o zumbido insistente começa a incomodar. Quem será que estava me ligando com tamanha insistência? Daniel? Pouco provável, ele nem se lembra que eu existo quando ta na rua. Minha mãe? Mais improvável ainda, do jeito que saiu daqui, vai ficar sem falar comigo por semanas.

Enquanto tento pensar em quem poderia ser do outro lado da linha, o zumbido insistente continua, até que eu estico a mão e alcanço o aparelho para ver quem é que está tão desesperado para falar comigo. Quando o vejo o nome na tela, meu coração dispara involuntariamente, e sinto as borboletas em meu estomago se agitarem, preparando-se para alçar voo a qualquer momento.

Sem pensar no que estou fazendo, aperto o botão verde para atender a chamada, encostando o celular na orelha e sentindo a tela molhar com minhas lágrimas. A voz dele é exatamente como eu me lembrava, melodiosa e forte.

— Alô? Regina?  


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam??
Por favor comentem!!
Beijinhooos



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