No More Secrets: Segunda Temporada. escrita por CoelhoBoyShiper


Capítulo 12
Eisoptrofobia


Notas iniciais do capítulo

Eu queria ter postado esse capítulo mais cedo.
Em prol de comemorar o aniversário de 2 anos de No More Secrets que foi dia 06/03, mas tive um bloqueio desgraçado que me atrasou 3 dias (agora 4 porque já passou da meia noite enquanto eu escrevo isso).
Pois é, o tempo voa pra caralho. Parece que eu tô escrevendo isso há um ano no MÁXIMO, estourando mesmo.
É nessas horas que eu percebo o quanto eu estou ficando velho, daqui a pouco está sendo 3, se não 4 se eu não atrasar mais os capítulos.
Santo Bill...
Anyway. Eu ainda não estou satisfeito com o título desse capítulo. Eu tenho tantas ideias pra títulos, mas agora eu estou me misturando porque, como vocês verão a seguir, essa temporada já está pronta pra chegar no seu clímax, e eu ainda não sei quantos capítulos restantes terão até o season finale (números exatos). Por isso eu tenho medo de deixar de usar uma ideia boa de título pra um capítulo pra colocar num próximo e esse próximo no caso nunca existir kkkkk
Mas, enfim, ninguém deve aguentar me ouvir falar mais.
Vai ler.

P.s.: capítulo CHEIO de referências HARDCORE pra lá do evidente.



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— Mabel, você acha que duas pessoas que se amam devem ficar juntas independentemente das circunstâncias?

O ônibus abalava-se nos caminhos sinuosos na direção da escola municipal naquela manhã. Um sol brilhante, por mais incrível e acrimonioso que parecesse, havia brotado na paisagem difusa de Piedmont. Os seus raios de luz perpassavam as janelas empapadas de poeira do transporte escolar público. O cheiro de mofo pairava diante do nariz de Dipper, voejando através das partículas de espuma do estofamento que escapava pelas costuras arrebentadas dos bancos do veículo, como flocos de neve da próxima estação que estava por vir. Ele não tirava os olhos do livro que estava aberto sobre suas pernas, nem mesmo quando sua gêmea virou o rosto na direção dele com seu cabelo policromático a reluzir naquela tela corriqueira de incolor.

— Por que essa pergunta tão de repente, Dippy?

— Apenas responda. — frisou ele, voltando-se para o rosto dela. — Você acha que duas pessoas que se amam devem ficar juntas não importa o que for?

Mabel parou por um instante. Fitando diretamente as irises do seu irmão, torcendo para que pudesse identificar nem que fosse um resquício das intenções por trás daquele interrogatório. Encontrou nada a não ser um vazio abissal e misterioso. Como sempre, ela sentia que não podia mais entender o irmão totalmente.

— Isso tem a ver com o seu namorado misterioso, por um acaso? — maliciou brincalhona, levantando os ombros e sobrancelhas simultaneamente.

Dipper não respondeu, apenas continuou olhando para ela seriamente. Mabel percebeu que brincar naquela momento não iria amaciar as ambições estranhas do garoto no momento, então suspirou.

— Sim, Dipper. Eu acho que sim. Duas pessoas que se amam devem ficar juntas.

O motor estourou, parecendo romper o resto de calmaria da manhã sonolenta. Dipper apontou para o livro no seu colo, atraindo a atenção da irmã: era Lolita de Vladimir Nabokov, o livro recomendado pelo seu “professor de literatura”. Após os acontecimentos do dia anterior, e o encontro com Ford no telhado da casa – acompanhado, ainda por cima, da descoberta inesperada sobre o porquê de ter ficado com os poderes de Bill – Pines não foi capaz de dormir. Havia passado metade da noite apenas a revirar no colchão, quando cansou de tentar descansar, procurou uma distração e encontrou o livro escolar a despontar da quina da sua pilha de material didático. Quando ele começou a entrar no enredo, não pôde conter o susto enorme que teve – a história era sobre uma garota de 12 anos, Dolores, que se envolvia romanticamente com um membro da família, seu padrasto e professor de meia-idade, Humbert – ele teve que reprimir a urgência de jogar o livro contra a parede assim que ele notou o quanto a história era parecida com o que ele havia passado.

Ele parecia não ter escapatória nenhuma dos fantasmas que assombravam a sua vida.

Ele não podia negar que era super-similar ao relacionamento que ele tinha com Ford, ou até mesmo com Bill.

Mas, mesmo assim, ele não havia conseguido parar de ler desde então. Tinha de admitir, era ótimo ler sobre a história de alguém similar a sua; mesmo que fictícia, era reconfortante ter um personagem no qual se identificar com as dores e conturbações de um problema tão singular quanto aquele.

Dipper havia se sentido conectado com Dolores.

Virou para Mabel mais uma vez, fazendo a mesma pergunta só que, dessa vez, reformulada:

— Até mesmo Humbert e Dolores? — Silêncio. — Até mesmo o relacionamento deles é válido? Você acha que eles deveriam ficar juntos?

Mabel remexeu-se pouco confortável no seu assento, reerguendo a coluna e ajeitando a postura enquanto respirava profundamente.

— Eu acho que para responder a situação de Humbert com Lolita é um tanto quanto relevante. — disse, com um tom firme que Dipper raramente ouvia dela.

— O que quer dizer?

— Primeiro, quem garante que Dolores estava realmente apaixonada por ele?

A frase atravessou o peito de Dipper, porém não dolorosamente, ele já havia sido atingido por coisas bem piores.

— Bem... er...

— Por exemplo — continuou Mabel. —, você, Dipper, quando tinha 12 anos, acha que seria capaz de dizer estar realmente apaixonado por alguém?

O nó na garanta dele se comprimiu e a sua batida cardíaca se precipitou.

— Veja bem, Dipper, você com 12 anos tinha um crush na Wendy. E você nem gosta de garotas! — sorriu. — Então, quem garante que o que Dolores acreditava sentir por Humbert era válido na idade que ela tinha?

— Então vamos dizer que seja. — Dipper apressou-se, atropelando o raciocínio de Mabel. — Digamos que Dolores esteja certa de quem ela ame mesmo tendo descoberto muito nova. Isso seria válido? Você aprovaria um relacionamento como esse?

O coração de Mabel ficou apertado assim que o seu subconsciente jurou captar o que seria a essência de um tom de esperança na voz de Dipper.

Ela respirou fundo, sem ter certeza. Não era a falta de certeza do que responder, mas sim a falta de responder o que o seu irmão provavelmente queria ouvir.

— Eu acho que não se trata do que os outros pensam, Dippy. — disse, por fim, distante. — Eu acho que se trata do que gera para as pessoas envolvidas.

— O que você quer dizer? — Dipper segurava-se para não soar suplicante. Após a noite anterior, com flashes íntegros de memórias o invadindo do abraço que tinha dado em Stanford, do calor do seu corpo, a maneira com a qual ele havia se sentido tão estável na sua instabilidade... ele só urgia para que alguém mais compartilhasse da sua utopia secreta que não fosse uma caricatura fictícia nas páginas de um livro.

— O que eu quero dizer é: valeu a pena? Veja só o final de Lolita, como exemplo, Humbert terminou na cadeia e Dolores devastada pelo resto da sua vida. Você acha que valeria a pena sofrer tanto por um relacionamento assim na vida real? Até que ponto você está disposto a sacrificar o seu bem-estar por outra pessoa? Dar o mundo inteiro em prol de outra, até que ponto isso é nobre e até que ponto se torna autodestruição? Afinal, o sentido da emoção amor não é nos fazer viver as melhores sensações do mundo? Não é nos fazer sentirmos bem? Então, se fosse pra responder a sua pergunta: sim, eu acho que duas pessoas que se amam devem ficar juntas independentemente da circunstância que seja... mas, o que é certo o que é errado? O que seria “se amar”? Em um relacionamento tão conturbado quanto o dos dois, vale a pena lutar por ficarem juntos sendo que os dois viverão uma vida repleta de sofrimento interminável por mais que eles se amem incondicionalmente? Numa vida de sofrimento constante há espaço para o amor?

Uma pausa longa se estendeu, o sol a iluminar a escuridão dos alicerces daquele tema.

— O que você pensa sobre isso, irmão?

Dipper afastou o rosto do dela, permitindo-se perder na paisagem constantemente mutante do lado exterior. O olhar e o coração endurecidos.

— Não era exatamente o que eu procurava, mas com certeza é algo que vai me ajudar a chegar lá...

Mabel permaneceu o encarando, um assomo de preocupação crescendo e ficando cada vez maior dentro dela.

Por mais que o irmão estivesse sentado ao lado dela, ela nunca sentiu que ele fosse tão inalcançável como naquele momento.

 

*

 

Na parte da manhã, Dipper começou o dia com Química. Ele terminou a sua prova na metade do horário, o que lhe dava tempo o suficiente para se preparar e pensar nas possibilidades que poderiam acontecer no momento em que ele topasse com Bill no terceiro horário; Como se elaborasse um quadro do Gato de Schrödinger da física quântica, pensou em como iria abordá-lo, temeu que ele talvez pudesse notar a presença dos poderes dentro dele, e, caso acontecesse, qual seria o próximo passo. E, caso Bill continuasse completamente alheio ao paradeiro da sua magia da linha do tempo anterior, qual seria os planos que o demônio teria para ele, como ele planejaria usar Dipper para “encontrar” seus poderes de novo...

Muitas possibilidades.

Nenhuma saída.

Antes que ficasse paranoico e sobrecarregado de estresse, Dipper forçou-se a plugar os fones de ouvido e distrair-se com as suas músicas. Happiness, do The Fray era o que estava tocando, o clima da melodia combinava com o ritmo do dia radiante lá fora, porém, tampouco com o interior perturbado de Pines.

Insatisfeito e inquieto, ele abaixou a cabeça no segundo horário, dispensando a aula de matemática como de praxe – uma vez que o quadro negro havia ficado repleto de triângulos equiláteros circunscritos em circunferências, um lembrete silenciosamente ameaçador do que estava por vir dali a alguns minutos.

Voltou a ler mais alguns trechos dispersos de Lolita, porém, por mais que o romance fosse reconfortante e inspirador, deixava-o, ao mesmo tempo, mais angustiado.

Quando o terceiro sinal bateu, ele caminhou com Mabel no rumo do primeiro piso, onde as aulas de literatura geralmente ocorriam. Antes mesmo de terminar de descer as escadas, Dipper sentiu o cenário ao torno dele rodar e suas pernas fragilizarem como se tornassem subitamente de argila.

Ele não estava pronto para encarar aquilo.

Não naquela hora.

Não naquele dia.

— Mabel, eu não estou me sentindo muito bem — era uma meia verdade, ele não queria mesmo era ter que ver A. Evum, ou melhor, o recipiente do corpo dele sendo utilizado pelo seu nêmesis. —, preciso ir na enfermaria.

— O quê?! — espantou-se ela. — De novo?!

— Sim.

— Espera aqui um pouco, vou achar alguém para poder levar nosso material para a sala e eu vou com você. — alertou, voltando-se para dentro da caminhada uniforme de alunos enquanto Dipper ficava avulso num canto.

O garoto aproveitou a oportunidade e deu as costas, imergindo-se nos corredores desérticos do colégio durante o horário de aula. Ele precisava ficar sozinho. Até mesmo de Mabel. Atravessou o prédio até alcançar o banheiro abandonado do ginásio, iria matar a aula de literatura e já esperar ali pela a de Educação Física que era a próxima.

Assim que abriu a porta enferrujada, tal como todo o resto da arquitetura metálica do aposento era, foi saudado pelas teias de aranhas atadas às esquadrias das paredes que eram agitadas pelo vento que saia da janela basculante, oscilando feito mãos fantasmagóricas acenando. A brisa era quente e abafadiça, não obstante, menos sufocante do que as ansiedades psicológicas do garoto.

Tirou a mochila das costas, marchando até o seu armário. O seu armário era o de número “B-26” e a combinação, que ele prontamente colocou assim que apanhou a tranca, era 342. No que a portinhola se abriu, Dipper ajeitou sua mochila dentro, tirando dos pequenos cabides sua roupa de treino: uma regata vermelha adidas, e uma bermuda oxer preta. Ele também conseguia ver o seu moletom vermelho pendurado por um dos ganchos, o mesmo que ele havia usado para ir à casa de Wirt há dois dias – a jaqueta havia sido um presente do seu penpal de um projeto da escola em que ele trocou correspondências com um estudante da cidade de Echo Creek.

Enquanto se vestia, ao tirar a camisa, não pôde deixar de reparar o seu ombro direito desnudo no reflexo difuso do espelho que havia pendurado na parte de dentro da porta do seu armário. Ford havia feito um curativo sobre o ferimento com marcas dentárias. Com um pouco de pesquisa, Dipper descobriu, num site de mitologia, que levar uma mordida de um demônio, tal como arranhões ou qualquer outra transfusão direta de DNA, poderia fazer um humano ser um hospedeiro de parte dos poderes da criatura. No seu caso, aparentemente, ele tinha ficado com tudo. Ele ainda não tinha contado ao tio-avô nada daquilo, mentiu falando que tinha ganhado o machucado durante uma “brincadeira” com Mabel.

Ao terminar de se trocar, Dipper encolhe-se, sentado sobre o banco extenso de tábua compensada, a zapear pelo seu celular, procurando por uma nova mensagem de Wirt. Aquele seria o dia que ele se encontraria com o seu namorado. Também seria o dia em que Dipper planejava contar tudo a ele... não exatamente detalhe por detalhe, ele começaria com o básico, e, com o passar do tempo, ele esperava ser capaz de confiar mais no garoto e abrir todo o jogo. Aquele seria o dia em que Dipper começaria a fazer diferença na sua vida.

Como não havia nova mensagem, Dipper manda uma, tentando confirmar o passeio e o local de encontro depois da aula. Enquanto aguardava uma resposta, ele ouviu um ruído dentro de uma das baias entreabertas do trocador. Ele segura um suspiro de susto, deixando o celular de lado e abaixando-se para que pudesse ver o interior do box pela a grande abertura de baixo.

— Tem alguém aí?

Não houve resposta e Dipper não viu nenhum pé usando sapatos sociais por baixo. Se Bill estivesse ali, só poderia estar se escondendo de cócoras por cima do banco de madeira que havia dentro de cada repartição dos trocadores. Enchendo-se de coragem, Dipper escancarou a porta.

Um silvo supurante o recepciona, acompanhado de uma massa deformada de escamas verdes pegajosas e um grande único olho despontado do centro de oito tentáculos ferozes, que se estenderam indo na direção de Pines.

— Cycloptopus! — berrou Dipper, dando um passo atrás. Sua panturrilha acerta contra o banco, fazendo os dois irem ao chão. A criatura parecida com um polvo sai do box e rasteja veloz ao seu encalço, os tentáculos gesticulando no ar e a boca circular escancarada, mostrando seus dentes prateados e pontiagudos como pregos.

Seu instinto primal de sobrevivência se sobrepujou, e Dipper, mentalmente, virou o olhar para o teto, vendo as infinitas teias de aranha a balançar, o que despertou uma ideia. Persuadindo-as a descerem com os poderes mágicos, o garoto as fez ficarem rígidas como cordas e avançarem na direção do polvo mutante.

A besta tentou se esquivar, porém os sentimentos de Dipper estavam à flor da pele, e o garoto conjurou a sua prisão de teias a ficarem mais ágeis, fazendo-as enroscarem-se nos oito tentáculos do Cycloptopus. O animal lutou contra, enfurecido. Como uma marionete, Dipper o fez rodopiar no ar.

“Estou cansado disso! Estou cansado de fugir!”

Ficou de pé, restringindo mais os seus pensamentos, e as teias de aranha começaram a cobrir o polvo, estancando-o no lugar onde estava, e ficando mais forte e prensadas. Quanto mais Dipper impelia aquela magia, quanto mais ele apertava aquela criatura e a via debatendo-se para sair, mais ele se sentia poderoso.

— Bill Cipher ter voltado não é culpa minha! — gritou bem alto para que o animal que mantinha no seu cativeiro mágico entendesse perfeitamente. — Eu só estava tentando consertar as coisas! Ele continua inofensivo para vocês! Ele não tem mais poderes! Então por que estão atrás de mim?!

— Ordens... do... mestre... — O animal, sufocado na armadilha de teias, respondeu num tom abafado.

— O quê?!

— Ele nos mandou ir até você, para te matar...!

Em qualquer outra circunstância, Dipper teria ficado psicologicamente abalado, mas, dessa vez, tendo o controle sobre toda a situação, ele só ficou mais irritado.

— Bill Cipher mandou vocês me matarem?! Por quê?! — A criatura não respondeu, então Dipper apertou o casulo envolta dos seus tentáculos ainda mais, torturando-o.

— Não...

— “Não” o quê?! — Vociferou. — Não foi o Bill? Ou ele não mandou me matar? Fala, porra!

— Você... é a razão. Temos que terminar com você... antes que ele... — o resto da frase é abafada por uma série de tosses animalescas bruscas.

— Isso não faz merda de sentido algum! Stanford me disse que vocês estavam agressivos em Gravity Falls por causa que temiam a volta de Bill, vocês aproveitaram a barreira enfraquecida para poderem escapar dele, não é isso?! Se vocês não têm um rancor comigo diante disso, então qual é a razão de estarem vindo atrás de mim?! Se tiverem que atacar alguém, ataquem Cipher! É ele que quer causar o mal! Então por que não aproveitam enquanto ele ainda é inofensivo?!

Um grunhido o trouxe de volta à cena que desenrolava diante dele.

O animal estava chorando.

Distraído pelo acontecido, as teias-correntes enfraqueceram, afrouxando o martírio da criatura. O polvo caiu no chão com um baque surdo, ainda chiando em dor. O coração de Dipper se apertou, tomado de culpa.

“O que eu estou fazendo?!”

Sem mais influência mágica na qual serem regidas, as teias bateram em retirada de volta para o teto, voltando a ser tão normais quando antes.

Tentou se aproximar do animal, cauteloso. — M-me d-desculpe... eu...

Assim que notou a presença do menino chegando perto, Cycloptopus aumentou o ritmo e rastejou em pânico na direção do mictório de aço do vestiário. Antes que Dipper pudesse o interceptar, o bicho pulou na vala e, como se fosse flexível feito massa de modelar, contorceu-se para dentro do ralo, fugindo para sempre através do encanamento.

Após ficar parado por vários minutos, rebobinando a cena, Dipper colocou o banco extenso do ginásio de volta no lugar e sentou-se sobre ele, sentindo a marca de nascença ainda formigar e a sensação, que começava a sentir-se prazerosa, da magia de Bill fluindo fluorescente por debaixo da sua pele como fibras de luz óptica.

Ficou impressionado, diferente da noite anterior, Dipper chamou pelo poder e ele apareceu num átimo de segundo. “Estou ficando melhor nisso...”, refletiu, dividido em saber se aquilo poderia ser considerado algo bom ou não.

Os monstros de Gravity Falls agora pareciam ter descoberto definitivamente onde era o colégio de Pines. A escola não era mais um lugar seguro aparentemente. Primeiro gnomos e agora aquilo?

Dipper pensou que deveria se preocupar, e deveria mesmo, estava correndo perigo, e, por alguma razão, os monstros queriam machucá-lo, supostamente, por ele ter sido o responsável por ter trago Bill Cipher de volta.

Mas, por algum motivo estranho, ele não se sentia mais tão preocupado quanto esperava ficar.

A cena que tinha acabado de ocorrer havia despertado algo nele, a realização de que ele já tinha passado por coisas muito piores do que aquilo e sobrevivido e vencido. E com pompa!

Ele se sentia... superior. E gostava daquilo.

Os seus lábios já estavam prontos para se curvarem em um sorriso orgulhoso quando um som vindo do corredor do lado de fora do banheiro lhe pegou a atenção.

Era uma voz familiar, cantando uma música que ele conhecia. Era uma canção do musical Hamilton: You’ll be back.

 

Você voltará

Que nem antes

Eu irei lutar a luta e vencer a guerra

Pelo seu amor

Pelo seu louvor

E eu vou te amar até meus últimos dias

Quando você se for

Eu enlouquecerei

 

“É o Bill!”, o seu subconsciente o alertou assim que ele identificou a tonalidade de Evum, porém, o consciente de Dipper mal se manifestava. Ele se levantou calmamente e esperou enquanto ouvia o som da música se aproximando de onde ele estava. “Por que eu devo temer ele, afinal das contas? Eu tenho o maior poder do universo. Eu roubei dele a sua única e melhor arma!”

 

Então não jogue fora essa coisa que nós tínhamos

Porque quando um empurro se tornar um empurrão

Eu matarei seus amigos e família

Para lembrá-lo do meu amor

 

A porta se abriu e Dipper viu o bico de um sapato e calça social atravessar a moldura do portal. O garoto é tomado por um lampejo de irritação assim que a face do seu “professor” chegou ao seu reconhecimento.

— Oh, senhor Pines. Receio que o senhor tenha se enganado de sala. Respeito a sua dedicação pelos esportes, mas a Educação Física será só daqui a alguns minutos. — ridicularizou com uma voz teatral.

— O que você está fazendo aqui? Esqueceu-se de que tem uma leva de alunos e matérias para cuidar agora?

Bill fechou a porta por trás de si e encostou a coluna contra ela, cruzando os braços sobre o peito definido sob o paletó e a gravata azul marinho. — Sua irmãzinha ficou preocupada quando não te encontrou para levá-lo à enfermaria, então me notificou sobre o seu desaparecimento. Passei um trabalho em grupo qualquer para que os alunos não me atrapalhassem e disse a ela que iria à sua procura.

— Hm. Não deve ter sido difícil me encontrar quando se têm gnomos e polvos de outras dimensões na minha perseguição, não é? — sua ousadia salpicou na sua postura assim que ele, indiferentemente, passou os dedos entre os cachos, arrumando o cabelo, e virou-se de costas para abrir o armário de novo e pegar o material e dar o fora dali.

Bill franziu o cenho. A expressão confusa dele que Dipper capta pelo reflexo do espelho deixa o menino furioso. Ele tinha a habilidade de parecer tão inocente...

— Vai me dizer que não sabe? — insiste Pines, em seguida, grunhiu impaciente, satirizando: — Hm, coitadinho dele... O que você está tentando fazer afinal? Uma hora você quer minha ajuda para ter os seus poderes de volta, no momento seguinte, você manda os monstros virem me matar? Difícil você, hein...

Ele sorriu com escárnio, uma expressão nada familiar no que deveria ser o rosto de Evum. Em seguida, levanta uma sobrancelha. — Hã? — Cipher perguntou com um quê que soou genuinamente irresoluto. Dipper acreditou que talvez o demônio estivesse tentando fazê-lo parecer como um louco.

— “Hã” o quê, caralho?! — voltou-se, encarando-o. — Estou falando do Cycloptopus que saiu daqui agora, e da manada de Gnomos que me atacaram ontem!

— Eu não sei nada sobre o Cyclop nem sobre os nanicos, muito menos que eles estiveram aqui. Eu não “mandei” nada pra Piedmont.

Dipper soltou uma risada descontroladamente abespinhada. “É claro que ele não vai admitir”. — Se não foi você, então quem mais iria ser? — Não houve resposta. Ele puxa a mochila com as roupas antigas de mais cedo e vai na direção de Bill, empurrando-o para que pudesse atravessar a porta.

Cipher o pegou pelo cotovelo e o arrastou de volta para o interior do vestiário, interpondo-se entre ele e a porta. — Você não vai a lugar nenhum. Temos um certo poder para achar e um mundo para dominar, ou você esqueceu que eu ainda porto as memórias das pessoas da sua vida passada, ou melhor... — ele suspirou e o seu toque no cotovelo do garoto amaciou, juntamente com a voz, calma. — que ainda estou dedicado a cumprir a nossa promessa de infância de construirmos, juntos, um mundo só nosso.

A verdadeira feição dele aparece, quase invisível por trás dos traços de A. Evum. Os seus olhos azuis faíscam, a luz erma do alvorecer desfalecido apenas alteou o brilho singular das suas irises que começavam a ganhar um aspecto violeta.

Memórias da sua infância invadem Dipper.

— Sabe qual foi a única coisa de verdadeiro que restou depois que você alterou o tempo? — perguntou com a voz baixa e murmurada, o corpo dele se aproximando mais do de Dipper, as pernas roçando uma na outra. — O nosso passado, Carneirinho. E sabe de uma coisa? — Dipper tentou se afastar, mas Cipher o puxou para mais perto ainda, o corpo do menino vibrou inteiramente com aquele calor que ele quase tinha esquecido completamente que existia... ou de quanto era excitante senti-lo. — Eu não me importaria nem um pouco caso continuasse assim.

O rosto de Evum estava muito próximo do dele, os narizes a menos de um centímetro de se tocarem. Num fulgor de razão, Pines virou o rosto, dando a bochecha esquerda para o semblante do professor.

— Pena que não posso dizer o mesmo, “Charlie”.

— É mesmo, Pine Tree?

— É.

Em um rompante deliberado de ferocidade e dominação, Cipher pegou o menino por baixo das duas pernas, levantando-o no ar brevemente até o colocar contra a parede de escaninhos, passando as duas canelas em torno da sua cintura, por debaixo do terno. Dipper agora era totalmente apoiado apenas pelo corpo do homem diante dele. Havia sido tão rápido que ele nem teve tempo de agir contra.

— Então, me diga, por que você já está vermelho até a ponta das orelhas? — insinuou Bill sem tirar os olhos dos do garoto.

— I-Isso não quer dizer nada, babaca! É uma reação naturalmente fisiológica humana e...

— Você acha mesmo que eu colocaria você em risco de morte? — perguntou, esquivando-se das lamúrias de Dipper, o tom que parecia tão honesto em evidência como sempre. Os olhos acirrantes do demônio escureceram numa melancolia que o outro nunca havia visto antes. — Você sempre dá conta. Eu já te coloquei em uma situação em que você não pudesse ser capaz de controlar?

Dipper já estava a ponto de abrir a boca para proferir uma lista, entretanto Bill o deteve, colocando o dedo indicador sobre o lábio inferior dele. A mandíbula dele se apertou com força, e Pines ponderou se valia a pena mordê-lo. E a única coisa que o impediu foi a certeza de que Cipher iria gostar.

— Eu nunca te machuquei. Sempre fiz o máximo possível para que não fosse diretamente. É claro, feri seu boy proibido de seis dedos, e ameacei destruir Gravity Falls, mas, mesmo assim, pode conferir, sempre quando tive a chance, não levantei um só dedo na sua direção. — insiste ele. — A coisa é: tem muito que você ainda não sabe...

— Você está tentando me manipular para fazer a sua “caça ao poder” menos dificultosa. — Dipper permanecia irredutível por fora, mesmo que o seu interior implorasse pelo contrário. — Eu não sou o mesmo garoto de anos atrás, então para de tentar me intimidar.

— Eu sei. Eu sei que você não é o mesmo, sinto isso. Por isso eu não estou tentando te “manipular” mais ou algo do tipo, eu juro. Você não faz ideia de o quanto o jogo mudou depois de que você decidiu fazer aquela burrada de usar a fita métrica do Blendin.

— Diga uma coisa que mudou.

— Eu fiquei preocupado com você ontem, de verdade.

“Ah, é...”, relembrou Dipper de quando ele tinha desmaiado e Bill tinha entrado em desespero até ele ter chegado na enfermaria, inclusive o fato de ele ter chorado na frente de todo mundo.

— Está tudo bem agora, Pinheirinho?

— Você só ficou daquele jeito ontem por medo de perder a sua única pista até o tesouro que era o seu poder.

— Que jeito?

— Fiquei sabendo do seu draminha.

Bill estagnou, seu queixo contraiu. — V-Você soube daquilo? — Dipper pôde jurar ver um resquício do que era uma vermelhidão surgindo nas bochechas de Evum.

— Só me solta.

— Eu juro. Eu estava preocupado com você.  — as mãos de Bill começaram a segurar as coxas de Mason mais delicadamente, as suas palmas correndo propositalmente pelas pernas dele, agora completamente desnudas devido a bermuda curta de treino que Dipper colocou para a Educação Física, sem falar o quanto o olhar de Bill era atraído pelos braços do garoto totalmente à mercê da falta de mangas da regata vermelha. — Roupa interessante, aliás.

A coluna de Dipper é comprimida mais ainda contra a térmica fria do metal dos armários na medida em que Bill chegou mais perto dele. Ele se debate, tentando sair pela última vez, se não conseguisse, iria ter que usar sua última alternativa: apelar para os poderes e estragar tudo que estava tentando esconder.

Nesse momento, a porta do banheiro é aberta.

Cipher não o solta, ao contrário, coloca as suas mãos mais perto, em torno da cintura de Dipper, despertando uma série de calafrios indesejados na vertebral dele. É tarde demais. Embora a luz que emanava do corredor o impedisse de ver com clareza, Dipper é capaz de distinguir a silhueta de uma garota com cabelo colorido.

— Professor Evum? — a voz de Mabel quebra o silêncio. — Vi você entrando aqui e demorando a sair, então pensei que... — ela entra em cena, fazendo parte da situação dantesca, e o seu semblante ganha um ar de espanto ao reconhecer o irmão.

Os lábios de Cipher se curvam para cima num sorriso crítico.

“Ele armou pra mim!”, realizou Dipper indignado.

Pouco antes de Pines conseguir se libertar, Cipher consegue lhe beijar na testa, bem em cima da sua ursa maior. Dipper limpa o beijo usando a palma da mão, com asco. Um grito furioso queima dentro dos seus pulmões, mas ele se segura. Ele não daria o trabalho de mostrar todo o seu desgosto para Charlie. Ele iria adorar.

— Oh, lamento pela demora, Senhorita Pines. — disse ele, fingindo estar encabulado. — Como você deve saber, eu e seu irmão somos professor e pupilo há muitos anos, e os eventos de ontem – a conversa que eu tive sobre as notas dele, o desmaio... – prejudicaram o nosso... — limpou a garganta teatralmente, pronto para dar ênfase na palavra seguinte com uma falsa inocência — relacionamento. Estávamos só nos reaproximando. Certo, Dipper?

— “Dipper”...? — Mabel esbambeou, chocada; sua mandíbula praticamente no chão, seus olhos faiscando uma mistura de confusão e preocupação. Tanto ela quanto “Evum” sabiam que era inapropriado um professor chamar um aluno pelo primeiro nome e vice-versa, ainda mais por um apelido. A prática era apenas priorizada por pessoas que o indivíduo considerava íntimas no seu ciclo social.

Mason recolheu a sua mochila do chão de azulejos, munido de ira que estava a acumular infindavelmente em cada micro espaço dentro do seu ser. Em seguida, guiou-se até a saída do lugar, não antes de virar-se para a irmã e assegurar:

— Não é o que você acha que é.

A expressão de Mabel volta a ser civilizada o suficiente para que ela pudesse responder com um tom singular de mágoa e irritação – rancor – que Dipper, jurava, nunca ter visto-a usar antes:

— Com você nunca é, certo? Você sempre nunca é o que parece.

Não tendo como convencer a garota do possível desentendimento, Dipper disparou-se caminho afora para a quadra do lado exterior do colégio.

 

*

 

No oitavo horário, já no período da tarde, Dipper trocou o cronograma de aulas obrigatórias pelo de atividades extracurriculares. Ele queria uma pausa da rotina, mais especificamente de ter que se encontrar com mais facilidade com a sua irmã e o professor em específico.

Ele se distraía na sala de artes plásticas, rodeado de alunos excêntricos esteticamente. Todos eles discutiam e trabalhavam na decoração da festa de Halloween dos alunos do ensino médio que aconteceria dali a alguns dias.

Passara a resto da tarde separando esqueletos de plástico, destacando aranhas de papelão de catálogos de scrapbooks comemorativos, e, após, ajudou alguns a pintarem pedaços de árvores mortas de preto, juntamente com alguns caixões falsos feitos de caixotes. O modus operandi que ele realizava com a tarefa de pintura o acalmava genuinamente, ele se perdia nos movimentos de vai e vem do pincel sobre os galhos nus e retorcidamente hipnóticos dos carvalhos magros. Era satisfatório ver, aos poucos, a madeira branca sendo coberta por suas demãos, o cheiro gentil de acrílico e plástico recendendo no ambiente silencioso.

Quando o último sinal bateu, ele apenas mandou uma mensagem para Mabel dizendo: “vá pra casa. vou sair com uns amigos no parque, volto à noite” e sentou-se nas cadeiras giratórias comodantes da sala de artes no que esperava os alunos se dispersarem para que ele pudesse sair tranquilamente pelas saídas traseiras.

Assim que o silêncio reinou por todo recinto, ele saiu pela área dos fundos. Todos os murais feitos por alunos reverberavam fulgurantemente nas cores roxo e branco – as cores oficiais da instituição. Atravessou, como na maioria dos dias, a avenida Magnolia, partindo para o centro urbano.

 

As luzes dos brinquedos giratórios do parque de diversão cintilavam glamorosas sobre o céu soturno, quase como se desafiasse as tímidas estrelas com o seu brilho. O burburinho interminável de uma mistura cacofônica de risos eufóricos de crianças com as conversas inaudíveis dos adultos ondulando num mar flutuante de balões de gás hélio, luzidios em suas cores vibrantes impressas nos papéis alumínio em formatos dos mais diversos personagens de desenhos animados. O cheiro de doces vindo da esquina de cada barraca de lanches exalava excessivamente, já a ficar enjoativo ao ser acompanhado pelo aroma de fritura dos carrinhos de batata-frita, crepe e churros.

A lua, que estava já a chamejar na abóbada celeste, num resplendor delirante da mistura única do céu autunal – dividido pela ainda restante claridade do pôr-do-sol, que se recusava a ir totalmente, com a do negrume violáceo do anoitecer – fazia Dipper lembrar de Wirt. Da primeira vez em que ele havia o visto, na festa de fim de verão há três meses. Ele se lembrava da maneira em que tinha admirado o rosto do futuro namorado ao compará-lo com a circunferência lunar.

Então desceu o olhar e passou a admirá-lo mais uma vez. Wirt estava distraído ao tentar argumentar com o irmão mais novo, Greg, sobre como ele devia ter mais cuidado ao comer o algodão doce; o algodão rosado já havia grudado no cabelo do pequeno pela terceira vez, e lá estava Wirt de novo, impaciente em segurá-lo para retirar os pedaços do doce da superfície do couro cabeludo dele. “Wirt...”, Dipper suspirou o nome dele mentalmente, como um mantra, não deixando de sorrir no processo. Ele era tão, tão... puro.

— Eu quero ir no carrossel de novo! De novo, Wirt! Papai disse que eu podia ir quantas vezes eu quisesse e você não tá deixando! — balbuciava a quase fazer uma birra ao colocar uma das mãos agressivamente para dentro do bolso do macacão. — Você está sendo um irmão malvado!

— Eu não estou te proibindo de ir no brinquedo de novo, Greg — explicava ele pela enésima vez. —, estou te proibindo de ir com o cabelo emplastado de doce. É diferente. Ou você termina de comer, ou não vai.

— Tá. — Gregory chutou o ar, devorando o resto do algodão doce que jazia enroscado no cone de papel, ficando com resquícios da substância grudada entre os dedinhos rechonchudos. — . — entregou a haste, agora vazia, para o mais velho e saiu correndo de volta pra fila do carrossel a alguns passos de distância. O irmão jogo o papel na lixeira mais próxima, imediatamente soltando um suspiro num misto de alívio e cansaço e arredando um olhar e sorriso cheio de graça para Dipper.

— Desculpe por ele ter vindo junto. — tentou se explicar, encostando-se, junto com o outro, no tapume de madeira que cercava um dos postes do rossio. — Ele estava louco pra vir no parque qualquer dia desses e meus pais não podiam trazê-lo, então quando ficaram sabendo que eu estava vindo pra cá com você me pediram pra levar ele na hora. É claro, eles não sabem que você é meu namorado ainda.

— Eu não ligo pra isso, já te falei, né? Eu gosto do Greg. Eu também gosto muito de ver o quanto você se preocupa com ele. — Dipper se aproximou, o aroma de maça verde de Wirt o fazendo entrar em transe.

— Heh... — riu sem graça. — Eu adoro muito ele. Mesmo ele sendo meu meio-irmão, eu me sinto inteiramente conectado com ele.

— Vejo... — observou Pines, pegando a mão do outro de súbito, fazendo-o se assustar e enrijecer com o susto repentino. Mas, logo, a mão de Wirt amaciou e ele se entregou ao toque, apertando a mão de Dipper com mais força e fazendo questão de entrelaçar os dedos. “Isso é um progresso”, refletiu. Nesse instante, a barriga de Dipper roncou alto o suficiente para que os dois ouvissem. — Eu preciso comer.

— Tô vendo. — anuiu Wirt. — Por que você ficou o dia inteiro sem comer na escola? Você vai morrer desse jeito. Você não devia ter ido direto pra minha casa depois da aula, me assustei quando você surgiu lá duas horas mais cedo.

— Bem... eu meio que não podia ir pra casa — “porque eu não queria ter que encarar a Mabel depois do incidente com o meu professor de literatura”, afastou-se do assunto, puxando o garoto na direção de um carrinho de cachorro quente a alguns passos além.

— Eu ainda não entendi essa história. Por quê?

— Por que é importante pra você afinal das contas?

Os passos de Wirt pararam, interrompendo os do outro consequentemente. Dipper se virou para ele e, ao ver a expressão confusamente desgostosa do namorado, percebeu a grosseria que tinha dito. Ele não havia tido a intenção, era apenas que o assunto era, além de muito delicado, muito recente.

— Por que eu seja o seu namorado, talvez? — ironizou Wirt com uma pontada discreta de azedia.

— Desculpa. Desculpa mesmo. — passou a mão no rosto como se, de algum modo, o gesto fosse capaz de desmanchar a vergonha estampada lá. — É que é... complicado. Eu... te disse ontem, não falei?

— Sim, só não disse o que.

O carrinho de hot dog passava a alguns centímetros de distância, e Dipper o interceptou antes que perdesse do seu encalço não só de perder o lanche como também de perder a chance de enrolar mais um pouco antes de começar a desembuchar a história toda para o outro. Ele precisava de tempo para elaborar como traria aquela informação toda para Wirt.

— Você quer um? — perguntou, já estendendo o dinheiro pro vendedor.

— Hm... a-ah, ok. — deu de ombros, colocando as mãos no bolso.

— Não precisa fazer isso. — Dipper o deteve, segurando-o pelo braço. E entregando o resto do dinheiro para o feirante. — Dois, por favor.

— D-Dipper!

— Relaxa, bebê. — sorriu compassivo, acariciando-o no braço.

Após voltarem para perto do brinquedo no qual Greg estava e comerem silenciosamente, Wirt interrompe a calmaria com mais perguntas:

— O que você queria me contar ontem?

— Wirt! Wirt! — Greg irrompeu, de volta do seu passeio, os braços agitando-se ao lado do corpo a açoitar o vento na medida em que ele vinha saltitando, animado. — É hora do tiro ao alvo!

— Tem que ser agora, Gregory? — disse um incomum Wirt abespinhado.

— Sim!

— Ok, vai lá. — disse, já colocando a mão no bolso para tirar uma ficha nova.

— Não! Eu não posso ir sozinho. — interpôs o menino. — Tem que ter a altura mais maior que a minha pra poder jogar lá.

— Altura maior que a sua, Greg — corrigiu incomodado, seguido de um suspiro cansado de entrega. — Ok, vamos lá.

O pequeno guiou o irmão maior até a barraca abrigada por um manto de pisca-piscas charmosos acompanhados de uma parede repleta – praticamente estofada – de brinquedos diversos; entre eles, enormes bonecos de pelúcia, prêmios colocados em ordem decrescente de acordo com o número de acertos dos participantes.

Ao chegar a vez deles na fila, Wirt pegou a carabina de mentira logo após escorregar a ficha na direção do caixa. — Qual desses você quer? — se dirigiu ao irmão mais novo.

— A pelúcia do Michigan J. Frog!

Dipper e Wirt se seguraram para não rir da ironia. Era uma pelúcia razoavelmente pequena, não deveria ser difícil de conseguir. Wirt colocou a culatra por cima do ombro, mirando no centro do grande alvo preto e vermelho da tenda.

Após o disparo, ficara sem graça, o chumbinho não havia atingido nem próximo do centro. Greg ficou com um prêmio de consolação – um chaveiro de unicórnio –, mas aquilo não parecia ser um problema para ele, o menino ficara tão animado quanto se tivesse ganhado o brinquedo desejado inicialmente. Ele não parava de pular e rodopiar em torno do próprio eixo, a sacolejar o pingente entre os dedos enquanto dizia sem parar que iria usar aquilo pra fazer uma coleira para o seu sapo de estimação.

— Tá, vamos sair do caminho agora. — falou Wirt travento.

— Não, não, não. — interrompeu Dipper, colocando o braço na frente do namorado. — Ainda não tive a minha chance.

— Dipper, é mais difícil do que aparenta, viu? — sussurrou discretamente. — Não tente bancar o justiceiro porque atrações como essa são enganosas e sempre têm um truque.

De repente, um ideia sedutora invadiu Dipper, tão impactante que ele disse o pensamento em voz alta:

Nenhuma delas tem um truque como o meu.

Pegou a arma e colocou sobre o ombro.

“Concentre-se...”, respirou fundo.

Permitiu-se sentir toda a mágoa e sofrimento escondido dentro do seu ser. Dipper permitiu-se, por um breve instante, descontrolar os sentimentos para controlar a sua magia.

Com anos vivenciando tristeza após tristeza e choque após choque, abrir o seu lado impulsivo era tão fácil quanto abrir uma torneira.

Dessa vez, além de alguns flashbacks, ele se admitiu ir além. Imaginou um futuro desastroso e funesto. Imaginou Bill um dia chegando na casa dele, invadindo e destruindo o que sobrara de sua vida normal por inteiro, imaginou ele mostrando a verdade para Mabel, seus pais, Ford... Imaginou também as expressões chocadas e perturbadas de todos ao redor dele, julgando-o. Por fim, fantasiou o mais importante: Wirt olhando para ele com repulsa, e as palavras do namorado o atingindo com maldade indicando o término de um namoro.

Aquele temor escorreu por dentro do pulmão dele, escoando, em seguida, para as conexões do seu corpo e suas veias.

E ele sentiu aquela sensação.

A sensação de estar vivo.

Um grito coletivo exarado de susto emanou da multidão em torno dele seguido de um estampido repentino.

Os sentidos de sobrevivência se sobrepujaram e Dipper abriu os olhos.

A primeira coisa que ele percebeu foi que a visão havia ficado esfumaçada. Não. Não era a sua visão. Havia realmente fumaça diante dos olhos dele. Fumaça provida do alvo de madeira da barraca, completamente destruído com um orifício enorme no meio circundado de pequenas chamas a crepitar.

Algo havia explodido?

Mas não era possível. Não havia nada por perto que poderia provocar um estrago daquele, muito menos no tiro ao al–...

Dipper viu um traço fino da mesma fumaça saindo do bico do cano da arma de chumbinho que ele segurava.

Como se a surpresa houvesse inibido as suas articulações, ele deixou o objeto despencar, rimbombando por cima da bancada bruscamente.

“E-Eu fiz isso?!”

— Wirt! — ele gritou inevitavelmente, buscando pela presença do namorado ao seu lado.

Seu coração quase parou.

O garoto estava cambaleando com as mãos sobre o rosto.

Pânico invadiu Pines.

“Eu o machuquei!”

— WIRT! — puxou com brusquidão.

O menino tirou as mãos do rosto. Alívio substituiu suas emoções temporariamente. Não havia nada de errado com a face de Wirt, nenhum arranhão, ferimento, ou macula a não ser pelos poros evidentes como as sardas lunares.

— Eu estou bem, estou bem. — disse ele para acalmá-lo. — Eu só fiquei tonto de repente, estranho. — explicou, passando a mão com força na testa. Coçando o lugar por debaixo da sua franja. Em seguida, começou a rir, uma risada que Dipper nunca pôde escutar antes. Uma risada completamente desconexa com o resto da situação em que estavam inseridos. Por fim, olhou para Dipper com travessura irradiando do olhar. — Que estouro, hein?

Arrebentou, mesmo. — falou o dono da tenda incrédulo. Dipper se virou para o resto da plateia e se deparou com uma penca de civis de olhos engrandecidos e bocas escancaradas formando um “o” perfeito.

Mason não tinha nem percebido o momento em que tinha puxado o gatilho.

Assustador.

— Mesmo assim, ele acertou na mosca! — disse um rapaz aleatório na multidão, claramente se divertindo com toda a cena. — Dá o prêmio pro garoto!

Um coro de pessoas começou a rir e apoiar a consideração. Logo, o dono da atração, a contragosto, perdeu a paciência e concordou em dar o grande prêmio para Dipper.

Em uma questão de minutos na qual ele nunca conseguiria relembrar totalmente o que aconteceu, Dipper se pegou parado de frente para o namorado, segurando um urso de pelúcia gigante entre os braços.

— Pra você... eu acho. — estendeu o brinquedo para Wirt.

O outro comprimiu uma risada entre os lábios estreitados.

— Se não fosse pelo jeito que você conseguiu isso, eu diria que seria até clichê. — falou pegando o urso nos braços. — Mas nunca nada parece ser tão normal quando se trata de você.

— Alguns clichês são bons.

— São sim. Às vezes é bom um pouco de normalidade. — aconchegou o rosto tímido na pelagem sintética do novo bichinho.

As palavras de Wirt atravessam Dipper impiedosamente.

E, com as seguintes...

— O que você tem para me dizer, mesmo?

... a revelação:

Dipper não poderia contar nada para Wirt.

Ele não podia saber sobre Ford, ou Bill, ou qualquer estranheza de sua vida passada ou da própria Gravity Falls.

Ele era puro demais para aquilo. Normal demais.

Wirt era o que Dipper mais sonhava desde que ele havia alterado a linha temporal.

Ele era normal. Um adolescente normal. Com quem Dipper poderia ter uma vida normal.

Se ele contasse qualquer um dos seus incidentes fantasiosamente desafortunados da sua vida para Wirt, seria como se tirasse o bem mais precioso dele.

E Dipper não queria que o namorado perdesse aquele tesouro tão sobrestimado: normalidade.

E, se isso viesse a acontecer, não só Wirt a perderia como Dipper também iria perder o único resquício do normal que ele teve na sua vida até então. E ele havia lutado muito para ter algo como aquilo, não iria jogar tudo fora daquele jeito.

Seria uma perda para ambos os lados.

Então, foi por causa disso que ele falou:

— Nada.

— Nada?

— Nada... demais. — não era uma mentira, realmente não era nada demais na perspectiva de Pines. Dipper já tinha passado por pior e sobrevivido, e talvez passaria por coisas piores ainda e, como sempre, “daria conta”... exatamente assim como o próprio Bill Cipher havia dito para ele mais cedo.

As sobrancelhas de Wirt se juntaram, e ele franziu o cenho, não comprando nada daquela história.

— Você desmaiou na escola por causa de nada?

— Eu só estou tendo uma briga séria com a minha irmã, isso é tudo. — agora essa, sim, era uma mentira.

Wirt permaneceu em silêncio por um tempo.

— Isso é tudo?

— Sim, é tudo.

Wirt deu as costas e falou:

— Ok, vamos pra casa.

Num tom que deixava claro para Diper que, não, aquilo não “seria tudo”.

 

*

 

Assim que deixou o namorado e o irmão dele em casa tarde da noite, Dipper voltou para a dele, descendo do automóvel e se deparando com as luzes da sala principal da casa acesas, refletindo através do painel de vidro.

“Esquisito...”, pensou. “Ninguém nunca acende essa luz a não ser quando tem visitas.”

Ele entrou na casa, caminhando discretamente para a sala e dar uma espiada para ver se estava acontecendo algo fora do ordinário.

Mas quando ele viu a ponta daquele terno despontar através da fresta da porta, já era tarde demais.

Ele arrancou para dentro do aposento e seu estômago se contorceu, quase virando do avesso.

A. Evum virou-se para ele e deu um sorriso maligno ao reconhecer a face do visitante mais esperado. Todavia, não era isso que havia desnorteado Dipper, e sim a presença ilustre do seu tio-avô, Ford, de frente para Bill, com um olhar sério e perturbado.

— Dip, nós precisamos conversar.

Definitivamente, aquilo não seria tudo.


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Notas finais do capítulo

Cês tão ligado que eu tenho um twitter né? Sem querer fazer autopromoção mas é @coelho_diaz 2 bjs

Um novo Dipper vem nascendo nesses últimos capítulos postados... character development? talvez.

Obs FINAL: eu andei pesquisando sobre a cidade real de Piedmont no google recentemente, então a partir desse capítulo eu andei fazendo descrições bem mais condizentes com os cenários reais. A Piedmont High, "escola do Dipper", é real como muitas outras coisinhas que eu andei pesquisando pra poder acrescentar na história como ester eggs bacanas :P



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