Segredos do Destino escrita por Bia Oliveira


Capítulo 1
Capítulo 1




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PRÓLOGO


Montana, véspera de Natal, 1889.


A neve caía silenciosa na noite de inverno. Dentro de uma pequena cabana isolada, um homem olhava-se no espelho rachado e ondulado, resmungando enquanto passava os dedos longos pelo rebelde cabelo escuro.

— Preciso cortar o cabelo... — O delegado fez uma careta diante do reflexo distorcido. — E tomar um banho também.
 Contraindo os lábios finos, ele limpou o óleo da ponta dos dedos na toalha surrada e, estreitando os olhos com ar crítico, recuou para conseguir uma visão parcial de seu corpo alto e esguio.
O paletó, depois de ficar enrolado numa lona e amarrado atrás da sela, estava amassado, e sua única calça decente encontrava-se nas mesmas condições.

Ele deu de ombros e afastou-se do espelho. A camisa branca, pelo menos, apesar de surrada, estava limpa e passada, e a gravata-borboleta dava-lhe um ar de respeitabilidade, que ele se esforçava em demonstrar.

Que importava, afinal? Christian sorriu sem graça. Era um estranho na cidadezinha de mineiros nas montanhas Anaconda de Montana. Ninguém o conhecia, exceto o xerife local e alguns preocupados cidadãos. Mesmo assim, por razões que o delegado conhecia muito bem, tudo importava. Era véspera de Natal, e ele ia à igreja.

Christian Gray, um caçador de bandidos, solitário homem da lei conhecido como o Falcão tanto pelos amigos como pelos inimigos, o homem frio e retraído que não pisara numa igreja durante vinte anos, agora se arrumava para assistir à cerimônia de Natal na tosca igreja da cidadezinha.

 

Enfiando a ponta dos dedos no bolsinho da cintura, Christian retirou um relógio de prata redondo e, com um toque, abriu a tampa. Seis e meia. A cerimônia religiosa começaria às sete horas, e ele levaria mais ou menos dez minutos para subir a colina até lá. Suspirando, fechou a tampa e guardou o relógio no bolso outra vez.

O que faria durante vinte minutos? Suspirando, Christian começou a andar pela cabana e soltou a rédea dos pensamentos que ameaçavam aflorar.
Com frieza profissional, matara um homem havia menos de vinte e quatro horas. Essa lembrança o fez estremecer. O fato de ter matado no cumprimento do  dever não impedia sua reação, ainda que o morto fosse um fora-da-lei. Nada aliviava o desconforto.

O trabalho policial vinha lhe causando uma crescente insatisfação, que ultimamente chegava quase ao desespero.

Estava cansado, mas era cansaço mais de espírito que de corpo. Missões como a última eram estafantes. Perseguira um foragido durante quase um mês, do interior do Texas até as montanhas de Montana. Estava farto de dormir com um olho aberto e sempre preocupado com as costas. Sentia-se exausto de matar homens que pareciam mais bichos que gente. O criminoso que ele matara fora um desses animais.

Christian tinha trinta e cinco anos, dos quais mais de dez passara usando um distintivo, perseguindo bandidos e protegendo cidadãos honestos. Sabia que logo a passagem do tempo começaria a se tornar uma desvantagem para ele, e que então seus dias provavelmente estariam contados. Conhecia bem de perto a morte; ele a vira inúmeras vezes. Porém, não sentia medo ou ansiedade diante da possibilidade real de seu fim.

E, a cada nova missão, tornava-se mais consciente de quanto o tênue fio da vida era precioso para todas as criaturas.
Aquela sensação perseguia Christian havia mais de um ano. Por isso sentia náuseas sempre que se via frente a frente com uma situação cujo fim era morte a tiros.

"Mas, numa terra indomável, que outra opção há senão fazer cumprir a lei
com um revólver na mão?" Christian pensou, alisando o cabelo. Os cidadãos honestos precisavam de proteção contra aqueles que viviam à margem da lei. O resultado, portanto, era a constante violência e, na maioria das vezes, a morte.

Christian, cada vez mais, convencia-se de que tinha de haver um modo melhor de viver, mas a resposta não lhe ocorria. Talvez em outro tempo, em outro lugar...— Que droga! — ele resmungou.

A frustração tornava-se um peso excessivo para ele.
Seria por essa angústia que ele decidira ir à igreja na véspera de Natal? Ele sorriu com o canto dos lábios apertados. Sim, ele precisava admitir que tinha muita coragem para buscar conforto na casa de Deus após tantos anos.

Mas ele era mais que um homem da lei. Era um ser humano, com suas necessidades, desejos e sonhos, como qualquer outro. Estava cansado de viver no lombo de um cavalo. Queria um lar, uma mulher e um filho.

Talvez fosse hora de parar, acabar com a matança. Ele precisava de uma segunda chance, recomeçar uma vida decente.
Como vinha economizando uma grande parte de seu ordenado, sempre pago em moedas de ouro, a primeira parte de seu sonho, possuir um pequeno rancho, estava ao seu alcance. Pensando bem, definitivamente chegara a hora de deixar aquele trabalho.

Nesse momento, Christian apanhou o relógio outra vez: faltavam cinco minutos para as sete. Se ia mesmo à igreja, era o momento de se pôr a caminho.

Com ar distraído, guardou o relógio, pensando quanto tempo fazia que entrara numa igreja pela última vez. O chefe máximo o receberia bem? Ao recordar uma cena da adolescência, quando ficara sentado ao lado da mãe num banco de igreja, teve a resposta. Não se lembrava de todas as palavras, mas as que guardara ofereciam conforto e certeza: "Vinde a mim os que têm fardos pesados, e eu vos darei descanso".

Descanso, com certeza, era a primeira de suas necessidades. Christian vestiu o casaco de lã, puxou a aba do chapéu para a frente e deixou a cabana. Não havia ninguém à vista. Todas as pessoas de bem da cidade já deviam estar reunidas, concluiu, olhando para a luz saindo das janelas da igreja. Levantou a gola do casaco e começou a subir a colina. De repente, no meio do caminho, alguém gritou seu nome, rompendo o silêncio da noite.

— Christian!


Ele estremeceu, assustado. Imediatamente seus reflexos assumiram o comando. Flexionando os músculos da perna ao girar, ele tocou um joelho no chão, e levou a mão ao revólver que quase se tornara parte de sua coxa direita, mas, enquanto sacava a arma do coldre de couro, um disparo de rifle ecoou, destruindo a ilusão de uma noite tranquila.

O corpo de Christian balançou com o impacto da bala contra o peito e, com os olhos arregalados de surpresa, viu-se enfiando o revólver outra vez no coldre.

Sua vista escureceu. Então ele caiu para a frente, tão devagar que o chapéu permaneceu no lugar quando bateu o rosto na neve.
O choque frio deu-lhe um momento de lucidez. Ia morrer!

A ideia ecoavalhe na mente enquanto o sangue encharcava a camisa. Respirando com dificuldade, rangendo os dentes, moveu-se até conseguir deitar-se de costas. Agora não sentia mais o frio cortante ou a neve. Os flocos não derretiam em seu rosto.

Ele ia morrer. Não haveria uma segunda chance, nenhuma vida nova e decente. Nenhum lar. Nenhuma esposa ou filho. A eternidade apenas. Nada mais.Seus lábios contorceram-se numa expressão melancólica. Aquele não era exatamente o tipo de descanso que ele desejara.

Então, de uma longa distância, ele ouviu o toque dos sinos da igreja. "Não!Não!" Ele protestou numa angústia silenciosa. Não podia morrer naquela noite, na véspera de Natal!


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Notas finais do capítulo

Então amores, o q acharam? COMENTEM!!! Sugestões, criticas, elogio. Estou aberta a opiniões.