Still Alive escrita por Jubs Malfoy


Capítulo 39
Ruivas são perigosas




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Agosto de 2000

Carlo D'Noir era muito jovem quando descobriu do que Cormand Pelletier era capaz. Tinha apenas treze anos quando sua irmã foi prometida em casamento a ele e, algumas noites antes de ser mandada para o território do noivo, ela apareceu em seu quarto, com lágrimas nos olhos, implorando para que ele a acompanhasse, para que não a deixasse sozinha.

As famílias D'Noir e Pelletier eram muito próximas na época, e a mansão enorme, decorada em tons pasteis e dourado não era estranha ao jovem, que passara alguma parte de sua infância correndo por aqueles corredores. Ele não ficaria com as crianças, no entanto; acompanharia Clarissa onde quer que ela fosse, se assim ela quisesse. E foi dessa forma que descobriu que seu paraíso de infância podia ser um inferno.

Primeiro, ele viu um elfo doméstico se castigando, e quase correu para socorrê-lo. Nunca havia presenciado aquela cena. Sua irmã o segurou, prendendo, também, as próprias lágrimas, e seu olhar foi bem claro ao dizer que aquele tipo de coisa era comum por ali. Essa foi sua primeira desilusão.

Então, em um jantar, Cormand humilhou publicamente uma serva, por lhe entregar uma sopa fria. Tudo bem que a sopa não estava quente, mas na casa de Carlo, eles apenas a repreenderiam levemente antes de pedir que ela aquecesse a refeição. Nunca havia passado na mente do garoto sequer gritar com alguém daquele jeito, os servos de sua casa eram tratados como família. Mas aquela mulher recebeu gritos, ofensas e palavrões. Apesar de ter perdido a fome, Carlo tomou a sopa inteira, fria mesmo.

Depois de duas semanas, a apenas quatro dias do marcado para a cerimônia, Cormand ameaçou agredir Clarissa por insubordinação e, vendo isso, Carlo não hesitou em ajudar a irmã com os planos para fugir. Seus talentos em arranjar confusões lhe deram ideias para causar as melhores distrações possíveis, além de lhe permitirem saber por onde ela poderia fugir sem ser vista. Se despediram com um abraço, e enquanto ele soltava insetos na cozinha, e colocava óleo nos corredores e escadas, apenas podia torcer para que ela conseguisse conseguir. Que ninguém a encontrasse.

Cormand voltou, meia hora depois, sangrando. A artéria femural fora lacerada pela própria lâmina dele, e Carlo ficou embasbacado em saber que sua irmã, eterna pacifista, havia feito aquilo. Só podia torcer para que não estivesse muito machucada. Não confiava em uma palavra que saía da boca daquele homem. Não importava que ele dissesse que ela o atacou de graça, que ele tentou trazê-la " gentil e pacificamente" e ela o agrediu. Se ela precisou fazer aquilo, no mínimo, tinha sido atacada primeiro.

Os guardas escoltaram o garoto para casa imediatamente, e Carlo encontrou, em casa, uma Constance agitada e um Arcturo que gritava ordens aos seus homens para que vasculhasse cada centímetro do condado atrás da filha. E aquele foi o maior passo de coragem que o jovem poderia ter dado.

Em treze anos, nunca havia contestado o pai em nenhuma palavra, mas naquele dia ele o interrompeu, recebendo um olhar fulminante, mas que não o abalou. A segurança de sua irmã valia mais do que algumas noites dormindo sem jantar. Correria aquele risco. Ignorando a carranca do pai, contou tudo o que havia presenciado, contou como Cormand havia voltado para a mansão, e implorou ao pai que não mandasse seus soldados atrás da garota, que não a forçasse a viver aquela vida.

Constance estava horrorizada, a mão no peito, lágrimas nos olhos. Mas Arcturo estava lívido. Um olhar para os guardas, e Carlo viu a fúria nos olhos dos homens que juraram proteger a família, que morreriam para que Clarissa vivesse. Com uma voz que congelaria o inferno, Carlo ouviu o pai dizer:

— Suspendam as buscas, liberem as fronteiras. O acordo com a família Pelletier não existe mais.

Mais de vinte anos depois, ele era consciente de que não era necessária aquela fuga. Caso tivessem se unido e contado tudo ao pai, o casamento estaria cancelado na mesma hora. Mas ela não sabia disso e, ele, com seus treze anos, apenas vira discussões que não entendia. Além disso, se Clarissa tivesse ficado, em menos de um ano estaria casada com outro lorde, vivendo uma vida que não fora feita para ela. Por isso, ele não se arrependia.

Mesmo sabendo que ela havia se machucado para fugir. Mesmo tendo ficado anos sem ver a própria irmã. Mesmo que a vida dela tivesse sido ceifada tão cedo. Ele sabia que teria sido pior da outra maneira. Sabia que ela havia vivido os próprios sonhos, que fora feliz, e que teria morrido muito antes se não fosse assim. Se precisasse viver trancada em uma casa o resto da vida, Clary se tornaria uma alma morta em um corpo que respira. Ele não poderia deixá-la viver assim.

Além de tudo isso, havia Lis. A pessoa mais incrível que ele havia conhecido era fruto daquela sequência específica de acontecimentos. Ele não mudaria nada. Não conseguia se arrepender.

***

Maio de 2008

Já faziam oito anos que sua irmã fora embora. Carlo já era um homem adulto, e graças a isso, havia conseguido vê-la duas vezes nos últimos quatro anos. Clarissa estava sempre em contato, por meio de cartas. Havia lhe contado sobre como era ser professora, como havia se apaixonado por um professor e pocionista inglês, e lhe avisou quando se casou. Segundo ela, uma cerimônia íntima, apenas com as testemunhas necessárias. Isso havia sido há três anos.

Ultimamente, as cartas dela estavam mais vagas, como se ela estivesse ocupada demais. Mas ela sempre prometia lhe escrever direito quando as coisas se ajeitassem. Ele acreditava. Ela sempre cumpria.

Mal havia terminado de escrever uma resposta para a irmã quando a porta do escritório bateu com toda a força na parede. Arcturo entrou na sala, os olhos queimando de fúria. Carlo não tinha certeza se queria saber o que o deixara daquele jeito. Os olhos dele se fixaram no rapaz, e ele congelou.

— Quero que saiba que Clarissa D'Noir não é mais minha herdeira — a voz dele era fria e calma, o que ele interpretava como profundo ódio.

— Pai, mas-

— Não! — ele vociferou e bateu com o punho na mesa — Não vou aceitar esse tipo de comportamento! Primeiro ela se casa escondido, e agora, uma filha!

O tinteiro caiu da mão de Carlo, e ele o viu rolar em câmera lenta, sujando o tapete.

— Como assim..? — Arcturo riu, maldoso.

— Ela não te contou? Clarissa procriou com o mestiço inglês e escondeu a filha em nosso território por dois anos. Passou por cima de todas as tradições. E vai levar a menina para a Inglaterra amanhã! Se eu não tivesse bons espiões, não saberia da existência da garota até que ela tivesse dez anos, ou mais!

Aquelas palavras atingiram Carlo mais fundo do que o pai podia imaginar. Dois anos. Ele tinha uma sobrinha de dois anos e sua irmã nunca dissera nada... Tudo bem que ela podia estar com medo do pai, mas.. não contar pra ele?

O rapaz nem mesmo ouvia mais o que o pai esbravejava. Tudo o que ele conseguia imaginar era como ela seria, se tinha os cabelos ruivos da mãe, ou os olhos, como seria seu nome. Clary sempre quis ser mãe, e quando conseguiu, nem compartilhou com ele.

— A partir de hoje — Arcturo começou a única frase à qual o rapaz prestara atenção — Minhas responsabilidades são com você e Lis. Apenas

— Lis? — o olhar dele era sério enquanto olhava para o filho.

— Lis D'Noir Snape. A nova co-herdeira do condado.

 

Carlo ainda demorou muito para conhecer a sobrinha. Mas nesse meio tempo, soube bastante sobre ela. Depois de uma carta extremamente magoada por parte dele, Clary tentou compensá-lo, enviando todas as fotos que tinha da garota. Ela era linda. A cópia da mãe, quando era pequena. Os cabelos de um laranja vívido, e os olhos bem azuis.

Nas fotos, também estava o marido dela, Severo. Ele era bem mais velho, mas parecia feliz ao lado das duas. E na comunidade bruxa, a idade não importava tanto, às vezes. A expectativa de vida podia ser bem alta; caso não sofresse um acidente, um atentado, ou contraísse uma doença mágica muito grave, você poderia viver até os 150 tranquilamente.

Clarissa havia registrado tudo: os primeiros passos da menina, o primeiro aniversário, a primeira vez em cima de um cavalo. Pelas fotos, dava para ver que Lis era uma criança alegre e risonha. Carlo já a amava, e estava extremamente ansioso para conhecê-la. Isso não aconteceu até cinco anos mais tarde, no entanto. E aconteceu da pior forma que o rapaz podia imaginar.

A perda da irmã atingiu Carlo profundamente, e ele havia demorado mais de um mês para se recuperar disso. Quando viu a sobrinha — uma menina amedrontada e se sentindo completamente sozinha — decidiu enterrar seu luto e abraçar a responsabilidade que tinha com ela. Era sangue do seu sangue.

Lis tinha tantas semelhanças com a mãe que ele poderia chorar só de vê-la. Ia além da mera aparência. Ele via Clary na forma como ela dançava, no modo como se encolhia na cama para ler um livro grande demais pra sua idade, e no jeitinho fofo como franzia o nariz quando estava irritada. Era como voltar no passado e ver a parte da infância da irmã que ele não havia registrado.

Havia tantas coisas do pai dela também; que ele só podia supor que eram dele, na verdade, pois não condiziam com o comportamento da D'Noir. Enquanto sua mãe fora incapaz de ficar sem fazer algum tipo de barulho, Lizy podia ser extremamente silenciosa quando queria — às vezes surpreendia o próprio Arcturo ao entrar no escritório dele sem fazer um som, e esperar ao lado da mesa do avô em absoluto silêncio. Além disso, havia aquela língua afiada, que ele sabia não ser da irmã, pois Clarissa era incapaz de responder alguém grosseiramente.

Constance havia tentado tirar essa característica da menina, insistindo que não era educado para uma dama, mas a garotinha se apegou às respostas sarcásticas e rápidas demais para uma criança de sete anos, que denunciavam sua mente veloz e inteligente. Ele a amava ainda mais por causa disso.

Suas aulas eram mais uma desculpa para incutir tradição e passar um tempo com a sobrinha. Carlo não planejava transformá-la em uma arma, mas, em sua própria defesa, Lis tinha sede demais de conhecimento, e aprender a manejar uma espada e outras armas atiçava uma parte primitiva dentro de si. Ela sempre queria aprender mais.

O objetivo era treiná-la no básico de defesa, mas em três meses ela já dominava o máximo que uma criança na idade dela conseguia naquela categoria, talvez até mais. No Halloween, ela já aprendia técnicas de ataque e tiro ao alvo, com arco e flecha. Era óbvio que ela não gostava do segundo, mas ainda assim, em alguns meses, aquilo já deixava de ser um desafio muito grande.

No inverno, ela encontrou as facas de arremesso, e descobriu que era sua paixão. Era muito mais simples que um arco e flecha, pois ela não suportava ter que carregar a aljava e o arco, muito grande pro seu tamanho, por aí. Mas as adagas, com um movimento de punho eram arremessadas, e ela tinha um talento inato. No começo, embora não fosse muito precisa, o tio já via o seu potencial; no final dos dois primeiros anos que passou na França, já acertava alvos em movimento com ambas as mãos, assim como lutava em um Caravaggio perfeito, com duas espadas curtas cortando o ar em manobras habilidosas.

Quando ela fez treze anos, ele percebeu sua melhora exponencial, de uma forma que o surpreendeu. Então, compreendeu que os reflexos três vezes mais rápidos vinham da recém adquirida posição de artilheira no time de Quadribol na escola. Quando mal percebeu, ela tinha uma varinha na mão direita, uma espada na esquerda, e usava a própria magia para que bonecos a atacassem enquanto ela os decapitava com perfeição. Ela não podia mais treinar sozinha.

Não havia muitas mulheres sendo treinadas naquela época, mas as cinco que tinham eram mais ou menos da idade da Lis, dos 15 aos 17 anos. Ela lutava corpo a corpo com elas, mas o resto dos treinos eram feitos junto com todos os homens que estavam sendo formados em soldados naquele momento. Fora ali que ela perdera todo e qualquer pudor, pois os banhos e vestiários eram comunitários. Nenhum deles as olhava muito, embora, ou seriam rechaçados pelos próprios colegas.

Ambos os exércitos, o mágico e o trouxa, criaram respeito pela neta do conde que treinava ao lado deles, que se tornara um deles. Era um respeito que ele via eles terem pelo Conde, conquistado ao longo de décadas, mas ela tinha apenas 15 anos. Quando viu, formara uma guerreira perfeita. Mas ela nunca havia tirado uma vida, pelo menos não até aquele dia.

Lis havia insistido em acompanhá-los naquela batida. Iriam em um grupo de cinco, que incluíam outra mulher e Aaron. Durante a viagem, Carlo percebeu o quanto o lorde, seis anos mais velho que Lis, era fascinado por sua sobrinha. Diria apaixonado, até. Por sorte do bem estar do rapaz, ele não tentava nada com a garota. Se o fizesse, não importava que fosse quase afilhado do Carlo, ele sairia daquela com o nariz quebrado.

Apesar disso, sabia que ele seria o primeiro na fila pela mão dela, caso algum dia ela resolvesse aceitar aquela tradição. O que Carlo duvidava muito.

O grupo rastreava uma gangue que estava atacando trouxas nos vilarejos do condado. Eles conseguiram fugir até o momento, e por isso, Carlo em pessoa fora atrás deles. Já era noite quando chegaram ao vilarejo, e passaram o começo dela procurando o grupo, se esgueirando pelos becos e tavernas.

Ele não sabia como, mas em alguma hora da noite, Lia estava longe demais de seu alcance, perseguindo um homem suspeito. Seu andar silencioso era uma vantagem, mas um rato, que derrubou uma lata de lixo perto de onde ela estava, quase foi sua perdição. Por alguma sorte, Aaron estava perto o suficiente, e quando Carlo menos viu, sua sobrinha estava prensada contra a parede, o Lorde fingindo que ambos eram um casal bêbado que saíra da taverna ali perto; o problema foi que o beijo era desnecessariamente real. A despeito da fúria no peito do D'Noir, a artimanha funcionou.

— Tudo bem? — o lorde sussurrou — desculpa por isso.

A menina riu, e afastou ele.

— Você livrou minha bunda de uma merda daquelas, Aaron. Seja menos cavalheiro.

A resposta surpreendeu os dois, mas fez Ayalla, ao lado dele, rir deliciosamente. Aparentemente, era uma piada entre as duas, pois Lis mandou uma piscadela para a moça, que retribuiu. O grupo continuou seguindo o homem, mas não era tão necessário: eles começaram a bagunça logo depois, e qualquer um em um raio de dois quilômetros ouviria os gritos.

Carlo viu a sobrinha derrubar três homens com três golpes limpos; uma olhada lhe garantiu que estavam mortos, mas ela não focava neles. Mais dois se foram com suas facas lançadas nas gargantas; eles seguravam uma mulher, que chorou ao vê-los cair ao seu lado, e aceitou gratamente as mãos da ruiva, que a guiou para fora da confusão. Mais alguns caíram pelas lâminas dela, mas a maioria, que não resistiu tanto, foi levada para fora viva.

Todos foram julgados. Como mandava a lei do condado, todos os envolvidos deveriam ser punidos: alguns com execução, outros com trabalho forçado nas minas e fazendas do condado, mas não sem, antes, receberem lembretes vívidos do que aconteceria com eles caso se rebelassem. Lis aplicou algumas das punições, a fúria ainda presente em seus olhos, e até mesmo lhe foi oferecida uma das execuções. O próprio Arcturo lhe entregou a espada, e Carlo observou sua sobrinha cortar fora a cabeça de um homem.

Após isso, o peso de tudo o que havia feito caiu na menina. Ela vomitou até não poder mais, e ficou presa no quarto por uma semana. Ele sabia como ela se sentia; tinha exatamente quinze anos quanto tirara a primeira vida, e as execuções eram sempre piores do que as mortes em uma espécie de batalha, quando eles revidavam ou estavam em flagrante.

No final daquela semana em completos silêncio e reclusão, a garota apareceu no jantar. Arcturo e Carlo estavam à mesa, e surpreenderam-se com a súbita aparição. Ela só olhou para o avô, no entanto.

— Não farei mais execuções — ela sustentou o olhar, o rosto tinha uma expressão decisiva.

Ele apenas assentiu uma vez.

— Certo. Está bem — voltou a tomar a Bouillabaisse — Vai ficar em pé ou se juntará a nós para o jantar?

Ela suspirou e sentou. Carlo olhou de um para o outro. Fora a primeira conversa civilizada entre os dois; geralmente a personalidade de Lis era forte demais para aceitar as imposições do avô, e ele era irredutível. O resultado eram gritos e rosnados, ou discussões em tons tão frios e maldosos que congelariam o inferno. Só havia piorado, depois da morte de Constance, na primavera anterior.

Ele devia saber que estava bom demais para ser verdade.

— Eu não vou para esse baile — já era a terceira vez que ela dizia aquilo — não vou ficar desfilando para os lordes a fim de ser objeto de acordos. Eu. Não. Vou.

— Você vai, sim, Lis D'Noir.

— Você não pode me obrigar!

— Não posso?! Eu estou mandando, garota. Você vai amanhã nem que seja arrastada — ela levantou e bateu as mãos na mesa. Carlo se perguntou se Arcturo percebia o quanto daquele temperamento ela herdara dele.

— Eu prefiro morrer primeiro!

Ela saiu da sala de jantar, pisando forte. Os homens puderam ouvi-la subindo as escadas e, então, a porta do quarto dela batendo com força.

— Avise-a que, se ela não for ao baile, o festival está fora de questão.

Ele não achava que ela se importava muito com aquilo, mas transmitiu o recado mesmo assim.

— Eu não poderia ligar menos pra isso, Carlo — ela já estava enfiada em um pijama, comendo a sobremesa que ele contrabandeara para o quarto — Eu só não vou para esse baile estúpido.

— Quer viajar comigo? — ela sorriu maliciosamente.

— Claro.

Ele escondeu o motivo daquela última viagem. Deixou que Lis se divertisse com Aaron, enquanto ele investigava as fronteiras dos Pelletier. Eles tinham certeza de que eles estavam aprontando algo. Se ele tivesse acompanhado a sobrinha de perto, ele teria ideia do quanto, mas não encontrou nada nos últimos dias. Então apenas pegou suas coisas e voltou para casa.

***

Carlo vigiava o treino dos adolescentes de longe. Enquanto observava Lily Potter lutar com Aaron, ele só conseguia chegar a duas conclusões: 1- Ruivas são extremamente perigosas; 2- Ele precisava descobrir por que artilheiras de quadribol tinham reflexos tão rápidos. A comparação entre ela e Lis não era justa, pois tinham quase 10 anos de treino separando as habilidades delas, mas era óbvia a semelhança na forma de desviar dos golpes, uma forma que Lis desenvolvera após entrar no time.

O Malfoy não era tão bom, mas dava pro gasto. Suas habilidades estavam em sua mente rápida e raciocínio organizado e avançado. Seria muito útil na hora da fuga. Pessoas assim sempre conseguiam achar as saídas mais lógicas para um problema imprevisto. E era por isso que ele estaria na equipe de resgate dos Weasley.

Faltavam apenas cinco dias. Cinco dias para acabar aquela palhaçada, aquele circo que a corte tinha armado. Tudo o que ele conseguia pensar e raciocinar era o maldito plano. Tudo tinha que sair de forma excelente. A perfeição somente era impossível pela dificuldade de contato com Arcturo e Lis. No entanto, eles conseguiriam. Não era muito difícil invadir um castelo quando todas as proteções estavam focadas na reunião que aconteceria.

Ele ainda rabiscava os próprios planos quando uma movimentação começou com os guardas. Vigias ordenavam que os arqueiros se pusessem a postos, e gritos soavam. Lily e Escórpio olharam para o ar, vendo cinco pontos que só aumentavam. O Malfoy não conseguia acreditar no que seus olhos viam... Era impossível.

— Não atirem! — o loiro gritou, se aproximando do lorde — Carlo, não deixem que atirem.

— São dragões, garoto!

— Eles não vão atacar. Confie em mim.

Um gesto apenas, e todos os arqueiros abaixaram os arcos, mas os guardas permaneceram com as varinhas em punho. Os dragões voavam organizados, apesar de sua heterogeneidade, na forma de uma seta. Um aríete. Carlo nunca havia ouvido falar de dragões de espécies diferentes que voassem juntos.

Os cinco pousaram, um Olho-de-Opala encabeçava o grupo, atrás dele, os outros se arrumavam em duplas, sem nunca rosnarem um para o outro. O garoto Malfoy se aproximou das feras, apesar dos avisos de Lorde Aaron.

— Ragnar — a palavra saiu quase como uma respiração, e Carlo percebeu que Lily olhava do animal para o amigo, como se observasse uma partida de pingue-pongue animada, os olhos castanhos extremamente arregalados.

— Ele é...?

Ela engasgou no meio da frase, pois Scorp chegou ainda mais perto do animal, a mão estendida para tocá-lo. Ele estava infinitamente maior do que há um ano, mas ele conseguia perceber quem ele era. O dragão, contrariando as expectativas da maioria, abaixou a cabeça, o focinho tocando a mão do menino, enquanto soltava uma bufada quente.

— Pelas bolas de Merlin... Isso não é possível — a menina arquejou — esse é o dragão que você e Lis criaram?

Carlo finalmente entendeu o que estava acontecendo ali. Não tinha acreditado completamente em sua sobrinha quando ela disse que havia escondido um dragão em uma parte secreta do castelo. Seu cérebro dizia que não era possível, que nunca aconteceria. Mas o garoto assentiu, confirmando.

Ainda embasbacado, o lorde percorreu os olhos pelos outros animais. Não havia duas espécies iguais. Na retaguarda, um deles lhe chamou atenção. Não sabia o nome da espécie, mas era incrível como ele parecia uma serpente com asas. A cabeça triangular, a forma sinuosa de se mexer...

— De onde eles vieram? — ele olhou em volta quando ninguém o respondeu, todos olhavam para ele, com uma expressão estranha. E então para os dragões, que se agitaram ao ouvir sua voz. Escórpio sorria abertamente.

— Por que você falou em ofidioglossia?

Ele tinha falado na língua das cobras? Como? Tudo bem que a maioria dos ofidioglotas às vezes não tinham noção de quando usavam sua habilidade, mas isso só acontecia quando estavam de frente com uma serpente. Como...?

Ele olhou para o dragão vermelho de novo, e pareceu que ele estava rindo de sua confusão.

— Lis falava em ofidioglissia com Ragnar, quando achava que eu não estava olhando. Nunca achei que funcionasse, mas... Aparentemente, funciona, sim.

O rosto de Carlo queimou enquanto sentia os olhares do grupo inteiro o encarando. O que queriam que ele fizesse? Que simplesmente falasse com aqueles animais? Aparentemente, sim. Tanto as pessoas quanto os próprios dragões, que olhavam para ele, como se aguardassem.

— Vocês foram mandados pela Lis? — para sua surpresa, o que parecia ser o líder se aproximou, apresentando uma de suas patas, onde uma espécie de bolsa de couro estava amarrada.

Carlo não teve coragem de se aproximar, mas o Malfoy o fez, desamarrando as faixas. Tirou duas coisas pequenas de dentro. Uma, o lorde não conseguiu ver, mas a outra parecia um pergaminho dobrado.

— É da Lis — o garoto disse — eu que dei essa pulseira para ela. Acho que ela mandou os dragões para nós — ele desenrolou o pergaminho, que aparentava estar em branco e tirou a varinha. Carlos não prestou atenção no que ele fazia, no entanto.

De dentro do castelo, um mensageiro, de ums treze anos, se aproximou com um papel em mãos. Aaron o interceptou, e Carlo observou os olhos do amigo se arregalarem com as palavras, e então olharem para ele, trazendo a carta com urgência. Era do pai dele, e as palavras escritas ali mudavam tudo.

Escórpio veio correndo, com o próprio papel.

— Ela mandou os dragões para nos ajudar. É incrível, é como se ela soubesse o que estamos planejando.

As últimas palavras nas duas cartas eram: Apressem-se. Carlo balançou a cabeca, o punho amassando a carta sem ele perceber.

— Ela não sabe — os mais jovens o olharam — Entrem em contato com o Chefe Potter, teremos uma mudança de planos.


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