Still Alive escrita por Jubs Malfoy


Capítulo 29
Não foi a primeira vez




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Estava escuro e tudo o que ele ouvia eram os gritos e explosões. Seu corpo inteiro doía por conta veneno de Nagini, sua respiração já falhava há muito tempo, e ele não tinha mais forças. Ele queria desistir, já havia cumprido sua missão, Harry Potter já sabia a verdade, mais do que Dumbledore tinha ordenado: sabia a verdade sobre ele. Já poderia partir. E então, tudo era silêncio. Nada mais que silêncio e escuridão.

Alguns momentos depois, luzes de varinhas vasculhando todos os cantos revelaram a silhueta do homem caído, e um outro, com longas vestes brancas, alarmou os seus companheiros:

— Tem um homem aqui! Na casa dos barcos! Ah... não, ele já está morto. Acho que não está respirando.

Uma mulher de cabelos escuros chegou ao local junto com outro paramédico e checou o pulso do homem de cabelos negros e escorridos, caído no chão e coberto de sangue.

— Não, ainda está vivo. O pulso está fraco, mas existe. Acho que podemos salvá-lo.

Olhando mais de perto, reparou nas marcas de mordida.

— Número dois, traga-me a maleta. É veneno de cobra, ainda dá tempo de ministrar o antídoto.

O homem que havia entrado com ela trouxe uma caixa pequena, que a mulher abriu e examinou com habilidade treinada. Tirou de dentro um pequeno frasco com um líquido borbulhante e transparente, levando à boca do homem semimorto e despejando seu conteúdo nela.

Trinta segundos. Os mais desesperadores da vida de um medibruxo, os trinta segundos em que o antídoto faz efeito e é dado o veredicto: a pessoa viverá, ou morrerá. Trinta segundos contados no relógio daquela mulher, e então, o homem arquejou, e abriu os olhos, ainda sonolento, semiconsciente. A médica conferiu o seu pulso, enquanto o homem, em arquejos, gaguejava palavras incompreensíveis. Ou quase.

— Ele... Sobreviveu? O que... Ah. Ele tem que...

— Senhor, consegue lembrar onde está?

— Em Hogwarts... Cadê... Ele..?

— Senhor, nós somos médicos, o senhor está gravemente ferido. Pode nos dizer o seu nome?

— Snape... Severo.. Snape.

 

Snape acordou do pesadelo com um sobressalto. Não era a primeira, nem seria a última vez que aquela noite o assombraria. Lembrava de tudo com a mesma nitidez de 20 anos atrás: o Potter aparecendo em Hogwarts, a traição, aqueles olhos fendidos de cobra e a própria cobra, os olhos verdes de Lily... Não, do filho dela, antes de morrer, ou pelo menos, quando chegou perto demais da morte. Quando achava que havia superado, aquilo voltava e arrancava um pedaço de seu coração. Nem quando Clarissa era viva, os sonhos o abandonaram.

Severo olhou para a cama ao lado, esperando encontrar o familiar brilho vermelho, acompanhado de um corpo feminino e esguio que dormia como um gato todas as noites, mas apenas encontrou o vazio. Ela está no quarto do James — pensou, tentando acalmar-se — ela está bem, mais tarde eu falo com ela. Quando finalmente se convenceu, levantou para encarar o dia.

Seu primeiro pensamento ao sair do corredor dos professores era passar no quarto dos monitores, para dar uma olhada em Lis, mas um ser de cabelos negros e olhos verdes como os do pai o surpreendeu no corredor. O que fazia ali, tão longe do seu caminho para o Salão Principal?

— Prof. Snape! Eu estava justamente indo procurar o senhor — o homem levantou uma sobrancelha grisalha — a Lis pediu que não fosse no quarto do James, ele está meio mal por causa da prova de ontem, e disse que não queria ver ninguém.

Não era exatamente incomum Lis abrir mão de um dia de aulas para cuidar de alguém, principalmente se esse alguém fosse o James, mas algo no comportamento do Potter que carregava seu nome fez uma luzinha vermelha acender na mente dele. Ainda assim, meneou a cabeça, faria o que a filha pedira, pelo menos por algumas horas.

Aparentemente, ele descobrira, aquele não era um dia bom para ninguém. James e Lis trancados no quarto, Escórpio e Lily com uma doença misteriosa que ele supôs ser apenas um efeito do impacto do sumiço dos Weasley. Para completar, todos os alunos pareciam ainda mais agitados, só porque ele não estava afim de ser paciente: devia ter expulsado uns quatro até a hora do almoço. Alvo Potter continuava insistindo que Lis não queria falar com ninguém, e uma dor de cabeça se instaurou em Snape. Alguma coisa estava terrivelmente errada.

A ausência da caçula dos Potter na última aula causava murmúrios e inquietude nos colegas dela e dos sonserinos que dividiam aquele horário. Se a falta dela não fosse suficiente para deixá-lo desconfiado, a diretora McGonagall, com o rosto afogueado, irrompendo pela sala o seria. Ela se aproximou, e pareceu querer disfarçar a sua preocupação, o que ele achou desnecessário, já que as cabecinhas curiosas já haviam se desviado dos ingredientes para os professores do outro lado da sala.

— Severo — ela praticamente sussurrou — você tem alguma ideia de onde sua filha possa estar?  — ele franziu a testa, intrigado.

— Alvo me disse... — ele parou — ela não está no quarto do James, está?

— Nem lá, nem em lugar algum.

— Os quatro, não é?

— Quatro? Como você adivinhou que Nikolai e Kaleen...

— Eu estava pensando em Lily e Escórpio — os olhos da professora se alargaram pelos óculos, e Severo apenas somou dois mais dois — Minerva, qual a aula que o sexto ano da Grifinória está tendo?

— Feitiços, a maioria, por quê?

— A aula já acabou — ele elevou a voz, se dirigindo aos alunos — Venha comigo — ele completou, apenas para a diretora, antes de sair da sala com ela no encalço.

O caminho para a sala de feitiços era tortuosamente longo, mas os corredores estavam misericordiosamente vazios. O pequeno bruxo cedeu Alvo Potter sob o pedido ansioso dos dois professores. O menino tinha a altura de Snape, mas pareceu incrivelmente pequeno naquele momento, fazendo Severo desejar não ter visto o assombro e a culpa naqueles olhos herdados de sua antiga amiga.

— Alvo, onde estão Lis e James? — antes que o rapaz pudesse responder, completou — De verdade.

Ele suspirou e abaixou os olhos.

— Eles foram atrás dos Pelletier, para a França.

— Por quê? — a voz exasperada da diretora os atingiu.

— A Lis descobriu que foi o Nikolai quem os atacou, e os viu fugindo noite passada — McGonagall pareceu juntar o mesmo que Severo.

— Pelas barbas de Merlin! Severo, leve o Sr. Potter para a minha sala, e envie uma mensagem ao pai dele. Irei procurar a Madame Maxime.

Severo quase arrastou o Potter para a diretoria, abrindo a passagem com a senha (penas de alcaçuz). Os quadros dos antigos diretores fingiam dormir, mas Snape não se deixava enganar. Aquela sala já fora dele um dia, e ele sabia muito bem que prestariam atenção a cada palavra dita ali.

Severo mandou uma convocação ao Potter pai pela lareira, e se afundou em uma poltrona, encarando o melhor amigo da filha. Óbvio que ela iria atrás dele. Óbvio que ela se agarraria à oportunidade de sentir-se útil. Ele que era um idiota por não ter previsto aquilo. Provavelmente, deveria estar aliviado por ela não estar sozinha, mas estava, na verdade, preocupado com os outros. Sabia que Lis estava preparada para o que viesse, mas eles não.

Aqueles olhos verdes assustados o fizeram conjurar seu patrono. Seu protetor nunca deixara de ser uma corça, mesmo após Clarissa, a qual compreendia isso completamente: ele nunca apagaria aquele fragmento de Lily que permanecera com ele. Antes que o animal desaparecesse, ele o mandou para a Mansão Malfoy, afinal, o filho de Draco também havia sumido.

Alguns minutos depois, Harry Potter apareceu pela lareira, a esposa com o braço atado ao dele. Gina olhou para o filho com preocupação, mas Harry encarou Snape, intrigado; apesar de tudo o que se passara, a confiança do Potter nele não era completa. Antes que pudessem perguntar qualquer coisa, Draco saiu da lareira, espanando as cinzas do cabelo e das vestes.

— Severo, o que houve? — o semblante de Snape caiu enquanto ele sentava. Uma mecha do cabelo grisalho soltou do rabo de cavalo baixo que fizera.

— Acho melhor esperar Min... A diretora McGonagall. Ela saberá explicar melhor.

Não demorou muito para os três diretores entrarem; as mulheres pareciam aflitas e o homem, irritado. Atrás deles, a garota de cabelos cacheados vinha, a culpa estampada em seu rosto. Ótimo, todos sabiam da fuga de sua filha, menos ele.

— Sr. e Sra. Potter — Minerva começou, enquanto conjurava cadeiras — Sr. Malfoy… Gostaria de pedir que se sentassem. As notícias não são fáceis — quanto todos sentaram, ela continuou — Bem, para começar, o responsável pelo sequestro de Rose e Hugo Weasley foi identificado.

Quén fói? — Madame Maxime se adiantou, e McGonagall respondeu, com a voz grave.

— Nikolai Pelletier.

Todos reconheceram o nome, mas apenas Maia e Alvo não pareciam surpresos, o que não passou despercebido aos outros.

— Infelizmente, as únicas testemunhas que podem provar isso não se encontram mais em Hogwarts — de novo, as pessoas pareceram confusas — segundo Alvo Potter e Maia Kringles, Lis Snape deixou o castelo rumo à França, hoje, ao amanhecer, acompanhada de Escórpio Malfoy e os irmãos, James e Lily Potter.

Harry se levantou, exaltado:

— O quê? Como eles fugiram de Hogwarts desse jeito e ninguém percebeu? — Minerva arqueou as sobrancelhas.

— Me diga você, Potter. Que eu saiba, você fez isso, no quinto ano, se bem me lembro — ele suspirou, contrariado, voltando a sentar.

— Testrálios — fez uma pausa — se partiram tão cedo, agora já estão longe.

— E acredito que essa tenha sido a intenção, não estou certa, Sr. Potter? — a diretora encarou o adolescente, que parecia querer sumir em sua cadeira.

— Alvo, de quem foi a ideia? — Gina perguntou; a voz suave pareceu tranquilizar o garoto.

— Foi da Lis. Ela viu os irmãos Pelletier fugindo e juntou as peças. Pretendia ir sozinha, mas… vocês já sabem.

Harry Potter encarou snape com fúria.

— Sua. Filha — Severo interrompeu.

— Pretendia ir sozinha, não ouviu? Seus dois filhos escolheram ir junto. Aposto que o outro também iria, se alguém não tivesse que dar cobertura — o rosto do garoto confirmou sua teoria — mas isso não importa agora, a essa altura, eles já chegaram à França. Acredito que não ficaremos sem informações por muito tempo. Conheço minha filha, ela tem um plano. Talvez seja isso que precisamos…

— Destruir a França por dentro — Harry falou, perplexo, fora a ideia que o filho dera há apenas dois dias.

— Exatamente. Ela tem as melhores chances. Pode entrar sem chamar atenção. Avise à Ministra Granger. Eu preciso mandar algumas cartas.

Alguns instantes depois, a porta da diretoria se fechou com um estrondo após Gina sair, alarmada com o comportamento do marido. Ele saiu em disparada pelo corredor e deu um murro em uma parede de pedra.

— Que droga! Sempre aquela menina! Depois de todo o trabalho que tivemos para mantê-los seguros — Gina se aproximou.

— Harry, deixa de ser estúpido. Você se metia em encrencas piores por bem menos. Ela foi resgatar nossa sobrinha!

— Mas tinha que envolver nossos filhos? Lily é tão nova… E James não está recuperado ainda — Gina suspirou, olhando o marido nos olhos.

— Querido, esta é apenas uma história que se repete. Ela é muito parecida com você, não consegue ficar parada. Aliás, vou além: pelas histórias que me contaram, ela é muita parecida com o seu pai. Me pergunto, até, como Snape se sentiu ao criar uma menina que é a cópia de seu antigo inimigo — o homem olhou para a esposa, as sobrancelhas arqueadas — Nós ensinamos ao James sobre lealdade, todas aquelas histórias da época de Voldemort. Nós nunca te abandonamos, fomos à guerra por você. Ele fará o mesmo por ela. E ela o ama, isso está estampado em todas as suas ações, não vai deixar que seja ferido; é mais esperta que você era, e eu tenho certeza de que alguém a treinou, pois nunca a vi perder uma briga nem pro Teddy. Vai mantê-lo seguro.

— E como sabe que ela fará o necessário para isso?

— Harry, sobre isso, eu só posso dizer que espero que Lis nunca tenha que escolher entre a própria vida e a do James — ele franziu as sobrancelhas em uma pergunta silenciosa — porque teríamos que dizer ao Snape que perdeu a única filha, e trazer flores para seu funeral.

 

***

 

Lis estava calada, e checava, a cada segundo, a bússola e o céu. James sabia que ela estava apreensiva: a noite estava caindo, junto com a temperatura, e eles não pareciam mais próximos de qualquer que fosse o lugar que ela queria chegar. A regra, mesmo que ele não entendesse o porquê, era sem magia e, por isso, dispensaram os testrálios quilômetros atrás.

James observou os companheiros. Escórpio e Lily não eram tão bem preparados quanto ele e a namorada e, enquanto Lis parecia mais alerta a cada minuto, os outros estavam o oposto.

A contragosto, a Snape concordou com outra pausa e sentou em uma pedra, olhando o mapa novamente. James sentou ao lado dela. Esperava a dor, pelo dia de caminhada, mas ela parecia diminuir a cada hora que passava.

— Por que não acampamos aqui mesmo e continuamos amanhã? — ela nem mesmo tirou os olhos do mapa e traçou uma linha com a ponta do dedo.

— Está vendo essa linha azul? É uma fronteira. Para a direita é a terra do meu avô, para a esquerda, onde estamos, é dos Pelletier — o coração dele virou chumbo — ou seja, estamos em território inimigo. Sem proteção. Sem magia. E tudo o que eu quero é sair daqui.

James ia perguntar qual a probabilidade de serem encontrados ali, mas um grito da Lily respondeu sua dúvida. Quando virou, viu sua irmã presa por um soldado, a espada contra sua garganta, e os olhos arregalados. Escórpio tinha a varinha em mãos, mas James o alertou com o olhar: Lis tinha dito sem magia. O homem falou, em um francês carregado. James havia passado os últimos meses estudando francês e entendeu o básico: se movessem um músculo, Lily morreria.

James levantou as mãos, mostrando-as vazias. Tentou lembrar o que falar, mas esquecera até como se dizia “bom dia” naquela língua. James quase fez uma besteira e entregou a namorada quando a viu sair de trás do soldado, as adagas curvas nas mãos, silenciosa como um fantasma. Seus olhos azuis o fuzilaram, e ela pôs um dedo nos lábios, a mensagem clara.

Aconteceu tão rápido que ele mal pôde registrar. Lis cortou o braço do homem de forma que ele soltasse a espada, e Escórpio puxou Lily pelo braço. Enquanto isso, Lis girou o homem e fez algo que James, definitivamente, não esperava. Um piscar de olhos. Esse foi o tempo necessário para uma das adagas afundar no peito do soldado.

Ele não conseguiu olhar, e percebeu que sua irmã também não, pois escondia o rosto no peito do Malfoy, visivelmente abalada. Escórpio encarava a amiga, horrorizado. Ela tirou a adaga, limpando o sangue na capa dele. James viu uma fragilidade em seus olhos, que não durou um segundo antes de ser substituída por uma indiferença gélida.

— O que foi, Escórpio?

— Precisava matá-lo?! — ele abraçava Lily, que estava tremendo.

— Ele era dos Pelletier, e da armada bruxa. Teremos sorte se já não tiver acionado algum alarme. Vivo, ele nos entregaria.

— E morto — Escórpio começou, mas foi interrompido.

— Não pode se curar, e demorará horas para ser encontrado. Tempo precioso para sairmos daqui.

— Você fala como se já tivesse visto e feito isso antes.

Ela não respondeu. Não precisava, a forma como ela os olhou dizia tudo. James estava perplexo. Que ela fora obrigada a ver esse tipo de coisa, ele já sabia, mas a executar? Ela abaixou os olhos, murmurando para os outros continuarem andando. Quando Scorp e Lily saíram, ela começou a arrastar o corpo,e James foi ajudá-la.

— Não vai virar o rosto e ir embora com os outros? — a voz dela era tão afiada quanto sua lâminas, mas James conseguia sentir a dor naquelas palavras.

— Não, não vou — eles colocaram o corpo em um emaranhado de arbustos e encararam — Você o conhecia?

Ela negou, e começou a cobri-lo com galhos e folhas secas. Quando foi limpar as mãos, percebeu o sangue, ainda fresco, nelas, e estremeceu um pouco. O Potter ia oferecer o cantil, mas ela dispensou.

— Não gaste sua água com isso — passou as mãos na casca de uma árvore — mais para frente tem um rio, eu me limpo lá — ela tentou seguir em frente, mas ele a segurou, fazendo-a olhar nos olhos. Os dois ficaram congelados, até que ele pôs a mão no rosto dela, tentando beijá-la. Ela se afastou, bruscamente, se soltando dele — Não faça isso — ela o encarou, exasperada — Acabei de matar um homem. Não é a primeira, e duvido que será a última vez. Mas não finja que está tudo bem, ok?

Ela seguiu calada o resto do caminho, e eles não demoraram para encontrar o rio ao qual ela se referira antes. Eles queriam parar para descansar, mas ela negou, irritada.

— Temos dez minutos de luz para atravessar o rio, querem fazer isso no escuro? — ela não esperou a resposta para entrar na água, colocando a mochila acima da cabeça — atravessem atrás de mim, e cuidado com a corrente.

O rio era largo, a corrente era forte, e a água gelada chegava facilmente às costelas dele. Foram longos dez minutos. Quando alcançaram o outro lado, se jogaram no outro lado, exaustos e congelados, mas um gesto da varinha de Lis os secou imediatamente.

— Deixa eu adivinhar: o rastreador de magia não funciona desse lado.

— Até funciona, mas ninguém se importa — ela deu de ombros e foi lavar as mãos ainda sujas no rio.

James se aproximou da irmã, que parecia mais calma.

— Você está bem? — ela sorriu.

— Estou. Estamos no meio de uma guerra, não vai ser tão incomum ver coisas assim — ela não parecia abalada pelo fato — o Escórpio que não pareceu assimilar isso muito bem, mas conversarei com ele — James anuiu — E a Lis não está tão confortável com isso quanto parece, então, cuide dela, não de mim.

Nesse momento, a ruiva voltou, o olhar decidido.

— Vocês ficam aqui. Eu vou encontrar um lugar seguro para passarmos a noite.

— Onde, exatamente? — o Malfoy parecia cético.

— Tem um vilarejo aqui perto. Conheço algumas pessoas.

— Vou com você — ela encarou o Potter, que já havia se levantado, e suspirou. Não contestaria.

A vila não era longe. Eles entrariam em uma espécie de taverna, ela o informara, não existia lugar melhor para conseguir informações do que uma taverna, a não ser, talvez, uma reunião das damas da corte, explicara Lis. James sentiu a postura dela mudar no caminho, se tornando mais segura e, ao mesmo tempo, desleixada, além disso, a ruiva emanava uma energia perigosa. Ninguém a incomodaria aquela noite.

O lugar lembrava o Cabeça de Javali: o mesmo chão imundo, as pessoas estranhas e, embora não entendesse, sabia que as músicas eram tão lascivas quanto. No entanto, ali, as pessoas dançavam e cantavam, algumas mulheres de roupas decotadas circulavam, flertando. Havia vida.

Os dois entraram ao mesmo tempo, mas fingindo serem estranhos; sentaram-se a um balcão, um pouco afastados, mas perto o suficiente para que ela ouvisse James pedir uma cerveja, e fazer uma careta que ele não entendeu. Um homem corpulento se aproximou de trás do balcão, em direção a Lis.

— Mademoiselle Snape — ele sorriu abertamente, e James ouviu atentamente, tentando entender o francês. Merlin, ele deveria ter feito aulas há muito tempo — em que posso ajudá-la?

— Olivier! Eu estou aqui a negócios, mas adoraria que me servisse um hidromel. Dos bons, não essa coisa aguada e fedorenta que dá àqueles bêbados — ele riu, deliciado, e foi buscar a bebida.

James não havia percebido aquele homem até que se metesse entre ele e a namorada, mas podia apostar que Lis havia. Era alto e forte, aparentava uns trinta anos; a possessividade com que agarrou a cintura dela fez um fogo subir pelo estômago do Potter. Ela respondeu o toque com um sorriso afiado que faria qualquer um correr para longe, mas apenas o fez sorrir ainda mais. Eles se conheciam.

— Olha, se não é a florzinha D’Noir — James se esforçou para ouvir, ele falava, surpreendentemente, em um perfeito inglês — seu tio falou que viria — ela não parecia surpresa.

— Falou, é? — ele se aproximou ainda mais, a boca perto da orelha dela, como um amante.

— Não deveria estar aqui, garota. Se te reconhecerem, seu avô saberá na hora. Pôs todos em alerta — o homem desceu os lábios para o pescoço dela, falando tão baixo que James quase não ouviu — Nem pense em ficar nas pousadas, eu tenho um lugar seguro para vocês.

— Vocês? — ele a segurou pelo queixo, forçando-a a olhar para ele.

— Acha que não vi o garoto que entrou com você? — os olhos dela não entregaram nada — Vá para as minhas terras. Infelizmente, não posso recebê-los em casa, mas você já sabe onde acampar.

— Por que está fazendo isso? — a desconfiança na voz dela era clara, e James quase pôde ouvir o sorriso na resposta dele.

— Devo um ou dois favores ao seu tio. Acho que garantir a segurança da sobrinha de Carlo D’Noir os pagaria, estou certo?

Ele não esperou resposta e a beijou. Não foi um beijo longo, mas lascivo o suficiente para exigir todo o autocontrole do Potter para não voar no pescoço dele. O olhar de Lis dizia para ele não reagir. Ela saiu da taverna apenas trinta segundos após o homem, colocando uma moeda na mesa; nos olhos, um recado para ele esperar antes de segui-la.

Lis esperava por ele na esquina que tinham combinado, e começou a andar de volta ao rio quando o viu, mas ele a segurou.

— O que foi aquilo? — ela riu, revirando os olhos.

— Pura encenação. Ele é uma pessoa importante, mas ninguém fica observando muito quando um Lorde está com suas amantes.

— Você pareceu bem à vontade.

— Não foi a primeira vez, James.

— É, estou percebendo que nada por aqui é sua primeira vez — ela arqueou uma sobrancelha, tentando entender onde ele queria chegar — E por que ele te ajudou? — ela sorriu, e não havia sarcasmo daquela vez, apenas um genuíno sorriso.

— Sei que ouviu que ele deve favores ao meu tio, mas era outra mentira. Eles são melhores amigos de infância… Aaron foi um dos meus mentores. Foi a forma dele de dizer que se importa, e que não vai fazer bem eu ser descoberta por aqui.

Ele não entendeu nada, mas ela não esperou para voltar para os amigos, aos quais anunciou onde passariam a noite. O Malfoy parecia desconfiado, mas não falou com ela, nem naquele momento, nem no resto do trajeto. os Potter tentavam manter o clima menos pesado. Eles jantaram, e Escórpio pediu que a amiga tirasse o violão da mochila expansível dela. Uma oferta de paz.

Não era tarde, e eles se deram um tempo ao redor da fogueira baixa. Escórpio tocava uma melodia leve, enquanto Lily o acompanhava, cantando. Lis sentou afastada de todos e, embora não percebesse, a cada minuto estava cada vez mais perto do fogo. Não adiantava muito, ele percebeu, pois ela ainda tremia. Aquele frio não vinha de fora, mas de dentro dela. Ela parecia querer entrar naquela fogueira, e James pensou que não era uma ideia tão absurda assim.

Ele se aproximou dela e se curvou, como fez no baile, estendendo a mão, com um sorriso no rosto. Ela o encarou, confusa.

— Aceita dançar comigo, querida? — ela levantou e ele a abraçou enquanto fazia um gesto com a varinha sobre os dois, uma sensação gelada cobrindo-lhes a espinha.

— O que é isso? — ele sorriu, e a puxou para as brasas.

O calor não o queimou. nem era tão intenso quanto seria, mas aquecia consideravelmente. Lis olhou as chamas que dançavam entre seus pés descalços, e sorriu, sorriu como ele não a via fazer desde o ataque. Foi ela quem o puxou para perto, balançando ao som da música, o rosto enterrado no pescoço dele enquanto as mãos dele deixavam pequenas carícias na cintura, debaixo da camisa dela.

— Eu te amo, Lis — ele sussurrou, mas não sentiu a rigidez que esperava por parte dela.

Ao invés disso, Lis se afastou para olhá-lo nos olhos, apenas registrando como eles pareciam ser dourados com as chamas refletidas neles, antes de beijá-lo de uma forma que dispensava qualquer resposta.

 

***

 

Rose já estava lá há uma semana quando dois guardas foram buscar ela e o irmão no quarto. Ambos usavam roxo. Aquilo não era um bom sinal. Ela e Hugo ainda usavam as roupas com que haviam chegado, lavadas, graças à misericórdia de algum elfo-doméstico que percebeu a recusa deles em usar as vestes oferecidas pelos “anfitriões”.

Os irmãos foram empurrados para um salão, onde um casal rodeado de guardas ocupavam o que pareciam tronos. Cormand e Delphine Pelletier. Mesmo que o guarda não os tivesse anunciado, Rose reconheceria os pais de Nikolai e Kaleen.

Delphine era a mulher mais linda que Rose já vira. Tudo nela era dourado: os olhos iguais aos do filho, os cabelos loiros, os tecidos e as jóias que usava, tudo reluzia em ouro. Ela brilhava tanto, que parecia ter luz própria. Enquanto isso, o marido era o perfeito oposto, mas não menos opulente. Se parecia demais com a filha, desde o cabelo negro e a pele pálida, até os olhos, que eram, se possível, ainda mais escuros. A única coisa em comum ao casal era a postura implacável.

Rose abriu a boca para perguntar o que eles queriam, mas um movimento chamou sua atenção: Nikolai e Kaleen entrando no salão. Aquela foi a primeira vez que a Weasley viu qualquer emoção naquela menina. Seus olhos se alarmaram, e ela estancou por dois segundos antes de voltar à indiferença costumeira e tomar seu lugar ao lado do irmão.

— Acredito que já conheçam meus filhos — Cormand sorriu, e Rose ficou surpresa por ele estar falando em inglês — e agora que estamos todos reunidos e devidamente apresentados… gostaria que vocês dois, enquanto filhos da atual Ministra da Magia, respondessem a algumas perguntas. Pode ser?

— Não diremos nada a você!

Para a surpresa de Rose, foi Hugo quem respondeu. O sorriso frio não deixou o rosto do Lorde, e Kaleen olhou para o pai; Rose não sabia dizer se a garota estava horrorizada, ou apenas curiosa.

— Você pode, até, não responder, garoto, mas sua irmã irá.

Tudo aconteceu muito rápido, mas Rose viu, em câmera lenta, um dos guardas desferir um murro no estômago do seu irmão enquanto outro segurava os braços dele para trás, prendendo-o. Ambos com sorrisos maliciosos que faziam seu estômago revirar.

— Srta. Weasley… o que me diz?

— Não diga nada, Rose! — a resposta para a petulância foi um golpe no queixo do garoto, mas Rose não via dor nos olhos dele, apenas uma determinação corajosa, que nunca expôs antes. Ela continuou calada, atônita.

Um gesto do Lorde Pelletier, e os guardas voltaram a bater no Hugo, que suportava tudo em silêncio. O cérebro dela estava a mil, enquanto lágrimas corriam por seu rosto. Entregar e, talvez, condenar centenas de pessoas, ou deixar seu irmão sofrer? Outro gesto. Os guardas pararam.

— Acho que não está funcionando… — Conrad olhou para um soldado enorme — Hansel, venha cá, acho que o incentivo não foi suficiente.

Aquele ogro chutou os joelhos do Hugo, forçando-o a se ajoelhar, então desembainhou uma espada do tamanho do braço da Rose. Ele puxou os cabelos ruivos que Hugo gostava de manter longos, como os do tio Gui, expondo o pescoço dele, e posicionou a lâmina da espada a uma curta distância. Rose não entendeu a intenção dele até outro homem chutar as costelas de Hugo, fazendo-o dobrar o corpo e ir contra o fio da espada, que fez um talho acima da garganta, o sangue escorrendo e manchando sua pele.

— Não! — ela gritou, caindo, quando o homem se preparou para outro golpe — Eu falo. Por favor.. eu falo.

Cormand ordenou aos homens que se afastassem, e a ruiva se arrastou até pôr o irmão no colo, as lágrimas embaçando sua visão, o sangue dele em suas mãos.

— Eu conto que quiser — ela disse, em um fio de voz.

— Agora, estamos conversando — ela estremeceu com o sorriso cruel que ele deu.

Os soldados os jogaram no quarto após o interrogatório. E já havia escurecido quando ela terminou de limpar os ferimentos de Hugo, os hematomas já apareciam na pele sardenta. Seu irmão trazia uma coragem e uma calma nos olhos castanhos que ela nunca vira nele em momento algum de suas vidas. Era mais comum ver na Lily, ou nos gêmeos, mas não nele.

Rose estava preocupada. Alguns cortes estavam feios, e ela achava que uma costela havia quebrado. Esperava que alguém aparecesse, mas elfos domésticos são conhecidos por seu sigilo e silêncio enquanto trabalham, e ela não tinha visto nenhum empregado humano naquele lugar. Hugo pareceu perceber a agitação da irmã, e pediu que ela sentasse ao lado dele, sorrindo.

— Vai ficar tudo bem, maninha… — ela duvidava. Depois do que havia dito… Ela havia tentado mentir, mas Cormand mandava eles baterem novamente no Hugo quando desconfiava. Rose fez o melhor para dar informações irrelevantes como se fossem importantes, e misturar algumas poucas importantes como se fossem nada. No entanto, dissera demais.

Ela respirou para responder, mas ouviu uma confusão na porta. Três vozes discutindo. Se aproximou da parede, tentando ouvir.

— Você não tem autorização para estar aqui — um alívio a inundou ao ouvir a voz do soldado Dubois.

— Ora, por favor. O que eu posso fazer com esses dois prisioneiros? Além do mais, esse castelo é minha casa, não de vocês — ela não reconhecia a voz feminina que veio a seguir, mas aquilo pareceu convencer o guarda.

A porta se abriu e, para a surpresa dos irmãos, Kaleen entrou, acompanhada do homem negro. Ela continuava ilegível, a postura de uma princesa.

— A Lady Pelletier pediu para vê-los — o soldado viu o estado de Hugo, e seu rosto se fechou ainda mais — qualquer problema, é só chamar.

Rose se aproximou do irmão inconscientemente, enquanto observava a garota parada e o homem sair do quarto. Ela usava uma capa, apesar do calor que fazia naqueles corredores.

— Não vou machucar vocês — ela conseguia fazer até mesmo aquela frase ser assustadora.

— O que você quer? Não está satisfeita de nos ter trazido para cá? — a garota largou os braços ao lado do corpo, parecendo desamparada.

— Eu não… — ela respirou — eu não sabia que meu irmão tinha feito isso. Não até hoje. Nem sabia que vocês estariam aqui — ela se virou e tirou alguns embrulhos de dentro da capa, para os quais a Weasley olhou, desconfiada.

— Trouxe remédios, e panos para os curativos — os irmãos a encararam, surpresos — Ninguém viria ajudar. Os elfos receberam ordens diretas do meus pai.

— Não queremos nada de você — Rose começou, mas foi interrompida.

— Mana… Dá uma chance a ela. Kaleen veio ajudar. Deixa ela, pelo menos, contar sua história — ela observava o garoto com interesse, como se percebesse ele ali pela primeira vez. Rose concordou, e a menina, com mãos treinadas, se aproximou com os remédios, e começou a cuidar dos curativos.

— Aparentemente, meu irmão se encarregou de me proteger das partes escuras da corte — ela começou com a voz suave, enquanto passava uma pomada no corte do pescoço do Hugo — Eu não sabia das masmorras, das torturas, apenas desconfiava que nem tudo era como parecia, por aqui. Ontem à noite, Nik apareceu no meu quarto, mandando eu arrumar minhas coisas, pois meu pai não nos queria em território inimigo. Eu acreditei. Deixei que me trouxesse. Mas ouvi coisas estranhas desde que cheguei…

Kaleen fez uma pausa, e pediu à Rose que segurasse um pano gelado no peito do Hugo enquanto ela buscava uma agulha e uma linha finíssima para um corte profundo no bíceps dele.

— Os soldados e criados do meu pai são facilmente manipuláveis, então os convenci de me contar o que estava acontecendo por aqui… Não soube muito, apenas que meu pai tinha criado armas e formas novas de exército, que estava se preparando para uma guerra de verdade, e que já tinha obtido sua vantagem. Não esperava encontrar vocês dois naquele salão. E nunca tinha visto meu pai interrogar ninguém antes… — ela estremeceu um pouco. Pensei em vir ver se vocês precisavam de algo. Têm sorte de serem os soldados D’Noir vigiando vocês.

— Por quê? — foi o Hugo quem perguntou. O rosto dela sequer mudou ao responder.

— O Conde D’Noir e meu pai se odeiam desde antes de eu nascer. Não sei muito bem o motivo, mas meu pai detesta estar hierarquicamente abaixo dele, o que dá ao Conde o direito de ter os soldados dele guardando vocês.

Ela levantou, pois já tinha terminado, e lavou as mãos no banheiro. Então, voltou, sentou em uma cadeira e os encarou, enquanto enxugava as mãos no vestido negro.

— E a pergunta é séria. Vocês precisam de alguma coisa?

— Qualquer coisa? Você nos conseguiria o que pedíssemos? — uma ideia brotou na mente de Rose.

— Se estiver em meu poder consegui-la, sim.

— Consegue enviar uma carta nossa sem que ela seja interceptada? — ela olhou para baixo, e deu um pequeno sorriso de lado antes de responder.

— Sim — e olhou para as sobrancelhas arqueadas da ruiva — Meus melhores amigos são nascidos trouxas… Nem meu irmão sabe que troco correspondências com eles. Ninguém nunca interceptou nada — ela conjurou um papel e pena, entregando-os à Rose — Seja rápida.

Rose escreveu uma carta, correndo. Foi discreta, caso a garota estivesse mentindo, não queria se meter em encrenca, mas dizia o suficiente. Ela parou por uns segundos, se perguntando se deveria mesmo fazer aquilo. Um toque de Hugo e um aceno de cabeça a convenceram. Se nunca tentasse, poderia ser pior.

Kaleen pegou o pergaminho e, com a varinha, fez as letras sumirem.

— Não aparece com revelio. Apenas quem você quer que leia poderá destravar o feitiço. Acredito que está enviando para sua mãe correto? — Hugo confirmou, e ela pôs a carta em um envelope, desenhando uma rosa com espinhos formando um W do lado de fora. Ela era talentosa, e inteligente. Rose lembrou a si mesma de não mais subestimá-la.

Kaleen verificou mais uma vez os curativos de Hugo, e se despediu, indo para a saída.

— Kaleen — ela virou, olhando a ruiva — obrigada.

Os ombros dela caíram, e ela deu um sorriso triste.

— Era o mínimo que eu podia fazer… Se eu, ao menos, tivesse percebido…

Ela não completou a frase e saiu do quarto. Rose se arrastou na cama e o irmão a abraçou.

— Agora acredita que as coisas vão melhorar, maninha?

Ela não respondeu, e o cansaço do dia a reinvidicou.


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