Consequências. escrita por MedusaSaluz


Capítulo 2
Insônia




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— Garfield.

Ravena foi a primeira a se pronunciar, chamando a atenção do colega de equipe, mais para cumprimenta-lo do que para alertar que estava ali.  Ele não se virou na direção dela ou se levantou. Ela pôde observa-lo ao levantar a garrafa de vidro e tomar um gole longo da bebida cor âmbar. Ao perceber o estado do metamorfo verde, hesitou na ideia de permanecer no telhado. O raciocínio que a manteve ali foi que nada poderia melhorar ou piorar seu estado de espírito. Se aproximou então da beira do telhado da torre em forma de T e se sentou ao lado de Garfield Logan, pronta para sabe-se lá o que estivesse perturbando-o.

— Rae. – Ele continuou sem olha-la, só encarando o rótulo preto da garrafa que tinha em mãos.  - Sabe o que é uma droga? – Mutano riu de si mesmo, o riso tinha um tom extremamente melancólico. - Meu corpo com seus instintos e resistência animal, não se altera, não importa que eu tenha bebido metade de uma garrafa de whiskey.

— Se serve de consolo, você está fedendo mais que o normal. Isso é uma alteração. – Ravena não sabia bem o que dizer. Nunca fora a melhor em consolar as pessoas, mas com certeza era boa em falar a verdade, principalmente se fosse carregada de ironia, desdém e direcionada para o titã verde.

Ele se virou para responder, mas foi surpreendido pelo visual de sua amiga. Não era só a camiseta larga e azul, sem calças e provavelmente sem sutiã. O cabelo, que até ontem era longo, parecia nostalgicamente familiar.

— Falando em alterações, voltamos tipo uns anos para o passado?! Wow. – Encarou-a por alguns segundos, pensando no monte de lembranças que o velho visual de Ravena trazia. O contato visual direto tornou-se incômodo para ela, que desviou o olhar para o horizonte.

— Precisava mudar. – Pensando em tudo que poderia estar em seu futuro, ela cruzou as pernas a frente do peito. Não queria que ele notasse, mas havia insegurança naquela ação.

— Sempre preferi curto. – Ele sorriu, era verdade. Não que não gostasse de cabelos longos, curto era simplesmente mais... a cara dela.

O silêncio durou alguns minutos, até Garfield resmungar algo e entornar novamente um gole longo do whiskey, que aparentemente era de boa qualidade. Ravena não podia evitar que suas habilidades empáticas agissem. Sentiu exatamente o que ele estava sentindo. O rapaz das orelhas pontudas precisava desabafar. Não iria achar a solução de seus problemas no fundo daquela garrafa.

— Noite difícil? – Ela tentou se aproximar. Não sabia exatamente como fazer aquilo, mas Mutano era muito mais expressivo que ela, sobre qualquer coisa.

— Difícil? – Ele riu melancólico, mais uma vez.  - Eu saio pra me divertir sozinho numa boate por aí, só pra me distrair um pouco e adivinha quem eu vejo, na mesma boate? – Ele só tinha ficado tão magoado e de coração partido quando...

— Tara? – Aquele era o nome pelo qual a garota idêntica à Terra atendia: Tara Markov.

— Ela é a Terra. – Ele a encarou, fuzilando-a com o olhar, estava cansado de ninguém acreditar até ali que ela era a Terra que havia voltado. - Enfim, ela estava lá, dançando, se divertindo, bêbada, com o estúpido namorado normal dela. Não se lembrando de mim.

              - Bem... Isso deve... – Ravena queria saber o que falar. Assuntos daquele tipo eram complicados pra ela. Quebrou seu coração apenas... uma vez? Duas, talvez.

— Ter arruinado minha noite? Sim. – Garfield estava péssimo e ela caçava as palavras de consolo. Estava se lembrando que a primeira vez que se sentira como ele fora obra de um dragão, disfarçado de feiticeiro.

Malchior.

Se lembrava também que quando tudo acabou do jeito que acabou, Garfield estava lá por ela.

— Sinto muito. – Hesitante, ela colocou a mão no ombro dele. Ela sabia que o que quer dissesse, ajudaria, se fosse sincero.

A resposta demorou um pouco a ser dada por ele. O metamorfo sabia que Ravena era legal, só não esperava que ela agisse assim naquela situação. Uma mão no ombro, ainda que ela houvesse passado por mudanças através dos anos, ainda era uma ação inesperada. A empata não era conhecida por contato físico.

— Não precisa. – Sorriu de leve para ela, mesmo que ele estivesse mal, era bom se sentir apoiado.

Mais uma vez, silêncio e outro gole na garrafa de whiskey. Ravena respirou fundo ao mergulhar novamente em seus pensamentos. Precisava falar sobre aquilo com alguém. Para o bem dela, para tomar uma decisão clara. Obviamente Richard seria um ouvinte melhor que Garfield. Mas... ela não concluiu o raciocínio porque viu uma mão verde entrar em seu campo de visão, segurando uma garrafa e balançando-a, como se oferecesse o líquido que esta continha.

Os olhos violeta da empata encararam os verdes do rapaz. Uma conversa mental aconteceu quase que automaticamente.

“Você sabe que eu não bebo“ Suas sobrancelhas, tão violeta quanto seus olhos, estavam erguidas.

“Parece que está precisando” Sua boca verde se retorceu no canto, sentindo muito por ela também.

Foi após essa curta e silenciosa conversa que ela pegou a garrafa e olhou alguns segundos para o rótulo. Aquilo era idiota. Afogar as mágoas em álcool nunca funcionava para ninguém. Não fazia sentido. Por outro lado, ela não estava exatamente sentindo alguma coisa. Ela procurava mudança e ela nunca tinha bebido whiskey antes.

Negando a natureza que ela mesma havia moldado para si, Ravena tomou um gole da bebida âmbar. Não foi um gole muito longo, porque não suportou tão bem, a bebida forte desceu lhe queimando a garganta e fazendo seus olhos lacrimejarem de leve. Ao terminar seu gole, limpou a boca com as costas da mão, secando o resíduo de bebida que ficara em seus lábios. Voltou a encarar o rótulo da garrafa e as palavras simplesmente escorregaram de sua boca.

— Estou pensando em ir embora. – Estava séria, mas sua seriedade era diferente de sua própria normalidade. Garfield não percebeu a diferença.

— Te entendo, eu devo estar insuportável agora. – Só pensava que ela estava perdendo a paciência com o cara verde e chorão sentado no telhado, o que seria bem comum da parte dela.

— Não, quer dizer, você está, mas... eu estou falando de ir embora da torre, de deixar os titãs. – Foi aí que ele conseguiu ouvir a ansiedade e a melancolia no tom sério de Ravena. Tudo naquela frase o assustou e quase derrubou-o do telhado, com a força do espasmo que tomou conta de seu corpo verde.

— O que?! Por que?! – Os olhos de Mutano estavam arregalados. Não aguardou muito tempo por uma resposta dela. Ao ver a companheira de equipe morder o lábio no que provavelmente seria... medo? Vergonha? Culpa? Ele não sabia bem o que era, mas não gostava nem um pouco. - Você não pode dizer uma coisa dessas e não se explicar direito! O que está acontecendo? – Segurou a mão dela, que não estava ocupada com a garrafa, fazendo o verde contrastar com a pele cinzenta, mas apenas por um segundo, porque se tocou que era a mão de Ravena.

— É complicado, Garfield. – Ela suspirou. Em algum momento ela teria de dizer. Ele piscou algumas vezes, tentando entender todas as informações não dadas.

— Complicado? – Perguntou ele, cheio de dúvidas pulsantes e preocupações tão vivas quanto.

— Muito. – Ravena queria explicar para ele. Viu a boca dele se abrindo para fazer outra pergunta ou comentário. Nunca ficara tão feliz por aquele alarme da torre ter soado.  - Precisamos ir.

A empata se levantou rapidamente usou de seus poderes para materializar seu uniforme em seu corpo, o macacão preto de tecido flexível e resistente, a capa azul com capuz e as botas. Já se dirigia para a porta para descer até o encontro dos outros titãs, não só pela emergência, mas pela chance de ser salva daquela conversa complexa com Garfield.

Ele se apressou, logo atrás dela, por sorte já vestido com o uniforme. Correu para porta, mas ao entrar no elevador, deixou algo muito claro para a amiga:

— Você não vai escapar desse assunto, Rae. – Ele estava preocupado e ela sabia. Ravena só não fazia ideia de como tocar nesse assunto com qualquer membro da equipe.

Eram apenas 4:56 da madrugada. Aquele dia mal havia começado e demoraria a acabar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!

Reviews são sempre bem vindas!
Beijos de Luz!



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