" É necessário sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não nos saímos de nós"

                                            José Saramargo

A casa de que Ângela falara ficava em uma colina na parte mais distante do vilarejo. Suas paredes eram feitas de madeira e o teto era coberto de telhas de barro. Uma das poucas casas construídas naquele estilo na vila. Além disso o velho casebre possuía um aspecto rústico e estava visivelmente abandonado há bastante tempo.

Antes de passar pela soleira, a jovem examinou rapidamente se estava realmente sozinha.

A porta não estava trancada e, assim que entrou nela, Bella sentiu uma forte sensação de desconforto. Um calafrio percorreu todo o seu corpo como se algo muito ruim tivesse acontecido ali. Era difícil imaginar que um dia escolhera aquele lugar para brincar quando criança.

Dentro da casa havia muita poeira e cheiro de mofo. A madeira do chão rangia toda vez em que se pisava em alguma parte dela. Bella percorreu todo o salão principal e os cômodos dos fundos examinando cuidadosamente, mas não encontrou nada. Era inútil estar ali. Haviam apenas uns poucos móveis velhos e uma lamparina abandonada.

A jovem já estava quase desistindo quando, de repente, veio-lhe a memória uma lembrança de infância. De um lugar aonde ela costumava se esconder na casa para brincar. Lembrou que havia uma entrada secreta por baixo do assoalho. Agora só era preciso identificar onde estava essa entrada.

Bella começou a observar o som da madeira quando pisava no chão. Haviam partes em que o barulho divergia das outras. Ela afastou o tapete que encobria o espaço e se deparou com uma portinha bem estreita de aproximadamente um metro quadrado.

A moça puxou o alçapão e um interior escuro lhe foi revelado. A única coisa que conseguia ver era o início de uma escadinha iluminada pela pouca luz que vinha da sala. Não era possível descer com tamanho breu. Então ela voltou aonde estava a lamparina e procurou por fósforos.

Já de posse deles e com a chama acesa, Bella lentamente começou a descer degrau por degrau.

Parecia que o cheiro de mofo era mais intenso ali dentro, porém a menina também descobriu uma nova sala. Havia uma escrivaninha, alguns livros velhos e algumas estantes com gavetas.

Bella abriu uma das gavetas da estante e encontrou uma sacola de estopa com algumas roupas. Eram calças e camisas parecidas com as que o homem da praia estava vestindo e calçados de tamanhos enormes. Ela abriu outra e encontrou mais roupas, só que essa também continha alguns objetos que ela não sabia identificar. A menina continuou vasculhando as gavetas e encontrando mais roupas e objetos, até que, quando estava na sexta, houve algo que lhe chamou atenção.

Eram fotografias antigas em preto e branco. Fotos de mulheres com vestidos longos e rodados ao lado de homens com ternos e gravatas elegantes, além de meninos e meninas, todos em um ambiente arquitetônico que jamais poderia ser a ilha. Lembranças de uma outra vida.

Bella continuou examinando as fotos até se deparar com uma de uma mulher que lhe parecia bem familiar. A jovem que estava na imagem de mãos dadas com um homem bonito enquanto sorria timidamente era Renné.

Além dela, alguns rostos nas fotos também eram familiares com o das amazonas. Estava claro que alguma coisa tinha acontecido para que elas tivessem vindo parar na ilha. Agora, mais do que nunca precisava saber o que tinha acontecido. Tudo que ela sabia sobre aquelas mulheres com quem convivia desde criança tinha caído por terra.

Ela então pegou a fotografia e uma sacola com umas mudas de roupas e subiu as escadas. Quando estava já estava nos últimos degraus seu coração quase saltou para fora do susto que teve quando viu Renné, parada na sua frente.

— O que você está fazendo aqui?

— Eu... eu precisava de respostas. – Respondeu Bella ainda se recuperando do susto – Como você soube que eu estaria aqui?

— Eu encontrei com a Ângela...

— Eu sabia que não podia confiar nela.

— Ela não me disse nada. – Renné cruzou os braços – Eu a encontrei rondando a casa e imaginei que você estivesse aqui. Por que você invadiu essa casa? – Suas mãos agora estavam no quadril – E que coisas são essas que você está carregando?

— Eu descobri o segredo de vocês. – Respondeu a jovem com confiança.

Bella observou o rosto da protetora empalidecer.

— Não todo. Mas pelo menos parte dele. Por que vocês mentiram? – Indagou Bella com um olhar suplicante – Eu encontrei uma foto sua com um homem ao seu lado. Quem ele era?

— Ele era o meu marido, Bella.

— Seu o quê? – A moça não entendia o sentido daquela palavra.

— Meu marido. – Ela abaixou a cabeça e colocou as mãos abraçando o corpo quando disse a última frase – O homem com quem eu vivia e amava. Seu pai. O homem que eu matei.