Obscuro escrita por Benihime


Capítulo 5
Capítulo 4




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— Anda, Cass — Nia chamou, segurando a mão da irmã e puxando-a consigo enquanto corria escada abaixo. — Você precisa ver isso!

— Calma aí, Nia! — A moça mais nova exclamou, esforçando-se para prender os cabelos em um rabo de cavalo com a mão livre. — Seja lá o que for, não vai fugir, sabia?

A morena olhou por cima do ombro, rindo alto. Estava estranhamente bem humorada, quase eufórica, naquela manhã.

— Vem logo, sua tartaruga! — Ela exclamou simplesmente.

Cassie cedeu ao entusiasmo de sua irmã e se deixou ser conduzida, saltando os degraus de par em par. Quando chegaram ao primeiro andar, as duas riam como crianças travessas. Nia foi direto até a cozinha, afastando a cristaleira e lançando um sorriso cheio de si para sua irmã mais nova.

— Duas entradas, não?

— Que diabos, Nia! — A loira exclamou, admirada. — Como descobriu isso?

— Foi meio por acaso. — A mulher mais velha deu de ombros. — Digamos que eu tropecei na entrada um ou dois dias atrás.

— Todo esse tempo? E por que não me contou?

— Estou contando agora, não estou? — Foi a resposta. — Anda, vamos dar uma olhada lá embaixo.

A morena nada comentou sobre o livro de couro que encontrara e a mensagem de Gabriel. Aquele era um mistério que pretendia investigar por conta própria e não tinha intenção nenhuma de dizer sequer uma palavra sobre aquilo à sua irmã até ter respostas concretas.

Nia pegou uma lanterna que deixara sobre a bancada da cozinha antes de abrir a porta de madeira e propor que as duas se pusessem logo a trabalhar. Cassie revirou os olhos ante aquela atitude mandona, mas pegou a segunda lanterna deixada por sua irmã e a seguiu para o porão.

As duas passaram muito tempo mexendo nas caixas espalhadas pelo cômodo. Encontraram outro tomo encadernado em couro escondido entre algumas quinquilharias de porcelana, mas este parecia mais antigo, com um pentagrama prateado na capa e uma fechadura que parecia ser de bronze, ainda forte apesar dos anos passados e que resistiu a todas as tentativas de abri-la.

Encontraram enfeites de cabelo com pedras que pareciam verdadeiras, jóias, vestidos que em sua época eram considerados os modelos mais elegantes, e também uma caixa com estranhos objetos de prata dos quais nenhuma das duas sabia a finalidade.

— Estou pasma. — Nia comentou. — Deve ter uma pequena fortuna em jóias e vestidos aqui embaixo. Como é possível que ninguém tenha conseguido pôr as mãos nisso?

— Logística, talvez. — Cassie deu de ombros. — Isso aqui era um hotel, seria meio difícil escapar com uma carga tão grande.

— Talvez, mas não depois de ter sido desativado.

— Pode ser. Vai ver as pessoas ficaram com medo de vir aqui. — A loira conjecturou pensativamente. — Sabe, por causa das histórias.

— É, vai ver foi isso.

As duas continuaram a explorar em silêncio pelo que pareceu uma eternidade, até Cassie soltar um arquejo alto de surpresa.

— Olha só isso! — A loira exclamou. — É um retrato seu, Nia.

— Sai pra lá, Cass. Isso é impossível. — Nia rebateu, rindo. — Deixa eu ver.

Cassie lhe estendeu uma folha de papel já amarelada, na qual alguém desenhara uma garotinha. A criança não tinha mais de três anos de idade, com grandes olhos azuis de formato amendoado e um rosto redondo que lhe dava um ar sapeca. Os cabelos negros espetavam em todas as direções, completamente selvagens, e os lábios tinham um ar ligeiramente divertido nos cantos, como se a criança estivesse pensando em alguma travessura.

— Eu conheço esse olhar. — Cassie disse. — E esse sorriso, também. É exatamente essa a sua expressão quando está planejando alguma diabrura. E olhe na garganta, o sinal de nascença é igualzinho.

De fato era. Na base da garganta da criança, quase no começo da clavícula, havia um sinal de nascença na forma de um ponto, um minúsculo e perfeito ponto negro, quase invisível.

— Não tem o nome do artista. — A morena disse pensativamente. — Que estranho. Normalmente esse tipo de retrato custava bem caro, então o artista assinava seu nome juntamente com o da pessoa retratada. Para evitar o roubo de seu trabalho.

— A menos que o artista fosse da família. — A mais nova rebateu. — Nesse caso a falta de assinatura seria normal.

— Olhe aqui. — Nia se entusiasmou, seus olhos se arregalando e brilhando como jóias. — Tem um monograma no canto da página! É … LC.

— LC? — Cassie repetiu. — Lacey Cresswell?

— É possível. — Nia assentiu. — Tenho um amigo que é detetive, ele pode dar uma olhada nisso. Vou mandar uma cópia do desenho para ele assim que voltarmos para casa.

— Seria meio tarde demais, não acha? — A loira protestou. — Esperar tanto iria acabar com todo o propósito da investigação aqui. E se for uma pista importante?

— É, você pode ter razão. — A mais velha cedeu. — Tudo bem, vou até a cidade amanhã e mando uma cópia para ele pelo correio. Vamos fazer isso do jeito antigo.

— Viu? — Cassie provocou. — É por isso que detesto esse lugar. Estamos no meio do nada!

— Nada? — Nia rebateu, erguendo uma sobrancelha. — Eu dificilmente chamaria esse lugar de um nada.

— Um nada bem arrepiante e macabro.

— Sua covarde.

A loira mostrou a língua para sua irmã mais velha e as duas riram, voltando a investigar o porão à luz de suas lanternas. Depois de uma checagem rápida no dia anterior, Nia descobrira que não havia nenhuma outra fonte de luz ali embaixo.

Em meio a uma pequena caixa de madeira marchetada repleta de jóias, Nia encontrou um colar que reconheceu: era uma antiga e pesada corrente de ouro, com um pingente de pedra da lua circular. Assim que viu a joia, foi invadida pela lembrança, límpida e clara como cristal:

A pedra em minhas mãos reflete a luz do sol que entra pela janela numa explosão de cores. Eu a giro entre meus dedos, completamente encantada.

— Natalia! — A voz de mamãe me faz pular de susto, e me viro para encará-la. — Sua garotinha levada! Eu já não lhe disse para não mexer nas minhas jóias?

Baixo a cabeça, envergonhada, enquanto mamãe me olha com as mãos na cintura.

— Sim, mamãe. — Eu digo baixinho. — Eu sinto muito. Você está braba?

Mamãe simplesmente ri e me pega no colo, me dando um beijo estalado na bochecha.

— Não, sua diabinha. — Ela diz enquanto eu lhe devolvo o colar. — Não consigo ficar zangada com você.

Mamãe coloca o colar, e eu estendo uma das mãos novamente para tocar a pedra. É linda, da mesma cor dos olhos de minha mãe.

— É tão bonita.

— É mesmo, não é? — Mamãe diz, sentando-se comigo em uma das poltronas perto da lareira. Eu me aninho em seu colo, satisfeita. — Você sabe que pedra é essa, Natalia?

— Não, mamãe.

— É uma pedra da lua, um amuleto de proteção. — Minha mãe explica. — E, um dia, quando for mais velha, vou lhe dar este colar. Assim como minha mãe me deu. Até lá, nada de mexer nas minhas jóias. Combinado?

— Sim, mamãe. — Eu respondo imediatamente. — Eu prometo.

Nia balançou a cabeça para clarear seus pensamentos, observando o pingente em suas mãos com mais atenção. Tinha o mesmo formato, o mesmo tamanho, o mesmo friso de prata ao redor da pedra. Simplesmente tinha que ser o mesmo colar de sua memória. Sem pensar, a jovem silenciosamente o escondeu em um bolso.

Os minutos se passaram lentamente na penumbra até Nia encontrar mais uma coisa que lhe chamou a atenção, escondida quase fora de vista atrás de uma estante.

— Ei, Cass, olha só isso. — A morena chamou, tirando com cuidado a tábua Ouija de seu esconderijo. — Eu te desafio. Aposto que você não tem coragem.

Os olhos de Cassie brilharam e ela abriu um meio sorriso. Desafios eram seu ponto fraco, a jovem nunca conseguia resistir a eles.

— Estou dentro. — Ela disse. — Mas se tentar me assustar como da última vez, Nia, eu juro que vou …

— O que, me matar? — Nia riu. — Eu te assombraria pelo resto da eternidade.

— Eu chamaria um time de caça fantasmas para me livrar de você.

— E eu voltaria. — Foi a resposta. — É para isso que servem as irmãs.

— O que, para infernizar as vidas uma da outra?

— Isso mesmo, sua boba. E aí, vamos jogar ou não?

Cassie simplesmente pegou o tabuleiro das mãos de sua irmã e o colocou no chão. As duas se ajoelharam ao redor do objeto, com o pequeno indicador em forma de coração colocado no centro e seus dedos indicadores sobre ele. Com toda a gravidade possível, Nia fez a primeira pergunta, a clássica “há alguém aqui?”. Para surpresa das irmãs, o indicador imediatamente se moveu para o SIM.

— Quem é você? — A mais nova quis saber.

O indicador moveu-se lentamente para as letras L e C. Nesse ínterim, Cassie olhou discretamente para Nia, querendo assegurar-se de que a outra não estava simplesmente lhe pregando uma peça.

— São as mesmas iniciais do desenho que encontramos. — Nia disse baixinho. — Foi você quem o fez?

Atônita com a súbita chance de obter algumas respostas, a morena observou o pequeno coração mover-se novamente para o SIM.

— A garotinha no desenho. — Cassie falou. — Quem é ela?

Houve uma longa pausa, tão longa que as duas quase desistiram de esperar, mas o marcador de repente voltou a mover-se pelo tabuleiro, formando o nome NATALIA. 

— Quem … — Nia engoliu em seco para clarear sua voz subitamente rouca, inclinando-se para o tabuleiro com interesse. — Quem é Natalia?

O indicador dessa vez moveu-se muito devagar, como se lutando contra algo que o prendesse, até soletrar a palavra FILHA, e então quedou-se completamente imóvel por vários segundos antes de disparar novamente pelo tabuleiro, desta vez tão rápido que as duas irmãs mal conseguiram acompanhar seus movimentos.

— Nia … — Cassie repreendeu em voz baixa. — Tudo bem, já pode parar de brincar. O que você soletrou?

— Não sou eu, Cass. — Os olhos azuis da jovem mais velha estavam arregalados, acompanhando fixamente o percurso do pequeno indicador em forma de coração. — Não sou eu, eu juro.

Cassie soltou um grunhido de contrariedade e voltou a olhar para o tabuleiro. O indicador ainda se movia, soletrando rapidamente e várias vezes a mesma palavra: MINHA.

O pequeno objeto de plástico parecia eletrificado sob seus dedos, mas as duas irmãs se mantiveram firmes. A peça agora movia-se cada vez mais rápida e bruscamente, quase como se estivesse com raiva. Foi Nia a primeira a perceber que os movimentos aparentemente aleatórios eram qualquer coisa menos isso. Muito rápidos para serem acompanhados, sim, mas formando vezes sem conta a mesma palavra: MORTE.

— Cassie, sai daqui.

— Mas o que … 

— Sai! — Nia gritou a plenos pulmões. — Corre! Agora!

As lanternas que ambas haviam deixado juntas perto do tabuleiro, apontadas para o teto de forma a iluminar o jogo, se apagaram de repente. Nia simplesmente pulou de pé, agarrou a mão de Cassie e disparou às cegas, tropeçando nos próprios pés, até sentir o metal frio do corrimão da escada que levava de volta lá para cima.

A morena não se importou em ser gentil, empurrando sua irmã mais nova o mais rápido que pôde. Cassie, porém, recusou-se a soltá-la, segurando sua mão com tanta força que chegava a machucar. Quando enfim chegaram à cozinha, Nia fechou a porta com a mão livre, batendo-a com tanta força que o estrondo ecoou pela casa.

— Você está bem? — Cassie perguntou. — Nia?

— Vou ficar bem. — Nia respondeu, recostando-se contra a parede enquanto arfava pesadamente. Sentia como se tivesse corrido uma maratona, não apenas uns poucos metros. — Mas acho melhor nenhuma de nós descer lá de novo.

— Você acha? — A mais nova repetiu ironicamente, seu tom cortante desfigurado pelo medo e pela preocupação. — Que merda aconteceu lá embaixo, Nia?

— Quer a verdade? — Cassie assentiu em resposta, e Nia esboçou um pequeno sorriso. — Eu não faço a mínima ideia.

A loira ia protestar, talvez discutir, mas uma olhada para sua irmã mais velha a fez calar-se, seus olhos se arregalando de puro medo.

— Nia … — Ela balbuciou. — O seu ombro …

— O que foi? — Nia alarmou-se. — O que houve?

Nia freneticamente se aproximou de uma das janelas, a superfície reflexiva mais próxima. Mesmo com aquela camada de sujeira, a jovem ainda pôde ver claramente a mancha negra em seu ombro direito. Quando ergueu a mão para tocá-la, seus dedos voltaram tingidos de vermelho, úmidos e pegajosos.

— Espere. — Cassie interferiu, segurando a mão de sua irmã antes que ela fizesse qualquer outro movimento. — Isso pode infeccionar. Precisamos limpar esse ferimento. Vem, eu trouxe um kit de primeiros socorros.

Nia se deixou levar para o quarto que sua irmã estava ocupando, onde sentou-se na cama e tirou o suéter cor de rosa agora arruinado, deixando que Cassie começasse a trabalhar no ferimento em seu ombro, fazendo o possível para ignorar a dor latejante da qual somente agora parecia ter tomado consciência.

— Garras. — A loira sussurrou, sua voz trêmula de pavor. — Nia, isso são marcas de garras. E muito profundas.

A morena não respondeu imediatamente, encarando o nada por longos segundos antes de soltar um suspiro quase inaudível.

— Cass. — Ela disse enfim, sua voz tão trêmula quanto a de sua irmã. — Pode deixar, eu sei fazer uma bandagem. Pegue o carro, precisamos ir até a cidade agora mesmo.

— O que?! — Cassie arquejou. — Não, de jeito nenhum. Você perdeu bastante sangue, precisa descansar.

— Cassie, você não está entendendo. — O tom da jovem mais velha era agora mortalmente sério. — Não vamos dar conta sozinhas. Precisamos de ajuda, e urgente.

— Mas você não está em condições de pegar a estrada.

— Eu sei. — Nia esboçou um sorriso travesso. — É por isso, irmãzinha, que você vai dirigir.

Cassie abriu a boca para protestar, mas pensou melhor e calou-se. Conhecia melhor do que ninguém a cabeça dura de sua irmã.

— Tudo bem. — Ela cedeu. — Mas tem que me prometer uma coisa em troca.

— O que é?

— Assim que terminar … Seja lá o que for que acha que precise fazer, você vai direto para o hospital. Quero que um médico examine esse ferimento.

— Tudo bem, sargento. — Nia assentiu. — Como queira.

A loira encarou sua irmã de olhos arregalados, pega de surpresa. Nia nunca cedia tão facilmente e isso, mais do que tudo, a fez perceber o quanto a situação era séria.


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