Obscuro escrita por Benihime


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo por dia, nada mais do que isso. Assim quem sabe conseguimos manter as coisas interessantes.



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— Cassie.

A jovem loira virou-se ao ouvir seu nome e seus olhos recaíram de imediato sobre a mulher do outro lado da rua, que a observava com um sorriso travesso.

Era muito alta, além de bonita. Seus longos cabelos negros lhe caíam em uma cascata ondulada, emoldurando olhos da cor do céu e um rosto de feições fortes que a jovem Cassie conhecia melhor do que as suas próprias.

Gritando o nome de sua irmã mais velha, Cassie rapidamente atravessou a rua para jogar-se em seus braços. Nia a abraçou com força, como sempre fazia, como se nada no mundo jamais fosse convencê-la a se afastar.

— É muito bom te ver, irmãzinha. — A morena disse carinhosamente. — Fico feliz que você tenha decidido voltar.

— Bem … — Cassie se afastou com um suspiro enquanto as duas irmãs se punham a caminhar. — Só por dois meses, até me recuperar totalmente.

— Por falar nisso, você ainda não me explicou exatamente o que aconteceu.

Cassie estremeceu. Por um momento não estava nas calçadas movimentadas de Chicago, andando plácidamente ao lado de sua irmã, mas sim de volta ao deserto iraquiano, ouvindo o som dos explosivos e dos tiros.

— Também não sabemos. — A loira respondeu por fim. — Quer dizer … O acidente está sendo investigado, mas até agora a origem do explosivo permanece desconhecida.

— Bom, só fico feliz que você tenha conseguido se recuperar. — Nia declarou, passando um braço pelos ombros da irmã caçula e puxando-a para si. Cassie aninhou-se a ela de bom grado, abraçando-a pela cintura. — Não sei o que faria se perdesse você.

— Eu não entendo. — Cassie disse baixinho — Smitty e Johnny estavam no jipe comigo. Por que só eu consegui sobreviver? O que eu fiz que eles não fizeram?

— Não pense nisso. — Nia aconselhou gentilmente. — Ou vai acabar ficando louca. Agora seja honesta comigo: como você está?

— Estou bem.

— Cassie …

— Tudo bem. — A mais jovem cedeu com um suspiro. — Para falar a verdade, ainda tenho pesadelos. Minha memória está uma bagunça e meus reflexos ainda estão lentos. Por isso não me deixaram voltar.

— É a coisa certa. — A mulher morena declarou. — Mesmo que eles a deixassem voltar, eu não deixaria. Você precisa de tempo, Cass.

— Sei. — Cassie bufou ironicamente. — Tempo para pensar é a última coisa de que eu preciso, pode acreditar.

— Então não pense. Vamos encontrar alguma coisa para nos distrair.

— Pode ser. — A loira cedeu. — E aí, no que você está trabalhando dessa vez?

— Em nada por enquanto. Estou dando uma pausa depois daquela matéria sobre namoro virtual.

Cassie riu alto com aquela resposta. Nia era jornalista freelancer e trabalhava em seu próprio site na internet, publicando matérias sobre os mais variados temas, desde a melhor lanchonete da região até fenômenos paranormais.

— Ouvi uns boatos bem interessantes. — Cassie anunciou. — Uma casa assombrada. Aparentemente a história também envolve um suicídio. Interessada?

Nia tentou manter uma expressão neutra, mas o sorriso logo a entregou. A jovem adorava uma boa história de terror e, quanto mais macabra melhor.

— Ok. — A morena cedeu enfim. — Me conte tudo.

— Calma aí, irmãzona. — Cassie riu, conhecendo bem a tendência à superproteção de sua irmã mais velha. — Tenho duas condições. Primeira: você e eu vamos juntas. Sem negociação quanto a isso. E segunda: nada de rituais de invocação dessa vez.

— Está bem, irmãzinha, combinado. Agora me conte logo essa história, que estou morrendo de curiosidade.

— Bem … Em uma cidade chamada Devil 's Pit, há mais ou menos uns vinte e cinco anos atrás, havia essa mulher chamada Lacey Cresswell. Todos pensavam que ela era uma bruxa, algum tipo de fada maligna ou coisa assim.

— Fala sério. — Nia zombou. — É incrível o quanto as pessoas podem ser supersticiosas.

— Vai me deixar terminar ou não, senhorita sabe tudo?

— Ok, ok. — A morena riu. — Continue.

— Pelo que eu soube, um dia Lacey Cresswell foi encontrada morta no porão de casa. Havia uma faca antiga por perto, que todos acreditam que foi a arma que ela usou.

— Isso não é paranormal, Cass. — Nia protestou. — Não é nem digno de pesquisa. Foi só um suicídio.

— Tudo bem, então. — Cassie declarou. — Já que você vai continuar me interrompendo, não vou contar sobre as runas desenhadas com sangue nas paredes que a polícia encontrou no porão.

Nia ficou calada um instante, sorrindo com malícia.

— Bom. — Ela disse enfim. — Agora sim essa história está ficando interessante.

 

Três semanas depois

 

Nia entrou em casa e imediatamente ouviu Cassie cantarolando consigo mesma. Encontrou a irmã na cozinha, ocupada preparando o jantar.

— Cass. — A morena repreendeu. — Por que não me ligou? Eu podia ter trazido alguma coisa e …

— Está tudo bem. — A loira assegurou com um sorriso. — Vou enlouquecer se não fizer nada. Além do mais, é bom ser útil para variar um pouco.

— Ok, então. — Nia cedeu, acomodando-se em uma das banquetas altas próximas a um modesto bar no canto da cozinha. — O que você está preparando?

— Minha especialidade.

— Miojo? — A morena zombou.

Cassie mostrou a língua em resposta e as duas irmãs riram.

— Não, sua bobona. — A mais nova disse enfim. — É uma costela assada ao molho Cassie. Minha receita especial. E já está quase pronto.

— Quero só ver. — Nia provocou, deslizando graciosamente do banco alto. — Vou tomar um banho, ok?

Cassie assentiu, voltando-se novamente para uma das panelas que borbulhava no fogão.

— Não se apresse. — Ela disse com indiferença.

Quando Nia saiu do banho o jantar não só estava pronto, mas a mesa também estava posta. As duas irmãs jantaram em um silêncio plácido que só era quebrado pelo som dos talheres. Depois do jantar a mais velha organizou a cozinha.

— Ah! — Nia exclamou de repente enquanto enxaguava um prato. — Quase esqueci de contar: recebi um retorno hoje mais cedo. Conseguimos permissão para investigar a casa de Lacey Cresswell.

— Isso! Legal! — Cassie comemorou, erguendo um punho cerrado no ar em um gesto de vitória.  — E aí, quando você quer ir?

— Assim que conseguirmos passagem. — Foi a resposta. — A má notícia é que vamos ter pouco tempo. Vai ser um trabalho bem intenso.

— Por mim tudo bem. — A loira deu de ombros. — Deixe a parte da viagem comigo. Acho que conheço alguém que pode nos ajudar.

— Cassie … — Os olhos azuis da mulher mais velha assumiram um brilho de desconfiança enquanto ela fitava sua irmã com uma sobrancelha arqueada. — O que você está aprontando, garota?

— Espere e verá. — Cassie abriu um sorriso travesso. — É uma surpresa.

 

No dia seguinte

 

— Ok, Walter, muito obrigada. — Cassie dizia quando Nia entrou na cozinha, ocupada equilibrando sacolas e duas caixas extra grandes de pizza. — Nos falamos. Até mais tarde.

Ao ouvir sua irmã entrar, a loira desligou e virou-se para encará-la com um sorriso.

— Não sei por que … — Nia provocou enquanto largava as duas caixas na bancada de granito. — Mas não confio nem um pouco nesse sorriso.

— Deixe de ser boba. — Cassie riu. — Vá fazer as malas, partimos em duas horas.

— O que?! — Nia soltou um gritinho de empolgação e surpresa. — Cass, isso é praticamente um milagre! Como você conseguiu?

— Um velho amigo meu é piloto da aeronáutica. — A mais nova respondeu. — Ele tem um helicóptero particular e me devia um favor. Eu simplesmente cobrei.

A morena sorriu e pulou de empolgação como uma garotinha na manhã de Natal, engolfando sua irmã mais nova em um abraço de urso.

— Cassie, você é a melhor irmãzinha do mundo!

— Eu sei. — Cassie riu, dando um tapinha nas costas de sua irmã mais velha. — Agora ande, sua criança super crescida, vá fazer as malas.

Ainda gargalhando de pura empolgação, Nia agarrou uma fatia de pizza e a prendeu entre os dentes, disparando para fora da cozinha em questão de segundos. Cassie simplesmente riu da empolgação de sua irmã mais velha.

 

Devil's Pit, três horas depois

 

Cassie saltou do helicóptero com agilidade, virou-se e estendeu uma das mãos para ajudar sua irmã a descer.

— Obrigada de novo, Walter. — A loira disse, dirigindo um sorriso brilhante para o atraente homem ruivo que pilotava.

— É sempre um prazer, gata. — Walter, o piloto ruivo, respondeu com uma continência brincalhona. — Você devia me ligar mais vezes, sabia?

— Ah, tá. — Cassie riu. — Veremos sobre isso.

O ruivo decolou novamente alguns minutos depois. Assim que se viram sozinhas, Nia jogou a cabeça para trás em uma sonora gargalhada.

— Parece que ele gosta de você. — A morena provocou. — Bela conquista, irmãzinha.

— Cale essa boca, Nia. — Cassie rebateu com uma careta.

As duas irmãs giraram nos calcanhares, voltando-se em um gesto perfeitamente sincronizado para ver a enorme mansão em estilo vitoriano, uma casa pintada de lilás. As janelas no segundo andar eram grandes e davam para sacadas delicadas pintadas de branco, decoradas com madressilvas que, apesar de parcialmente secas, ainda assim cresciam em trepadeiras dando à construção um charme rústico.

No todo a construção tinha um ar desmazelado, de um lugar que provavelmente fora bonito em outros tempos mas, devido aos anos de abandono, adquirira aquela aparência um tanto assustadora que tinham todas as casas abandonadas.

— É  difícil de acreditar que isso já foi um hotel. — Nia comentou.

— Só por um ano. — Cassie a lembrou. — Os hóspedes disseram ouvir barulhos estranhos e o negócio não prosperou.

As duas irmãs trocaram um longo e grave olhar, que Nia rompeu com um sorriso.

— Anda logo, maninha, vamos entrar e acabar com isso de uma vez.

A mais velha foi na frente para abrir as portas duplas de madeira. Eram mais pesadas do que tinha imaginado, oferecendo uma resistência que exigiu um decidido empurrão por parte da jovem.

Cada uma das duas irmãs havia levado apenas uma mochila, o resto fora despachado para chegar alguns dias depois, então as duas decidiram subir e se instalar pelo dia.

O plano era, uma vez que já era tarde, fazer um reconhecimento do local, pernoitar ali e seguirem para a cidade na manhã seguinte para se instalarem em um hotel.

Cassie abriu a primeira porta que encontrou após subir as escadas. Era um quarto com papel de parede amarelo desbotado, um tapete branco felpudo, uma pequena janela coberta por cortinas amarelas pesadas, móveis escuros e pesados da década passada e uma colcha azul-claro sobre uma cama de aparência antiga.

A loira pegou seu celular. Sabia que, tendo a casa sido um hotel há pouco menos de dez anos, haveria eletricidade ali, porém sinal de celular era outra história.

Com um suspiro resignado, a jovem largou a mochila a seus pés, mexendo nela até encontrar um mapa que estendeu sobre a cama. Ao examiná-lo, praguejou alto.

— O que foi, sua reclamona? — Nia perguntou, aparecendo na porta e se recostando no batente para observar sua irmã. — Está tudo bem?

— Nia, nós vamos ter que ficar aqui. — A moça mais nova disse sem preâmbulos. — A cidade é longe demais para ir e voltar, perderíamos muito tempo.

— Quanto tempo? — A morena inquiriu. — De que distância estamos falando, exatamente?

— Pouco mais de cem quilômetros. — Cassie respondeu, correndo o indicador direito sobre a linha no mapa que indicava a estrada. — Isso quer dizer … Quase duas horas.

— Droga! — Nia exclamou, puxando o celular do bolso de sua jaqueta. — Como eu pensei. Não tem sinal aqui.

— Claro que não. — A jovem loira bufou ironicamente. — O que você esperava?

— Bem, tanto melhor. — A mais velha deu de ombros com indiferença. — Vou conseguir um par de comunicadores via rádio para emergências. Iremos embora em duas semanas, assim que eu recolher todo o material de que preciso. Posso fazer a sintetização e editar em casa.

— Ótimo. — Foi a resposta. — Vou ficar bem feliz de dar o fora daqui. Esse lugar me dá arrepios.

— Ah, por favor, Cass. — Nia riu. — Não é tão ruim assim.

Os olhos castanhos muito claros, quase dourados, da jovem loira fitaram sua irmã mais velha com seriedade mortal enquanto ela balançava a cabeça devagar.

— Você não sente? — Cassie inquiriu. — Tem alguma coisa errada nessa casa. Alguma coisa ruim.

— Relaxe, Cass, isso não é um filme de terror. — Nia rebateu, tirando um sanduíche embalado em plástico da mochila e jogando-o para a sua irmã mais nova. — Coma alguma coisa e essa sensação ruim vai passar. Nós duas estamos cansadas, só isso.

— É, espero que sim.

Depois disso Cassie ficou a sós, sentada na cama, mordiscando devagar seu sanduíche. Lá fora, o sol começava a se pôr. Era bonito, em tons de amarelo, laranja, vermelho, lilás e azul-escuro. Alguma coisa naquela casa, porém, a incomodava. Era como a sensação elétrica no ar antes de um relâmpago, e Cassie se pegou rezando para que realmente fosse apenas efeito do cansaço. 

Enquanto isso, Nia perambulava sem rumo pelos corredores, procurando … Nem sabia o que, exatamente. A morena meramente entreabria as portas pelas quais passava, voltando a fechá-las em seguida com um meneio decepcionado de cabeça.

Finalmente, ao atingir o fim do corredor, deu por si ao pé de uma pequena escada com cerca de meia dúzia de degraus, levando mais a um tipo de sótão do que a um terceiro andar propriamente dito. Lá em cima havia duas portas pintadas de branco, decoradas  A morena subiu o curto lance de degraus, dando por si frente a frente com uma porta de madeira pintada de branco. Tentou girar a maçaneta, mas esta nem sequer se moveu.

Como havia aprendido com um velho amigo ainda na adolescência, Nia tirou um dos grampos que lhe prendia os cabelos rebeldes. Depois de torcer levemente a ponta, colocou delicadamente o objeto na fechadura antiquada. Não demorou muito para que a porta fosse destrancada com um estalido alto.

A morena paralisou no ato, encarando o cômodo diante de si. Embora mergulhado em uma lúgubre penumbra por causa das janelas cobertas de sujeira, aquele havia obviamente sido o quarto de uma garotinha. Talvez os donos do antigo hotel tivessem uma filha ou algo do tipo, a jovem conjecturou.

Nia passou delicadamente os dedos pelo papel de parede cor de rosa, admirando os desenhos a giz de cera, cerca de meia dúzia, colados perto da porta, com seu papel já amarelado pelo tempo e as cores esmaecidas quase inidentificáveis. Na parede oposta repousava uma estante repleta de bonecas e ursos de pelúcia empoeirados. A cama, acomodada logo abaixo de uma das janelas, estava enfeitada por uma miríade de travesseiros e coberta por uma colcha cor de rosa.

A jovem se aproximou, estranhamente atraída e, sem se importar com toda a poeira, sentou-se na cama. Embora claramente infantil, era enorme. Grande o bastante para que Nia dormisse ali.

— Nia. — Cassie chamou. — Ei, Nia, encontrou alguma coisa?

— Encontrei sim. — Nia gritou em resposta. — Suba aqui e venha dar uma olhada.

Sua irmã mais nova não demorou a aparecer, soltando um teatral espirro ao parar na porta.

— Credo! — A loira exclamou. — Um depósito de poeira.

— Assim como o resto desse lugar. — A mais velha rebateu. — Tem certeza de que a cidade é longe demais?

— Certeza absoluta. — Foi a resposta. — Vamos ter que nos arranjar com o que temos.

— Bom … — Nia se pôs de pé com um leve sorriso. — Então é melhor começarmos a dar um jeito nesse lugar, não acha?

Cassie se recostou contra a moldura do batente da porta, soltando um longo suspiro e revirando os olhos.

— Era exatamente isso que eu tinha medo de ouvir.

Nia bufou ironicamente e deu um empurrãozinho de brincadeira em sua irmã ao passar por ela. Cassie podia ouvi-la gargalhando enquanto descia as escadas.

  — Que droga, Nia.  — A mais nova murmurou. — Isso não tem graça.


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