Estrela decadente escrita por Ariel F H


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

oizinho



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Não era novidade nenhuma a turminha de Aristóteles ficar dando risadas durante a aula. Não senti que havia algo de diferente naquela ocasião. Mas, por algum motivo, naquela vez me incomodou mais do que as outras. Parecia diferente. Parecia pior.

As duas últimas aulas seriam educação física, que é no ginásio e nós podemos levar nosso material até lá. Não é uma matéria que gosto muito, principalmente porque sempre precisamos fazer duplas e, geralmente, acabo sobrando.

Decidi ir a biblioteca no recreio, mas não consegui esquecer o sentimento. Sentia mais falta de Sara do que nunca. Faltava alguma parte de mim. Algo estava incompleto ou errado.

Eu estava na escada para a biblioteca quando senti uma mão tapar minha boca.

Instintivamente, comecei a me sacudir e tentar me libertar. Outras mãos me seguraram. Pela cintura, braços, pernas, me arrastando para uma sala. Minha mente entrou em alerta. Ouvi uma porta se fechar.

Estava tudo escuro. Alguém segurava meus braços para trás e outra pessoa tapava minha boca, mas acho que não conseguiria gritar mesmo se quisesse. Minha mente estava em choque. Tudo o que eu fazia era puro instinto ou adrenalina. O que estava acontecendo?

Várias coisas me passaram pela cabeça, e nenhuma delas era boa.

Felizmente, alguém acendeu a luz. Aquela era uma sala usada apenas à tarde. Ninguém viria ali de manhã. Na verdade, era para estar trancada. Como eles conseguiram a chave?

Não fiquei surpresa ao ver Caio em minha frente.

— Oi, gatinha. — ele disse.

Ouvi uma risada vindo do meu lado e outra diretamente na minha nuca. Não sabia dizer quem era, mas não seria inusitado um deles fosse Aristóteles. Por algum motivo nada conveniente, ele era alguém em que pensei que faria algo do tipo comigo.

— Não fique enrolando. — disse uma voz. Reconheci ser do Vinicius, um colega da minha sala. Não me lembro de ter trocado mais que três palavras com ele.

Não consegui pensar em nada inteligente quando Caio tirou do bolso um estilete. Minha garganta fazia sons estranhos e eu estava começando a babar em mim mesma e em quem tapava minha boca.

O pânico tomou conta de mim. Aquela lâmina me encarava com olhos ameaçadores.

Me sacudi, tentando me soltar, mas quem quer que estivesse segurando minhas mãos atrás das minhas costas, era forte. Eu não tinha chances.

— Se você não colaborar, nós vamos fazer mais do que apenas brincar — Caio sorriu enquanto me mostrava o estilete. — Eu sei que você quer, Iris. Eu vejo como você está sempre sozinha. Mas são todas assim, as garotas desesperadas por atenção.

Eu não queria coisa nenhuma. Fiquei parada. O que poderia fazer? Eram três claramente mais fortes contra apenas uma de mim.

Caio chegou mais perto.

— Você já fez seu showzinho tentando negar, o que acha de deixar isso pra lá agora?

Emiti um ruído estranho com a boca, tentando gritar, mas o aperto em minha boca ficou mais forte, e meus braços foram meio torcidos. Era dolorido de se estar ali.

— Não? Vai ser do modo mais complicado, então. Sei que vai adorar. Todas adoram.

Ele não faria o que eu estava pensando. Faria? Uma lágrima escorreu pela minha bochecha. Ele começou a abrir o zíper do meu moletom, lentamente, o que apenas me agoniou mais. Meu rosto já estava molhado de lágrimas.

Quando terminou, Caio apontou a lâmina do estilete para meu pescoço, a poucos centímetros de distância. Eu usava apenas a camisa do uniforme por debaixo do moletom. Sentia-me tão exposta como nunca havia sentido antes. Por que aquilo estava acontecendo? Por que comigo?

 Ele me encarou no fundo dos olhos quando senti sua mão entrar pela minha camisa.

Era aquilo. Sem escapatória.

Quanto mais sua mão subia, mais eu queria gritar. Senti que tudo me sufocava, até mesmo o ar. Fechei os olhos com força. Respirava pesadamente. Tentei pensar em uma maneira de sair dali, mas tudo era um branco total. Nada me parecia lógico ou sensato.

Pensei que, se houvesse mesmo um inferno, eu estava nele.

Nada mais seria pior do que aquilo. Mais do que nunca, desejei ter o poder de ficar invisível ou voar para longe, como em meus sonhos de criança.

E era exatamente como me sentia: uma criança perdida da mãe, sozinha em uma rua deserta. Perdida. Perdida de mim mesma, sem saber mais como me encontrar.

Senti os dedos de Caio cortarem meu sutiã, de modo que ele se abriu. Eu respirei fundo. Aqueles mesmos dedos desceram, e eu sabia para onde aquilo iria. Sabia mas não queria admitir. Poderia pensar milhões de lugares que preferia estar no momento. Milhões de situações seriam melhores do que aquelas.

Milhões.

Ali, estavam roubando partes de mim. Partes irrecuperáveis.

Abri os olhos, mas minha visão estava embaçada. Ter Caio tocando em mim me dava vontade de vomitar.

Então, de repente não havia apenas Caio, outro alguém se achou no direito de fazer aquilo.

Eu os ouvi dizer algo, mas não captei nada. Eram coisas que meu cérebro não queria processar.

 Sentia meu coração bater rápido contra meu peito. Tudo parecia errado. Nada se encaixava naquele lugar. O sentimento de nojo crescia dentro de mim. Eu apenas queria sair dali o mais rápido possível. Era tudo o que conseguia raciocinar. Mas como?

— Eu sei que você está gostando. Muitas gostariam de estar no seu lugar. Se sinta honrada, Iris. Olhe para mim. É como eu gosto, isso. Vocês amam ser tocadas, não é? Faz esse draminha todo mas depois vai vir correndo por atenção, puta estúpida. Por que tá chorando se é isso que quer? Pare de negar pra si mesma. Você sempre me pareceu do tipo santinha por fora, mas por dentro sei que faz mais coisas que...

— Que merda vocês tão fazendo?

A porta da sala estava aberta. Por um momento, senti pânico ao ver Aristóteles ali. Mas ao seu lado estava Raphael. Era ele que falava.

— Fecha a porta, imbecil. — disse Vinicius. Ele soltou o braço que tapava minha boca e foi em direção aos dois. — Porra. Ela babou na minha mão.

Rafael veio até mim, nesse momento Caio se afastou, levando o estilete com ele. Minhas mãos ainda eram seguradas.

— O que é isso?

— Veio participar, Rafa?

— O que? Meu deus, soltem ela agora, seus merdas. Olha o estado dela.

— Vocês vão mesmo acabar com a diversão? — Caio resmungou. — Ari? Rafa?

Aristóteles olhou para mim, então para Caio e para Rafael. Ele parecia dividido, mas como era de costume a sua palavra era a última. Todos olhavam para ele.

Naquele momento de distração, me debati. As mãos em volta de mim se afrouxaram. Corri. Corri enquanto ajeitava minhas roupas. Quando passei pela porta, apenas a ideia de que Aristóteles me seguraria ali me causou pânico. Rafael abriu passagem para mim.

Por mais que houvesse camadas de tecido me cobrindo, nunca me senti tão nua.

 Por um instante pensei que viriam atrás de mim, por isso olhei para trás apenas quando estava entrando no banheiro feminino.

Ninguém me seguiu. Eu não saberia o que fazer se tivessem vindo até mim novamente. Entrei em uma cabine e fechei a porta.

Encostei a testa na madeira.

Minha respiração estava pesada. O que deveria fazer?

Mais lágrimas começaram a descer. Não era aquele choro bonitinho que se vê nos filmes. Não era nada bonito.

Nada.

Tudo era tão feio, tão nojento. Tão doentio.

Não havia nada de bonito naquela situação. Sentia nojo de mim mesma. Minhas pernas tremiam. Sentei-me no chão, não tinha forças para mais nada.

Sou um ser humano feio. Nojento.

Tapei a boca com as mãos. Eu estava começando a soluçar. Então lembrei que outra mão esteve ali no mesmo lugar minutos atrás.

E uma mão esteve invadindo meu espaço, me sujando, marcando minha pele com marcas invisíveis, mas que permaneceriam ali. E apenas eu poderia sentir.

Abracei a mim mesma e desejei por um instante apenas sumir. Era tudo o que queria. Mas não podia, não é mesmo? Não é assim que as coisas funcionam

Ouvi o sinal tocar, mas permaneci onde estava. Eu não iria a lugar nenhum onde pudesse ver aquelas pessoas.

O que fiz depois disso parece ter acontecido em segundos, como um sonho rápido e distante, mas sei que não foi. Esperei até não ouvir mais barulhos pelo corredor, para ter certeza que todos os alunos estavam dentro da sala. Então coloquei meu capuz, lavei o rosto, e, com a mochila nas costas, parti para fora do colégio torcendo para que ninguém me visse, e foi o que aconteceu.

Nunca agradeci tanto por não chamar atenção alguma por onde ando.

Sentia como se as palavras de Caio estivessem marcadas para sempre em minha alma, e este é o pior lugar que alguém pode ser marcado. Diferente do corpo, a alma é para sempre. E é onde doí mais. A pele que habito pode mudar, mas a minha alma é a mesma até o fim dos tempos.

Passei mais de uma hora no chuveiro naquele dia. Tente limpar toda a sujeira que havia em mim, mas logo notei que era algo impossível. Não era uma sujeira material, ou algo que saí facilmente com agua e sabão, é muito pior que isso e fere de maneiras mais profundas e marcantes.

Eu não sabia como me livrar daquilo. Como limpar minha mente. Como tirar tudo aquilo de ruim dentro de mim, aquilo que me poluía, que me corroía.

Eu precisava contar para alguém, mesmo que apenas pensar na possibilidade acendesse uma luz dentro de mim que sinalizava perigo.

Mas não havia nada na minha caixa de e-mails.

Como poderia esperar que Sara me entendesse e me aconselhasse (como sempre fez) se ela nem ao menos queria falar comigo?

Não conseguia deixar de pensar quando foi que tudo ficou tão diferente e desconexo.

De repente eu não era mais a mesma, e eu sabia que não voltaria a ser.

Tomei mais banho que o normal, o que me fazia bem bom, porque eu não conseguia identificar o que era lágrimas do que era água do chuveiro.


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