Proibido para menores de 70 anos escrita por Gabi Wolf, Giovanna Wolf


Capítulo 18
O show de Filomena - parte 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/719771/chapter/18

Depois de eu ter passado quase meia-hora tentando encontrar o endereço da sede da record, fui direto comprar as passagens para São Paulo, lugar onde meus pais constantemente viajavam a trabalho. Um lugar que eu não fazia ideia de como era. Eu só sabia que era uma capital, cheia de prédios, pessoas correndo e tudo mais. Ou seja, bem maior que Minas Gerais. E pode acreditar, eu estava me preparando a fundo para fazer essa viagem para o desconhecido, fazendo questão de comprar algumas roupas com Tia Filomena para viajar. Ela além de uma Tia superlegal, era também uma ótima consumista e estilista. E agradeço muito por ela ter fornecido o cartão de crédito para comprar roupas novas para todos nós- crianças- e sorvete.

Como dizia no papel que eu havia impresso em uma copiadora qualquer na rua, o nosso voo sairia no dia seguinte as duas da tarde. Talvez poderíamos chegar a tempo de pegar o show funcionando ao vivo. Então realizaríamos mais uma missão.

Na verdade, achei que o dia havia passado bem rápido, fazendo compras e tudo mais. Havia comprado até uma mochila preta legal. Isso é que era saber comprar. Todo mundo saiu ganhando e o quarto do hotel ficou cheio de sacolas e coisas legais que a gente havia achado no shopping. Foi demais, apesar de eu ter me sentido um pouco mal por eu nunca ter feito isso com meus pais antes.

Sabe, minha vida – eu detestava admitir isso – era um pouco solitária. Eu e Valentína passávamos quase o tempo inteiro com uma babá contratada pelo meu pai. Eu nem mesmo sabia o nome dela. Acho que era Jucicreide das Lurdes ou algo assim. E ela nem era muito legal. E se só esquentar comida e levar a gente para escola for um papel de uma babá moderna, acho que ela estava indo pelo caminho certo, porque realmente, era apenas isso que ela fazia pela gente. E é por esse mesmo motivo, que eu amava meu avô.

Ele nunca havia nos tratado como robôs. Sempre perguntava o que a gente queria fazer e às vezes até abria a carteira para nos dar um pouco de dinheiro para comprar doces, presentes e tudo mais. E eu não estava sendo interesseiro, porque mesmo se ele não fizesse tudo isso, somente as histórias que ele sempre nos contava de noite nos bastava. O vovô era realmente um herói.

E por isso que eu estava extremamente feliz por estar ao lado dele. Para falar a verdade, havia quase me esquecido das reclamações de Valentína. Estava mais feliz. Acho que, como dizem os adultos quando passam uma fase muito feliz da vida deles-ou muito triste-eu estava até engordando! Dá para acreditar?!?

Seria ótimo se eu pudesse fazer isso todo dia. Aqueles velhinhos eram demais.

Então, voltando de onde eu havia parado, estávamos prontos para embarcar no avião. Uma placa cheia de letrinhas vermelhas, indicando nosso voo havia piscado na tela preta erguida sobre o teto.

— Acho que é o nosso voo.- Barnabé se levantou, com o cachimbo pendendo na boca. Clássico dele.- 8769.

— Você está caduco Barnabé?!?- Manuel havia se levantado e puxou o papel da mão de Barnabé.- É 8764. Você não está vendo?

— Fique quieto Manuel.- Barnabé o interrompeu.- Isso é um nove. Só que está meio apagado.- Barnabé respirou fundo, retirando o papel da mão de Manuel.- Depois me chama de caduco.

— Me devolve isso aqui passa-cola! – Manuel tentava a todo custo pegar o papel de novo.

Eu ri. Aqueles caras eram muito engraçados. Até mesmo as pessoas achavam isso, já que vez ou outra olhavam curiosas para a pequena movimentação, ou algumas até davam risadinhas. Acho que deviam pensar que eles saíram de um filme ou algo assim.

— Vamos viajar de avião êêê!!!- Valentína cantarolava, agitando as pernas, inquietas, sentada abraçada ao seu ursinho velho e acabado.

— Fale baixo Valentína. Assim o aeroporto inteiro vai te escutar! – Eu disse, já com os ouvidos apitando, como se alguém tivesse soprado um apito com força perto dele.

— Eu sei.- ela ria, animada.

Desviei o olhar para outra direção, onde pude ver Francisco sentado naquelas cadeiras giratórias altas de bar, em frente a um balcão de uma cafeteria, conversando com uma senhora, jogando o maior charme para ela. Revirei os olhos. Aquele lá não tinha jeito.

Pelo visto, os únicos que estavam realmente sentados éramos eu e Filomena. A última lia algumas novidades no jornal e, portanto, eu não havia com quem conversar. Apenas eu e eu. Como na maioria das vezes.

Esperei um pouco até que ouvi nosso voo sendo anunciado no microfone. Definitivamente, Manuel não podia discordar de Barnabé. O nosso voo era mesmo o 8769. Acho que Manuel estava precisando de uns óculos. E graças a pequena confusão, tivemos que sair correndo.

E a pressa era tanta que somente depois de termos entrado na sala de raio-X, percebemos que estava faltando alguém.

— Manuel, Camila, Valentína, Filomena, Barnabé, Vovô, eu e...- contei todos, menos um. Era Francisco. Onde é que ele havia se metido? Então, eu caí a ficha. Ele havia ficado naquela cafeteria-(e como diria minha avó) xavecando a moça.

—  Cadê o Francisco? – Camila perguntou.

— Ele estava lá... Na cafeteria.- respondi.- Precisamos chama-lo. Mas, eu não posso voltar. Aliás, nenhum de nós pode. Aqui o sinal de celular não pega...

— Estamos perdidos.- Manuel completou o que eu iria dizer logo em seguida. Pela primeira vez, concordávamos em algo.

Até que uma lampadazinha acendeu na minha cabeça. E se... Valentína fosse lá busca-lo?!? Pelo menos ela não chamaria tanta atenção. Afinal, ela era uma criancinha bobinha. Quem chamaria a atenção dela?

— Valentína.- chamei-a e pus as mãos sobre seus ombros.- É sua chance de ser uma heroína.- ela me olhou um pouco assustada.- Tenho uma missão para você. Quero que você vá até lá, longe daquela porta ali- apontei para a porta de entrada da sala de raio-X- e encontre o Francisco. Ele vai estar na cafeteria, sentado. É um moço de blusa vermelha de mangas curtas. Entendeu?

— Entendi. – Ela assentiu com a cabeça e de verdade, no fundo, esperei que ela estivesse entendido.

E por fim, restou esperar e torcer para que tudo desse certo.

Pouco tempo depois, avistei uma pequena mão acenando para nós. Era Valentína que vinha logo atrás, de cavalinho, em cima de Francisco. Nunca havia ficado tão feliz em vê-la. Acho que era a primeira vez na vida que eu sentia uma coisa assim.

— Achei ele! Achei ele! – ela gritava, em cima de Francisco. Até que ele estava em boa forma, para aturar a Valentína...

Francisco logo nos alcançou e delicadamente desceu Valentína até o chão. Arrumou a blusa, que se encontrava um pouco amarrotada e disse:

— Na verdade, eu que a encontrei. Ela estava conversando com um homem de camisa vermelha no balcão do check-in. Então ela me disse que vocês estavam aqui. Por que não me chamaram?

De repente, tive vontade de me enterrar no chão e ficar por lá mesmo. Agora, teríamos que cuidar de tudo?!? Será que ele não poderia ao menos no seguir simplesmente?!?

— PeloamordeDeus...- Manuel suspirou.- Só o Francisco para meter a gente em uma furada dessas... Esse velho assanhado. Gato de rua, vira-lata sarnento...

A cara de Manuel era de dar medo. Ele estava todo vermelho, como um pimentão, parecia que havia tomado um mês de sol seguido. Ainda bem que Barnabé interveio:

— Ele está aqui, não está?!? É isso o que importa.- ele disse, calmo como sempre “a là mode Barnabé”.- Agora é hora de irmos.

Depois disso, passamos pela aquela bendita fila de checagem de bagagens. E de verdade, eu não queria ser o Barnabé no momento em que a bagagem dele estava sendo revistada. Porque, no meio daquilo tudo uma moça toda uniformizada informou a ele:

— Não são permitidos cachimbos nesse voo senhor.- ela disse, com um sorriso forçado.- Vou ter que recolher isto.

— Mas.... Eu tenho ele há anos.... É como uma mascote.- Tio Barnabé explicou. Eu estava logo a frente, ouvindo tudo.

— Sinto muito. Regras são regras senhor.- ela precisava ficar falando “senhor” cada vez que terminava uma frase?!? Que coisa irritante! Além de eu ter tido que tirar meu cinto de couro novinho da minha calça e ter a minha bolsa observada por todos naquele aeroporto, eu ainda tinha que deixar ela levar o cachimbo do meu Tio Barnabé?

— Entendo.- Tio Barnabé suspirou, com os ombros relaxados. Então, do nada, enfiou uma mão no bolso de sua calça de camurça marrom e retirou algo da mesma cor dela.

Percebi que era uma carteira de couro. Ah, não... Ele não iria fazer isso.

— Quanto você quer? - Ele folheou algumas notas na carteira, bem naturalmente, como se estivesse comprando algo como um cidadão honesto e sincero.

Temi que a moça recusasse e nos prendesse lá mesmo. Ela era uma agente da lei, não?!? Agora sim estávamos perdidos por causa de um cachimbo. O cachimbo do meu Tio Barnabé. Um mísero de um cachimbo colocava todas as nossas vidas de cidadãos honestos brasileiros no lixo.

Mas, ao contrário do que pensei, ela se aproximou, bem perto do Tio Barnabé e sussurrou algo que eu não pude ouvir. Vi o dinheiro passar da mão dele para a delicada dela. Eles se afastaram. Ela piscou e saiu rebolando, parecendo a moça mais feliz do mundo, de volta para onde estava anteriormente.

Tio Barnabé então, sem que ninguém visse, enfiou o cachimbo na mochila que havia terminado de passar no raio-X, como se nada tivesse acontecido.

— Por que fez isso? - Não pude deixar de perguntar, enquanto passávamos por aquele túnel para adentrar na aeronave.- Isso é crime, sabia?

Ele apenas fez um sinal de silêncio, colocando o dedo indicador por cima daqueles lábios negros, como se pedisse para eu guardar segredo. Revirei os olhos. Inacreditável. Meu Tio era um fora da lei.

Pisei pelo carpete vermelho até chegar nos lugares indicados. Descobri que não teria que colocar a mochila nos compartimentos a cima, já que a usaria durante o voo. Portanto, apenas sentei no lugar da janelinha e esperei todos se acomodarem. É, aquele lugar era muito bom.

Ou melhor, era bom. Até eu descobrir que Camila se sentaria ao meu lado.

E foi o que eu descobri quando ela foi colocar a bagagem no compartimento acima.

— Ah, não.... Lá vem encrenca.- falei baixinho, mas infelizmente, ela ouvira.

— O que foi dessa vez Senhor Nicolas?!?- ela indagou, nervosa, enquanto se esticava ao máximo para colocar a mala no compartimento. E então, como de esperado, ela deixou a bolsa cair com o conteúdo e tudo.

E achei que era meu dever ajuda-la, antes que ela me jogasse avião a baixo.

Levantei-me rapidamente de onde estava e fui na direção dela. Abaixei entre uma cadeira e outra, naquele espaço apertado mesmo e comecei a recolher o que havia caído. Acabei batendo a cabeça na dela:

— Ai!.- ela exclamou, colocando a mão no lugar onde havia batido. Se a dela doía, imagina a minha então...- Qual é o seu problema?!?

— Problema?!?- eu ri. De um jeito forçado. Eu tentava ajuda-la e ela me tratava assim? – Nenhum.

— E tire as patas das minhas coisas! - Ela estrilou, nervosa. Tirando violentamente um pacotinho esquisito que eu estava segurando nas mãos.

— E, o que é isso? - Perguntei, apontando para um.- É comida?

E então, me arrependi de ter perguntado aquilo. Sério. Se arrependimento matasse- como diz meu avô- eu estava morto. Quero dizer, arrependimento mata mesmo, porque eu achei que eu ia ter um piripaque de tão nervoso que eu fiquei.

Logo depois de eu ter perguntado aquilo, Camila ficou extremamente vermelha. Mais do que um camarão. Parecia que eu havia falado algo muito feio, feio mesmo. E de uma escala de 0 a 1000, na língua das meninas, eu havia feito algo imperdoável.... Nunca pergunte o que eram aqueles pacotinhos. Só se você quiser morrer, aí fique à vontade para perguntar a uma garota.

— Arrgh!!! – Ela pareceu que ia explodir de raiva. Eu que não ia recolher mil pedacinhos de Camila...- Eu te odeio Nicolas!!! Eu vou te matar!!

— Oh, oh...- dei um sorriso amarelo, prevendo a minha morte. Senti um cheirinho reconhecível de cadáver. Do meu cadáver. Eu já podia me ver enfiado em um caixão decorado com flores. Já poderia ver a frase entalhada: “Aqui jaz Nicolas, um bom neto. Morto por uma garota de quinze anos em um avião, tentando realizar o sonho de seu avô e dos companheiros dele. Resistiu bravamente a morte, em seus plenos treze anos. Foi um bravo guerreiro. Como o Batman e o super-man. ”

Então antes que isso se tornasse verdade, sai correndo como uma galinha fugindo de uma raposa faminta. Sem pensar, pulei para a poltrona da frente e pela outra ainda. Corri de um lado do avião para o outro. Minhas pernas já não se aguentavam. Fiquei mole como uma gelatina. Acho que nem o Usain Bolt correu tanto assim nas últimas olimpíadas. E olha que o cara era fera. Mas, quando se corre da Camila, a gente provavelmente corre mais do que qualquer maratonista.

Por fim, acabei encontrando o banheiro e adivinha: acabei me trancando lá. Me acomodei na privada, que pelo visto, iria ser minha poltrona improvisada até chegar em São Paulo. Tratei de ficar bem quieto e esperar a fúria da Camila passar. Quem sabe ela não desistia e ia embora?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Proibido para menores de 70 anos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.