Addispiratu escrita por LC_Pena, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 4
Capítulo 3.


Notas iniciais do capítulo

Depois desse só mais um, meu povo.



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Sirius tinha perdido o rastro do cheiro familiar a algumas quadras atrás, Remus sabia, mas o cachorro era muito teimoso para admitir. 

— Pads, estamos apenas perdendo tempo. - O vulto negro se transfigurou de volta em homem, com o mesmo olhar aborrecido de antes. – Estamos perdendo tempo desde o momento em que não avisamos nada disso a ninguém da Ordem! 

—Juro que conheço esse cheiro, Moony, o problema é que tem muita coisa o encobrindo! Consegue sentir? 

Conseguia sentir... Conseguia sentir a loucura que era esse plano torto de James! 

Passou a mão pelo cabelo loiro escuro, exasperado. James não pôde acompanhá-los por motivos óbvios, se bem que era meio tolo tentar protege-lo agora que Harry, o motivo de tudo isso, havia desaparecido. 

— Sirius, eu vou buscá-lo. 

— Quê? Buscar quem? Remus, não! James disse... - Já era tarde, o bruxo lupino havia aparatado. – Merda, Moony! 

O rapaz de calças rasgada nas coxas e cabelos rebeldes consertou a jaqueta de motoqueiro com raiva. James havia sido claro, ele não queria a Ordem envolvida nisso! 

— Ah, mas que bosta de trasgo! - Ele voltou a correr, dessa vez no sentido oposto, em direção ao chalé de dois andares da família Potter na pacata Godric's Hollow.  

No meio de sua corrida, Sirius voltou a ser Snuffles, porque, dependendo do problema, ele pensava melhor em sua forma canina. Assim como Remus, também não gostava da forma como James estava lidando com o desaparecimento de sua família, mas antes de tudo, era sua família. 

O jovem em questão o aguardava na soleira da porta, sendo um prato cheio para qualquer comensal que o buscasse com o mínimo de interesse a essa hora da noite. 

— E então? Acharam alguma coisa? - Sirius fez que não com a cabeça, voltando a sua forma humana. – Onde está Moony? 

— Foi chamar o professor. 

— Merda, por que? - James voltou para dentro da casa, batendo a porta da frente com raiva, assim que Sirius o acompanhou. 

— Você sabe o porquê! Não nos conta a história toda, faz pedidos estranhos... Por que não podemos envolver a Ordem? Isso é maior do que uma desavença conjugal, Prongs! Lily e Harry estão por aí com um maníaco atrás dos dois! Eles podem até já ter sido... 

Não. 

— Pois é a verdade. - Sirius não estava mais feliz com a possibilidade do que James, mas a verdade é que poderia ser o próprio Voldemort o responsável pelo sumiço dos dois e aqui estavam eles, discutindo o sexo dos anjos. – Por que saiu de casa, arriscando tudo que mais ama, James? O que valia a pena todo esse risco? 

Nada valia a pena o risco, mas... 

— Você sabe o quê, ou melhor, quem... 

—Não, não me diga, não me diga que você foi idiota a esse ponto! 

Sim, ele tinha sido. 

*** 

Fiz uma excursão noturna pelo sótão novamente, dessa vez mais determinada a achar um tesouro em específico. Me sentei em um antigo banquinho de três pernas - que minha mãe herdou de sua tia, mas que não teve coragem nem de usar, muito menos de jogar fora - e comecei a mexer no baú de papéis de minha infância. 

Minha mãe era organizada, mas controladora de uma maneira esquisita, então toda vez que eu e Petunia começávamos nossas limpezas de primavera, ela corria para a pilha de coisas a serem descartadas e resgatava algumas lembranças que representariam aquela fase nossa no futuro. 

Haviam caixas com artesanatos, pinturas, poemas, fotos de amigos e pelo menos uns três cartazes de filmes e bandas encostados em um canto qualquer. Todo o sótão parecia o depósito de um futuro museu e eu já tinha dito isso para a senhora Nigella Evans, mas ela me escuta? Claro que não. 

Suspirei saudosa, aquela sensação ruim de perda tomando conta do meu peito novamente. 

Ainda podia escutar o barulho irritante do aspirador de pó de mamãe lá embaixo, mas a sensação de que isso tudo aqui não me pertencia mais continuava muito forte. Sacodi as chiquinhas para limpar a mente, porque tinha um trabalho a fazer. 

— Ok, Lily, cartinhas pra papai Noel, vale-abraços, não, não... Ai minha Morgana nudista, achei! - Peguei o pequeno bilhete com uma letra cursiva bem redonda em uma caneta rosa choque. 

Cheirei o papel. Ele ainda tinha o mesmo cheiro de cereja daquelas canetinhas coloridas da infância, que eu ainda tinha aos dezessete anos, diga-se de passagem, mas disfarça, Lily! Comecei a ler a mensagem fofa que uma Petunia de seis anos havia escrito. 

POR SERVIÇOS PRESTANTES, LILY EVANS TEM O DIREITO DE PEDIR PARA PETUNIA EVANS QUALQUER COISA NO MUNDO TODO. 

— Nhon, Tuney! Serviços "prestantes"? Vocês era tão fofinha... Pena que não seja mais tão gracinha assim continuar escanteando sua educação formal, né? - Levantei e sapateei animada, fazendo mais barulho no piso de madeira do que mamãe com aquele aspirador infernal. 

Próximo passo era pegar o mapa das Ilhas inglesas e convencer Petunia a me levar ao menos a Aberdeen, na Escócia, pois de lá eu me viro para chegar até Hogwarts, trouxas não podem ver a escola mesmo... 

— Lily, seu otimismo me impressiona às vezes. - Bati com o cartãozinho na mão, mordendo os lábios decidida. – Vai dar certo, com certeza. 

*** 

Me joguei na cama de Petunia, deixando as pernas se levantarem no ar com o impacto. Ela apenas respirou fundo, me olhando através do espelho de sua penteadeira, enquanto penteava seus cabelos claros pela milésima vez. 

— Você deve ter perdido completamente o juízo, só pode. - Droga, ela parecia bastante equilibrada, não era o que eu esperava. – A propósito, esses shorts estão muito indecentes, Lily, vista algo mais adequado, Verney está vindo para o jantar. 

Me deitei de bruços, favorecendo a visão dela do meu bumbum precariamente coberto por um short de listras azuis claras. Ela torceu o nariz para mim. 

— Tuneeeeeyyyyy! - Sorri para o bufar exasperado dela, Petunia odiava o apelido e ainda mais o tom. –  Preciso de um favor seu. 

— Olha, irritar alguém não é o caminho certo para se conseguir algo, anote essa dica gratuita no seu caderninho. - Ela borrifou um perfume horrível no pescoço e o vento o jogou direto na minha cara. Eca! – Agora pode ir caindo fora do meu quarto, sua monstra do cabelo de fogo. 

— "Olha", eu não queria ter que usar isso, mas você não me dá outra escolha. - Me levantei só para poder colocar o bilhetinho com sua letra de menina em cima da penteadeira. 

— O que é isso? 

— Desaprendeu a ler agora, foi? É um vale desejo. - Ela me olhou com sua melhor expressão de “sério mesmo, bebezona?” 

— Oficialmente doida, mas vou dizer a todos que foi porque caiu de cabeça, não quero que Verney pense que é algo no sangue... 

— Deixe de ser infeliz, lembra do que tive que fazer para ganhar isso aqui? - Petunia franziu o cenho de leve, como se realmente fosse uma memória muito distante. Mentirosa!– Tive que passar a geleia de pimenta da vovó debaixo dos olhos para parecer que tinha alergia àquele pobre cachorrinho! 

— Ah, foi mesmo! - Ela deu risada, enquanto dava os últimos retoques nos cabelos.– Mas se me lembro bem, você também não queria cuidar do cachorro, não se faça de vítima agora! 

— Mas eu tinha quatro anos! Como supostamente levaria um cachorro maior do que eu para passear? - Petunia se levantou nenhum pouco impressionada com o meu argumento, essa desnaturada!– E isso não muda o fato de que o sacrifício foi todo meu! 

— Eu tinha seis anos, Lily, pelo amor de Deus! 

— E eu tinha quatro. - Contei os fatos nos dedos ante a teimosia dela.– Quatro anos, sacrifício, geleia de pimenta... 

— Tá, estúpida, qual é o favor que você quer? - Ela disse de má vontade, já pronta para sair do quarto. 

— Quero que me leve a Aberdeen amanhã de manhã. 

— Vai dar para chegar a tempo na escola? 

— Claro. - Só que não na escola que ela estava pensando. 

— Onde fica essa loja, de todo modo? 

— Não é uma loja, é uma cidade. - Minha irmã péssima em geografia já estava bastante conformada, mas voltou do batente para me olhar desconfiada com essa última informação. 

— Uma cidade onde? Quanto tempo de viagem?  

— Umas oito... Horas. - Ela me olhou de olhos arregalados, a sombra verde nas pálpebras desaparecendo por completo.– Juro que é por uma causa nobre, é do meu futuro que estamos falando! 

— Oito horas de viagem, mais o tempo em que você precisará ficar lá? Onde diabos quer que eu te leve, na China? 

— Não seja exagerada, só vamos ali na Escócia rapidinho. - Petunia parecia muito disposta a cometer um homicídio doloso, com muita intenção de matar! Há um nome para esse tipo que é entre irmãos, não?– São oito horas para ir e oito para voltar, a propósito. 

Ela fez o melhor grito mudo que já tinha visto em minha vida e depois fingiu me sufocar e sapateou, ficou vermelha, depois respirou fundo e se recompôs. 

— Esquece, não vou levar você nem em um milhão de anos! 

— Mas você prometeu! - Eu não era nenhum pouquinho razoável, eu falo alto mesmo! 

— Prometi antes de saber o que era, aos seis anos, não se faça de sonsa! - Ela apontou o dedo em riste em minha cara. 

— Não prometemos pelo favor em si e sim pelas pessoas que nos pedem! - Ela me olhou com as mãos na cintura e um sorrisinho cínico no rosto.– E sua palavra? Não vale nada esses dias? 

— Olhe, não se atreva a colocar minha palavra em... 

— Petunia Evans: a senhorita cuja a palavra vale menos do que cocô de gato, menos que meleca de bebê, menos que... 

— Lily! 

— Menos que o suor das pizzas embaixo dos braços de Verney Dursley! - Essa última eu disse com a língua nos dentes, a desafiando a contestar minhas acusações. 

— Você é tão infantil... 

— Sou sim, mas ao menos eu tenho honra! - Aí estava, essa era a exata a expressão com a qual estava contando. Petunia cerrou os lábios em uma linha reta, empinou o nariz e fechou os punhos na lateral do corpo. 

— Você venceu, mas fique sabendo que essa é a última vez que prometo qualquer coisa a você! - Respirei fundo, porque sabia que aos 17 e 19 anos - muito jovens para fazer promessas eternas - tínhamos selado um acordo pétreo entre irmãs. 

— Feito. 

*** 

Nós duas havíamos concordado que o melhor era sairmos antes das seis da manhã, horário que nem mesmo o mais fuxiqueiro dos nossos vizinhos tinha acordado. Petunia ontem pedira para o namorado deixar o carro com ela para cuidar de uns "assuntos importantes" e o homem apaixonado seguiu para casa de táxi mesmo. 

O amor era uma coisa linda! 

Fui encarregada de escrever uma carta para nossos pais, onde explicava os motivos da nossa viagem, implorava perdão pelo dinheiro pego no pote de biscoito para emergências - era uma emergência real - e isentava Petunia de toda a culpa. 

As palavras exatas que a idiota me fez usar foram: dívida de honra. 

Sinceramente, Petunia é uma criatura que deveria ser estudada. E agora aqui estávamos nós, no Landau luxuoso de Verney, ouvindo uma seleção de músicas deprimentes que o senhor lontroso tinha no tocador de fitas. 

— Vou desligar o ar-condicionado, consome muita gasolina. - Era verdade, tínhamos andado um pouco mais de 300 milhas e o grande dinossauro já tinha nos feito parar para abastecer mais vezes do que qualquer hippie acharia saudável para o planeta. 

— Sem problemas, gosto do vento nos cabelos. - Abri a janela e deixei que a corrente transformasse minhas ondas sem graça em uma cortina ruiva. – Falta muito para chegarmos? 

— Me diga você, não sou eu que estou com o mapa! - Petunia ajeitou melhor seu lenço no cabelo e depois consertou seus óculos escuros. Ela parecia uma estrela de cinema americana, pena que não estávamos em um conversível pelas estradas da Califórnia. 

— Deixa eu ver aqui... - Droga, ainda tinha muito chão para percorrer na auto-estrada A1. Ao menos era uma rota bonita, cheirava a folhas caídas e sol quente. Me apoiei na janela aberta e deixei o sol esquentar um pouco a pele do meu rosto e braços, já estava quase cochilando quando Petunia resolveu quebrar mais uma vez o silêncio. 

— De que futuro seu estamos falando? - Não abri os olhos, porque sabia que ela também não tinha tirado os olhos da estrada. 

— Um futuro certo, em um mundo em que eu não sou estranha e que as coisas simplesmente funcionam. - Abri um dos olhos só para ver que o nariz aquilino de minha irmã ainda apontava para frente, onde estava toda sua atenção. – Ainda não faço ideia do que deu errado... 

— As coisas dão errado, porque você insiste em fazê-las da maneira mais difícil! - Ela consertou os óculos no nariz, mas ainda parecia bem concentrada. – E o pior é que mamãe e papai ainda aplaudem esse seu comportamento. 

Eu suspirei cansada, devia ter tido essa conversa com Petunia um milhão de vezes, mas ao menos as mãos dela estavam no volante e não próximo a algo quebrável. 

— Não é o jeito mais difícil, é apenas o jeito como as coisas funcionam para mim. - Mais senti do que vi ela virar para me encarar no banco ao lado. – Já parou para pensar por um segundo que o mundo pode ser um pouquinho maior do que o que você vê? 

— Não tem nada de errado com minha visão, Lily. - Ela respondeu daquela maneira bem limitada e cínica dela e eu revirei os olhos. 

— Não me refiro a um plano físico e sim a algo metafísico. - Ela torceu a boca sem dar crédito para o meu papo filosófico. _ Nem toda garota nasceu para ser uma perfeita esposa troféu, Tuney... Olhe para mim, acha que eu poderia ser como você? 

— E o que você quer ser exatamente, Lily? - O tom foi irônico, mas eu levei a pergunta a sério. Voltei a apoiar a cabeça no braço e fechei os olhos para sentir o vento beijando a minha pele junto com o sol de início de outono. 

— Eu quero ser livre, Tuney. Quero ser apenas Lily. 

*** 

Já era quase fim de tarde quando chegamos a Aberdeen. As duas paradas para comer e ir ao banheiro não foram suficiente para saciar minha fome, então eu já estava louca pelo jantar de Hogwarts, me ressentindo que, por causa de uma regra boba do Ministério, eu havia perdido o grande banquete de volta às aulas. 

— Onde disse que iria ficar mesmo, Lily? - Petunia já manobrava o carro pesado para entrar na cidade escocesa e eu sorri um sorriso amarelo sem encara-la. 

— Então... Eu não disse. - Petunia resolveu estacionar em uma lojinha de conveniência na entrada da cidade e assim que ela desligou a chave do carro, eu soube que estava encrencada. 

— Para onde, Lily? - O tom era igual o de mamãe, então era bem provável que uma pobre criança fosse sofrer com o punho de ferro de minha irmã. Acho que eu seria a tia legal e permissiva que consolaria meus pobres sobrinhos. 

— Ok, Tuney, é aqui que as coisas ficam estranhas e eu vou precisar que tenha a mente muito aberta quanto ao que eu vou te dizer. - Respirei fundo e falei tudo de uma vez. _ Estou indo para um internato chamado Hogwarts para terminar meus estudos em magia, porque, Tuney, eu sou uma bruxa. 

Petunia já havia tirados os óculos, a luz do sol já tinha quase ido embora, então eu pude ver neles que havia acabado de jogar pela janela o pouco respeito que ela tinha adquirido por mim ao longo da vida. 

Eu era determinada, beirando até a teimosia, inteligente e sabia fazer as coisas acontecerem como eu queria e tenho certeza que ela gosta disso em mim em algum grau, mas em sua cabeça eu devia ter passado dos limites dessa vez, porque ela simplesmente ligou o carro novamente, sem me olhar mais. 

— Vamos encontrar um lugar para passar a noite e amanhã, assim que o sol despontar no céu, nós voltamos para a casa. 

— Espera, Tuney, deixa eu explicar... 

— O que tem para explicar, Lily? Tudo não passa de uma grande piada para você? - Sabia exatamente como Petunia se sentia a respeito da magia, mas não sei porque esperava que nessa realidade alternativa ela reagisse um pouco diferente, sei lá, esperava que ao menos ela me ouvisse dessa vez... Meus olhos se encheram de lágrimas antes que eu pudesse impedir. _ A menos que... Ah, meu Deus, Lily, você realmente acredita nessa baboseira que está dizendo? 

— Preciso que... - Droga, eu estava chorando! Limpei o rosto e funguei, tentando me recompor. _ Sei que parece loucura, mas preciso de um voto de confiança, porque nada disso é o que parece! 

— Então não viemos até a Escócia atrás de uma escola para bruxas ruivas e desastradas, é isso? - Deuses, dai-me paciência, Petunia é insuportável! 

— Lembra do que te disse sobre tentar ver além do que os olhos alcançam? - Falei, já abrindo a porta, mesmo o carro estando ligado. _ Vou precisar que confie em mim nisso, Tuney, avise a mamãe e ao papai que escrevo assim que acertar tudo. 

— O quê? Volte agora para o carro, garota estúpida! - Abri a porta do fundo e agarrei minha mochila o mais rápido que pude, deixando Petunia falando sozinha. Segui pela rua a pé, porque sabia o que tinha que fazer, sabia para onde tinha que ir. 

— Desculpe, Tuney, tenho que seguir meu caminho sozinha. 

*** 

Havia conseguido a carona de uma idosa legal, que me olhou meio preocupada quando me avistou dando sinal para qualquer carro que passasse na estrada. Eu sei que não era um plano lá muito elaborado, mas funcionou, então está tudo certo. 

Desci em frente ao cercado com vários avisos de "cuidado, risco de desabamento" e "restauração em andamento", porque sabia que havia chegado no lugar certo. Uma vez uma colega de quarto quis se encontrar com um namoradinho francês dela fora dos terrenos de Hogwarts e esse lugar, no fim de uma encosta íngreme, coroada por um carvalho antigo, foi o ponto de encontro. 

A senhorinha, de nariz adunco e cabelos oleosos, me lançou um olhar familiar de reprovação, mas não fez muito mais do que isso para me demover da ideia de entrar em um terreno tombado pelo governo do país, com grandes chances de desabar na minha cabeça. 

—Obrigada de novo, madame. 

O carro partiu pela estrada sinuosa e assim que os faróis não estavam mais a vista, pulei as cercas que separavam os jovens bruxos do resto do mundo. O caminho era familiar, era um pequeno bosque que bordeava uma estradinha de pedras e que anunciava o início da Floresta Proibida. 

Sorri satisfeita e me abracei, já que as noites da Escócia eram frias nessa época do ano. Caminhei até a pequena elevação que sempre fazia eu perder o fôlego antes de começar a descida com a vista do campo de Quadribol, que via sempre quando vinha acompanhar Dorcas em suas aventuras amorosas, mas, dessa vez, ao chegar ao ponto mais alto, algo me fez estancar. 

— Ué, onde está? - Não havia a estrutura circular com seus vultos de torres com bandeirolas no topo, no lugar disso havia a ruína de um pequeno castelo que parecia ter saído do século XV. _ Mas que porcaria é essa? 

Continuei o caminho, agora com bastante pressa, tanto que acabei escorregando e desci o restante dele arrastando a bunda no chão. Espanei os fundos de minha calça e me aproximei do castelo em ruínas. 

— Não, não, NÃO! - Caí no chão de joelhos, sentindo a pele arranhar por baixo do tecido grosso do jeans. _ Meu Merlin, não pode ser verdade! 

Sentei sobre minhas pernas, sentindo o peso de minha mochila puxar meu corpo levemente para trás. Não podia ser verdade, eu cresci nesse lugar! Lembrava da textura das pedras do castelo sob a palma da minha mão, do cheiro levemente picante da névoa do lago todo domingo de manhãzinha... Eu conhecia Hogwarts como conheço a mim mesma e se Hogwarts não existe... 

A Lily que eu pensei que era também não. 

*** 

Estive caminhando pela estrada deserta de volta a Aberdeen por pelo menos meia hora e o suor do meu ritmo intenso estava resfriando meu corpo sob os ventos gelados sabe Merlin vindo de onde. 

— Merlin é só um personagem de faz de conta, Lily, deixe de idiotice. - Me abracei mais forte, sentindo a bota apertar meu calcanhar, a mochila envergar meus ombros e o vento frio ressecar meus lábios. _ Eu mereço isso e muito mais. 

— Ainda com essa mania de falar sozinha? - Nem havia percebido aquele carro enorme se aproximando de mim. Não dei ousadia para Petunia, limpei o nariz com as costas da mão e continuei andando. _ Vamos, Lily, entra no carro... 

— Pra quê? Só para você não se encrencar ainda mais com mamãe e papai? - Funguei de novo, porque tinha voltado a chorar. _ Veja a longo prazo, Petunia, se eu sumir no mundo ao menos você vai se livrar de mim para sempre! 

Ela não disse nada, apenas continuou acompanhando minha caminhada da vergonha com o carro o mais devagar que podia. Eu sacodi a cabeça, tentando me acalmar um pouco. 

— Por que ainda está me seguindo, Petunia? - Olhei para ela com raiva e a minha estúpida irmã apenas deu de ombros, parecendo muito bem alinhada em comparação ao desastre que eu deveria estar. 

— Porque não importa o que você faça, Lily, para o bem ou para o mal, eu ainda tenho que continuar cuidando de você. - Funguei profundamente, sem olhar para ela. _ Agora entre no carro, sua maluca, vai acabar se resfriando! 

Estava congelada, com nariz escorrendo e pés doendo, mas estranhamente, agora que Petunia estava aqui, me sentia um pouco melhor. Era o tipo estranho de conforto que só uma irmã mais velha pode dar. 

Cruzes, eu sou mesmo maluca! 

*** 

A ordem da Fênix toda encarava James Potter em julgamento, embora dedicassem metade da atenção para as instruções de seu líder. Remus estava apoiado em uma parede próxima a lareira, infeliz por ter "traído" seu amigo, mas aliviado por estar fazendo algo efetivo por Lily e Harry. 

Estavam em uma guerra, James era pai de família e apesar de todos os perigos e abdicações que já tinham feito na vida, Remus sabia que eram jovens e eles, em específico, foram jovens demais por muito tempo, então era natural que a transição para a "Adultolândia" fosse difícil. 

Mas uma coisa era James e Sirius ainda gostarem de colocar apelidos divertidos em todos ou vestirem Harry como personagens de quadrinho bruxos enquanto colocavam a cozinha de Lily de pernas para o ar e outra bem diferente era sair de um esconderijo protegido com os feitiços mais complexos que se podia imaginar só para "dar uma espairecida"! 

O chalé dos Potter, antes muito bem protegido de todos com um feitiço Fidelius, agora era a central de comando da Ordem por causa dessa espairecida de James! 

— Dumbledore, nada disso fará sentido se Pettigrew realmente tiver sido pego, ele não apareceu até agora, temos que trabalhar com a possibilidade de que o Fidelius caiu.  

O sotaque escocês acentuado de Alastor "Olho-tonto" Moody preencheu a sala com um tom único e um posterior silêncio fatalista. Os três marotos restantes piscaram surpresos, fora de seus pensamentos, ao constatarem que Wormtail realmente não tinha respondido ao chamado de James. 

Merlin, como podiam ser tão desatentos? 

— Se isso for verdade, significa que Peter está morto, não tem nenhum jeito dele ter deixado isso escapar de outro jeito. - Misericordioso Lewis, Peter possivelmente morto, Lily e Harry desaparecidos... O que ele tinha feito? 

James sabia que não podia ter feito nada para impedir esse desfecho para o amigo - e estava trabalhando apenas com suposições - mas ainda assim a culpa era opressora. Saiu da sala para tentar respirar em paz, sozinho, mas não chegou nem a cozinha antes de Sirius pará-lo. 

— Prongs, preciso saber o que minha prima queria com você... 

— O que isso importa agora, Sirius? A merda já está feita, é o tipo de coisa que... 

— Importa e muito o fato de Narcisa ter te chamado depois de meses no mesmo dia em que tudo desanda na sua vida! - James parou de encarar o piso de madeira corrida para entender o que o melhor amigo estava implicando. – Importa muito que o marido dela seja um reconhecido purista, não acusado formalmente de ser um comensal da morte apenas por tecnicidades! 

Tecnicidades de costas quentes, conhecidos políticos e muito dinheiro, uma quantidade obscena de dinheiro, os dois sabiam muito bem disso. 

— Cissa nunca faria algo assim comigo. -  Sirius olhou com ceticismo para James, porque realmente achou que o maroto havia superado aquele amor patológico dos tempos de escola assim que se acertou com Lily. Pelo visto estava errado, sua prima caçula ainda exercia certo controle sobre o homem. 

— Mas Lucius Malfoy faria algo assim! - Sirius agarrou os ombros do homem com veemência, porque nada com o Black era suave. – O que ela queria com você de todo modo? 

— Ela estava assustada, estava assustada com os rumos da guerra e com o que estar por vir... 

— Por nenhum motivo específico então? 

— Ela queria que eu conhecesse o filho dela... - Ele deu um suspiro pesado, porque tinha sido bom vê-la como mãe de um garotinho com uma penugem loira na cabeça, cheio de personalidade. Cissa era boa naquilo... – Ela só queria... 

— Ela só queria fazer você de tolo e que bom que você é muito esperto para isso! - Sirius finalizou seu tom irônico, arrastando James de volta para a sala pela gola de seu casaco trouxa. – Dumbledore, para onde eu vou? 

O velho professor e o auror Moody estavam dividindo os grupos de buscas para cobrir as áreas onde Lily e Harry poderiam estar, como uma última tentativa de não ser tarde demais para os dois, então ambos o olharam surpresos e então para um James pouco confortável. 

— Pensamos em Cokeworth, a antiga cidade em que... 

— Sabemos onde é, professor. - Sirius já estava na porta quando Dumbledore o chamou com um gesto calmo. – Sim, professor, James vem comigo, agora a merda já está feita, não adianta mais protegê-lo. 

Remus nem sequer teve presença de espírito para repreender Sirius pelo linguajar com o maior bruxo da atualidade, porque o homem idoso estava mais intrigado com o comportamento dos dois jovens, do que com palavras chulas, assim como ele.  

Os dois homens seguiram seus colegas de Ordem para fora da casa, mas assim que se afastaram o suficiente para fazer a aparatação, James tentou focar na missão que tinham pela frente. 

— Sabe mesmo onde fica a cidade onde Lily cresceu ou quer que eu nos aparate lá? - Sirius o olhou, louco de vontade de enfiar seu rosto lerdo no asfalto. 

— Não estamos indo para Cokeworth, seu idiota, estamos indo para Wiltshire! 

— Wilt... Não, Sirius! 

— Sim, Prongs. - Segurou o antebraço do outro bruxo com mais firmeza. – Wiltshire.


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Notas finais do capítulo

Algum palpite para o desfecho?



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