Arkadia escrita por Fibe


Capítulo 6
Conhecendo o inimigo, ou amigo.


Notas iniciais do capítulo

Conversamos no fim. Aproveitem a leitura!

Aconselho a ouvirem: https://www.youtube.com/watch?v=UY7RQIIeKc0
Eu só escutei enquanto finalizava.



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CAPÍTULO CINCO

Passei a noite em silêncio e guardei em meu coração aquele pequeno detalhe sobre o cheiro do desconhecido que tinha tendências heróicas. Onyx nem mesmo parecia se importar com a sua presença tanto quanto eu me importava e, de alguma forma, isso me deixou incomodada. A tamanha inocência de um dragão que não conhecia um mundo de caos até vir para esse, me incomodava.

Encostei minha cabeça em suas escamas, utilizando-as de travesseiro enquanto encarava aquela enorme lua brilhante no céu escuro e tentava pedir, em pensamentos, que ele não compartilhasse da minha mente naquele momento. Não queria saber até onde Onyx havia visto o castigo que o reino de paz havia me dado e se não viu nada, não queria que soubesse que meus pensamentos giravam ao redor disso também. Não estava com pena e nem mesmo tão triste pelo o que aconteceu, contudo, a forma com a qual aconteceu foi o que me deixou pensativa e aflita.

Illiaria era regida por três governos diferentes que formavam um só; os elfos eram excelentes guerreiros e sentavam no trono principal, as fadas estavam no trono direito e por mais que fossem indiferente, ainda tinham voz. Os magos nós não conhecíamos, tinham uma terra só deles e ainda sim compactuavam com a regência do meu mundo. Um mundo que fora retirado da mão dos humanos e lançado nas mãos das raças féericas - dotadas de magia - e governado por anos, séculos. Um mundo que deveria ser pacífico, segundo os grandes discursos, mas o que era isso?

O que era a paz? Uma simples palavra? Algo que mudava com o ponto de vista que a regia? Para as três raças regentes, paz era o que existia em Illiaria e em toda Valkyria. Os humanos caíram, as raças obscuras foram banidas e não havia nenhuma ameaça que pudesse retirar seu trono pois todas elas sabiam do demasiado poder que a tríade continha e todas elas, sem tirar nem por, eram combatidas diariamente. Os humanos não conheciam essa paz, aos olhos deles o trabalho escravo não era nada senão uma maneira de torturá-los, de manter a existência de uma raça fraca para que ela sempre se lembrasse de como cairia. Os lobos, os vampiros, as criaturas das trevas, nem mesmo eu sei o que se podia pensar estando na pele deles; dizem que a floresta negra é o único território em que são felizes, mas o que é felicidade? E o que paz?

Fácil é encontrar o conceito disso quando estamos por cima e ter uma série de achismos, mas e quando já não olhamos nossos umbigos e tentamos ver os dos outros? Os lobos eram maus? Os vampiros eram maus? As criaturas das trevas eram sujas ao ponto de não se poder ter um acordo? Ou só eram bichos porque a vida inteira foram tratados como tal?

Até quando uma criança deveria nascer achando que ser escravizada é uma maravilha? Até quando o bebê de minha mãe vai achar que morar no lado sombrio de Valkyria é a melhor coisa que poderia ter acontecido? Nunca conseguiria me conformar com a forma que vivíamos e não estar conformada jamais significou que eu queria dar poder a minha raça, mas sim que todos merecem liberdade. Eu merecia liberdade ao invés de ser punida por conta de algo que foi visto como rebeldia.

Não consegui dormir durante a noite.

Girei tanto o meu corpo mesmo doendo mais do que eu poderia aguentar, o senti reclamar da falta de descanso que teve e, ainda sim, não dei uma pausa. Deixei meus olhos saírem da lua e se fixarem no homem desconhecido que também não dormia, mantendo-se atento e aquecido no fogo. Percebi que já não sabia o que era sentir frio desde que um dragão se ligou a mim.

Mantive meus olhos fixos em Samwell com uma clara indagação mental: cachorro molhado? Só pude concluir, então, que isso se dava pelas roupas feitas com pele e pelo de animais, usando a lógica de que se fosse um lobisomem, não teria durado tanto tempo longe da Floresta Negra. Há sempre guardas por ali, não permitindo entrada ou saída de alguém sem uma boa razão, coisa que dificilmente acontecia já que os casos de infecção diminuíram muito.

Suspiro. Minha vida realmente mudou tanto em tão pouco tempo?

É difícil admitir, mas talvez já não seja mais tempo de continuar me lamentando por tudo.

— Quem é você? —  Me vi sussurrar para não atrair a atenção de um dragão adormecido.

Pela primeira vez, observei aquele rapaz fixar seus olhos castanhos em mim e coçar sua barba por fazer, já muito grande para lhe envelhecer.

— Eu lhe disse, sou Samwell.

— Pareço interessada em sua alcunha?— Soei ríspida propositalmente

— Na realidade, não parece interessada em nada que eu possa lhe oferecer.

— Exatamente. Então, o que raios faz aqui?

—  Estou aqui por sua causa.

— Minha?

— Sim. Não existe uma só pessoa que não tenha ouvido falar do seu dragão.

— Sim, existe. E também existe um sensor de mentiras que possuo, por isso sei que não é verdade nada do que diz. Seja franco, Samwell, porque não sou como Onyx. Não existe ingenuidade aqui.

—  Existe uma lenda entre os magos. A lenda da outra lua, já ouviu falar?

—  Pareço ter ouvido falar sobre algo assim?

— O fato é que essa lenda diz que quando os humanos reinavam, a lua não era só prateada. Havia um lado escuro nela, uma silhueta de serpente que estava sempre escondida do lado que ninguém era capaz de enxergar. Quando os humanos caíram, essa sombra sumiu.

— E o que eu tenho com isso?

— Olhe para a lua, Caitlin. Ou busque sobre a sombra dela, antes do Sol tomar conta do céu por completo, algo. Qualquer coisa.

E eu assim o fiz. Encarei o céu que estava acinzentado, anunciando um novo dia, e a lua estava clara, ameaçando ficar branca quando o céu se tornasse azul claro, e então eu vi. Vi um risco tomar conta de metade dela é no fim do risco, um triângulo. Ou algo parecido. Busquei por mais informação com o olhar, porém nada encontrei.

— Há um desenho.— Lhe disse.

— Há algo, você não pode negar. E isso quer dizer que algo pode acontecer. Se isso não se transformar em serpente, talvez outra raça tome conta do nosso mundo. Mas se isso se transformar em serpente…

— Quer dizer que você precisa estar do lado certo.—  Completei.

Samwell balançou a cabeça positivamente e eu tomei cuidado para que a respiração não soasse extremamente alta. Onyx tinha algo a ver com essa mudança, eu sentia. Eu conseguia sentir isso no fundo do meu coração.

— Isso significa que você me ajudou por interesse e que continuará fazendo até que o desenho ganhe uma forma digna.

— Exato. A lua, Caitlin, revela mais sobre o mundo do que as fadas sobre as estações. Você pode achar que ela está ali apenas para ser iluminada pelo Sol, mas o meu povo acredita que ela está ali observando o futuro dos seres, de todos eles, e dando sinais para que possamos mudar isso ou acelerar a mudança. O problema é que quando se vai com muita sede ao pote, acabamos mudando tudo muito rápido e drástico. Nós respeitamos a lua, Caitlin.

— Mas eu não. E não irei compactuar com o que a lua deseja, ou com o que vocês querem me fazer pensar que ela deseja. Eu sei o que você é, Samwell, e por isso não confio em nada do que diz. Conheço o seu tipo, então não tente me convencer de que não está tentando me manipular porque sei que está.

— Você sabe o que sou? O que você  acha que sabe, Caitlin?

— Você é um deles e isso é o suficiente. — Voltei a repetir.

— Ajudei você, curei suas feridas. Tratei de você.

— Sei disso e por isso temos uma dívida.

— Pague-a. Me deixe lhe seguir.

— Não sou uma salvadora, não farei nada por vocês para que me siga.

— Você realmente está certa sobre isso?

Não quis responder. Girei minha cabeça para o lado e fiquei quieta, abraçando a mim mesma. Eu queria ser uma salvadora? Eu era alguém? Não. Tudo o que eu queria era encontrar a minha mãe, encontrar quem não conheci e fazer ambas saberem que nunca as esqueci. Caitlin não era a salvadora de um povo. Eu nem mesmo sabia se tinha um povo. Os humanos eram tão maus quanto qualquer outra raça, por quê cabe a mim defendê-los? Por que preciso estar do lado dos magos para que consiga a liberdade?

Samwell poderia dizer o que desejasse, mas não seria uma lua que me faria mudar de ideia. Precisava encontrar a minha mãe, precisava vê-la e saber se seu sorriso ainda era capaz de iluminar cidades, se seus fios loiros eram exatamente como os meus agora, ou se mudaram tanto assim. Ela ainda abraçava apertado? Seus olhos ainda tinham vida?

Encarei a lua mais uma vez. Ela estava ficando cada vez mais branca e eu soube que independente daquela lenda ser verdadeira ou não, precisava fazer algo.

Precisava ir para a Floresta Negra.

Quando os primeiros raios solares atingiram meu rosto, percebi que havia tirado um cochilo breve e ao abrir os olhos, forcei meu corpo a se levantar e encarei o maldito vestido que estava usando. Eu odiava o fato de que aquela coisa não me deixava andar direito e por isso mesmo puxei a faca que Thumos havia me dado de dentro da minha bota e rasguei ambas as laterais do vestido até um pouco acima das coxas. Fiz realmente um belo rasgo e com isso, encarei o dragão ainda dormindo.

— Onyx?— Falei extremamente alto e vi seus olhos se abrirem rapidamente.  Nunca parei para observar bem, mas agora tão de perto, ele possuía riscos ao invés de orbes negras.

— O que houve? Nós já vamos?— Me perguntou.

— Sim. Temos algo a fazer. — Avisei enquanto ia atrás da minha bolsa de couro e percebia que ela estava ao lado do corpo apagado de Samwell.

Xinguei alguma porcaria de palavra em voz baixa e chutei o rapaz após tomar o que era meu.

— Quer me seguir? Então tá, já pode começar. — E enquanto dizia isso, montei em meu dragão que já se preparava para voar.

Você ainda está ferida, Caitlin. Não devemos partir.’’ Onyx diz em minha mente e eu só balanço a cabeça.

‘’Nós temos que ir atrás da minha mãe. Eles sabem quem sou, Onyx, e temo por nunca mais vê-la.’’ Naquele momento, o rabo escamoso dele me acariciou os ombros e eu fiz o mesmo em seu pescoço, deixando claro que sabia das consequências.  Dos riscos.

Samwell não demorou em subir também, deixando um ar nada amistoso rondando-nos e eu avisei para que se segurasse. Onyx, então, ergueu vôo e eu fechei meus olhos, sentindo a brisa tocar-me. Sentindo-me infinita.

Nenhum problema me alcançava enquanto eu estava ali, voando, e era fácil ignorar que esperava algum momento para passar a perna no mago que nos acompanhava. Desejei ser eu voando e não quem voava e bastou isso para que meus olhos se abrissem e a tamanha velocidade do vento não me incomodasse.

Tentei lembrar do caminho feito por terra  para poder guiar Onyx naquela aventura e me vi sendo bem sucedida quando, após um tempo, a altura do seu vôo diminuía e o verde que outrora era claro já se tornava escuro, negro. Era ali.

Era exatamente ali que eu deveria ir.

— Suba mais um pouco. Não iremos andando para dentro da Floresta. — Gritei para que o dragão conseguisse ouvir todas as palavras ditas por mim.

E ele fez exatamente como pedido.

Parecia que até mesmo as nuvens que envolviam essa região eram nubladas e nada simpáticas, ameaçando ventos fortes e uma chuva sem fim por onde viesse passar. Senti um arrepio por todo o meu corpo, outro choque como quando Onyx disse que meu cabelo embranqueceu. Olhei-o atônita.

—Onyx? — Murmurei sabendo que ele me ouviria muito bem.— Você sentiu isso?

— Não sou o único que passou pelo portal.— Ele murmurou de volta.

— Onyx?

— Existem outros dragões aqui.


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Notas finais do capítulo

É difícil. Escrever não é a coisa mais fácil do mundo e saber que escrever porque você gosta disso é, imaginem, muito mais difícil. Não tive inspiração por meses, me veio um bloqueio e eu só pensava no quanto amava Arkadia, no quanto ela era minha e era única e era algo lindo. Algo com uma mensagem linda. Me perdoem. Me perdoem pela demora, por privar vocês de viajar nesse mundo e pela saudade que talvez tenham sentido. Espero que Caitlin, Onyx, Lili, Samwell e vários personagens possam compensar isso e deixar fixado no seu coração que não importa como, ou quando, nós sempre nos reencontraremos. Arkadia é, para mim, uma estória sobre amor, liberdade, luta, família e autoconfiança. E magia. Muita magia. E eu amo escrever sobre tudo isso e eu amo saber que pessoas leem e se importam com o que escrevo. Por isso nós iremos nos reencontrar sempre, não importa o quão difícil possa ser. Obrigado pelos autores do Nyah que me incentivaram e compartilharam das suas histórias semelhantes ao bloqueio que vivi, vocês me inspiraram e estão inspirando. Não é fácil escrever.