Quando tuas mãos saem,

amado, para as minhas,

o que me trazem voando?

Por que se detiveram

em minha boca, súbitas,

e por que as reconheço

como se outrora então

as tivesse tocado,

como se antes de ser

houvessem percorrido

minha fronte e a cintura?

(tuas mãos – Pablo Neruda)

Queria ser assim.

Assim como?

Assim... Como o Gabriel. Sempre tão corajoso. Resignado também. Às vezes inocente e deveras fofo em seus devaneios deslocados.

Queria ser assim. Enfrentar o mundo como ele enfrenta. Enxergar as coisas como ele enxerga.

Enxergar.

Queria ver a cor dos famosos cachos, macios e que se embolam tão bem em meus dedos. As marcas que ele tem no corpo. As pintas, como devem ser?

Gabriel... Soube que te amava no momento em que você disse “a gente devia ir no cinema!” como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ali, só ali, eu não era cego. Eu era um garoto, como qualquer outro, e estava sendo tratado como tal.

Exatamente como deveria ser.

Deitado aqui, do meu lado, cochilando depois de mais de uma hora estudando cálculo... você é tão bonito! Eu não enxergo, mas disso sei. Portanto, toco seu rosto de leve e sinto seus traços serenos, tênues. Sem a ruguinha na testa, tão característica de quando você se irrita; sem a covinha discreta que aparece sempre que ouço sua risada.

Sua risada. O sol que queima meu peito sempre que sinto que estou perdido. Quando acho que não me cabe, mas eu caibo; caibo perfeitamente no seu sorriso.

E no seu abraço.

—----------------

Gay. Você se denomina assim, Gabriel? O que essa palavra significa para você? Isso te faz sofrer?

Quando te deitas, durante a madrugada, o que pensas?

Eu penso que odeio ser cego e que, por isso, as pessoas têm dó de mim. Às vezes fico a planejar as viagens que não posso fazer, o intercâmbio que até hoje não sei se vou conseguir... De vez em quando imagino como será o surto da minha mãe quando ela descobrir que namoro um menino – afinal, além de cego, o filho dela é gay.

Mas muitas vezes eu penso na sua boca.

Gabriel, o que você sente quando me beija? O que se passa pela sua cabeça quando minhas mãos tocam as suas? Quando meus dedos percorrem seu rosto, querendo decorar cada pedacinho da pele que não posso ver...

Quando ficamos sozinhos eu começo a suar frio. Você fica nervoso como eu?

Me sinto inseguro, minhas mãos tremem. Será que sou bonito? Como você me enxerga, Gabriel? Quando olha pra mim, o que vê?

Você me abraça e eu envolvo suas costas com meus dedos gélidos, o suor ainda está presente. Afundo minha cabeça em seu pescoço e sinto seu cheiro. Você fecha os olhos; eu não vejo, mas posso sentir. Seus olhos estão fechados e suas mãos percorrem as minhas, depois sobem para os meus braços e me seguram como se eu não pudesse nunca mais me soltar.

Eu não vou fugir, Gabriel, você sabe.

Te tocar é mais que um anseio; se tornou necessidade.