Libélula Virtual. escrita por Aryeh


Capítulo 4
Capítulo 4




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A menina fez uma lista mental de todas as pessoas a máquinas que ela conhecia, mas ela não conseguia imaginar nenhuma delas sendo capaz de entrar naquela sala. Ela não relacionou o ato de cobrirem ela como algo amoroso, talvez fosse algo mecânico. Talvez a pessoa tivesse algum tipo de T.O.C. ou algo parecido.

Aglaë não sabia a resposta, mas sabia que um humano tinha entrado naquela sala, e era provavelmente um aluno, e talvez ela não estava mais segura lá. O dia só ficava pior. Sem as aulas ela estava entediada e inquieta, queria desesperadamente encontrar alguma coisa produtiva para fazer, queria aprender algo, mas infelizmente ela não poderia pular mais um ano, e teria que esperar mais alguns meses até poder entrar em uma nova turma através do programa de ensino do governo, além disso, entrar na rede pública era expressamente proibido, ela teria que se aperfeiçoar muito nisso para enganar os bloqueios de uma forma que fosse indetectável para os “monitores artificiais” e para o programa em si, caso fosse pega teria seu inter-tablet confiscado por tempo indeterminado, e teria que escrever uma redação sobre seu arrependimento, além de ter que explicar como conseguiu fazer isso, o que facilitaria eles impedirem coisas parecidas no futuro. Daria mais problemas do que ela achava que valeria a pena.

Com a respiração lenta e o corpo dolorido por ter dormido de maneira desconfortável, ela tentou arrumar o cabelo médio e limpar o rosto com um pano que encontrou. Não queria que ninguém mais soubesse que ela esteve chorando, não queria que ninguém falasse mais sobre ela.

Mesmo fingindo que não percebia, ela já ouviu várias vezes outras crianças fazendo comentários maldosos sobre ela, ignorar esse tipo de coisa era melhor para todos, daria menos problemas.

Depois de cuidadosamente chegar se tinha alguém no corredor, ela saiu da sala e desviou das câmeras o melhor que pôde. Voltar para o dormitório parecia impensável, mas daqui a algumas horas ela teria que fazer isso de qualquer maneira, seja para enganar um dos monitores artificiais, ou para realmente dormir lá. Por hora era melhor ir até o parque. Mesmo que a maioria dos jogos físicos exigissem grupos, ela ainda poderia subir em uma arvore e observar as outras crianças jogando, neste horário a maioria das crianças tinham terminado sua meta de tarefas, então o parque deveria estar cheio, mas se ela fosse discreta o bastante poucas pessoas a notariam em um mar de uniformes azul-marinho.

Fazendo seu caminho até a parte com mais arvores, encontrou uma que tinha galhos grossos o bastante para ela se sentar confortavelmente, e ali subiu e se acomodou. O tecido grosseiro do uniforme era resistente, ela nunca o rasgou e sempre pensava em como isso era bom, mas as vezes ela gostaria de saber como era sentir um tecido leve sob a pele dela, algo bonito e suave, como uma das cantoras afro-eslovenas que eram tão amadas pelas outras meninas do orfanato. Perdida em pensamentos não reparou quando uma briga começou a poucos metros da arvore dela, mas logo os gritos começaram a chamar a atenção da menina. Uma briga provavelmente estava se formando, e mesmo com a grande quantidade de crianças em volta, ela tinha uma visão privilegiada do centro.

O menino de cabelos vermelhos.

Ele estava agitado, de longe ela poderia ver que ele não parava de se mover, estava trocando insultos com um outro menino um ano mais velho, mais alto que ele, e os amigos que sempre o seguiam estavam atrás dele, vários passos atrás dele.

Alguns segundos depois de um grito, a luta começou, apenas os dois, o resto das crianças gritava em volta, mas ninguém queria se meter nisso, conheciam muito bem os dois.

Conheciam muito bem Karcsi.

Aglaë olhava para a luta admirada, os dois eram meninos bem mais velhos que ela, e não lutavam como os meninos do seu grupo, era como se os movimentos deles fossem treinados, quase como os jogos que ela jogava.

Era lindo.

Até que Karcsi tentou atingir o outro menino com um soco no rosto. Um movimento infeliz e previsível, sem timing. O menino mais velho era rápido, e além de conseguir se desviar do golpe, ainda pode imobilizar o braço de Karcsi, e alguns milésimos de segundo depois, os dois estavam no chão, e o ruivo começou a sofrer golpes realmente sérios. Os golpes que conseguiu se desviar ou neutralizar segundos antes.

Quando o sangue começou a sair do nariz dele, algo mais vermelho que seus cabelos banhou o rosto levemente sardento dele. Aglaë sentiu desespero. Tinha que pensar em algo.

Da posição que ela estava podia ver um terço e meio do pátio, até as grades de proteção que rondavam o lugar. Ela escanceou tudo que pode com seus olhos duas vezes, na segunda vez viu um taco de fly-ball. O taco era feito de madeira envernizada, tinha a ponta levemente curva e mais larga e em seu lado mais longo tinha uma faixa de algum tipo de metal. Um taco que provavelmente pertencia as crianças mais velhas, só elas tinham permissão para isso. Era um milagre nenhum dos monitores artificiais não terem coletado ele até agora.

Em um pulo ela já tinha descido da arvore, passou pelo canto da multidão e correu até o taco, e segurando ele o mais firme que pode, começou a correr até o centro da briga. Normalmente ela teria desistido assim que começaram a empurrar ela para fora do círculo central em que ocorria a briga, mas a adrenalina a fez insistir. Depois de algum tempo conseguiu ir para o centro, Karcsi estava horrível, mas ainda tinha energia, ele tentava se livrar do menino mais velho o melhor que pode. Aglaë esperou.

No momento que ele conseguiu sair debaixo do outro menino, correu para o mais longe que pode, ele queria voltar a tomar controle da briga, ela percebeu isso, mas antes que ele pudesse voltar a atacar, Aglaë foi correndo até ele e entregando o taco direto em suas mãos, dizendo apressadamente:

— Use isso.

O ruivo ficou em choque por alguns segundos, mas apenas acenou brevemente, antes de a empurrar o mais delicadamente que pode para o lado e voltar a lutar. O outro menino começou a gritar obscenidades, mas não durou muito, com poucos golpes com o taco de fly-ball, o ruivo o nocauteou, e mesmo depois que o outro menino ainda estava inconsciente, isso não parou o ódio nos olhos de Karcsi.

Um de seus amigos já tinha cuidado dos monitores, e eles esqueceram tudo que gravaram, o menino foi levado até o hospital por um monitor real de emergência, e mesmo que o perguntassem o motivo das lesões quando ele acordasse, ele ficaria quieto. Era parte do esquema deles.

Depois que as coisas se acalmaram, o ruivo foi procurar Aglaë. Estava curioso para saber o motivo de uma menina como ela ter tentado ajudar ele.

Enquanto ele andava pelos corredores, voltou a checar toda a informação que tinha coletado sobre ela desde que a conheceu, ele mantinha tudo armazenado em um inter-tablet pessoal que tinha conseguido de maneira ilegal. Se lembra de ter criado um interesse genuíno nela depois de presenciar os talentos dela em programação, e ficou ainda mais impressionado depois de vigiar ela. Era como uma luz naquele lugar escuro e cruel, e o fato dele suspeitar que a menina tinha algum tipo de queda infantil por ele de alguma maneira aquecia o coração dele. Era fofo. Inocente demais. Puro demais. Coisas que foram tiradas dele antes de serem realmente dadas.

Depois de procurar por todo o pátio e pelo pedaço da floresta que pertencia ao instituto, ele resolveu ir descansar. Estava sujo e ainda teria que se limpar antes de dormir, hoje tinha sido um dia horrível, e ele teve sorte por não morrer. Esse tipo de situação era perigosa, se ele perdesse o insignificante poder que tinha no lugar, perderia a proteção e vários privilégios que o ajudariam em seu plano maior, e isso não poderia acontecer.

Antes de ir até o lavatório, tentou uma última vez achar a garota, talvez ela tinha voltado para o quarto que ela invadia sempre. Estava até na ficha que ele fez sobre ela.

Depois de colocar a senha, ele abriu a porta lentamente, e entrou no quarto o mais silenciosamente que pôde.

A menininha estava dormindo, e desta vez estava parcialmente coberta.

Pela primeira vez em muito tempo, ele sorriu de forma genuína e pura. Chegando mais perto, ele tirou o cabelo do rosto dela e colocou o cobertor, que estava na altura da cintura dela, até o pescoço dela. Estava uma noite fria.

O ato gentil surpreendeu a ele mesmo, e antes que ele pudesse pensar mais sobre isso, saiu silenciosamente e rapidamente da sala, trancando a porta novamente.

Ele faria questão que ninguém pudesse a perturbar lá. Como agradecimento.

E se sentindo bem mais leve, o menino de 13 anos foi até o lavatório se limpar.


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Notas finais do capítulo

Se precisarem de qualquer tipo de explicação, é só perguntar nos comentários. Aprecio eles sinceramente.



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