Libélula Virtual. escrita por Aryeh


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

A estória será narrada em terceira pessoa enquanto os personagens ainda forem crianças, a partir do momento que crescerem, provavelmente será narrada em primeira pessoa.



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A água da pia é fria contra seu rosto, isso alivia razoavelmente a enxaqueca de Aglaë. Sua respiração é lenta e rítmica, e quando levanta o rosto e se olha no espelho, repara nas próprias características faciais pela primeira vez. Ela tem oito anos, e já se faziam três anos desde o dia em que acordou sem memórias.

Com o tempo isso fazia cada vez menos diferença, afinal ela só tinha perdido quatro anos, dificilmente aconteciam muitas coisas importantes nos seus quatro primeiros anos de vida. Talvez ela gostaria de lembrar de seus pais, ou quem quer que seja que um dia cuidou dela, afinal quando ela acordou era uma criança saudável, então alguém tinha fornecido abrigo a ela e a alimentado, nenhuma criança tão nova sobrevive sozinha assim.

O espelho estava um pouco embaçado e com algumas manchas, mas ela conseguia ver seu rosto perfeitamente. Olhos castanho claros, cabelos cor de mel parcialmente lisos, pele clara, poucas sardas. A poucos dias ela tinha tentado cortar uma franja como viu algumas meninas usando, mas o resultado final não ficou como ela desejava e agora seu cabelo parecia apenas bagunçado. Sempre. Isso a irritava, e muito.

Ela tinha sido transferida para um grupo dois anos mais avançado, e teria entrado em um grupo muito mais avançado se isso não fosse contra as regras da instituição. Ela ficou triste por isso, e lembrou que o menino de cabelos vermelhos ainda estava três grupos a sua frente. Que pensamento aleatório. 

Aglaë segurou a respiração ao pensar em Karcsi. Não falava com ele a dois anos, a última vez que tentou iniciar uma conversa com ele, foi rudemente ignorada, e com o orgulho ferido decidiu que nunca mais tentaria falar com ele novamente, e com o tempo parou de observar o que ele fazia, ou procurar onde ele estava. 

Não era culpa dele que ela não tinha amigo algum, e qualquer interação com outras pessoas ficava se repetindo em sua mente de forma viciosa. Ela se culpava por isso. 

Mesmo em um grupo novo ela não conseguiu formar vinculo nenhum com criança alguma, e agora sendo mais nova ela se sentia mais ignorada ainda, não que ela se importasse. Aglaë aprendeu a ver a solidão com bons olhos, era confortável e preferível a interações violentas.

Um novo inter-tablet foi dado a ela, um maior e com mais memória. Ela terminou todo o curso básico de programação, e já começou o avançado antes das crianças de 14 anos. Passava seus dias jogando e fazendo pequenas coisas ilegais, lendo arquivos que ninguém podia ler e livros técnicos que ninguém queria ler. Era uma vida boa em comparação a maioria das crianças. Ela teve sorte por ter acabado nesse orfanato, agora que tinha meios de saber o que acontecia fora dele, descobriu que a maioria das crianças sem pais tem que se virar sozinhas, ou morrem.

Apesar de saber que este lugar foi apenas uma desculpa para um político corrupto lavar dinheiro, ela era grata por ele existir.

Como ela já tinha terminado toda a grade daquele ano, tinha todo o tempo livre, passeava pelos corredores, subia nas arvores e dormia a maior parte do tempo, ela gostava de dormir, pois assim podia sonhar, então estava na cama a maior parte do tempo. Ou enquanto ninguém estava no quarto, afinal, nunca era seguro dormir quando muitas pessoas estavam acordadas, eles costumavam fazer brincadeiras cruéis escondidos dos monitores.

Aos poucos os monitores foram substituídos por robôs com aparência humana, disseram que isso cortaria gastos a longo prazo. Ela não gostou disso, sentia falta do pouco calor humano que recebia deles, dos olhares satisfeitos, e até dos olhares de repreensão. Robôs eram só computadores programados para enganar, e ela não gostava de ser enganada. Ela sabia que eles não sentiam. Nada. E sempre poderiam ser enganados, ainda não tinham a astúcia humana. E isso apenas tornou a vida dela mais perigosa.

Logo seria a hora da primeira refeição, e ela não gostaria de perder isso hoje, estava com fome, então começou seu caminho até o refeitório. Enquanto passava por um dos corredores mais vazios da ala central da escola, ela violentamente esbarrou em alguém. Era uma menina de cabelos negros, talvez um ano mais velha e pelo uniforme ela estava em um grupo um ano inferior. Em vez de ignorar Aglaë, a menina ficou imóvel e fez uma expressão de nojo.  

Empurrado Aglaë com toda força que pode, a menina a fez bater na parede do corredor e com força no chão, ela não estava preparada para isso.

— Só porque conseguiu enganar o sistema para mudar de grupo você anda por ai como se fosse dona de tudo, menininha ridícula. Nem quer se desviar de ninguém, deve ser por isso que todo mundo te odeia. – A menina chegou mais perto, falando em voz baixa. – Isso só significa que vai ser jogada na rua pra morrer mais cedo.

Depois de dizer isso, saiu correndo, antes que um “monitor” aparecesse e filmasse algo. Aglaë não sabia o que dizer, seu joelho estava doendo e o cotovelo que mais foi afetado na queda latejava de dor e tinha um pequeno corte que estava começando a sangrar. A dor física incomodava muito, mas nada se comparava a dor emocional que a menina repentinamente começou a sentir.

Seu peito doía muito, e lágrimas começaram a se formar em seus olhos. O que mais doía nela é que parte do que a menina disse era verdade, a parte sobre ela estar mais avançada que as outras, e que isso só significava que ela iria para a rua mais cedo. Não ter pensado nisso antes fez ela se sentir boba. Além disso, se sentia sozinha, e não apenas se sentia como estava. Ela desejava mais que tudo um abraço. Um familiar, alguém para amar ela. Qualquer um.

Ela não conseguiu se levantar agora, estava muito abalada, então apenas escondeu a cabeça perto dos joelhos e começou a chorar pela primeira vez publicamente.

O corredor estava vazio, mas um grupo de meninos mais velhos estava passando, ela levantou a cabeça para ver quem eram eles, quem estava presenciando essa cena lamentável que ela fazia parte. 

Aglaë segurou a respiração quando percebeu que o menino de cabelos vermelhos estava entre eles, e enquanto andava até o refeitório, era a único que a olhava atentamente. Ela nunca sentiu tanta vergonha, queria se esconder. Então se levantando da maneira mais digna que pôde, saiu andando até um dos quartos de monitores abandonados que agora eram usados como depósito. Só ela tinha a senha e o lugar ainda tinha uma cama, era um dos esconderijos dela.

Entrando no pequeno quarto escuro cheio de caixas com uniformes e suplementos alimentícios, ela deitou no colchão velho, e continuou a chorar baixinho, era muita dor para uma criança tão pequena, e felizmente se cansou e dormiu profundamente.

Quando ela acordou no outro dia, estava coberta por um cobertor de flanela cinza.

Aquela sala não tinha cobertores.

Quem entrou lá?

Mais alguém a viu neste estado? Mais vergonha banhou a alma dela. Nem ali estava segura? 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Os dois anos que pulei não tiveram muitos acontecimentos marcantes, e a estória ainda não começou realmente, mas se tiverem alguma pergunta sobre tudo que aconteceu depois que ela acordou sem memórias e antes disso, posso responder.



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