Notívago
Eu indaguei as estradas enquanto procurava chuva,
É demais a carga do cinza em cada estrutura.
Nas paredes cores vivas se tornavam nulas,
E a monotonia vinha do súbito ar das ruas.
Tentei conter o frio que subia até a nuca,
Mas era tão intenso que minhas orelhas ouviam surdas
O vento cortar tudo como corte de espada rubra.
Mancharam as calçadas em que voltava com um sangue
Negro que nem o mais fundo das vassouras limpava.
Eu fiz meu ímpeto compor poesia para as pedras da calçada,
Só que a noite ainda me assustava com sua lua pálida...
Esquálida, como forma inválida, o negrume das estrelas
Afastava cada desejo puro de toca-las.
Talvez devesse, mas fui tolo suficiente para observa-las,
E enxergar um inferno de magia sem palavras.

Eu continuei com meu caderno em mãos,
Desenhando figuras e rascunhos de minhas peripécias e ficção.
A madrugada ainda corta profundamente uma alma
Torta que caminha firmemente para longe
Da porta que se abre me convidando para entrar.
Só que é mais fácil adaptar minha vida ao caminhar,
Que tentar arriscar errar nessa rotina irregular.
Comprei canetas, escrevi-as as melhores letras,
Compus com violão e seda não cedendo à baioneta.
Para ouvi-la dispensar minha sinfonia como
Quem reclama por luar durante o calor do dia.

Eu estava perdido e quanto mais fundo ia, mais eu me encontrava...
Era incrível ver como cada rodovia é clara,
Quando a lua ilumina e nos mostra uma cara rasa.
O lago que pensei em mergulhar é claro,
Mas o medo de me molhar ainda é claro.
Tentando enxergar mediante escuridão,
O meu casaco não aquece tanto quanto esse ar
Que parece sair de um vulcão em erupção.
Correntes prendem-no à margem,
Só não sei se isso vem da folha ou da miragem.
Complexo e delinquente minha mente prega peças,
Enquanto meu coração ainda bate por aquela.

Colhi uma flor que brotou num jardim cinza,
Esqueci-me das anotações que escrevi até aqui.
O que me faz relapso, eu toco a flor como em encalço,
Cobrindo pele morta, onde estão meus anjos agora?
Se eu orar por eles talvez não seja hora...
Percebo triste o quanto essa flor me toca,
Colhi-a de um canteiro especial de flores mortas.

Voltei para casa indagando sobre sonhos,
Acordei na cama, meus olhos vermelhos em prantos.
Pesadelos me fazem correr para baixo dos panos,
Será que a madrugada acaba nesse plano?

~Gabriel.