Destino: Nova York escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 9
9. Destino: Paris




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16 de setembro de 1979, centro de Nova York

A cidade dormiu e amanheceu silenciosa. Em todas as partes, havia desenhos e frases nos muros, alguns bonitos, outros feios. A maioria sem sentido para quem vê. Mas havia mensagens, deixadas para o público a céu aberto e sob a luz do Sol, mas com significados escondidos mais fundo que as pedras de asfalto. Uma figura peculiar deixara sua mensagem para os nova-iorquinos, algo simples, M. Um M grafitado em um muro de grande avenida. Ao passar pelo desenho, muitos ignoraram. Outros apenas chacoalharam os ombros, mas um garoto tocou a letra, sentindo os dedos sujos pela tinta ainda fresca. Não era a primeira vez que se deparava com o desenho floreado de tinta spray, e já vira outras letras nos muros, mas nada que tivesse sentido óbvio. Seguiu seu caminho, divagando sobre a história do M.

No dia seguinte, havia outra letra desenhada no muro, um A. O rapaz observou a sílaba, sem chegar a nenhuma conclusão. A cada dia, novas letras surgiam no muro, formando uma palavra, MACUSA. O que seria aquilo? Curioso, o menino, de nome Credence, procurou por “letras miúdas” que pudesse haver no grafite, mas nada estava escondido nas entrelinhas. Os dias se passavam como se nada tivesse mudado em Nova York, exceto pela palavra MACUSA, que se proliferou pelos muros e paredes suburbanos.

À calada da noite, o ruído do spray chiou, discreto. As mãos habilidosas desenhavam as palavras que seriam eternizadas até a próxima mão de tinta chegar. ESTAMOS AQUI. Correndo como um gracioso antílope, as pernas foram depressa até outro muro, SSALEM. Seu plano de um ano estava se concretizando e quando percebessem, seria tarde demais. O reino da hipocrisia queimaria.

***

Credence saiu cedo para distribuir os folhetos de sua mãe. Quanto mais cedo começasse, mais cedo terminaria. Era muito constrangedor ficar sob as marquises da rua, oferecendo papéis para os pedestres sobre o grupo de sua mãe, que apregoava a existência de bruxos, demônios vivendo entre as pessoas comuns.

Ninguém dava atenção ao menino magrelo, franzino e de aparência anêmica. Enquanto ia para o banco onde geralmente passava o dia, percebeu que finalmente as palavras misteriosas tinham sentido. ESTAMOS AQUI, SSALEM.

SSALEM era a abreviação de Segundos Salemianos, o grupo estranho que Mary Lou comandava, cujos panfletos Credence tinha em sua mão. Os bruxos existiam e estavam procurando os Salemianos? Credence tremeu de medo. Pelas histórias que ouvira, os bruxos eram cruéis e usavam suas forças malignas para matar. Se estavam procurando pelos Salemianos de fato, ele podia se considerar morto.

Talvez fosse um desafio, como Estamos aqui, SSALEM. Venham nos encontrar. Perturbado demais para continuar imerso no mundo da caça às bruxas, atirou os folhetos no lixo e perambulou pelas ruas até a hora de voltar, rezando para que Mary Lou não descobrisse que descartara os folhetos em vez de distribuí-los.

A maioria torcia o nariz para o que ele estendia, duas ou três almas bondosas aceitavam por educação, mas ele sabia que os poucos papéis que saiam de sua mão acabavam na lixeira mais próxima.

***

Credence dormia a sono solto, um rapaz pouco mais velho que ele andava pela cidade, lendo os muros, tentando decifrar as mensagens. Carregava um caderno onde anotava tudo o que via de interessante e curioso. Letras, como M,A,C,U,S,E,T,O,Q,I,L,N. Conforme caminhava, enxergava as palavras formadas, grafitadas em diferentes estilos.

ESTAMOS AQUI, SSALEM. NO MACUSA.

Dois dias depois, o MACUSA pegou fogo. Restou apenas o piso de mármore, com letras arranhadas. SSALEM. Os frequentadores da área reconheceram Credence como o “Menino SSALEM” e a polícia começou a procurá-lo.

Foi o Inferno para Credence, vivia com medo de que tanto os bruxos quanto os policiais o achassem, chorando, tamanha era sua tensão. O “Segundos Salemianos” era de Mary Lou, ele não tinha nada a ver com isso, só fazia o que lhe era mandado e agora se tornara o rosto deles, um rosto que as pessoas apontavam, xingavam e cuspiam.

Quanto mais seus sentimentos se confundiam, ele sentia que estavam mais próximos de achá-lo, pois quando se enervava ou amedrontava, pequeninas coisas estranhas se passavam ao redor. Portas batiam, papéis se espalhavam como que atingidos pelo vento, vasos trincavam. Havia algo dentro de Credence algo forte e desconhecido, prestes a sair.

***

18 de novembro, Paris

Pichadora, grafiteira, qualquer que fosse o nome, a melhor de Paris era Mademoiselle Gabrielle. Seus desenhos eram conhecidos por toda Paris, decoravam seu apartamento e qualquer lugar que lhe pagassem para pintar. Muitas vezes escrevia palavras em seus desenhos, como mensagens deixadas aos mais observadores.

Acompanhara nos jornais a epidemia de pichações nos Estados Unidos, dizendo: “Nós estamos aqui SSALEM”, além do incêndio no prédio do MACUSA. Como nunca fora muito fã do congresso americano, espalhou algumas respostas que diziam: “Chegamos aqui”, “SSALEM venceu, MACUSA perdeu”.

Ao final de cada dia, voltava para casa e se atualizada às notícias do Caso MACUSA. O grupo SSALEM fora abertamente condenado pelo vandalismo e destruição do prédio, e a presidente Serafina Picquery se pronunciou sobre o evento: Há muito mais de um ano, o ministério britânico foi incendiado e suspeitou-se de SSALEM, um grupo anti-bruxo da América do Norte. Hoje as suspeitas se confirmaram, quando SSALEM foi considerado culpado pelo incêndio mais recente.”

Gabrielle quase sorriu ao ver as imagens das chamas devorando o prédio.

***

Gabrielle, meu apartamento

De dia, eu era Gabrielle, uma artista de rua, mas à noite, me tornava algo muito mais glamouroso, uma verdadeira Mademoiselle rebelde. Aprendera a beber e fumar nas festas chiques. Inclusive, tinha uma festa marcada com alguns amigos esta noite. Larguei os coturnos e trajei sapatos altos. Substituí a camiseta machada e calça rasgada por um vestido fino.

Meu táxi chegou então foi ao seu encontro. O motorista esperava, abrindo a porta para mim quando me aproximei. Cheguei ao mais novo bistrô no centro, suspirei antes de pagar e sair.

Tiffany, Will e Claude não eram exatamente meus amigos. Eram tão ricos quanto eu, mas tinham muito menos cérebro. Claude beijou minha mão enquanto me sentava e Tiffany estendia uma taça de vinho seco do Porto. Dei um ligeiro gole, odiava vinho, ainda mais seco. Observei o grupo bizarro com uma ponta de saudade de meus antigos amigos.

—Gaby, ma belle amie disse Will, com um sorriso. Babaca. Ele me chama de bonita quando sei perfeitamente o que ele e Tiffany fazem quando estão a sós. - J'ai un ami de vous présenter.

Um amigo para me apresentar, hum, sei. Assim que foi anunciado, o amigo de Will se juntou a nós. Quase morri quando o vi. Como tivera coragem? Sem nada dizer, agradeci pelo vinho e me retirei.

Voltei caminhando, observando cada um dos meus grafites pelo caminho. Parei em frente ao meu favorito. Um amontoado de palavras, como os ideais da Revolução (l'égalité de liberté et de fraternité) e outras nessa linha, mas com um grande recado oculto: Deseje ver aqueles que ama. Desejar é o primeiro passo para conseguir.

Na época pareceu algo legal de escrever, mas hoje me pergunto por que fiz isso. Não era tão simples. Não era só fechar os olhos e fazer um pedido a uma estrela ou qualquer coisa piegas desse gênero. Era muito mais complicado.

Continuei, assistindo os poucos carros na avenida. Uma mão fria segurou meu braço e me virei, dando um tapa na cara da pessoa, com raiva.

—Como você se atreve? - falei, reconhecendo o rosto protegido pelas longas mãos.


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