Produção Independente escrita por Mary


Capítulo 21
21. O tal do agora ou nunca - Por Cuca


Notas iniciais do capítulo

Já chorei lendo esse capítulo, reescrevi, suspirei... espero que vocês gostem!
A música dele é No more I love you — Annie Lennox. Marcou o ano de 2014 e o meu antigo amor rsrs não tão antigo porque ele saiu da minha vida, mas não do coração.



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Samira tinha consulta no pediatra naquela tarde. Lia pediu dispensa do trabalho para me acompanhar. Por precaução também fiquei sentada no banco do passageiro, vigiando pela minha pequena no bebê conforto, fazendo um esforço grande para que a minha irmã não notasse que eu estava a um passo de desmoronar.

Depois daquela conversa desastrosa com a Marinete fiquei um pouco para baixo, pensando que Fábio pelas costas devia debochar da mãe solteira, sentindo-me péssima por estar apaixonada e naquele estado profundo de indefinição.

― Esse é o primeiro passeio oficial da Samira. ― Lia tamborilou os dedos cheios de anéis no volante enquanto aguardava o sinal abrir.

― Eu não tinha me dado conta disso. ― respondi entretida em meus próprios pensamentos, certa de que se não me encorajasse durante a oportunidade, padeceria a mil anos de arrependimento ou de vergonha, tudo dependia exclusivamente de mim.

A consulta foi breve. Samira estava com a saúde em dia e progredia muito bem. Nada me alegrava mais. Passando, porém, perto do prédio onde está localizado o consultório do Fábio Aragão, um nó na garganta se abateu sobre mim. Respirei profundamente. Minha irmã concordou que eu estava me deprimindo por ficar demais em casa e me levou para dar uma volta no parque que por ironia do destino não ficava muito longe dali.

— Nada como arejar um pouco a cabeça, Cuca. — aconselhou Lia.

— Samira não devia estar ao ar livre, ainda é muito nova... — redargui.

― Samira precisa da mãe dela com um humor melhor. ― Lia abriu os braços para segurar a afilhada no colo e dela cuidar enquanto eu fosse “respirar” um pouco, ideia que não me agradava até vislumbrar de longe o carro do Fábio a alguns metros de distância e o mesmo descendo.

Por Deus, era uma coincidência e tanto. Ele ali. Eu também. Nós dois não havíamos combinado nenhum encontro, continuávamos naquele lance de amiguinhos que conversavam sobre seus personagens favoritos e se esquivavam de si mesmos.

Voltei para dentro do veículo querendo dar o fora dali antes de ser reconhecida, mas Lia além de esperta tem intuição aflorada e logo reconheceu o bonitão sentando-se no capô usando uma camisa xadrez azul com vermelha, uma calça jeans Levi’s e um allstar preto.

― Se você não for lá agora, eu vou te levar na base do puxão de orelha. ― ordenou Lia querendo bagunçar o meu cabelo que não via uma tesoura havia tempos.

― Nem pensar!

― Como não? Agora é o tal do “agora ou nunca”. Ou vai ou racha.

Lia aninhou Samira por entre os braços e não desviou o olhar enquanto não desci do carro e com as pernas trêmulas trilhei um caminho tentando fazer de conta que reconhecer Fábio seria uma surpresa e tanto, porque para ele foi.

― Cuca? ― O sorriso surpreso de Fábio era um indicativo de que eu tinha tudo a perder, menos o tempo.

― Oi! ― acenei com a mão e ele correspondeu sem disfarçar o sorriso.

― Cuca, que prazer te ver por aqui! ― Ele me abraçou bem apertado e me deu um beijo na bochecha, um beijinho que fez cócegas no meu coração ansioso. ― Aconteceu alguma coisa? Precisa de alguma coisa? Quer conversar?

O que separa a amizade do amor é apenas um beijo.

Nunca estive certa se beijo é algo que se pede ou se um beijo de verdade requer mais que duas bocas trabalhando em direções opostas. Eu sei lá. Iniciativa eu sempre tive, serviu para me mostrar que os medos precisam ser enfrentados para que saiamos das provas de fogo mais fortalecidos.

Olhei bem dentro dos olhos de Fábio Aragão e nossos lábios se tocaram sem que disséssemos mais alguma coisa, sem a língua também. Senti uma lágrima correr pelo meu rosto, molhando o dele. Ele não apenas correspondeu como me tomou em seus braços, passando as mãos sem aliança por entre os meus cabelos, me trazendo para mais pertinho, beijando-me com tanta vontade que seria impossível não retribuir.

Meus dedos correram por entre a nuca dele, fazendo carinho na anatomia daqueles ombros largos, enquanto as mãos viris alisavam o meu rosto e nunca agregaram tanto sentido a uma música porque se na vida real os melhores momentos não têm uma trilha sonora inserida pelos operadores de áudio e os diálogos percorrem no improviso, às vezes pode acontecer de ele estar ouvindo Annie Lennox no momento certo, com a pessoa certa.

A batida atemporal ressoando nas caixinhas de som.

O amor é uma batida atemporal.

Eu te amo não diz tudo. Nunca disse. Eu te amo é, além de qualquer definição, um sentir tão intenso que não cabe no meu entendimento, no meu descrever. É o irradiar de milhares de estrelas no meu céu, os muros do meu coração se desfazendo, os portões se abrindo para o chamado da alma.

Coração por coração, quando batem na mesma frequência são duas solidões interligadas pelo desejo.

Chega de “eu te amo”, eu quero mais que palavras, eu quero mais do que ouvir algo dito da boca para fora.

Eu quero ser amada quando menos merecer, quando ninguém mais puder me ver.

Eu quero ser amada por você.

Dividir minha solidão, minhas neuras calculadas, o espaço vazio da minha cama, o meu prazer, os espaços vazios das minhas mãos os quais ficam preenchidos quando damos as mãos e ficamos calados, mas não estamos sozinhos, temos um ao outro, e acima de qualquer suspeita, temos a nós mesmos.

Eu não poderia tirar essa dúvida com indiretas em forma de vídeos românticos, tinha de ser pessoalmente, sem adiar, sem me rodear, tonta ficar e a verdade não dizer. Não queria, porém, continuar alimentando incertezas. Preferia as lágrimas da decepção a continuar devaneando respostas sem pontos.

Fiquei com o gostinho dele na minha boca e o silêncio que se fez em seguida o fez coçar o queixo, o pescoço, enquanto eu olhava para baixo, com as mãos dadas para disfarçar o tremor das pernas.

Todo aquele choro que eu vinha guardando para que ele não visse, saiu ali mesmo e ele chegou bem pertinho de mim, segurando a minha mão, levando-a para o seu lábio que beijou todos os meus dedinhos também sem aliança apesar de adorar anéis.

Fábio me abraçou.

― Tudo bem se você quiser chorar, Cuca. Eu tô aqui! Abraça-me, querida. Abraça-me bem apertado e chora, coloca para fora, porque eu tô aqui. ― sussurrou ele, repetindo que aquele beijo foi à chuva que precisava cair na represa do coração dele.

Cansei de fugir de mim mesma. Foi o que mais fiz em praticamente trinta e sete anos de vida. Não me interessava mais ser nômade dos meus sentimentos ou me sabotar por sentir medo de perder.

― Não sei quantas vezes perdi o sono tentando imaginar como eu teria coragem de roubar um beijo seu. ― declarou ele, um pouco desconcertado.

― Não sei quantas vezes eu pensei em nunca mais te procurar, deixar tudo como estava, ou seja, na dúvida...

― Cuca... ― Fábio Aragão segurou meu queixo com carinho, enxugando aquelas lágrimas de alívio que rolavam do meu rosto. ― Eu não tenho nenhuma dúvida de que te quero.

― Você também me quer?

― Eu pareço tão enigmático assim? ― Com as pontas dos meus dedos sequei as lágrimas dele. ― Fiquei muito grilado por ter sentido esse algo a mais por você, mas quem pode mandar nos próprios sentimentos? Simplesmente é inútil, por mais que se tente...

― Você não sabe o quanto eu me puni por te querer...

― Desde a primeira consulta eu nunca consegui te tirar da cabeça.

― Desde a primeira consulta? ― Fiz um afago no cabelo dele. Seus braços protegiam o meu corpo.

― Se ainda duvida, durante esse tempo todo eu sempre contei os dias para te ver de volta, pelo menos mais uma vez.

― Eu também!

― Eu não sei se é certo o que iremos fazer ― confessou ele ― porque eu fui seu médico, mas não posso negar que sinto por você algo que foge do meu controle. Eu te amo, Cuca! Eu te quero! Eu te desejo!

― Se te faz feliz, é a coisa certa a se fazer. ― fixei meu olhar ao dele: ― Ou do contrário eu não estaria aqui. Até porque eu supunha que você fosse casado, o que anularia todos os meus desejos. Aliás, não seria a primeira vez que eu precisaria abrir mão de algo. Já aconteceu outras vezes e tudo o mais...

― Eu não sou casado, Cuca!

― O meu pai era casado quando conheceu a minha mãe. Muita gente não perdoou o amor deles, mesmo que eles só tenham ficado juntos apenas depois que o meu pai se separou. Minha mãe não destruiu casamento nenhum, como alguns pensaram.

― Eles não escolheram se apaixonar.

― Mas se apaixonar é uma escolha, sim.

― Eu escolheria você, Cuca. Eu estou escolhendo vencer o medo e ficar com você.

— Cresci vendo os meus pais viverem um amor verdadeiro. Nunca conheci outro casal mais apaixonado do que eles. Eu já havia desencanado desse lance de amor até você chegar e bagunçar esse coração metódico. Acabei acreditando que você e eu poderíamos ser mais do que apenas amigos, Fábio. Não peço desculpas pelos meus sentimentos porque eles são verdadeiros, eu só me desculpo se por acaso estiver arruinando tudo.

Ele ficou em silêncio.

― Eu escrevo histórias. Eu respiro literatura. Eu já vi isso acontecer um milhão de vezes ou mais, mas no momento em que isso se concretiza na minha própria vida eu realmente me encontro sem palavras. Tudo é tão diferente quando é real.

― Você já é a minha poesia, Cuca. Eu não preciso de versos lindos, só preciso do brilho dos seus olhos. Você é o meu sol, querida.

― Tenho certeza de que meu pai adoraria te conhecer, Fábio. Minha mãe colocaria os olhos em você e mesmo não sendo religiosa diria que você é o genro que ela pediu a Deus.

― Sua mãe foi abençoada por ter tido uma filha tão excepcional como você ― Fábio alisou as maçãs do meu rosto prestando atenção a tudo que eu dizia. ― E eu espero que os seus pais ― aonde quer que estejam ― sintam-se orgulhosos pela filha maravilhosa que têm. E também pela neta linda.

Desde o primeiro momento eu soube que nunca mais haveria espaço para outra pessoa no meu coração.

― Eu também sou filho do segundo casamento. Meu pai e a minha mãe se conheceram depois dos trinta e poucos anos. Aliás, meu pai já tinha a minha idade quando se separou da primeira esposa, Cuca. Não me atenho a números, só ao que me move e se hoje for o meu “para sempre”, eu quero que seja com você. Vamos tentar ficar juntos. Dê-me uma chance para te amar. É tudo o que eu mais quero desde que te conheci e foi por esse motivo que eu abdiquei de te atender, porque cedo ou tarde o desejo iria me consumir. Eu sei viver sozinho, como você também sabe, no entanto... ― Fábio juntou os dedos das nossas mãos e novamente beijou os nós dos meus dedos com tanto carinho que minha alma soltava suspiros de prazer. ― Eu queria dividir a minha esquisitice com você...

― No começo eu pensei em trocar de médico porque não parava mais de pensar em você. Eu imaginava que você fosse casado, tivesse um filhinho a caminho, coisa do tipo, praxe de todo médico jovem e bonito como você.

― Eu não dei certo das outras vezes porque era você, Cuca. Era você que sem saber eu passei a vida toda esperando. Quanto mais fui te conhecendo reforçou-se a certeza de que se essa oportunidade chegasse, eu não a deixaria passar.

Fábio também não devia ter muita habilidade para se declarar:

― Eu te amo desde que te vi pela primeira vez, garota.

― Que pena que eu não seja mais uma garota. ― lamentei sempre irônica, mas em nenhum momento falando por mal.

― Para mim você é. ― Ele me deu um beijinho nos lábios. ― A minha Cuca, minha amada. ― Ele me abraçou forte mais uma vez: ― Esse beijo realmente fez chover dentro de mim...

― Me abraça bem forte. Bem forte. ― Fábio fez carinho na minha cabeça, deixando suas mãos percorrem os meus cabelos, o meu pescoço, enquanto nossos olhos brilhavam em uníssono, misturando as figuras de linguagem e as palavras não ditas, os ensaios mentais para uma cena que se fosse planejada aos mínimos detalhes não teria sido tão impactante quanto foi.

Permaneci com os olhos fechados sentindo o calor do corpo dele prensando aquela timidez atípica, os minutos deixando a pressa de lado ali no parque, estendendo-se por nós que emaranhados numa rotina inescapável demos um bom tempo aos nossos corações.


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Notas finais do capítulo

Tipo... no capítulo 25 eles fazem amor, mas tenho medo de postar e alguém denunciar.



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