No Topo do Mundo escrita por JP Lopes


Capítulo 1
Tremor




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Tudo começou com o terremoto logo cedo. Poeira caia do teto, as paredes trincavam ao redor, todos estavam à mesa onde o café da manhã foi interrompido. Os pais de Bernardo abraçavam as gêmeas, Fernando segurava a mão de Bernardo abaixo da mesa, enquanto todos os objetos da casa chacoalhavam cada um emitindo seu próprio som como uma orquestra de horror.

As gêmeas gritavam entre lagrimas enquanto seus pais proferiam orações e pedidos de misericórdia, naquele momento toda a vizinhança já estava acordada e unificada em um grito de terror. Bernardo não conseguia emitir nenhum som ou fazer nenhum movimento que não fosse ranger os dentes e apertar a mão do seu melhor amigo. Fernando movia seus lábios tentando dizer algo, mas Bernardo não podia entendê-lo.

Após dois minutos os tremores sessaram, tão de repente como quando apareceram, todos ficaram parados na mesma posição durante minutos esperando algo acontecer até que um apito ensurdecedor vindo da televisão  os tirou da paralisação causada pelo pânico. Os dois garotos rapidamente soltam as mãos e correm junto ao resto para frente da televisão, logo na sala ao lado. Um aviso de emergência era transmitido enquanto imagens de uma simulação, onde um tsunami atingia uma ilha passava.

—ATENÇÃO! – Dizia uma voz enquanto a simulação continuava- Houve uma atividade sísmica não prevista ao Sul da ilha, uma onda vem em nossa direção com muita velocidade. As simulações, indicam que temos cerca de trinta minutos até que nossa ilha seja atingida e coberta pela água. Infelizmente não há chances de evacuar as cidades baixas antes do impacto, pedimos a todos que vivem nessas regiões que se abriguem o mais alto possível. O tamanho da onda é indeterminado enquanto se locomove em nossa direção, mas sem sombras de dúvida seu poder de devastação é enorme. Desejamos a todos, boa sorte.

Todos ficaram parados encarando o aparelho de televisão enquanto a simulação mostrava a cidade sendo inundada, até que um cronômetro apareceu na tela. Tínhamos vinte e oito minutos para decidir o que fazer. As pequenas gêmeas se mantinham agarradas aos pais enquanto os mesmos rezavam incessantemente sentados ao sofá, as mãos da mãe tremiam enquanto ela passava entre os dedos as contas de seu terço, o pai mantinha suas mãos juntas e seus dedos entrelaçados, com tanta força que suas juntas estavam brancas, Bernardo não conseguia pensar ou se mover até que Fernando tocou seu ombro dizendo.

— “Be”...o que nós vamos fazer? - Disse ele em um tom de desespero, ofegante como se tivesse corrido uma maratona. – Por favor, “Be” fala comigo.

Seus olhos castanhos estavam cheios de lagrimas e terror, enquanto ele fitava Bernardo esperando uma faísca de esperança.

— Nós vamos morrer! – Gritou Carmen, a mãe de Bernardo, enquanto abraçava uma das gêmeas que se mantinha imóvel agarrada ao seu braço.

— NÃO, nós não vamos! - Berrou Bernardo - Nós vamos sobreviver!

— Mas como? - Perguntou seu pai, Carlos, com os olhos tão cheios de lagrimas quanto os de Fernando. - Não temos como ir para as cidades altas agora... não tem jeito! - Afirmou ele tapando o rosto com as mãos enquanto sua filha tentava entrar na segurança dos seus braços.

— Só deus pode nós salvar agora. – Disse Carmen.

Fernando se agarrou ao braço de seu amigo e assim que apoiou sua cabeça em seu ombro se desatou a chorar.

—Não, vocês estão errados! – Retrucou Bernardo enquanto lagrimas caiam sobre suas bochechas- NÓS vamos nos salvar. Vamos para a cobertura do prédio e ficar lá esperando pela onda. É o único lugar que temos para ir agora!

Todos olharam para ele com uma feição que misturava medo e surpresa.

— A onda é muito alta –Disse Fernando levantando seu rosto e olhando dentro dos olhos de seu amigo. –O que garante que não vai nos alcançar ou derrubar o prédio?

—Nada. – Disse Bernardo segurando os ombros de Fernando – Mas é nossa única opção. Peguem tudo que puder de alimento e levem para cima pela escada. Temos apenas vinte e seis minutos para estar no topo do prédio com tudo.

Os pais de Bernardo se levantaram as pressas, cambaleando com as garotas no colo, correndo-as em direção a cozinha, Fernando se manteve parado ao lado do amigo com uma expressão de horror.

— O que foi? – Perguntou Bernardo.

—Meus pais... e meus irmãos, eles não possuem um prédio onde se abrigar. – Disse Fernando se apoiando na parede, pressentindo um desmaio.

—Você mora a vinte minutos daqui... ligue para eles, diga para que venham para cá, agora! – Disse Bernardo tirando o telefone do bolso e entregando a ele.

Enquanto Fernando usava o telefone em uma tentativa de salvar sua família, Bernardo se dirigiu ao seu quarto para poder pegar uma mochila que facilitaria o transporte dos alimentos. Ele entrega a mochila aos pais, que estavam esvaziando as prateleiras da cozinha enquanto as gêmeas ficavam quietas em um canto, como nunca tinham ficado em seus seis anos de vida. Apenas esperando a ordem para sair de casa e subir as escadas para a cobertura.  

Fernando chama seu amigo de algum cômodo da casa, Bernardo corre até ele e o encontra dentro do quarto sentado a cama, ele entrega o telefone dizendo.

— Eles estão a caminho.

Ele parecia mais aliviado sabendo que sua família teria uma chance, mas assim como todos, ainda estava com muito medo, suas pernas tremiam sem parar e seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar, ele olhava para o chão enquanto Bernardo se sentava ao seu lado.

—Eles não vão conseguir... – Disse Fernando começando a chorar novamente enquanto suas mãos apertavam o colchão com força.

—Vai ficar tudo bem. – Diz Bernardo puxando gentilmente seu queixo para que ele pudesse olhar em seus olhos. - Eles vão conseguir e nós vamos sair dessa.

  Bernardo coloca sua mão sobre a do amigo e seus dedos, gelados pelo medo, se entrelaçam aos dele e por um instante todo aquele terror se dissolve. A medida que seus rostos se aproximavam os sentidos de Bernardo ficavam mais aflorados, ele podia sentir a pele macia das mãos de Fernando, podia ver o brilho dos seus olhos em meio as lagrimas e contemplar a beleza de sua pele negra a luz do sol que entrava pela janela. A medida que a respiração de Fernando ficava cada vez mais próxima um frio na barriga de Bernardo surgia, como na primeira vez, ao sentir o toque dos seus lábios Bernardo fechou os olhos e se entrego aquele que poderia ser o último beijo.

Ninguém sabia, mas Fernando e Bernardo eram mais que melhores amigos, estavam apaixonados um pelo outro, mas tudo ainda era segredo por motivos de medo.

Fernando se afasta após alguns minutos e diz.

— Eu... –antes que pudesse completar o que diria ele é interrompido por Carlos entrando no quarto às pressas. Os garotos soltam as mãos e tomam mais um pouco de espaço entre eles enquanto todo aquele medo e a sensação de terror voltavam a assombrar seus corações.

— Temos que sair! – Disse Carlos tão desesperado, que não teve tempo de pensar no que poderia estar acontecendo ali.

    Os garotos se levantam rapidamente da cama e correm para a porta junto a Carlos, todos já estavam na porta da escadaria esperando os três, Bernardo dá uma última olhada no cronômetro que estava sendo transmitido na televisão. Eles ainda tinham dezessete minutos para o impacto.

—Vamos, estamos ficando sem tempo! – Disse Carmen enquanto segurava as mãos das gêmeas.

 - Pegue a mochila do chão e vamos- Disse Carlos se dirigindo a seu filho, Bernardo.

Ele pega a mochila e corre para fora do apartamento com Fernando, enquanto seu pai fechava a porta e se juntava ao resto da família na entrada que levava para a escadaria. Barulhos de vozes vinham do elevador como se uma discussão estivesse acontecendo, a porta se abre e um casal discutindo tentando olhar um mapa em meio as malas surge.

— Esse é o terceiro andar e não o saguão. - Disse a mulher apertando o botão para que a porta do elevador se fechasse, antes de perceber que haviam pessoas ali.

Então o homem segura a porta do elevador e diz.

—Ei! O que estão fazendo aí, desçam com a gente. – Disse ele tentando empurrar suas malas para o canto.

— Desculpe, mas descer é uma coisa que não pretendemos fazer- disse Carlos.

—Então para onde vão? - Perguntou a mulher confusa.

—Para cima! - Disse uma das gêmeas, envergonhada.

O casal trocou olhares então o homem disse.

— Para cima?

—Sim! - Completou Carlos apressado. - Nós vamos para a cobertura. Vamos

Carlos partiu em direção as escadas puxando sua mulher pelo braço enquanto Bernardo e Fernando os seguiam.

—Esperem! - Disse a mulher saindo do elevador.

Todos pararam e olharam para ela.

—Podemos ir com vocês? - Perguntou ela deixando o medo transparecer na voz.

Todos ficaram em silencio sem saber o que dizer quando Fernando tomou a frente.

—Claro, podem vir.

O homem sorriu e tirou suas muitas malas do elevador, entregou algumas a sua mulher e todos começaram a subir sem parar. Faltava um andar para chegarem na cobertura quando Fernando ofegante disse.

—Não é estranho?

— O que? - Perguntou a mulher do elevador.

— Que mais ninguém tenha tido a ideia de subir para a cobertura.

— As pessoas as vezes não pensam direito quando estão com medo- Disse a mulher.

— Ou eles sabiam desse portão- Respondeu o marido apontando ofegante para um portão de grades trancado por um cadeado que os impedia de passar para o último andar.

Todos pararam diante as grades, Carlos balançava a porta na esperança de que algo acontecesse, o medo crescia no peito de Bernardo enquanto sua mãe se sentava no chão e começava a chorar com as gêmeas ao lado. O casal desconhecido se abraçava como se já tivessem perdido as esperanças, então Bernardo se aproximou de Fernando, que analisava o cadeado e diz.

— O que está olhando?

—O cadeado... acho que podemos quebra-lo. - Todos olharam para ele com uma expressão de esperança.

—Como... como podemos fazer isso? - Perguntou Carmen.

—Com alguma ferramenta pesada – Respondeu Fernando.

— Tenho algumas, ferramentas no meu apartamento- Disse o homem do elevador. – Sou escultor.

—Vá pegar! - Ordenou Fernando.

O homem correu escada a baixo. Minutos depois ele retornou trazendo em sua mão um macete de metal, todos se afastarão do portão quando o homem acertou com toda a sua força o cadeado, mas para o desespero de todos o cadeado não se quebrou. O homem continuou a golpear incessantemente até que uma mulher surgiu descendo as escadas do outro lado da grade. Ela aparentava já ser idosa e vestia uma camisola de cetim, ao ver tantas pessoas ali ela se assustou e disse.

— Por que fazem tanto barulho?

— Estamos tentando abrir o portão para podermos chegar a cobertura. - Disse Fernando.

—Ah, me desculpem, mas a cobertura é propriedade privada, por isso o portão. – Respondeu a senhora.

— O que? - Disse Carlos, e antes que pudesse dizer algo mais sua mulher se levantou e agarrou as barras do portão dizendo.

—Pelo amor de deus, abra esse maldito portão. – Bernardo que já conhecia a mãe notou um certo desequilíbrio em seus atos. - Nós temos crianças aqui- Completou ela, colocando suas filhas na grade, para que a senhora pudesse vê-las.

Todos ficaram calados esperando uma resposta.

—Tudo bem, eu abro, mas vocês terão que ir para o teto, como eu disse a cobertura é privada.

Todos concordaram relutantes, então a senhora tirou do bolso de sua camisola uma chave e destrancou o portão, todos atravessaram correndo sem ao menos olhar para trás. Passando o andar da cobertura havia mais um lance de escadas até o telhado, chegando ao fim eles encontraram uma porta, que para o alivio de todos estava destrancada. Bernardo era quem estava à frente do grupo então ele rodou a maçaneta e empurrou a porta.  


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado e aguardem os próximos capítulos.

ps: Deixem um comentário

Proximo cap: Desespero



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