Os dias que se passaram foram completamente normais, exceto por ele. Como já era de meu costume, quando estava livre, ia até a loja do meu pai para que eu pudesse ficar passeando por lá, ajudando no que fosse preciso, limpando o que deveria ser limpo. Tudo normal, se não fosse pela companhia constante dele. Nos esbarrávamos volte e meia entre as prateleiras quando eu precisava buscar alguma coisa, e depois de algum tempo, nós já conversávamos como bons amigos, sempre rindo dos nossos encontros ali nas entre as prateleiras da loja. Algo nele mexia comigo; meu coração palpitava, eu ficava ofegante, meu rosto corava; eu ficava cada vez mais nervosa perto dele.

                Aos poucos, entre conversas curtas, fui descobrindo mais sobre ele. Era mais velho que eu, aproximadamente três anos, na época, eu tinha uns 13 anos, e ele, 16, por isso já podia trabalhar de carteira assinada sem problema algum. O dinheiro que ele ganhava trabalhando, ajudava na família, pagava os próprios gastos. Era praticamente meu vizinho de quadra; morava na rua de trás da minha casa, e eu nunca o vi antes até ele trabalhar ali. Apesar da pouca idade, era um rapaz sábio, tinha sonhos altos, queria ser da polícia militar. Encantador, com certeza. Não demorou muito para que nos tornássemos amigos de verdade. Meu pai o adorava, era como se fosse o filho homem que ele nunca teve. Acabou que aos poucos, passamos a ir para a escola juntos. Estudávamos em colégios diferentes, sim, mas nos encontrávamos no caminho todo dia cedo. As vezes, eu estava bem humorada, as vezes não; mas nossas conversas sempre fluíam, e antes que eu percebesse, já tinha que me despedir dele.

                Durante o ensino médio, eu tive um namoradinho. Eu deveria ter uns 15 anos. Lembro-me que na época eu e o Ricardo passamos a nos distanciar. Ele começou a namorar também. Porém, ainda nos encontrávamos vez ou outra, mas fingíamos que não. Estranho, né?

                Um dia desses, eu parei com meu namorado em uma esquina, para que pudéssemos aproveitar um tempo sós. E foi então, que eu o vi. Ele estava na outra esquina, um pouco distante. Brincava com sua namorada, mas eu sentia seus olhos em mim. A tensão naquele lugar era palpável. Ele fingia não me ver, e eu fingia não ver ele. Em certo momento, eu precisei ir embora. Me despedi do meu namorado, e fui. Passei pelo lado deles de cabeça baixa, ignorando-os como se fossem dois desconhecidos. Confesso que o ciúme me mastigava inteira, mas orgulhosa como era...

                Não tenho certeza do porquê, mas passamos por várias fases assim; em que simplesmente fingíamos não nos conhecer, e em outros momentos, o fogo ardia entre nós que nem mesmo um batalhão de bombeiros poderia apagar; o desejo de ambos era visível, mas mesmo assim, nenhum nunca teve coragem de dar o primeiro passo. Ridículo? Sim. Todo o tempo que passamos juntos, foi assim. E nenhum de nós fazia nada para mudar isso.

                Só então, depois de anos de amizade, as coisas começaram a mudar...