Uma luz que não me fere escrita por TrompeLeMonde


Capítulo 1
Capítulo Único - O Único Sol.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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“Pobres são os humanos que consideram a Lua mais bela que o Sol.”

Um século se passara desde o dia em que Dio Brando renegara sua humanidade e sacrificara o direito de ver o Sol, fonte de luz e vida. Um ser grandioso como ele estava além de tais conceitos tolos. Estava além das regras da natureza. Estava além… De tudo. Como seu próprio nome sugeria, um deus encarnado.

Somente havia uma coisa da qual ele não estava além. E, obviamente, fazia-se a coisa mais odiável de todas para Dio.

O destino.

Mais precisamente, o destino que o tornava inseparável da família Joestar e seus malditos heróis.

Desde que perdera seu corpo na luta contra Jonathan Joestar e, consequentemente tomou posse do corpo do algoz, Dio jamais conseguira se separar do destino de confrontar esse clã de guerreiros. A própria ação do roubo criou um laço que não poderia ser rompido senão através de mais uma luta mortal.

“Tão conveniente comparar Sol e Lua quando se quer comparar Jonathan e eu, Dio. Jonathan, tão brilhante e iluminado, aquele que traz a vida e a justiça. Até seus risíveis poderes tinham relação com o Sol. Eu, Dio, represento a escuridão. Tal como a Lua, sou apenas uma reflexão de Jonathan, porque sou o que sou porque tomei tudo que era dele. Sem o que os Joestars me concederam, teria morrido como um rato, na mesma condição de minha odiosa família. Ha, ha, esse é o tipo de comparação que imbecis fariam. Jonathan é quem sempre foi a sombra. Foi ele que somente se tornou um guerreiro por minha causa. E são os Joestars que gravitam ao meu redor, vivendo para me perseguir e interromper meus feitos, dando suas vidas por coisas simples que fiz. Essa é a verdadeira face do Sol: um regente, um líder. O máximo poder. Entre mim e os descendentes de JoJo, é óbvio saber quem mais se parece com o Astro-Rei.”

A razão de ter saído de seu castelo no Egito para a urbanidade do Japão era indissociável de seu destino entrelaçado com o dos Joestars.

“Insegurança e medo da derrota? Tolices. Meu stand, The World, possui a capacidade de subjugar aquilo que está em seu próprio nome. É o poder supremo, que coube somente a mim, Dio. Contudo… Os homens da família Joestar estão dispostos a desafiar os fatos. Sua determinação é capaz de ignorar mesmo a mais cruel realidade. Foi por isso que Jonathan Joestar se opôs a mim, um imortal, e foi por isso que Joseph Joestar ousou erguer-se contra uma forma de vida suprema. E, contrariando quaisquer leis, tiveram êxito… JoJo… Roubar o corpo que um dia se fortaleceu para me combater não chega perto da ferida em meu orgulho que sua petulância causou…”

Pensar sobre a única derrota que sofrera em vida causava verdadeira ira em Dio. Apenas mais uma forma da maldição dos Joestar sobre sua vida…

Entretanto, tirara aquela noite para vagar e acalmar sua mente. Além disso, achava ideal conhecer mais sobre aquela nova era. Os avanços da humanidade durante seu sono foram assombrosos até para ele. “Nada mal para meros macacos”, pensava, enquanto se afastava da casa dos Kujo.

Dio saíra de seu confortável porto seguro egípcio para verificar um detalhe que o incomodava. Um detalhe importante o suficiente para exigir sua magnânima presença, em vez de qualquer um das centenas de lacaios que possuía pelo globo. Afinal, tratava-se do empecilho que não poderia ser novamente subestimado em sua vida…

“Dois descendentes de Jonathan estão, neste momento, rumando ao Egito com a tola esperança de me encontrarem e derrotarem-me definitivamente. Hah, algumas coisas jamais mudam… Não minto, aguardo fervorosamente o dia em que esmagarei o último dos Joestars. No entanto, meu objetivo aqui consistiu em checar alguém que, apesar de estar em risco de vida, também tem o odioso sangue em suas veias… A mulher que desejam salvar, Holly Kujo. Por minha influência, seu stand também foi despertado, porém, não é capaz de controlá-lo. Tsc, vergonhoso até para uma mulher.”

Dio olhou para trás, visualizando a casa que há pouco tinha visitado.

“A forte energia de seu stand me preocupou. Por mais que pareça estar à beira da morte, não é digna de desdém. Uma detestável Joestar, destinada a arruinar meus planos, jamais seria… Prevendo uma possível reviravolta, vim ao Japão aferir o verdadeiro estado dessa mulher, e quais seriam as chances de um terceiro estorvo se levantar contra mim. Quando a vi, no entanto, senti-me decepcionado e satisfeito ao mesmo tempo. Não obstante a estrela, não passa de uma mulher ordinária. Em sua essência, todos os Joestars são, visto que são humanos. Humanos, reles e simplórios. Esse é o fato inalterável, e é o que garante que jamais vergarão a mim, Dio.”

Por precaução, Dio utilizou suas habilidades para tornar o stand de Holly ainda mais agressivo e incontrolável, sepultando qualquer possibilidade de resposta por parte da mulher senão o sofrimento. Sua missão naquele país estava completa. Todavia, decidira passar aquela noite perambulando e refletindo sobre seu último passo antes de tomar o mundo para si. Achara aquela cidade estranhamente agradável, adjetivo raro nas opiniões de Dio. Não teria pressa em contatar o subordinado que o conduziria de volta em segurança. Afinal… “Tempo a perder” já não era uma expressão que fazia sentido em sua vida.

O que interveio em seus planos foi uma outra energia que sentiu por perto. Muito perto… Poucas quadras dali.

Não era nada poderosa como os stands de Jotaro ou Holly Kujo.

Não era nada madura como a energia de Joseph Joestar.

Não era nada determinada como todos os Joestars eram.

Não se referia nem a stands e nem ao esquecido hamon.

Não era grande em nenhum sentido.

Entretanto, era a coisa mais singular e bizarra que presenciara durante sua longa existência. E em sua pequenez, deixou Dio estupefato como não ficava há mais de 100 anos.

Isso porque o que sentia era uma energia praticamente idêntica à dele. Não apenas extremamente parecida, ela também atraía o vampiro, certificando ainda mais sua ligação genuína.

“Porém… Isso não faz o mínimo sentido… A única ligação especial que tenho com este mundo é com os Joestars. Como pode existir algo que tanto assemelha-se a mim, Dio, dentre meros humanos…?”

Inicialmente, pensou se tratar de alguma mirabolante armadilha por parte do grupo que o perseguia. Com isso, forçariam sua ida até um lugar onde tentariam uma emboscada. Dio riu com esse pensamento, tão hilária a possibilidade de alguém cogitar que seria capturado numa armadilha ridícula.

“Não importa que eu vá ou não ao lugar que está me incomodando. Nada pode fazer frente ao meu The World.”

Com essa convicção, o loiro não tinha razões para não seguir aquela extraordinária energia. Com sua absurdez física, correu os metros que o separavam de seu alvo sem se cansar. A cada segundo, sua curiosidade tornava-se mais intensa e insuportável, tal como o que estava buscando. Era uma sorte que as ruas da cidade estivessem desertas no momento, uma vez que, involuntariamente, Dio era uma figura que chamava demasiada atenção.

Parou quando percebeu que seu último obstáculo era uma parede doméstica. Antes de tentar qualquer coisa, analisou a casa que abrigava a descomunal anomalia. O exterior pouco transparecia; era uma modesta casa comum japonesa. O que lhe atiçava estava no térreo, aparentemente. Quando avistou uma janela de longe, pensou o quão conveniente aquilo era, o que implicava ainda mais numa armadilha mequetrefe. Teve que segurar o riso diante daquilo.

Não muito interessado em explorar mais da residência, Dio realizou o perfeito contra-ataque que havia idealizado: ativou o poder especial de seu stand The World, paralisar o tempo. Após a ação, nem mesmo a tímida brisa da noite seria capaz de mexer uma única folha caída. Dio era o único soberano naquela situação em que todo o mundo encontrava-se impotente. Em breve, tudo seria assim. O Mundo de Dio… Prevaleceria.

Andou calmamente até a dita janela, de onde poderia espiar finalmente.

Fazendo jus ao motivo que conduzira o vampiro até ali, a imagem inerte mostrou algo especialmente fortuito.

Não encontrou o grupo Joestar contente por terem atraído-o, tampouco encontrou qualquer coisa que parecesse uma armadilha. O que visualizou foi um quarto pequeno e infantil, facilmente identificável como o de uma criança. Olhando para o lado, encontrou justamente uma: num berço, um garoto de cabelos negros estava no meio de um berreiro quando sofreu o efeito do The World. Dio fez uma face atônita.

“Não pode ser… É esse garoto… Esse garoto está emitindo a maldita energia…?”

A princípio, não fazia sentido algum. A princípio. Insatisfeito, o vampiro aproveitou os instantes finais do tempo estático para abrir a janela e adentrar a casa, praticamente indignado. Dio encarou brevemente o menino antes do fim do efeito, e foi quando ele ouviu o irritante e desesperado choro infantil explodindo em seu ouvido tão acostumado com o silêncio da noite. Teria destruído o pirralho caso não estivesse perplexo por sua energia.

O pequeno não possuía nenhuma característica especial. Até mesmo seu pranto e seu esperneio eram realmente genéricos. A razão de um ser assim irradiar o que irradiava era impossível e isso deixou Dio furioso. Odiava não ter tudo sob controle. Ele, o futuro soberano do mundo…

Por mais que o garoto, que não deveria passar dos dois anos, parecesse irreversivelmente angustiado, no momento em que seu olhar encontrou o de Dio, suas lágrimas cessaram. Ao contrário do que o vampiro pensou, não foi intimidação; aqueles olhos pueris brilhavam por… Por… “Admiração? Fascínio? Tudo, menos medo… O que diabos há com essa criança?”

Ao lado do berço, havia um criado-mudo com um porta-retratos. A foto que estava nele chamou a atenção do loiro, tentando cavar algum pedaço ínfimo e aleatório em sua mente. Era uma mulher bela, de cabelos negros e feições delicadas. Olhou novamente para o menino e facilmente concluiu que tratava-se da mãe.

Todavia, não era somente aquilo…

Enquanto tentava desmistificar o que tanto o exasperava sobre aquela foto — e ainda nem havia resolvido o mistério do garoto! —, Dio se perguntou:

“Onde está essa mulher? Humanas geralmente tornam-se bestas infalíveis quando se trata de seus filhos.”

Abandonando o quarto, procurou rapidamente a mãe da criança pela casa. O local, sendo minúsculo, não foi desafiador. O que parecia ser o quarto de um adulto estava com a porta aberta, desorganizado e vazio, o que sugeria que sua dona não se encontrava.

Ou seja, o menino estava chorando desesperado para o nada. Não que isso emocionasse Dio, porém, era uma situação bem inusual.

“Que conveniente. Nada agora pode me impedir de compreender essa energia surreal…”

Quando o loiro voltou ao berço, a criança dentro dele parecia prestes a escandalizar novamente. Entretanto, no instante em que enxergou Dio, qualquer resquício de choro em seu semblante desapareceu. Aquilo era algo que deixava a situação ainda mais intrigante — e intragável.

“Intragável.”

Foi com essa palavra que uma certa memória antiga foi resgatada do subconsciente do vampiro.

Dio conhecia a mulher da foto. Vira-a por somente uma noite, logo, seu rosto era uma lembrança inútil. Todavia… Havia algo muito especial sobre ela. Dois anos antes, aquela moça havia servido-o sexualmente. Como não se encontrava em sua residência no Egito, achou arriscado matá-la. Além disso, o sangue sujo dela não lhe pareceu nada delicioso. Por isso, Dio a deixou viver, coisa que muito raramente fazia. Mais raro ainda era ele se importar com onde deixaria os corpos imprestáveis que consumia — e isso não era raro, era impossível.

“Espera. Se essa mulher é mãe do pirralho e ele aparenta ter dois anos ou menos, isso pode significar que…”

As peças começaram a encaixar de um jeito não muito agradável para ele.

“Não. Não. Estou supondo coisas demais. Uma mulher como aquela facilmente teria vários parceiros numa época limitada de tempo. Não pode ser que…”

Graças ao corpo que estava utilizando, havia um jeito fácil de descobrir se o pequeno era o que Dio estava pensando. Sem hesitar, virou o menino de forma que suas costas fossem visíveis. Tirando a roupinha da frente, lá estava. A estrela. A lendária e infalível marca de nascença dos Joestars. Ora, o organismo ainda não era uma unidade. Assim sendo… Significava que…

“Esse pirralho… A marca de estrela… E a energia idêntica à minha… Ele é sangue do meu sangue?!”

Apesar da surpresa impactante, Dio logo tentou racionalizar e esfriar a situação:

“… Sim, é óbvio que é isso. E? Família nada mais é do que uma fonte a ser sugada. Como fiz com George Joestar. Laços sanguíneos são só laços de poder. E este garoto nunca terá nada meu, uma vez que para mim, ele é… Inútil.”

Mesmo tendo citado seu pai adotivo, memórias odiadas por Dio involuntariamente vieram ao consciente.

Odiadas porque o tinham feito sofrer.

Odiadas porque lhe enojavam.

Odiadas porque lhe acorrentavam à podridão.

Odiadas porque, acima de tudo, eram sua fraqueza.

Memórias de seu pai biológico, Dario Brando. O homem que mais odiou em toda sua existência.

Ali estava Dio, agindo exatamente como ele.

Qual seria o próximo passo? Abrir uma garrafa de bebida e embriagar-se para espancar o filho?

Todos esses pensamentos causaram um ódio cego no vampiro, que inconscientemente sussurrou um “wryyyy…”

O pequeno no berço, intuindo que aquela figura agradável não estava bem, tentou atrair a atenção para si. Movimentando os bracinhos e articulando sons infantis, agitou-se o máximo possível para tentar afugentar as assustadoras emoções e feições do loiro.

Intrigado, Dio levou sua mão até o rosto do garoto, quase do mesmo tamanho. Sentiu a pele. Era quente como a de um humano comum, contrastando bastante com a frieza do corpo vampiresco. Aquilo foi inconcebível para ele, que não se lembrava de alguma vez que tenha tocado um corpo humano sem a intenção de se aproveitar dele.

Dio pareceu afetado pelo próprio stand no momento em que as mãozinhas do menino tentaram cobrir a que estava sobre sua face, como se abraçassem-na ou quisessem mais daquele contato. A face alegre e confortável da criança mostravam que a temperatura anormal da mão do homem não incomodava nada.

Ele simplesmente não tinha ideia de como reagir. Nunca em seus 120 anos de vida e sono havia imaginado que passaria por situação semelhante.

Tentando desviar o olhar (e a mente) daquele ocorrido impossível de lidar, Dio acabou passando por uma informação interessante. No topo da cabeceira, um embaixo do outro, havia dois nomes inscritos.

“Haruno… Shiobana… E… Giorno Giovanna.”

Sendo a criança japonesa, imaginou que o primeiro nome era o de nascimento. O outro…

“Oh”, recordou-se. “Aquela mulher. De todas as inutilidades que disse, a que mais realçou foi como era fascinada pela Itália e como faria de tudo para poder morar lá. Giorno Giovanna… Parece-me italiano. Parece-me também o tipo de coisa que ela faria. Mas então… Seu nome é… Giorno.”

Dio achou “Giorno” mais bonito que “Haruno” como nome. “No entanto… Que ironia. ‘Giorno’ significa ‘dia’ em italiano. Justamente o que me destrói. A luz maldita. Será mera coincidência, garoto…?”

Oh, sim, Dio também matara as duas figuras paternas que tivera. Aquilo tudo não deveria ser de graça.

“Para um ser acorrentado ao destino como eu, Dio, essas poucas informações bastariam para saber o que devo fazer com este pirralho… Tão cheio de vida e iluminação. Minha antítese. E, ainda assim, temos o mesmo sangue. Mas… Desde quando o sangue tem alguma importância além de me alimentar…? Não, não somente esse moleque é meu filho, ele também possui… O maldito sangue Joestar…”

Matá-lo seria tão fácil quanto respirar. Dio era desprovido de moralidade ou misericórdia: descendente dele ou não, era um mero humano. Nada diferente dos milhares que havia usado. Acima de tudo, também era da estirpe daqueles que devastavam seus desígnios. Era necessário que aquele garoto não vivesse. “Se me preocupei até mesmo com Holly Joestar, por que deveria subestimar um pirralho?”

Sua mão estava no local perfeito para secar toda a corrente sanguínea de Giorno. Seu cenho, antes enleado, tornou-se maquiavélico e sombrio, o que não escapou do olhar do pequeno. O moreno notou a situação hostil e, com sua inocência tenra, mirou Dio com temor e dúvida. Nisso, aumentou o contato entre os dois ao abraçar fortemente a mão do outro. Mesmo ainda estando assustado, apresentava confiança e aconchego.

O vampiro fitou aquela face ingênua e pura, aborrecido. “Esse garoto imbecil… Não tem ideia do que está prestes a acontecer? Confia naquele que obviamente irá lhe causar mal… Como pode? Alguém assim não pode ter relação comigo…”

Ainda que dissesse isso, Dio instantaneamente recordou-se de um tempo remoto. A lembrança pintou-se em sua mente como uma gravura.

Quando era um frívolo e incapaz humano jovem, Dio agarrava-se à mãe. Agarrava-se quando seu pai o fustigava com suas mãos calejadas e imundas. Aquele rato era tão bêbado que até mesmo suas mãos exalavam álcool podre de quinta.

Dio sabia que sua mãe era fraca e inferior. Sabia que, mesmo que Dario o matasse na frente dela, ela nada faria. Era uma humana tão inepta e doente que não seria capaz de agir como a maioria das mulheres nessa situação. Por mais que muito tivesse a amado, não poderia negar tais coisas. Além disso, ao negar sua humanidade, negou também sentimentos inúteis como o amor. Logo, não havia culpa em alegar a verdade patética sobre sua mãe.

Sabendo disso tudo, ele ainda agarrava o braço ou as pernas de sua genitora, medroso e necessitado. Não importava que não fosse salvo por ela: o simples contato, de algum forma, acalmava o medo e o ódio em seu coração. A dor momentaneamente sumia, tal como as lágrimas. Apenas mais uma prova do sentimento que Dio passou a repudiar.

Porém, depois da morte de sua mãe, o jovem não tinha mais para onde correr quando Dario resolvia moê-lo com pancadas. Então, no ápice da humilhação, o loiro agarrava a perna fétida do agressor enquanto implorava para que parasse.

Era a única coisa que ele, tão medíocre quanto a mulher, poderia fazer.

A única proximidade que Dio teve com seu pai fora essa.

E ali estava Dio, reproduzindo sem falha as ações de Dario Brando, o ser mais asqueroso que se arrastara pela Terra.

Ao relacionar as coisas, o vampiro incapacitou-se completamente de causar mal a Giorno. Afinal, somente agir novamente como seu pai, coisa que não fazia desde a época de Jonathan, superaria a raiva que sentiu ao se ver… Dominado por aquela criança fajuta.

Caso parasse o tempo e saísse dali, tudo que lograria pensar seria o quão igual estaria sendo ao homem que mais detestou, em como estaria sendo um covarde ridículo e como estaria com medo, medo de encarar uma simples experiência nova. Então, não era opção.

“Não confiando em minha frieza e autocontrole, fugirei como o pior dos cachorros…? Nunca. NUNCA. Não eu, Dio.”

Todavia, se não abandonaria a criança ali… O que faria? Era impossível para ele agir como um pai carinhoso ou algo do tipo. Enfadado, o loiro tentou pensar.

“Quais os benefícios de ter um filho? Hm… Para os Joestars, significa a possibilidade de continuar estragando meu caminho. Herança de responsabilidades, hm? Para isso, o herdeiro em questão precisa ser forte. Se quero descobrir algo que não seja inútil neste pirralho, eu, Dio, preciso primeiramente descobrir que tipo de potencial ele tem. Sua energia que até aqui me atraiu não parecia ordinária.”

Dio resolveu fazer um teste simples: verificar se Giorno possuía alguma chance de ter um stand ou desenvolver um futuramente. Considerando a emissão forte citada nos pensamentos do vampiro, se ao menos o potencial existisse, o garoto seria capaz de enxergar o The World, que Dio prontamente invocou. Assim, a criatura espiritual dourada surgiu, encarando friamente o pequeno ser.

Giorno soltou a mão gélida. Olhava intrigado para o alto, acima da cabeça do homem gigante à frente. Exatamente onde o stand se encontrava. Ele ainda foi movido para a esquerda e para a direita, apenas para ser acompanhando sem erro pelo olhar cintilante e curioso do garotinho. Aquilo foi uma confirmação para Dio: aquele menino seria um autêntico usuário de stand.

“Ao menos não gerei um humano tão inútil quanto a maioria. Ainda existe a chance de me decepcionar, caso seja incapaz como Holly Joestar, então não depositarei muita certeza nesse potencial…”

Contudo, Dio ainda seria muito surpreendido por aquele pequeno. E nunca da forma que imaginava.

Poucos segundos após visualizar o The World, Giorno não logrou segurar o riso: gargalhou deliciosamente como a criança que era. Quase sufocando, achou a aparência do stand extremamente hilária. Juntou os bracinhos sobre a barriga, tentando controlar-se. O loiro, por sua vez, não fazia ideia do porquê da súbita risada. Crianças certamente choravam do nada, porém, será que riam do nada também? Dio não sabia. A única criança com que tivera experiência fora ele próprio.

Como se compreendesse a confusão do pai, Giorno, ainda rindo, apontou para uma caixa no chão, próxima dos pés do homem. Sua insistência sugeria que desejava que Dio apanhasse-a e entregasse-a. Não tendo nada a perder, o loiro colocou o objeto dentro do berço. Rapidamente, o garotinho abriu e tirou da caixa um típico brinquedo infantil de encaixe de blocos. Pondo-se de pé, estendeu os braços o máximo possível, como se quisesse alcançar algo na direção de Dio. Ele, por sua vez, já estava enfastiado por não saber interpretar aquele moleque, ficando sempre sem ação.

Imaginando que tinha algo a ver com si, o homem abaixou-se o bastante para que sua cabeça ficasse ao alcance de Giorno. Nem sequer se perguntou o motivo lógico daquela ação. Nisso, o menino deu pequenos pulos e tentou agarrar aquele pedaço do ar com as mãos, o mesmo pedaço que correspondia à posição do The World. Parecia realmente esforçado em segurar e puxar o stand áureo para algum lugar. Uma vez que era uma manifestação espiritual de outra pessoa, o menino não seria capaz de tangê-lo. Obviamente, toda aquela ação era incompreensível para Dio.

Descobrindo que talvez não conseguisse apanhar a cabeça do “boneco amarelo gigante e cabeça de queijo”, que era como sua mente meninil enxergava o stand, o moreno tremeu os lábios e fez um bico, choroso.

“Oh, não”, pensou o vampiro. “Tudo, menos o choro insuportável desse pirralho… O que diabos você quer com meu The World?”

Sem muita opção, Dio tentou fazer parecer que o stand estava nas mãos do pequeno; quando suas mãozinhas tentaram mover a cabeça espiritual, ela foi controlada de forma que parecesse que Giorno de fato estava segurando-o. Com isso, o garoto contentou-se e o vampiro apenas bufou, ainda sem ideia da razão de cair nas idiotices de um pirralho. As minúsculas mãos conduziram o stand até o brinquedo, que possuía furos em formato de círculo, quadrado, estrela, triângulo… E, visivelmente, o objetivo era encaixar The World no buraco triangular. Quando Dio depreendeu isso, teve um breve segundo de irritação, antes de ser vencido por um riso. A iniciativa de Giorno era muito sagaz, no entanto, o crânio do stand era, no mínimo, três vezes maior que o buraco. Jamais encaixaria. Não havia porque perder tempo naquilo.

Então, o vampiro teve uma ideia.

Retirando a tampa do brinquedo (a que tinha os furos das formas), Dio levou-a até as costas do menino, ajustando o buraco de estrela do plástico com a marca Joestar. Sentindo aquilo, Giorno tentou virar a cabeça para enxergar, entretanto, não pareceu suficiente. O loiro questionou-se se o garoto sequer sabia que possuía a marca, e assumiu que não. Novamente aborrecido, tirou da testa a bandana verde com o coração espelhado que sempre usava, a fim de usar a superfície reflexiva do adorno para mostrar o encaixe.

Todavia, a fraca iluminação lunar que adentrava o quarto não ajudou. Se nem ele mesmo estava conseguindo enxergar a reflexão, quem diria Giorno. Aquilo só serviu para que o moreno desse risinhos direcionados ao cabelo solto de Dio, cujas madeixas frontais caíram rebeldes sobre o rosto severo.

“Este garoto tem uma bizarra fascinação com situações intimidantes… É um sinal de coragem prematura? Ou somente a tola inocência? Hm…”

Sabendo que o pequeno não sossegaria enquanto não visse algo inserido devidamente naquele brinquedo — e só por isso —, o homem se deu o trabalho de abaixar o casaco e o colante, encaixar a estrela do plástico com a sua e fazer-se visível ao pirralho. Giorno mirou aquilo por segundos sem expressão antes de soltar um sorridente grunhido e bater as palminhas, animado. Dio considerou a missão cumprida, e jogou o brinquedo num canto qualquer.

Apesar disso, sua mente ainda não estava livre de questões.

Coragem ou tola inocência? Era a próxima coisa que tinha interesse em descobrir. Surpreendentemente, formulara com rapidez o próximo teste que faria com Giorno.

O vampiro estendeu as mãos e segurou o garoto, que não parecia desconfortável. Em vez disso, fitou o mais velho com interesse e empolgação. Com poucos cuidados e preocupação, Dio jogou-o para cima, com mais força que uma pessoa normal faria, mas o suficiente para não quebrar o teto com o corpo do menino. No momento em que o infante estava o mais alto possível, o timestop do The World foi ativado, exercendo seu divino poder de congelar o tempo. Giorno estava próximo ao teto, suas mãos e pés no ar, como se estivesse nadando.

Nisso, o stand dourado moveu-se até ele e tocou-o, retirando o efeito. Com isso, o garoto poderia se mover. Quando despertou do congelamento, ele notou sua extraordinária situação e começou a mexer freneticamente seus membros. Estava atônito e entusiasmado. Não sabia como, mas estava voando! Só lembrava de ter sido jogado por aquele homem gigante e familiar, e então… Bom, não precisava entender os meios quando os fins eram tão divertidos. Giorno não demonstrava um traço de medo; estava maravilhado pela possibilidade de livrar-se da gravidade. Dançava no ar, subindo e descendo, soltando exclamações lúdicas.

Diante daquela cena, Dio somente concluiu que, definitivamente, o moleque não se assustava com situações novas. Aquilo era muito bom. Significava grandes chances de um futuro ser com grande adaptabilidade e capacidade estratégica.

“Alivia-me saber que a influência deste corpo Joestar não se estendeu ao intelecto do pirralho…”

Contudo, o vampiro ainda não tinha ideia se a reação de Giorno era causada por inocência (lado que ele atribuiria a Jonathan) ou coragem (lado que ele atribuiria a ele mesmo, Dio). O experimento havia sido inútil.

“Se é assim… Por que eu, Dio, não estou frustrado e nervoso com a leviandade que acabei de cometer? Na verdade, estou longe disso… Ugh… Os olhos ridículos desse garoto… Por que não consigo desviar deles? Será o trabalho de seu stand…? Não é possível que eu tenha subestimado-o… Só cometi esse ato frívolo de jogar uma criança para cima porque queria descobrir a fonte de suas ações… Que outro motivo poderia existir?”

No fim desse pensamento, o efeito do stand encerrou-se, e o tempo voltou a correr. Inconscientemente, Dio inclinou-se para frente, de modo que o garotinho caiu perfeitamente em seus braços largos e fortes. Aquilo deixou o loiro em estado de choque. O menor, de membros abertos, também surpreendera-se.

“O-Ora…” — ele não perdeu tempo para responder ao automático “Por que fiz isso” que brotou em sua mente — “O pirralho cairia na parte de madeira do berço, por isso. Ele se machucaria… E é claro que não quero isso, uma vez que… Isso o faria chorar, e seu choro é insupor—”

Dio não teve a chance de finalizar o pensamento. Seu cérebro branqueou no instante em que, com seu jeito único já descrito, Giorno pronunciou:

— Papa?

Novamente, nem a ativação do The World seria capaz de deixar o vampiro tão estático quando ficou após escutar aquilo.

O número de sensações novas e assombrosas que percorreram-no igualava-se ao de quando tornara-se imortal com a máscara de pedra. Todavia, 100 anos antes, ele tinha controle sobre os ocorridos e tudo que fizera fora voluntário. A situação daquele momento era o exato contrário. A racionalidade fria de Dio estava perdida no turbilhão de confusão e incógnitas que o assolava. Assim, apenas seguiu o instinto misterioso que pulsava em seu interior:

Hai, Haruno. Kono Dio da.

O pouco japonês que o loiro havia estudado mostrou-se nada inútil.

“O quê… O que em mil infernos é isso? Por que estou sendo conveniente com algo tão humano como sentimentos paternais? As boas coisas jamais me agradaram… Inclusive, só deixei a mãe deste pirralho viva porque era um ser vil e abusivo, o que muito me agradou. Ilusões bonitinhas não levam a lugar algum, não me satisfazem, não me dão poder. Eu, Dio, nunca me encontrei em uma situação em que não soubesse controlar o que se passa comigo! Este maldito garoto…”

Ao mesmo que pensava, Dio colocou uma das mãos sobre o corpo do menino. Desse modo, Giorno abraçou-a prontamente.

E era justamente aquele semblante de júbilo e pureza que, ilogicamente e sem sentido algum, deixava o homem incapaz de zangar-se ou odiar a criança.

Se o pequeno fosse loiro, seria idêntico a Dio quando mais novo.

“Alguma vez eu já tive um pouco da felicidade que esse moleque está demonstrando…?”

Aquela felicidade, tão radiante e simples, pareceu algo inatingível para ele, Dio. Pela primeira vez, o vampiro não viu um sentimento puro como uma sandice.

Em qualquer outra situação, ele se repudiaria por permitir uma fraqueza tão risível.

Entretanto… Só pôde admirar aquela jovem extensão dele. Mal sabia se comunicar verbalmente e tinha encurralado um ser como o vampiro numa situação vergonhosa e humana.

— Hm… Isso só prova que… Você será um homem extremamente poderoso e carismático, Giorno… Exatamente como eu, huh. Isso só prova que a única herança dos Joestars em você é física… Posso te deixar vivo por isso.

Obviamente, o garotinho não entendia uma palavra do que seu pai falava. No entanto, como o maior parecia satisfeito e orgulhoso falando, deveria ser algo digno de seu júbilo infantil.

Então, Dio teve outra ideia.

Ele colocou Giorno sentado no grande tapete felpudo em que estava pisando. Então, seus olhos acostumados ao escuro visualizaram dois ursinhos de pelúcia numa prateleira do quarto. Pegou-os, sentou-se à frente do moreno — que parecia entender o nível da situação —, encarando-o seria e fixamente.

Haruno. — Era vital que o menino compreendesse, logo, Dio improvisaria mais da língua nipônica — Kore wa Joestar desu.

Quando o disse, o vampiro estava com o ursinho azul na mão levantada. Então, ergueu o ursinho amarelo com a outra mão, opondo-se ao azulado.

— … Kore wa… DIO DA! — Deu ênfase tanto na fala quanto na épica pelúcia amarela — Sore de… — nisso, o loiro começou a espancar o brinquedo azul com o amarelo, fazendo parecer que este último golpeava milhares de vezes por segundo. — MUDA! MUDA, MUDA, MUDA, MUDA!

Giorno não desviou o olhar daquilo nem por um segundo. Demonstrava interesse e empolgação. Notando isso, o maior continuou: simulou um combate entre os ursinhos, onde o “Joestar” tentava, inefetivamente, acertar o “Dio”. Então, ergueu novamente a pelúcia amarela e gritou:

ZA WARUDO! TOKI WO TOMARE! — Com a manifestação do poder do amarelado, a pelúcia inimiga ficou perfeitamente paralisada, imitando o efeito do The World — Gobyou mae. — nisso, o urso amarelo flutuou calmamente até o outro, apenas para repetir a sequência frenética de golpes anterior — HINJAKU, HINJAKU, HINJAKU! — Trocando quantidade por qualidade, desferiu um chute poderoso com sua perna de pelúcia na face do adversário — MUDAAAA! Sanbyou mae.

Era hora do gran finale. Giorno mal respirava ou piscava. Colocando o carrinho de brinquedo nas mãos do urso triunfante, Dio o fez esmagar o pobre urso cerúleo:

ROAD ROLLER DA! WRYYYYYYYYYYYYY! Ichibyou mae. Soshite, toki wa ugoki dasu.

E o ursinho azul voou e explodiu contra a parede, derrotado e humilhado.

Giorno soltou barulhos infantis de entusiasmo, maravilhado com a encenação. Balançou os bracinhos euforicamente, tanto por animação quanto por querer agarra a pelúcia vitoriosa. Entendendo o recado, o vampiro passou o bastão — o urso — para seu descendente. Com o brinquedo em mãos, o moreno fez uma cara brava e começou a batê-lo contra o chão o máximo que podia, enquanto gritava:

UDA, UDA, UDA, UDA, UDAAAAA!

Nem quando estragara completamente a vida de Jonathan Joestar Dio se orgulhara tanto quanto naquele momento.

“Esse garoto… É alguém que eu, Dio, posso me permitir respeitar.”

Involuntariamente, o loiro sorriu com franqueza. Sem malícia ou sadismo, como jamais fizera antes. Seu subconsciente sabia que, caso estivesse ciente daquilo, colocaria mais barreiras inúteis na frente do que sentia. Então, a razão de Dio decidiu fazer-se alheia àquilo tudo, deixando as coisas acontecerem só naquela noite. Ele era melhor do que ninguém para descobrir o que era inútil ou não, e resistir ao grandioso poder que sua prole exercia era, sem dúvida, inútil, inútil, inútil.

“Não há mal nenhum em estimular o crescimento dessa temível e gloriosa habilidade… É isso que eu, Dio, estou fazendo. É o máximo e o ideal que posso fazer.”

E foi assim que o vampiro passou inimagináveis horas com seu filho, fazendo coisas como diverti-lo e alimentá-lo com The World (Giorno tentava jogar o pedaço de chocolate para cima e pegá-lo com a boca, e sempre acabava conseguindo porque Dio o auxiliava com o timestop) e imitar suas peripécias juvenis com os dois ursinhos (o pobre urso azul não saiu intacto nessa noite).

É certo afirmar que pai e filho nunca haviam se divertido tanto. Dio nenhuma vez imaginou que houvesse prazeres além do poder, e Giorno nenhuma vez imaginou que algum prazer pudesse existir. Aquela noite seria única na vida de ambos, logo, preocupar-se com coisas como “estou agindo pateticamente por causa de um pirralho” e “há um gigante monstruoso com um boneco dourado brincando comigo” não valia a pena.

“Amor, afeto, apego… São somente emoções, tal como a perversidade, a luxúria, a ganância. Se eu aceito as últimas três, que mal há em tentar as outras? São fracas e inferiores, não há como corromperem meu ser de alguma forma. Porém, mesmo sendo zombáveis, aquele que dominará a pobre raça humana precisa conhecer esses sentimentos, a fim de tangê-los e saber como manipulá-los. Só tenho ganhos ao passar um tempo com este garoto, obviamente…”

O loiro havia arrumado desculpas para que seu orgulho não pesasse depois, portanto, mergulhou naquele oceano de sensações boas e humanas temporariamente, entregando-se ao traço de instinto paternal que lhe ocorrera. Pensando de menos e aproveitando de mais.

No entanto, mesmo que Dio pudesse parar o tempo indefinidamente, havia um limite. E esse limite mostrara-se no relógio do quarto do garotinho.

Os números indicavam 5:40. O vampiro levara Giorno de volta ao berço, levemente irritado.

HARUNO! — esbravejou Dio, enquanto pares de joaninhas andavam sobre sua face — Eu estava empolgado por você ter momentaneamente ter acordado seu stand… E VOCÊ TRANSFORMA MEUS FIOS DE CABELO EM JOANINHAS? WRYYYYYYY! Que inferno de stand é esse?!

Tentou mushi! Tentou mushi, suki yo — respondeu o menino, repetindo o nome do inseto que adorava tanto. Parecia alheio à raiva do pai, até porque nada entendia do que ele falava.

Não obstante a animação naquelas palavras, Giorno deu um sonolento bocejo.

— Oh, eu percebi que você AMA esses bichos, com certeza — o loiro ainda tentava espantar as dezenas de joaninhas em sua cabeça. — Contudo, um de nós precisa dormir e o outro precisa ir embora com a noite. Hanareru.

Ao ouvir o termo japonês sobre partir, o semblante do pequeno se esmaeceu. Não desejava de jeito nenhum que aquele que reconhecera como pai se fosse. Após tanto tempo de negligência familiar, seu único desejo era ter um pouco mais daquelas sensações…

Entretanto, com a vinda do sol, não seria possível. Nem se ambos quisessem com toda a determinação e ambição que marcava seus sangues.

Sem muita cerimônia, Dio arranjou o garotinho no berço, cobrindo-o e deixando-o confortável. A situação nova envolvia sua vida: não poderia hesitar ou ter alguma recaída paternal. Se os raios solares o atingissem, seria o fim.

Então, para impedir seu próprio fim, o vampiro precisaria colocar um fim naquela íntima experiência.

O moreno encarava-o tristemente, quase choroso. Todavia, sua intuição aguçada entendia que simplesmente era hora de terminar.

“Eu decididamente não quero este pirralho chorando”, pensou Dio. Com isso, lembrou-se de algo que por muito acaso estava em um de seus bolsos: uma foto dele mesmo. Que egocentrismo conveniente. Ele deixou a foto ao lado do travesseiro de Giorno, que não tardou a pegá-la com as mãozinhas, mirando-a.

“Oh, ótimo, teremos mais uma joaninha aqui.”

No entanto, Giorno jamais parava de surpreender.

Contrariando as expectativas do loiro, o menino resumiu-se a abraçar com vontade a foto. No instante em que aceitaria cair no sono, ele se lembrou de um detalhe: estava preferindo a representação em vez do original. Nisso, estendeu seu minúsculo braço o máximo que pôde, tentando ter um último contato com a primeira pessoa que dera tanta atenção e cuidado a ele.

Com um sorriso fraco, Dio levou sua mão até os cabelos do filho, afagando-os. Giorno abraçou-a. O calor que sentira obviamente não foi da pele de seu pai, mas do espírito que estava tão intrinsecamente ligado ao dele. Aqueles segundos causariam os mais belos sonhos em sua mente pueril e inocente. Antes de ser levado por eles, recebeu o olhar e o sorriso ternos e amorosos de Dio, que equivaliam ao mais doce beijo de boa noite.

Oyasumi, Haruno-chan. — Esperou alguns segundos antes de dar o comando mais suave de sua vida — The World, pare o tempo.

Dio não sairia do lado de Giorno antes que o sono do garoto fosse garantido. Seu stand jamais havia sido tão útil. Aqueles preciosos segundos em que os dois tinham seu próprio mundo, onde eram pai e filho, onde tinham um laço inquebrável como diamante… Aquela situação temporária que ao menos algum canto da existência do vampiro podia admitir que tinha algum amor por aquela criança… E que essa mesma criança poderia sonhar com uma vida feliz.

Infelizmente, tal mundo não poderia durar mais que alguns segundos. Quando a dura realidade recuperava suas engrenagens, tais ilusões desapareciam. E tudo voltava a fluir de acordo com o destino de cada um.

Então, Dio abriu novamente a janela para sair, dessa vez sem o tempo parado.

Por mais que, no fundo de sua alma, tivesse desejado que o tempo tivesse sido parado bem mais vezes naquela noite.

Ele iria embora para nunca mais voltar a ver aqueles olhos reluzentes como o Sol. Oh, sim, essa era outra maldita característica Joestar.

Giorno nunca lembraria daquela noite, provavelmente.

Talvez o próprio Dio esquecesse, em prol de seu ego.

Talvez aquela noite se perdesse no meio dos abusos que Giorno viria a sofrer por parte de sua mãe, de qualquer louco que ela pudesse arranjar, ou das próprias pessoas ao redor.

Dio tinha plena ciência de que tudo que tinha feito não mudava o fato de que abandonaria a criança para sempre. E, sendo o mesmo humano que o loiro um dia fora, talvez Giorno não suportasse o peso do mundo e do destino que dolorosamente acorrentava tanto o sangue dos Joestar quanto o de Dio.

“Não… Giorno. Você é meu filho e possui meu sangue. Logo, não importa o quanto os arredores lhe maltratem, você sempre triunfará… E quando tiver o poder, dominará tudo que existe para ser seu.”

Recordar da incrível coragem e determinação do garoto garantiu um franco sorriso na face de Dio. O vampiro dormiu tranquilo enquanto o majestoso Sol surgia e lançava seu esplendor brilhante às pessoas, regendo novamente um novo dia.

“Tal como Giorno, o único Sol que não me fere, certamente fará no futuro.”


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Notas finais do capítulo

Agradeço. Comentários são bem-vindos.



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