Espírito de Revolução escrita por GilCAnjos


Capítulo 33
A Batalha de Bunker Hill


Notas iniciais do capítulo

Buenas tardes e espero que estejam bem! No capítulo de hoje, Connor vai atrás de mais um de seus alvos. Boa leitura! ^^



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A batalha começou na manhã do dia seguinte mais cedo do que esperávamos, de modo que ela já estava totalmente em curso quando terminamos de cruzar os cinco quilômetros entre Roxbury e a entrada para a península de Charlestown. Clipper se apresentou às milícias patrulhando Charlestown Neck como um dos homens de William Prescott, e um dos patrulheiros se dispôs para nos acompanhar a cavalo até os oficiais da milícia.

Logo que passamos o Neck já era possível ouvir os estrondos de tiros de mosquetes e canhões vindos do leste. Mesmo à distância, aquele alarido era ainda mais pavoroso do que o que eu vira no Massacre da Rua King ou na Batalha de Lexington. O meu coração acelerava com o crescente aroma de sangue e pólvora.

Conforme adentrávamos a península, uma floresta densa se impunha à nossa direita, enquanto que uma alta colina de 30 metros se impunha à esquerda. Algumas centenas de homens já estavam posicionados em seu topo, mas nem de longe o número que eu esperava.

 — Nós estamos passando Bunker Hill — comentei, curioso. Aquela calmaria e o baixo contingente em volta do que deveria ser o alvo principal da batalha eram estranhos.

 — Pois é — respondeu o patrulheiro, aumentando o volume da voz conforme nos aproximávamos da batalha — Parece que houveram alguns desentendimentos sobre onde a gente deveria acampar. O coronel Prescott lidera de Breed’s Hill.

 — E como está a batalha? —questionou Clipper Wilkinson.

 — Os lagostas já fizeram dois ataques ao nosso reduto em Breed’s. A boa notícia é que pra cada uma das nossas mortes eles perderam dois.

 — Mas por quanto tempo as milícias poderão aguentar?

 — Essa é a má notícia. Se continuarem pressionando, vamos ter que recuar. O flanco norte está cada vez mais complicado de defender.

Tive de interromper. Se a posição rebelde estava tão frágil assim era bom nos mantermos focados no Alvo.

 — E você saberia onde está o major John Pitcairn?

 — Dos casacos-vermelhos? Desculpe, não tenho como lhes dizer com certeza. Perguntem ao general Putnam quando chegarem no reduto.

 — Não quer dizer major Putnam? — Clipper parecia confuso. — Pensei que William Prescott era o oficial de patente mais alta aqui.

 — Ele era, até poucos dias atrás. Putnam chegou da Filadélfia, promovido a major-general.

 — Mas o Congresso não tem autoridade para conceder patentes militares — retrucou.

 — No exército deles, não. Eles acabaram de oficializar as milícias, transformando-as num exército que estão chamando de Exército Continental. Temos Israel Putnam e mais três majores-generais. George Washington, da Virgínia, é o novo comandante-em-chefe.

 — Um exército? — exclamei, surpreso. O Congresso Continental fora criado para supostamente alcançar uma paz entre os rebeldes e a Coroa. Mas se agora seus membros criavam seu próprio exército, então isso significava que também o Congresso estava em rebelião aberta. A paz não era mais uma opção. — Isso muda tudo.

Clipper assentiu.

 — Se antes a guerra era entre os casacos-vermelhos e Massachusetts...

 — Agora estão lutando com as outras doze colônias também — adicionou o patrulheiro — Ninguém disse que seria uma guerra rápida.

 — Você saberia por acaso quem são os outros majores-generais? — interroguei.

 — Nosso Artemas Ward é um deles. Philip Schuyler, de Albany, mas ele está tão doente que não sei se continuará no posto. E, quem era o último mesmo? Ah, sim, Charles Lee. — Arregalei os olhos ao ouvir essa menção. — Quem diria, nunca imaginei que um inglês lideraria os rebeldes.

Clipper e eu trocamos um olhar apreensivo. Lee e seus Templários agora estavam com a guerra na palma da mão.

Cavalgamos por mais cerca de meio quilômetro até a segunda colina de Charlestown, Breed's Hill. Tinha pouco mais da metade da altura de Bunker, mas nela o verdadeiro poderio do Exército Continental se mostrava. Os homens lá posicionados facilmente chegavam aos dois milhares. À base do morro, onde meia dúzia de canhões estava apontada para leste, nos despedimos e agradecemos ao patrulheiro, e, descendo de nossos cavalos subimos a ladeira em busca dos oficiais.

No topo de Breed's Hill estava localizado o reduto principal das forças coloniais, uma trincheira quadrada de quarenta metros de largura com plataformas de madeira e muros de terra que chegavam a um metro e oitenta. Uma fileira de fortificações mais baixas se estendia para a esquerda, onde centenas de soldados com mosquetes se posicionavam, vigiando as forças britânicas. Batalhões inteiros de casacos-vermelhos estavam em formação a leste da colina, tentando avançar sem sucesso. Diversas trincheiras haviam sido improvisadas entre um exército e outro, e de lá também soldados americanos atiravam. E na base sul da colina, mais algumas centenas de homens marcavam vigia sob a cidade de Charlestown.

Nos aproximamos do reduto, onde dois oficiais de certa idade tinham uma discussão calorosa, com mais três ou quatro em volta. Um deles, de robustas costeletas, fumava um charuto enquanto se exaltava sobre o oficial de olhos fundos e cabelos se esvaindo.

 — Qual deles é Prescott? — perguntei a Clipper.

 — O mais baixo, de cabelo grisalho. O cara do charuto deve ser o Putnam.

 — Vamos falar com eles, então.

Conforme nos aproximávamos, ouvimos a conversa dos dois, que tinham de gritar para se fazer ouvir sobre os tiros que vinham do leste da colina.

 — Eu não me importo com as suas desculpas, cavalheiros — exclamava Putnam — Deveríamos estar focando em Bunker Hill! Breed’s está mais próxima da cidade, mas também da artilharia deles, diabos!

O coronel respondeu de maneira irritada.

 — Nossas ordens vêm de homens tão divorciados da situação, decerto você entende porque o bom-senso nos fez empregar nossas próprias faculdades na determinação de um curso mais apropriado!

 — Quem dera eu entendesse metade dessa baboseira que você tricota!

 — O que é tão difícil de entender? Estou tentando garantir nossa vitória!

Nesse exato momento, uma bala de canhão passou voando pela fileira de atiradores ao lado do reduto. Um homem sucumbiu aos estilhaços na mesma hora, enquanto que outro foi prontamente mutilado, com uma cascata de sangue jorrando de onde antes ficava sua coxa. O café-da-manhã pareceu se revirar em meu estômago, mas outros soldados não conseguiram evitar vomitar no chão de terra batida.

Ao que Prescott gritava ordens para que médicos atendessem o perneta aos gritos, Putnam pousou a mão na espada em sua bainha e adicionou com sarcasmo:

 — Eu encerro o caso. — Ele se afastou dos homens e começou a caminhar para fora do reduto. — Vou voltar pra Bunker Hill. Bom dia, cavalheiros!

Clipper logo se pôs à sua frente.

 — Major Putnam, Clipper Wilkinson — apresentou-se, com uma continência —Este aqui é...

 — Major-general Putnam, garoto! Aqueles almofadinhas na Filadélfia fizeram o favor de me promover. Tecnicamente, todos nós fomos promovidos! Parabéns, já pode parar de se chamar de miliciano e começar a se chamar de soldado.

 — Perdão, senhor, digo, general. Este aqui é Connor, amigo de Samuel Adams.

 — Diga o que quer enquanto ainda estou prestando atenção.

Ajeitei a postura, tentando afastar a imagem do que eu vira de minha mente.

 — Estou aqui para matar John Pitcairn —comecei — Me disseram que você poderia me ajudar a localizá-lo.

 — O major está entocado lá na outra ponta, em Moulton’s Hill. — O general explicou, apontando para nordeste. Após uns trezentos metros de campo, onde tropas de casacos-vermelhos tentavam avançar com pouco sucesso, se estendia uma terceira colina, a mais baixa de Charlestown. — Você poderia chegar lá pelo flanco norte, mas não há maneira viável, ao menos não com aquele redemoinho estourando lá embaixo. Sua melhor esperança seria esperar até que reduzamos os números deles.

 — Não me parece que você está tão no controle assim.

 — O quê, você quer flanquear as linhas inimigas até chegar no major? — Israel Putnam riu. — Faça isso, e falarei de você com ternura no seu funeral.

 — Não há tempo, tenho que arriscar. — Dirigindo o olhar a meu companheiro, completei: — E eu terei quem cobrir minha retaguarda.

Putnam apontou para Clipper.

 — Quem, você?

 — Com certeza, general. Solicitando permissão para acompanhar Connor no flanco norte.

O major-general tirou o charuto da boca por um instante e cuspiu no chão.

 — Vocês dois são mais loucos que uma lebre no cio. Vão, se é isso o que querem. Essa batalha vai lotar todos os cemitérios do condado, que diferença faz um ou dois homens a menos?

Se as coisas pareciam feias no leste, na margem norte da península pareciam ainda piores. A batalha lá estava sendo travada em uma praia estreita, sem quaisquer defesas naturais capazes de defender os soldados continentais, que contavam apenas com um muro improvisado de no máximo um metro de altura e uma cerca de arame farpado.

 — Como vamos atravessar? — questionou Clipper Wilkinson ao meu lado. Ainda estávamos longe da praia, sob a proteção da colina junto com o resto das forças continentais.

 — Aí que está: vocês não vão — respondeu o coronel John Stark, com escárnio — Este aqui não é um ponto de vantagem, é apenas um ponto estratégico. Se os soldados passarem, estarão com Breed’s Hill aberta, mas nossa linha de fogo os impede de prosseguir.

 — Então vocês têm de ganhar terreno! — retruquei.

 — Pra quê? E mais importante, como? Essa aí nem é a força principal dos casacos-vermelhos. Eles queriam passar por aqui mais cedo e atacar Breed’s pelos dois lados, mas demos tanta luta que eles desistiram. Isso aí é só uma finta, para nos manter ocupados aqui em vez de ajudar no campo principal. Eles não vão avançar, e nem vamos nós!

 — Mas eu preciso chegar até Pitcairn!

 — Foda-se, pivete. Tenho coisa melhor pra fazer.

 — Coronel! — Clipper chamou, mas ele fingiu não ouvir e foi andando para longe. — O que vamos fazer?

Praguejei, e olhei em volta. Eu precisava de alguma maneira de dispersar a linha britânica, mesmo que apenas o suficiente para passar por alguns segundos. Observei conforme um soldado americano caminhava até uma pequena barrica de pólvora, com trinta centímetros de largura. Virei meu olhar para a praia. A areia seca e escura formava pequenos montinhos ondulantes. Talvez...

 — Se conseguirmos arremessar um barril de pólvora até os casacos-vermelhos... — expliquei — Podemos dispersá-los por tempo suficiente.

 — São quase 500 metros até lá. — Meu colega respondeu. — Ninguém consegue arremessar um barril tão longe.

Suspirei.

 — E é por isso que eu vou me aproximar deles.

 — A colina é muito íngreme para circundar a praia. E com certeza eles têm atiradores de olho na água.

 — Mas os atiradores na areia estão ocupados demais lidando com os americanos. E o meu manto é da mesma cor da areia.

Clipper me fitou, boquiaberto.

 — Você está absolutamente louco!

 — Tem outra ideia?

Ao que ele não respondeu, caminhei até a pólvora. Certificando-me de que ninguém estava vendo, surrupiei um dos barris menores e meti-o dentro do manto.

 — Você está confiante na sua mira?

Ele estava com medo.

 — Quatrocentos metros... Eu já acertei a cabeça de um rato a essa distância, mas...

 — Ótimo. — Dirigi-me à cerca de arame farpado. — Vamos rezar para que ninguém do outro lado seja bom como você.

Arremessei o barril o mais longe que pude na praia, e ele caiu milagrosamente ileso em um monte de areia, mas não foi a uma distância maior do que quarenta metros. Após ouvir diversos palavrões e reclamações dos soldados sobre como aquilo poderia ter sido perigoso, voltei-me para Clipper.

 — Acompanhe-me. Quero o seu rifle a postos.

Ele assentiu e eu me deitei por baixo do arame farpado, antes que os soldados chamassem algum oficial para me impedir. Vesti o capuz do manto e comecei a me arrastar, com a cabeça o mais baixo possível. Seria um longo caminho.

Mais de três minutos já haviam se passado quando alcancei o barril de pólvora na areia e coloquei-o dentro do manto, debaixo de meu braço direito. Eu tinha de prosseguir com o máximo de cautela possível. Tomei o cuidado de levantar areia em volta de mim sempre que podia, e por vezes fiquei minutos inteiros sem me mover, com os ensurdecedores disparos ecoando acima de minha cabeça. Uma bala de mosquete raspou pelo meu ombro esquerdo, e uma segunda passou a meio palmo de distância do meu nariz quando me virava de barriga para cima. Perdi a conta do meu tempo na areia, me arrastando centímetro por centímetro, mas não me surpreenderia se me dissessem que passei mais de uma hora lá.

Eu havia quase me esquecido de meu objetivo quando uma terceira bala passou de raspão pela minha direita. Foi então que me toquei de que faltavam apenas vinte metros até a formação dos casacos-vermelhos. E eles nem sequer haviam me visto na areia.

Bem debaixo do seu nariz”, a voz de Achilles ecoou em minha mente.

Formei um monte de areia na minha frente e me deitei virado para cima. Retirei o barril de minha axila e respirei fundo. Tudo aquilo parecia um sonho de tão irreal. Talvez eu já tivesse morrido e aquele era o pós-vida. Ergui minha cabeça alguns poucos centímetros, apenas para enxergar os atiradores americanos. Tentei acenar com minhas mãos sem mover muito os antebraços. Tive a impressão de um dos atiradores erguer o braço em minha direção, mas seria Clipper? Daquela distância era impossível reconhecer qualquer pessoa.

Fechei os olhos. Aquilo podia resultar tanto na vitória quanto na minha morte. Dei um salto de fé, e arremessei o barril para trás, na direção do Exército Britânico.

Então, como um relâmpago, um tiro ecoou com um estrondo muito acima dos outros. Uma explosão acabara de ocorrer, bem no meio dos casacos-vermelhos. Distraído com os gritos de soldados, por um breve segundo eu até mesmo me esqueci de levantar.

Com um espasmo e com a mente quase fora de mim, saltei de supetão e pus-me a correr em direção aos soldados. Ainda distraídos com a explosão, poucos deles notaram minha presença. Em meio aos gritos e disparos, apenas corri, corri, corri, e quando percebi já estava na floresta em volta de Moulton’s Hill. Ainda sob efeito da adrenalina, virei rapidamente o rosto para trás e vislumbrei um trio de soldados que não desistira de me perseguir. Não muitos metros ao sul, estava a pequena encosta que me levaria à colina. Analisei os arredores, tentando traçar uma rota de fuga o mais rápido possível, e enfim percebi um carvalho forte, com veios grandes o suficiente para serem escalados. Se subisse nele, chegar a Moulton’s seria fácil, mas eu ainda precisava pensar rápido para despistar os soldados.

Virei-me na direção dos homens e, ao ver que um deles estava prestes a atirar com o mosquete, me deitei no chão e revirei meus alforjes. Encontrando o que procurava, ergui-me com cautela e levantei os braços.

 — Eu me rendo! — exclamei o mais alto que consegui — Não atirem!

Uma bala ainda passou a menos de um metro do meu corpo, mas pude ver um dos soldados repreender o outro. Os três se dirigiam a mim.

 — Parado aí! Não se mexa!

 — Façam o que quiserem comigo, mas não me matem, senhores! — fingi uma súplica.

 — Stephen, reviste-o! — falou um dos soldados, com o mosquete apontado para mim. Virando-se para o restante, ordenou: — Não baixe a guarda!

Os três aproximaram-se de mim com cautela. Ao que Stephen pôs-se atrás de mim para apalpar meus pertences, fitei o carvalho nodoso à minha esquerda.

 — Você se acha imbatível, correndo pelo campo daquele jeito, não?

Assim que os três chegaram perto o bastante, mexi com o polegar para remover a tampa da bomba de fumaça. Os soldados ficaram atordoados quando ela explodiu em minha mão, cobrindo os arredores com uma névoa espessa. Prevendo que os mosqueteiros disparariam na mesma hora, me agachei com um giro rápido, acotovelando com força a virilha de Stephen. Ao que ele se debruçou para a frente, levei meu joelho de encontro ao seu queixo. Completei a rotação de meu corpo e saltei para o carvalho.

Comecei a escalar como um esquilo. Chegando à copa do carvalho, saltei a um galho da próxima árvore, e depois para a seguinte. Hesitei brevemente para olhar para trás. Os soldados continuavam cegados, tentando descobrir aonde eu fora. Eu tinha apenas alguns segundos até a fumaça se dissipar e os mosquetes serem recarregados, e aproveitei-os o máximo que pude.

De galho em galho, logo cheguei e escalei a encosta de pedra. Já em Moulton’s Hill, me dei ao luxo de deitar no chão de terra para me recuperar, enquanto ouvia ao longe os guardas que deixara para trás.

Recuperei-me e olhei em volta. A colina em si tinha menos árvores do que seus arredores, mas naquela porção a mata ainda era densa o suficiente para esconder minha presença. Mais à frente, estava o acampamento da reserva dos casacos-vermelhos. Agachando-me atrás de uma árvore, agucei a visão à procura do Alvo.

Entre as dúzias de casacos-vermelhos, vi um homem de rosto seco e peruca empoada, descendo de um cavalo. Era ele. Observei conforme ele analisava o campo de batalha no caminho para Breed’s Hill, junto a alguns outros oficiais. Chegar a ele seria a parte mais difícil, e mesmo se o matasse lidar com o resto da tropa seria um problema.

Pus-me a rodear o acampamento, em busca de uma vulnerabilidade. Em pouco mais de um minuto vi um casaco-vermelho alto e forte caminhando em minha direção. Praguejei mentalmente e engoli em seco. Será que houvera tempo suficiente para os três soldados abaixo da colina colocarem outros homens à minha procura? Encolhi-me atrás de uma árvore por alguns segundos, e respirei aliviado quando o guarda se aproximou de uma árvore, deixou o mosquete de lado e começou a urinar.

Ele podia não estar em minha busca, mas ainda estava no meu caminho, e eu precisava de alguma maneira de chegar ao Alvo. Vendo que o guarda era tão grande quanto eu, uma ideia começou a borbulhar em minha cabeça, embora fosse uma ideia que me desagradava.

Tateei pelo chão até encontrar um par de pedrinhas. Segurando-a, esgueirei-me até o soldado, e mantive-me ereto na face oposta da árvore onde ele se aliviava. Ao perceber que estava quase acabando, arremessei uma das pedras com força para o chão. Ela caiu alguns metros para a frente, e, tal como eu pretendia, o casaco-vermelho a ouviu.

 — Alguém aí? — questionou. Arremessei a segunda pedra para remexer um arbusto próximo. Ouvi o soldado suspirar e senti-o vindo para perto de mim.

Assim que ele passou batido por mim e chegou ao arbusto, eu ataquei. Enrolei meu braço direito em volta de seu pescoço, e amordacei-o com a mão esquerda. Ele levou as mãos a meu braço e tentou se livrar de mim, seus gemidos sendo totalmente abafados. Pensei que ele logo cairia inconsciente, mas em vez disso começou a morder a palma de minha mão com afinco, e então era eu que me segurava para não gritar. O homem era forte o suficiente para resistir ao ataque, então dessa maneira eu não vi escolha. Lentamente afrouxei meu laço em torno de seu pescoço e apontei o pulso para sua garganta.

Torci os músculos do antebraço.

O soldado imediatamente retirou seus dentes de minha mão quando a lâmina oculta atravessou sua traqueia. Ainda tomado pela dor, e querendo garantir que ele estava morto, removi minha mão, ejetei a segunda lâmina para fincá-la em seu coração. A palma de minha mão latejava, e uma lágrima escorreu de mim quando o corpo do soldado perdeu sua rigidez e caiu em meus braços. Não sabia se a lágrima vinha da dor ou da morte. Eu matara mais de um homem desde William Johnson, mas em Lexington as coisas foram tão rápidas que eu mal sentira o que acontecera. E tirar a vida de um homem continuava não sendo fácil.

 — Descanse em paz — murmurei ao cadáver, retirando as lâminas.

Era sorte a minha que o uniforme britânico fosse da cor vermelha. Isso ocultaria o sangue quando eu o vestisse.

Arrastei o corpo do soldado para mais longe do acampamento, chegando quase à encosta da colina. Em sua mochila encontrei pólvora e algumas baionetas, assim como um envelope de papel. Abri-o. Era uma carta da Grã-Bretanha, de uma pessoa que provavelmente era família do soldado. Não ousei lê-la. Joguei fora tudo, deixando na mochila apenas a carta e meu manto de Assassino cuidadosamente dobrado. Escondendo o corpo despido o melhor possível junto com meu arco e flechas em meio à folhagem da mata, retornei à árvore onde minha vítima urinara, na esperança de que seu mosquete ainda estivesse lá. Recuperando a arma, comecei a caminhar para o acampamento. O soldado levava um lenço no pescoço, que eu ergui para cobrir minha boca e nariz. Junto com o chapéu tricorne levemente abaixado, eu esperava que aquilo fosse o suficiente para ocultar minhas origens indígenas do resto dos casacos-vermelhos.

Adentrando o acampamento, observei, alguns metros à frente, o Alvo se separar de um dos oficiais mais jovens e entrar em uma tenda, sozinho. Agora tudo o que eu precisava fazer era segui-lo.

Prossegui pelas laterais do acampamento, com o coração disparado e desviando o olhar de quaisquer homens que se aproximassem de mim. Eu estava tão nervoso que, quando enfim cheguei à tenda, permaneci parado em pé por alguns segundos antes de entrar. “Isto foi estranhamente fácil”, pensei. Mas agora vinha a parte difícil.

 — Parece que essa guerra já começou de fato, meu filho — falava o calmo sotaque escocês do major ao me ouvir entrar. Ele se estendia sobre mapas em uma mesa, e ainda não se voltara para mim. Continuava sozinho naquela tenda, e agora éramos apenas eu e ele. — E agora não há mais volta dela. Uma pena. É uma guerra pela qual não pedimos. Por que pediríamos? São nossos irmãos que estamos matando lá embaixo.

A tristeza em sua voz deu lugar a um leve constrangimento quando ele tirou os olhos dos mapas e viu com quem estava falando.

 — Ah, perdões. Pensei que fosse o tenente William. O que quer, soldado?

Após ficar paralisado por uma fração de segundo, dei um passo à frente e improvisei uma resposta.

 — Eu... trago uma mensagem para o senhor, major. — Levei a mão à mochila do soldado e tirei a carta de lá.

 — Que estranho, este remetente não me é familiar — disse o Alvo, analisando o envelope — Mas agradeço, soldado. Dispensado.

Assenti com um leve aceno de cabeça. Respirei fundo. O major abriu o envelope e ficou de costas para mim. Ele soltou um gemido abafado quando cravei a baioneta do mosquete em suas costas, que provavelmente atravessou por completo suas costelas. Pressionando-o para baixo, deitei-o no chão e retirei a arma. Virei-o e vi seu rosto empalidecer conforme o sangue manchava o solo.

 — Quem... Antes de morrer, posso te perguntar... — Ele mantinha a voz surpreendentemente calma para um homem moribundo. — Que traidor te mandou fazer isso, soldado?

 — Ninguém. — Tentei reconfortar, embora eu mesmo também estivesse atordoado pela adrenalina. Retirei o lenço de minha boca e mostrei-lhe uma de minhas lâminas ocultas. — O fiz por conta própria.

Ele bufou, com desprezo nos olhos, embora ainda estivesse em pânico.

 — A arma de um Assassino. Mas... Por quê? Por que fez isso?

 — Para proteger Adams e Hancock, assim como o povo de Boston, a quem eles servem. Você pretendia matá-los, e...

 — Matá-los? — Pitcairn interrompeu — Está louco? A confusão em Lexington... Eu queria apenas negociar com eles. Havia tanto a discutir. A explicar. Mas você pôs um fim a isso agora.

Ajeitei minha postura e olhei-o nos olhos.

 — Se o que você diz é verdade, levarei suas últimas palavras a eles.

 — Eles devem abaixar as armas. — respondeu, com avidez — Eles têm que parar esta guerra!

 — Por que eles e não vocês?

 — Acha que não perguntamos a mesma coisa à Coroa? Essas coisas levam tempo. E se não fosse o atirador miserável que começou aquela batalha em Lexington, tudo teria dado certo. Eu cumpriria o meu papel.

 — O papel do mestre de marionetes.

 — O povo sempre será uma marionete. Melhor que as cordas sejam controladas pela Ordem do que por outra pessoa.

 — Não! — retruquei — As cordas deveriam ser cortadas! Todos deveriam ser livres!

O major Pitcairn soltou uma risadinha honesta.

 — E todos nós deveríamos viver para sempre em castelos no céu. Você empunha a sua lâmina como um homem, mas a sua boca como uma criança. E mais pessoas morrerão por causa de atitudes assim.

Ele ofegou e soltou a cabeça no chão. Já estava completamente branco a essa altura, e começava a respirar muito lentamente. Fechei os olhos.

 — É melhor acreditar em algo do que em coisa nenhuma — recitei em minha língua materna, enquanto fincava minha lâmina em seu abdome. Ele descansou, inanimado. O trabalho estava completo. — Descanse em paz.

Levantei-me, tentando manter a calma. Limpei o excesso de sangue na ponta do mosquete, novamente pus o lenço por cima da boca e deixei a cabana. Mal andara cinco metros quando o mesmo oficial jovem de antes cruzara meu caminho, em direção à tenda. Ele não usava peruca como o major, mas os traços rígidos de seu rosto eram praticamente os mesmos. “De novo não”, pensei, desviando-me do caminho do tenente William Pitcairn. Ao menos agora as circunstâncias eram bem diferentes.

Dirigi-me para o meio de um agrupamento de uma dúzia de casacos-vermelhos, e discretamente caminhei até o local onde eu deixara meu arco.


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Notas finais do capítulo

Dois já foram, agora faltam três! Espero que tenham curtido as minhas alterações no modo como a batalha se deu no jogo. Não ouso dizer que ficou mais realista (até porque o que o Connor fez pra atravessar o campo de batalha, tanto lá quanto cá, é impossível demais :v ), mas eu tinha que dar um jeito de incluir o Clipper, e ainda mostrar um pouco da abordagem de um Assassino em ação.

O próximo capítulo irá demorar um pouco mais: em vez de sair na próxima sexta-feira, vai vir na semana seguinte, 17 de Agosto. Os capítulos vão passar a vir quinzenalmente por um tempo, porque os próximos capítulos serão completamente originais (ou seja, não adaptados do jogo), e eu quero ter um pouco mais de segurança neles.
Abraços e até a próxima! :)



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