Espírito de Revolução escrita por GilCAnjos


Capítulo 31
O Conflito se Aproxima


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, pessoal! Como vão? Esse capítulo está saindo com um dia de atraso, então já queria pedir desculpas por isso. Mas sem mais delongas, vamos em frente. Hoje conheceremos o novo recruta da Irmandade!



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 — Vem a passagem ou para ficar?

 — Por que eu escolheria ficar numa cidade sob sítio?

 — Responda a pergunta, por favor.

 — Estou de passagem. Pretendo voltar ainda hoje.

 — Certo — confirmou o miliciano — Pode entrar, mas terei de confiscar isto. — O miliciano que guardava a entrada do Boston Neck apontou para as pistolas de pederneira em minha cintura. — Nenhuma arma de fogo entra ou sai.

Fitei-o, desconfiado.

 — Eu não sou um Tory. Tenho até conhecidos no Congresso que podem...

 — Não me interessa — interrompeu — Sem exceções. Sinta-se grato por os casacos-vermelhos concordarem em deixar gente transitar, mas ainda assim não podemos arriscar nenhum contrabando de armas. Você pode tomar suas pistolas de volta quando sair.

Bufei, resignado, e entreguei as pederneiras ao soldado. Ele as depositou em uma caixa de madeira e pediu-me para assinar alguns papéis. Mas o que dizia era verdade. Depois que a cidade de Boston entrou em estado de sítio no resultado da batalha de Concord, levou mais de um mês até que qualquer pessoa pudesse transitar para dentro ou fora da cidade pelo Neck, o único acesso por terra à península. Eu tentara antes entrar para me encontrar com Stephane e Duncan, sem sucesso; portanto entregar as pederneiras parecia um preço bom para finalmente ser permitido na cidade.

 — Vá em frente. — Ele comandou, e comecei a cavalgar ao lado dos piquetes em direção às muralhas de Boston.

As milícias de Massachusetts Bay ganharam uma vitória suada após as batalhas de Lexington e Concord, em suas emboscadas contra os casacos-vermelhos na estrada até Boston, e essa vitória de forma alguma seria desperdiçada. Conforme as tropas britânicas corriam para adentrar a cidade pelos portões do Neck, as milícias puseram-se a postos para se assegurar que nenhum dos casacos-vermelhos que entraram conseguiria sair. Sob a liderança do veterano de guerra Artemas Ward, os soldados inexperientes montaram cerco por volta de todo acesso às penínsulas de Boston e Charlestown.

Quando cavalguei até a cidade naquela noite enluarada, passei ao lado de uma colina na aldeia de Roxbury, já completamente fortificada e com canhões leves apontados ao Neck. Mais a nordeste, as fortificações em Dorchester Heights demonstravam uma ameaça um tanto maior aos casacos-vermelhos em Boston – se tivessem canhões suficientes, os rebeldes teriam alcance para bombardear todo o sul da cidade.

E naturalmente, o Exército Britânico respondeu com suas próprias fortificações. Os bastiões que protegiam o acesso por terra estavam armados e virados para Roxbury, enquanto um outro reduto de canhões de médio porte apontava para Dorchester. E a oeste do Neck, um blocausse armado com mosqueteiros vigiava a foz do rio Charles.

Cavalguei até os bastiões, onde mais uma vez fui revistado por soldados, desta vez britânicos, que nada encontraram e me deixaram passar. Quando enfim cheguei a Copp's Hill, entrei na sucursal para encontrar Stephane Chapheau sentado à mesa, com um garoto jovem, com mais ou menos a minha idade, conversando à luz de uma lanterna.

 — Connor, você conseguiu vir! Magnífico.

 — Como estão as coisas na cidade? — questionei, olhando para o rapaz.

 — Tensas. Cada vez mais Tories tentam entrar em busca de refúgio, e cada vez mais Whigs tentam sair para fugir dos casacos-vermelhos. Sem comércio por terra, o preço da comida está aumentando, e todos se perguntam quando vai ser a próxima batalha, com medo de que ela seja aqui na cidade mesmo. Soldados estão se instalando na casa de cidadãos contra sua vontade, mas Duncan está por aí, tentando convencê-los a deixar o povo em paz.

 — E os Whigs também não estão mais na cidade, estão?

 — Não mesmo, para eles voltar a Boston seria o mesmo que se algemar e caminhar até a prisão. Estão todos pelo interior, comandando os rebeldes. Adams e Hancock, no entanto, já estão lá embaixo na Filadélfia. Ficou sabendo que o novo Congresso Continental já começou? Depois do que houve em Concord, essa vai ser uma reunião demorada. — Ao que eu afirmei com a cabeça, dirigi meu olhar ao moço a seu lado. Percebendo-o, Stephane se levantou e apresentou: — Bah, onde estão meus modos? Connor, conheça Clipper. Creio que ele possa ser uma adição valiosa a nossa causa.

Clipper se ergueu e me cumprimentou.

 — Ouvi muito de você. Clipper Wilkinson, às suas ordens.

Confuso e ainda incerto se podia confiar nele, resignei-me e cumprimentei-o também.

 — Obrigado, Clipper. Se eu puder perguntar, qual é o... seu papel nisso?

Ele deu de ombros.

 — Sou da Virgínia, mas vim pra região já há alguns anos. E por um acaso me alistei nas milícias dos rebeldes. Não gosto dos casacos-vermelhos querendo mandar no povo comum.

 — E esqueceu de dizer o principal? — Stephane caçoou. — Clipper é o melhor franco-atirador que eu já vi.

 — Não viu muitos franco-atiradores então. — Ele respondeu, humilde.

 — Veremos isso em breve — comentei — Haverá mesmo uma batalha em breve?

 — Ah, claro. — Stephane disse, começando a andar até a porta dos fundos. — Sigam-me!

Ao sair para o quintal dos fundos, seguimos Stephane por uma escada de madeira até os telhados do prédio. Copp’s Hill era uma colina alta, e de seu topo podíamos ver metade de Boston sob a luz da lua. Ao sul e por trás de vários prédios e árvores, podíamos ver ao longe o farol solitário de Beacon Hill, um dos morros de Boston Common ocupado por tropas inteiras de casacos-vermelhos. Tendas e soldados já podiam ser vistos logo em volta do farol, que apesar da noite, estava apagado, já que ele era usado apenas para avisar a população em caso de emergências. E quando virávamos para o norte, a península de Charlestown se deitava sob a nossa vista. Na borda de nossa colina, uma bateria de casacos-vermelhos estava estacionada atrás de largos muros, virados diretamente para Charlestown, separada de Boston por mais de 300 metros de água.

Sem navios em sua posse, as milícias de Massachusetts nenhuma ameaça podiam impor à Marinha Real, e o domínio britânico sob a enseada permaneceu intacto. O canal entre as duas cidades, portanto, estava sendo patrulhado por dois men-of-war, gigantescos navios de elite que não teriam problema para bombardear qualquer uma das cidades caso tivesse os armamentos necessários. E eu sabia que além desses, mais meia dúzia de navios de linha patrulhava o acesso ao mar a leste da cidade. A oeste, o rio também era vigiado por canoas e um blocausse de franco-atiradores com mosquetes perto do Neck.

 — É pra lá que os casacos-vermelhos vão. — Stephane anunciou, apontando para a cidade do outro lado do rio.

 — Charlestown? — questionei.

 — Sim. Consegui bisbilhotar os planos do major Cane no meu horário de folga. Você ficaria impressionado com o quanto um simples cozinheiro ouve lá no forte.

 — Prossiga. Qual é o plano deles?

 — Ah, claro. Charlestown é pequena, a península, nem tanto. As colinas de lá, Breed’s e Bunker Hill, ainda estão desocupadas. E se eles as capturarem, bem...

 — Os soldados teriam um ponto de vantagem.

 — Dois, na verdade. Bunker Hill é mais alta e está mais próxima das milícias, portanto ela é o alvo principal. E Breed’s Hill tem quase a mesma altura de Copp’s, e, com ela, protegeriam também Boston.

 — As milícias estão sabendo disso?

Stephane virou-se para Clipper.

 — Já levei essa informação, senhor. A essa altura as tropas do coronel William Prescott já devem estar chegando a Bunker Hill. São mais de mil, e eu ainda terei de me juntar a eles pela manhã.

 — Porém, não passaram despercebidos — adicionou Stephane — Os batedores britânicos já viram o movimento das milícias. O ataque a Charlestown estava planejado para daqui a dois dias, mas eles têm que agir ainda hoje se não quiserem perder a chance.

Assenti, pensativo.

 — E quem os liderará? — perguntei, querendo saber aonde Stephane queria chegar.

O canadense sorriu.

 — Um dos flancos será comandado pelo general William Howe, e outro por Robert Pigot. O flanco de reserva, no entanto, será liderado por um velho conhecido nosso.

 — John Pitcairn — completei.

 — Bingo.

 — Então devo partir para Charlestown nesta madrugada. Quando a batalha começar, não posso perder essa oportunidade.

 — Com certeza. Porém, considerando que o major estará com a tropa reserva, é provável que ele não esteja no centro da peleja. Você precisará flanquear a tropa inteira se quiser chegar até ele.

Suspirei. Não seria sensato me arriscar em outra batalha para uma missão potencialmente suicida. Mas eu não tinha escolha.

 — Eu irei com você. — Clipper mais uma vez levantou a voz. — Eu faço parte das milícias, comigo por perto você conseguirá acompanhá-los. Cobrirei sua retaguarda durante a batalha, e se Pitcairn estiver fora do seu alcance, eu mesmo posso tentar matá-lo à distância.

 — É um bom plano — confirmei — Pitcairn é precavido, dificilmente sairá de seu ponto seguro. Veremos o quão bem você consegue atirar.

Wilkinson respondeu com uma risadinha.

 — Espero não desapontar. Agora, há uma casa em Roxbury onde podemos descansar pela noite. Minhas coisas já estão lá.

E assim fizemos. Uma nova missão, e desta vez com companhia. Por um lado, era bom que nossa Irmandade estivesse crescendo, mesmo que lentamente, mas por outro eu não sabia se podia confiar em Clipper com tanta prontidão. Stephane me jurou que ele era um bom rapaz, mas o próprio Stephane não era ainda um Assassino oficial. Achilles desaprovaria, ainda mais por ele fazer parte das milícias, mas meu sentido aquilino também não mostrava quaisquer motivos para duvidar das intenções de Clipper. Porém não era o seu caráter que me preocupava, e sim seu bom-senso.

 — Se eu puder perguntar, Clipper... — comentei conforme cavalgávamos para o sul — De onde você e Stephane se conhecem?

O rapaz se mostrou desconfortável, olhando em volta, para a rua onde apenas uma meia dúzia de pessoas ainda estava fora de casa.

 — Bem, a essa hora da noite não há muita gente pra ouvir a conversa. Suponho que não há tanto perigo.

 — Algo não completamente legal?

 — Por aí. Eu e alguns amigos estávamos tentando... — Ele guiou seu cavalo para mais perto de mim, e, sussurrando, continuou: — ...levar algumas armas para fora da cidade.

Assenti.

 — Para as milícias?

 — Exatamente. Mas aí parece que alguns soldados ficaram sabendo do contrabando. Stephane deve ter ouvido algum deles mandar homens para nos apreender. Os casacos-vermelhos confiscaram as armas, mas após fugir deles, Stephane me achou e me ajudou a me esconder. Fui o único que escapou.

 — E esses seus amigos foram presos?

 — Quem dera. Foram mortos assim que os alcançaram. Um deles nem estava armado, se rendeu na hora. Os coitados não tiveram nenhum julgamento, nem nada, só foram fuzilados como uma raposa num galinheiro.

Engoli em seco.

 — Sinto muito.

 — Obrigado. Quando soube o que tinha acontecido com eles... Eu não podia apenas fugir. Tinha de fazer alguma coisa. E foi então que Stephane me convidou.

 — Vejo que você não teve problemas para se identificar com a Irmandade então.

 — Não, senhor. Os Assassinos buscam paz por meio da liberdade, e liberdade é o que o povo mais precisa no momento. Quando não é o Parlamento tirando o emprego dos trabalhadores de bem, é o Exército reprimindo qualquer voz que não concorde com eles. Mas e você, Connor, por que escolheu se tornar um Assassino?

 — Pra mim foi mais um dever do que uma escolha — expliquei, levando a mão ao meu colar — Foi-me dito que meu povo correria perigo se eu não o fizesse. Quando eu era pequeno, vi em primeira mão a destruição que os Templários trazem. Incendiaram minha aldeia e mataram minha mãe porque os chefes se recusaram a colaborar com eles. Eu não estava disposto a deixar isso acontecer de novo.

 — Sinto muito pela sua perda. Mas então nós dois o fizemos para ajudar nosso povo. Eu estava morando em Natick até uns meses atrás. O tenente John Bacon acabou mandando a mim e alguns outros pra Boston, para trazer armas às milícias. Não pude ver as batalhas em Lexington e Concord, mas eu conhecia gente que lutou lá. Eles são um povo simples, que só queria manter transgressores fora e viver suas vidas. O Exército veio para supostamente manter a paz, mas como pode haver paz quando todo mundo só tem medo deles?

 — Eu diria que eles vieram para manter o controle. O controle sempre foi o objetivo templário, e mantê-lo por meio do medo tem sido seu método há muito tempo. A influência da Ordem nos casacos-vermelhos é bem óbvia, já que há mais de um oficial Templário em suas linhas.

 — Não surpreende. Esta guerra foi começada pela elite, por homens ricos e generais que queriam apenas salvar o próprio dinheiro das Leis Intoleráveis. Mas, como em todas as guerras, é o povo comum que paga o pato.

Dei um sorriso de assentimento. A essa altura nós dois já alcançávamos as fortificações do Boston Neck, portanto cessamos o diálogo. Não seria seguro continuar tratando da Irmandade tão perto dos ouvidos britânicos. Passamos pelas revistas rotineiras, primeiro no lado britânico e depois no lado rebelde, onde após uma longa explicação consegui enfim reaver minhas pederneiras.

Já era madrugada quando deixamos a península e começamos a nos dirigir à aldeia de Roxbury.

 — Sobre o que você disse antes, Clipper... — Quebrei o silêncio. — É bom ver que você pensa assim. O povo deve ser sempre a prioridade dos Assassinos. Travamos nosso conflito com os Templários para garantir liberdade a todos, não apenas à elite. As milícias e os Whigs são apenas os meios ao nosso alcance para garantir esse objetivo. — Fiz uma breve pausa e então tornei a dizer: — Por falar nisso, Clipper... Eu devo me assegurar de sua lealdade.

O rapaz pareceu não entender.

 — Como assim?

 — Não duvido de suas intenções. Nós, Assassinos, valorizamos a individualidade, então não vejo mal em você tomar um partido nessa guerra, até porque os ideais dos rebeldes estão próximos o suficiente dos nossos. Mas se quiser ser um Assassino essa não é a única guerra que você terá de travar. O que você faria se, por exemplo, algum dos seus superiores lhe ordenasse que matasse a mim? Ou a Stephane? Essa rebelião é o seu meio ou o seu fim?

Wilkinson matutou por um longo instante.

 — Se um dia chegar a isso... — retomou — Bem, acho que um desertor a mais não fará tanto mal aos rebeldes.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da aparição do Clipper. Acho que para essa história não seria justo focar apenas na Revolução sem mostrar um pouco da expansão gradual da Irmandade. Esse já é o terceiro recruta de Connor, e eu gostaria de empregar todos os seis na história se possível.
Por falar nisso, vocês devem ter percebido que eu mudei um pouco das circunstâncias em que Clipper e Connor se conhecem. No jogo a missão para desbloqueá-lo envolve homens sendo recrutados para o Exército Britânico contra sua vontade, como um plano dos Templários. Como eu não encontrei nenhum correspondente da vida real para essa missão, resolvi ignorá-la e introduzí-lo por outra abordagem. Espero que tenham gostado do capítulo! :)

A tempo, caso alguém tenha ficado curioso, aqui está um mapa da península de Charlestown, que pode ser útil para acompanhar o próximo capítulo: https://www.nps.gov/bost/learn/historyculture/images/Charlestown_1775_Map_web.jpg
Na semana que vem, a Batalha de Bunker Hill!



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