Espírito de Revolução escrita por GilCAnjos


Capítulo 14
O Último Verão


Notas iniciais do capítulo

Bom dia a todos! :D Tudo bem? Fiquei algumas semanas sem postar mas, como prometido, cá estou de novo com mais um capítulo. Hoje teremos um episódio original da infância de Ratonhnhaké:ton, servindo como um interlúdio entre a Parte 1 e a Parte 2 da fanfic.
E, claro, já quero pedir desculpas a todos pelas ausência nas últimas e nas próximas semanas. Como eu já disse, quero adiantar alguns capítulos antes de voltar a postar, para garantir a qualidade e coerência da história e etcétera, mas o problema é que nesse mês as aulas da minha faculdade voltaram, o que significa que eu já tô cheio de coisa pra fazer e muito pouco tempo livre.
E por isso peço desculpas, tanto aos leitores quanto àqueles cujas fanfics eu prometi ler. É um saco pra mim também, mas eu estou tentando arranjar tempo livre o máximo que posso.
Bem, de qualquer modo, vamos ao capítulo de hoje! :) O próximo pode demorar um pouco, mas ele chegará!



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No verão de 1760 foram travadas as últimas grandes batalhas da Guerra Franco-Indígena. A operação britânica de impedir que reforços franceses chegassem por mar foi um sucesso, finalizando o cerco ao exército rival. A soberania das tropas do Rei Louis e, paralelamente, o poder da Irmandade dos Assassinos, estavam com os dias contados.

Eu, no entanto, estava na época completamente alheio a toda e qualquer política. Enquanto as forças francesas sofriam para realizar sua última resistência em Montréal, eu, com meros quatro anos de idade, estava mais concentrado em colher mirtilos com minha mãe. Eu não sabia ainda, mas seria o meu último verão com ela.

 — Ratonhnhaké:ton! — dizia ela — Não corra para muito longe!

Ao ouvir isso, desacelerei e esperei-a me alcançar. Estávamos num morro em um campo aberto, depois de meia hora de caminhada desde Kanatahséton. O céu estava limpo, e o sol estava escaldante para os padrões norte-americanos. Minha mãe havia sido encarregada de coletar frutas da estação pelos bosques e trazê-las à aldeia, e resolvera me levar junto. Ela carregava duas cestas de palha enquanto tomava fôlego para fazer a subida do morro.

 — Você tem mesmo energia de sobra, meu filho! Mas estamos aqui para colher frutas, não apostar corrida.

 — Mas é isso mesmo — respondi-lhe — Tem frutas frescas mais pra frente. Acho que são mirtilos.

 — É mesmo? — Minha mãe já estava me alcançando quando fez essa pergunta, com uma certa incredulidade. — Como tem tanta certeza?

 — Sinto o cheiro deles. Parecem maduros.

 — Não dá para sentir o cheiro de mirtilos a uma distância dessas, Ratonhnhaké:ton.

 — Bem, só se for outro cheiro. Porque eu estou sentindo alguma coisa.

Era o meu sentido aquilino se manifestando, mesmo que então eu não pudesse sequer conceber algo assim. Minha mãe claramente duvidava, mas disfarçou com um sorriso acolhedor.

 — Sim, claro. — Ela se agachou e revirou algumas folhas caídas no chão, notando algo de interesse. — Está vendo isso aqui? Parecem pegadas de guaxinim. Guaxinins adoram mirtilos, então podemos seguir esses rastros até a floresta e ver se você está certo.

 — Combinado. — Eu respondi, animado. Me atentei ao redor, procurando por rastros de animais, embora com pouco sucesso.

Após alguns minutos, árvores surgiam em nosso caminho, indicando o início dos bosques fechados.

 — Será que veremos algum predador? — perguntei, hiperativo — Um lobo ou talvez um urso?

 — Nesta região, não. Ainda estamos próximos demais dos arredores da aldeia.

 — Kanen’tó:kon disse que o pai dele lutou com uma alcateia inteira na semana passada. E por essas bandas mesmo!

 — E você acredita nas histórias que Kanen’tó:kon conta? — Minha mãe perguntou, rindo. — Diga, meu pequeno farejador de mirtilos: sente o cheiro de algum lobo ou urso?

 — Na verdade não. Só de alces.

 — Alces?

 — Sim, cheiro de alce. Não devem estar muito longe.

 — Também duvido que encontremos algum nessa região, filho. — Ela colocou a mão em meu ombro. — Mas, de uma coisa tenha certeza: comigo por perto, não deixarei nenhum urso, alce ou um esquilinho sequer te machucar, Ratonhnhaké:ton. Entendeu?

 — Sim. — Eu disse, com um sorriso. — Obrigado, mãe — completei, abraçando-a.

Após mais alguns minutos de caminhada, nos deparamos com arbustos cheios de mirtilos.

 — Eu não falei? — disse à minha mãe.

 — Um palpite de sorte, não? — respondeu ela, rindo — Agora pegue uma cesta e comece a colher os mais maduros.

Começamos a vistoriar as frutas, e colhemos o suficiente pra encher cada uma das cestas. Colhemos frutas o bastante para a aldeia por no mínimo uma semana. Após mais ou menos vinte minutos, minha mãe decidiu que podíamos ir.

 — Ratonhnhaké:ton, vamos! Já temos o bastante, rapazinho.

 — Certo. — Eu respondi, pegando um último mirtilo do arbusto e o colocando em minha boca. Levantei-me e andei até ela para irmos embora, quando de repente ouvi um trote baixo vindo da floresta. — Que barulho foi esse?

 — Barulho?

 — Parecem cascos de animal.

 — Não deve ser nada, filho. Vamos logo.

 — Só um minuto. — Eu disse, colocando a cesta no chão. Sorri para ela e completei: — Vou ver o que é e já volto.

Ela retrucou:

 — Nada disso, rapazinho. Não estamos apostando corrida nenhuma, lembra?

 — Só porque você sabe que perderia — zombei.

 — Mas o que... Não sou tão velha assim, meu filho! — Ela riu.

 — Então prove! — Eu saí correndo pela mata.

 — Ora, seu... — Minha mãe disse, logo antes de avançar atrás de mim.

Corremos rindo pela mata até o momento em que ela me alcançou e, com um abraço, deitou-me no chão. Ela começou a me encher de cócegas e beijinhos, me deixando afogado em gargalhadas.

 — Haha! Pare, mamãe!

 — Ah, isso é pra aprender a não me subestimar, malandrinho! — Ela disse, carinhosa.

 — Tudo bem. — eu gargalhei mais — Desculpe-me!

 — Claro que desculpo, Ratonhnhaké:ton. — Ela me largou e se deitou na grama — Ah, agora sim, vamos embora, filho.

Um som alto cortou nossa conversa. Era o gemido de algum animal. Quando nos viramos na direção do som, nossos olhares se depararam com um alce uapiti, grande e majestoso, alguns trinta metros à frente.

 — Viu? Eu disse que sentia cheiro de alce! — Eu disse, feliz.

Minha mãe estava embasbacada.

 — Você estava certo mesmo... Parabéns, Ratonhnhaké:ton! — sussurrou, fitando a beleza do alce. — Agora fale baixo. Não queremos assustar ela.

 — Sim — concordei. — Nós vamos caçá-lo?

 — Como? Por quê?

 — Deve dar bastante carne para a vila. Você sabe caçar, não?

 — Sim, mas não podemos caçar indiscriminadamente. Saksa:ri não te ensinou o que é ser um caçador? — Ela apontou para o animal. — Todos as criaturas que caçamos são presentes da Mãe-Natureza, mas nós não somos superiores para querer pegar demais. Está vendo como aquele alce não tem galhada?

 — Sim.

 — Isso quer dizer que é uma fêmea. E, a julgar pelo tamanho das mamas, ela acabou de ter um filhote. — Bastou que ela dissesse isso para que um pequeno e frágil filhote de alce chegasse perto da maior. Ele se entrelaçou entre suas pernas e levou a boca às suas tetas, para se alimentar com o leite materno. — Está vendo, Ratonhnhaké:ton? Aquela alce e seu filhote não são muito diferentes de mim e você. — Ela colocou o braço em volta dos meus ombros — Seria justo caçar a mamãe alce sem motivo?

Ficamos por alguns segundos ali, contemplando aquela imagem com um sorriso no rosto. Isso durou pouco, pois não muito depois ouvimos um estrondo que era certamente um tiro de rifle. Os alces não foram feridos, mas correram para longe em espanto. Ficamos confusos.

 — O que foi isso, mamãe? — perguntei, curioso.

Ela se levantou e levou uma mão para trás de sua cintura.

 — Deve ser algum caçador estúpido — respondeu, visivelmente brava. — Venha.

Ela começou a caminhar na direção de onde havia vindo o tiro. Em cem metros, encontramos o caçador. Ele era branco, vestia roupas leves e estava esfolando o castor no qual havia acabado de atirar. Ao seu lado estava um rifle recém-disparado soltando fumaça. Minha mãe se aproximou e se dirigiu ao caçador em Inglês, soando ameaçadora:

 — Senhor, com licença, mas o que está fazendo?

O homem, que antes não parecia ter notado nossa presença, levantou o olhar para fitar minha mãe e respondeu, calmo:

 — Apenas criando um sustento, moça. Pra viver pelos próximos dias.

 — Às custas dos animais das nossas terras, então?

O caçador, parecendo incomodado, levantou-se para falar a minha mãe:

 — Não vejo o nome de ninguém nele. Qual é o problema de ganhar um dinheiro justo vendendo peles?

 — O problema é que esses animais são mais do que apenas produtos. Eles são nossa comida e a nossa floresta, não suas peles e dinheiro. Você os mata à toa pelos seus desejos fúteis.

 — Veja, moça, é apenas o ciclo da vida. Eu...

 — Não me interessa. Ou devo acreditar que esse castor é o único que você pretende matar hoje?

 — Essas peles são valiosas. — O homem prosseguia, enfático. — Não foi por elas que os franceses começaram a invadir nossas terras? Agora que estamos ganhando essa maldita guerra, não vejo o que me impede de criar um negócio honesto.

—Honesto? — Minha mãe respondeu, ultrajada. — Que honestidade? Não há franceses invadindo terras britânicas! O que vejo agora é apenas franceses e britânicos se aproveitando de terras iroquesas! Eu quero que você deixe esse rifle e não retorne mais às nossas regiões.

O caçador se agachou e tomou a arma em mãos.

 — Este rifle? — Ele perguntou. Ao que minha mãe assentiu, ele retomou: — E se eu não quiser? O que acontece?

 — Eu mesma te mato. — Ela vociferou em resposta.

O caçador se mostrou surpreso, mas em seguida começou a rir. Antes que ele pudesse dizer algo, minha mãe retirou da cintura uma pequena adaga de pedra. O homem se assustou e tentou preparar o rifle para se defender. Ela, no entanto, avançou contra ele mais rápido do que ele poderia reagir, chocando o seu rosto com a coronha da arma. Em poucos segundos o caçador se encontrava imobilizado, com minha mãe atrás dele pressionando a adaga contra sua garganta. Murmurei, surpreso ao ver aquela cena. Minha mãe aproximou sua boca do ouvido do caçador e prosseguiu:

 — Para a sua sorte, eu nunca teria coragem de matar uma pessoa na frente do meu filho. Mas não duvide de minhas palavras. Largue seu rifle, deixe-o aqui junto com os restos desse castor, e não retorne mais a terras iroquesas. Ou cumprirei a minha palavra. Entendido?

O homem, em pânico, largou a arma e resignou-se:

 — Sim, moça.

Ela largou o caçador, arremessando-o para longe. Encarou-o com olhos ríspidos, e nós dois observamos conforme ele saía de nossa vista. Minha mãe se agachou e tirou as balas do rifle. Ela as guardou e, deixando a arma para trás, deu a mão para mim. Com um tom carinhoso, comentou:

 — Esquecemos as cestas de mirtilos, Ratonhnhaké:ton. Vamos voltar para pegá-las e então ir pra casa, sim?

Eu concordei. Naquele dia eu fiquei surpreso ao ver o quanto minha mãe podia ser forte. Ela poderia ter matado o homem, mas não o fez simplesmente por causa da minha presença. Que eu saiba o caçador nunca voltou, mas não duvido que minha mãe cumpriria a promessa de matá-lo. Apesar da neutralidade da nossa aldeia na guerra, ela via os colonos europeus como uma ameaça aos povos iroqueses. Pouco depois essa visão se mostrou certa.

Ela sempre dizia que faria qualquer coisa para me proteger. Mas foi apenas três meses depois que eu vi o que isso realmente significava.


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Notas finais do capítulo

Agora mudando de assunto, eu acabei de ler as regressões da novelização oficial do filme Assassin's Creed, e gostei bastante delas. Pra quem não sabe, os Assassinos mantidos pela Abstergo no filme são todos descendentes de personagens importantes dos jogos, e essas regressões no fim do livro são histórias inéditas sobre os ancestrais de cada um deles - Yusuf Tazim, Shao Jun, Duncan Walpole e Baptiste.
Não li a novelização completa, porque, né, falta de tempo livre (sem falar que é a mesma história do filme), mas as regressões são contos curtos que dão uma luz bem interessante em quem esses personagens eram antes de seus respectivos jogos. Gostei bastante delas, apesar de a regressão do Baptiste ter contradito algumas coisas da minha fanfic anterior, Captura em Le Cap :v . Mas é a vida, né, hahaha



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