Amy! escrita por Kcoruja


Capítulo 15
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

Voltei :)



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Eu ainda estava perdida pelo choque de tudo que li, de tudo que eu vi, quando Lúcia apareceu através da porta de vidro que separava visitantes dos internados, ela estava radiante apesar de tudo, descobrir que tem tratamento tirou uma ilha das costas dela. Com Duda sonoleta nos braços dela e isa dormindo nos meus fomos para o carro em silêncio. Eu estava perdida demais em mim para perguntar como tinha sido, ela pareceu notar e falou comigo apenas quando eu precisava virar em algum lugar. Já era noite quando chegamos a pequena casinha de dois andares, deixei o carro na porta da garagem, tinha um carro do outro lado da rua e eu não ia me arriscar a tentar colocar o espaçoso Chevette na garagem. Levamos as meninas para o quarto e o cheiro de comida já inundava o local, Júlio estava cozinhando. Observei Lúcia o abraçar por trás e lhe depositar um beijo carinhoso que eu ainda não tinha visto entre eles, e pela surpresa de Júlio notei que entre os dois as coisas não estavam tão amáveis assim.
" Pelo jeito deu tudo certo, o que ela tem?"
Lucia explicou rapidamente, sem entrar em detalhes e eu vi o rosto dele se iluminar com a palavra tratamento, o susto realmente tira as pessoas do ar. Elas perdem o ritmo, o chão, a vida. E é incrível o fato de meia duzia de palavras trazerem tudo que elas perderam de volta, observei Júlio dar um beijo e rodar Lúcia no ar de felicidade e quando a campainha tocou eu me lembrei que tinha que ir embora, mas por mais assustador e incrível que fosse pela primeira vez eu queria me despedir das pessoas, abri a porta e dei espaço para todas aquelas pessoas entrarem por duas vezes, a última pessoa a pequena dona Maria, entrou calmamente olhando em meus olhos e se reteve por alguns segundos.
"O que a Dudinha tem é tão grave assim?"
Franzi o cenho e neguei.
" Lúcia estava só esperando a senhora chegar para explicar tudo."
Pouco depois ela desceu com as meninas as três de cabelo molhado, começou a paparicação com as crianças no mesmo instante e então ela veio até perto da porta que eu estava.
" Vem vou te arrumar outra roupa para usar, você deve estar cansada, e um banho ajuda."
Subi a pequena escada atrás dela e quando entramos no quarto ela fechou a porta e me encarou por um segundo.
" O que aconteceu? Achei que você ia ficar tão feliz quanto eu quando descobrisse o que é, eu vi quão nervosa você estava, o que houve? De verdade?"
Quando ela acrescentou as ultimas palavras, ela sabia que a minha intenção era mentir, eu também sabia, mentir tem virado quase uma compulsão de tanto que tenho feito, respirei fundo e deixei meus ombros caírem, eu não sabia como explicar tudo, eu não queria explicar o que houve, dizer que eu assisti meu velório parece tão psicótico que eu não sabia falar, optei então por adiantar a verdade alguns dias.
" Eu estou feliz, de verdade muito feliz, mas como já sabemos o que houve eu sei que o meu tempo aqui já passou, eu vou embora depois do jantar se não se importar quero me despedir da sua família."
"Ficou louca? É claro que eu me importo."
Era impossível descrever o susto que tomei com tais palavras e o quão triste eu fiquei, pensei ter achado uma família, mas eram só pessoas. E foi quando meus olhos não seguraram as lágrimas que ela me apertou em um abraço e continuou.
" Depois de amanhã é véspera de natal e nunca na vida que eu vou permitir que a mulher que salvou a vida da minha Filha, a tia delas, passar esses dias especiais na rua, você fica, nem se for até o dia 26, a família é grande e sempre tem espaço para mais um, fora que tem muita gente para você conhecer ainda."
Foi impossível recusar e conter o sorriso, tanto que pelas horas que se seguiram eu era outra pessoa, eu era a Júlia que comia brigadeiro de panela queimado na casa da Lily, eu não era a Amy que escondia tudo, e nem a Júlia perfeita, eu era só eu. Mãos sujas roupa também, risadas espontâneas e felicidade plena, não sei se eu imaginei que em algum momento depois de sair de casa eu ia me sentir assim plena e completa novamente. Mas era exatamente assim que eu me sentia.
A magia brasileira do natal chegou e se instalou, não tinha neve, não tinha ruas enfeitadas, não tinha lareira, apenas uma pequena Árvore de natal colocada estratégicamente no canto da sala, mas em compensação todos exalavam aquele sentimento de amor e compaixão que o natal tem que ser. Não era nenhuma propaganda de produtos natalinos mas a partilha e o sorriso estavam presentes em todos. Ainda não era véspera de natal mas nessa família o natal era todo dia e eu não havia notado isso até aquele momento, existem pessoas que não vivem o natal uma vez por ano elas são natal, são nascimento de alegria e sentimentos bons e Lúcia naquele momento desde que houve a primeira crise de Duda era natal por completo. E por consequência eu também, a plenitude que se estampou em minha alma pelos dias que se seguiram eram indescritíveis. Apesar da correria que se fazia presente na extensa rotina de auxiliar alguém em determinadas coisas, compra de presentes, mantimentos, roupas eu me senti bem, eram coisas que eu sempre gostei de fazer, comprar e escolher coisas que por um segundo ou dois fossem trazer felicidade pra alguém. Em meio a essa correria que me deslocava de um lugar para o outro sem eu nem ver não tive tempo de pensar e digerir a realidade dos últimos acontecimentos, nos poucos segundos que eu permanecia sozinha antes de dormir eu me perguntava se meus pais eram tão maldosos assim, ou se foi tudo um grande mal entendido, não sei, alguma coisa parecia tão surreal que eu não aceitava esse fato completamente ou eu apenas estava renegando minha morte, a morte dela, não sei, eu já estava perdida a ponto de não saber diferenciar ela de mim.
Talvez ela sempre foi como eu apenas nunca enxergou, ou eu sempre fui ela e acabei me perdendo, éramos uma só afinal, uma única pessoa dividida em duas partes sofredoras por nunca poderem ser completas, não somos completas, nem eu nem ela e sentimos falta uma da outra; mas sei que sou egoísta a ponto de não permitir que ela se aproxime de mim novamente, ela é mais forte que eu, mais velha e mais vivida e que eu sei que ela pode me destruir em um piscar, apenas ela pode fazer isso, me fazer voltar correndo para o lugar que ela deveria estar com apenas um olhar.
Isa se mexeu levemente no apertado colchão me tirando dos meus devaneios, a pequena dormia tão tranquilamente para uma noite de natal que eu sorri inconscientemente ao notar em como ela não estava preocupada com o papai Noel, não se importava com o presente, nem com a presença misteriosa que supostamente iria passar por debaixo da porta na ausência de uma lareira para deixar um presente ou dois, tão inocente, tão diferente de mim mesma nessa idade.
Quando amanheceu a quente manhã de natal saímos cedo em direção a casa dos pais de Júlio, mas não sem antes entrar na grande e ornamentada igreja matriz da cidade. Achei interessante o fato de revesarem, um ano o natal na casa dos pais dela e o ano novo na casa dos pais dele e no outro invertia mas ainda assim se ajuntavam as duas partes da família em um mesmo local, talvez isso fosse mais fácil por conta da família de Lúcia ser menor, meia duzia de pessoas talvez. Mas isso não apagava o inebriante fato de ter duas famílias inteiras unidas em um lugar com inúmeras crianças sentadas no carpete da sala abrindo os presente e rindo com as rápidas brincadeiras antes de pegarem outro embrulho e recomeçarem o processo, os homens todos do lado de fora rindo, bebendo e jogando enquanto uma quantidade de carne queimava no calor da churrasqueira, e as mulheres que conversavam animadamente sobre a vida de algumas pessoas, delas próprias e riam de suas desgraças e desventuras enquanto preparam o acompanhamento do churrasco e temperavam as carnes. Elas estavam felizes, e mais uma vez compreendi Joana, não era por machismo que elas estavam na cozinha fazendo trabalhos femininos enquanto os homens bebiam e jogavam, elas estavam ali por ser o local que fazia bem para elas, a grata satisfação de saber que elas são as verdadeiras provedoras daquela família que sem elas cozinharem e parirem a família não existiria, quero essa satisfação para mim, saber que graças ao meu não feminismo existe uma família que eu fiz, e que é minha. Quando se é dono, e responsável por algo tem que aprender a cuidar disso em todos os sentidos, dar carinho, atenção, comida e felicidade. Definitivamente o meu feminismo, tão desprovido de paixão morreu no momento que conheci a Joana. Como Ricardo mantém toda a mentalidade esquerdista dele quando convive com aquela mulher diariamente? Ricardo, Feliz natal professor! Enquanto eu murmurava internamente felicitações a cada pessoa que eu conheci até agora, eu me perdia cada vez mais em pensamentos, em determinado momento acho que Lúcia percebeu o quão distante eu estava e me trouxe de volta a realidade.
" Não sei se eu já te disse o quanto sou grata por tudo que você fez e está fazendo pela minha família. Tenho a sensação de que nada que eu diga será o suficiente, mas eu sei de uma coisa que eu posso que devo fazer para agradecer é simples mas é isso."
Tinha um pequeno embrulho nas mãos dela que foram pousados delicadamente na minha mão, antes que eu pudesse pensar em dizer algo ou abrir ela voltou a falar.
" Você já faz parte dessa família, acho que todo mundo que tá aqui queria te dar algo para agradecer e te fazer lembrar que não importa em que parte do mundo você esteja as orações dessa família seram sempre para você, e que nunca vamos esquecer você, e não vamos deixar as crianças esquecerem também, todo mundo aqui já sabe que você vai embora amanhã, e ninguém quer que você se esqueça da gente."
A cozinha tinha se silenciado o único barulho era do fogão onde a panela cheia de arroz fervia, as mulheres me olhavam em expectativa, me fazendo sentir uma criança. Abri delicadamente o embrulho, lá encontrei três coisas que me fizeram mais feliz do que qualquer outro presente foi capaz, não tinha jóias, não eram viagens, muito Menos dinheiro. Eram desenhos, coloridos, desconexos e infantis, mas eram para mim. Eu conseguia distinguir facilmente quem fez qual, Isa já sabia um pouco mais sobre formas , já sabia que cabeças são redondas e que tem sorrisos. Eu entendi o desenho dela facilmente, um anjo de asas enormes cheia de desenhos pequenos, as histórias que contei para elas estavam retratadas de maneira infantil, e tão pura que fui incapaz de conter as lágrimas, castelo torto, varinha de condão com estrelinha na ponta e uma bolinha verde que eu tenho certeza que é uma tartaruga, entre tantas outras histórias essa foi a que ela mais gostou, aquela que me marcou, a minha história.
Duda fez inúmeros riscos coloridos que eu não me atrevi a adivinhar o que era, mas ainda assim é lindo. Notei algo escrito atrás e virei a folha.
" Ela queria escrever uma carta, igual a da Isa então escrevi para ela também."
Assenti começando a ler.
'Tia mi, obrigada por contar história e ser minha fada madrinha. Amo você!'
Uma coisa tão pequena, uma simples frase. Mas foi mais que o suficiente para me derreter.
No desenho da isa tinha algumas palavrinhas.
' Tia mi, mamãe disse que você vai embora, a Duda chorou, mas eu não, eu lembro da tartaruguinha Juju, ela também foi embora da lagoa para conseguir ser uma fadinha. Você já é uma fadinha, mas eu lembro que a tartaruguinha sentia falta da mamãe, mesmo ela sendo má. Tomara que sua mamãe não seja má. Boa viagem tia Mi. Amo você para sempre.'
Em uma letra grande e desforme estava escrito o nome dela. Isso me desmontou de tal forma que eu não tinha mais pernas, não tinha mais noção de nada, eu sabia que tinha sentado, apenas não vi quando isso aconteceu. O mundo estava parado estático em um único lugar, sem som, sem movimento será que Deus apertou o pause? Eu não tinha movimentos para abrir o envelope branco com medo do que encontrar. Nunca fui dada a sentimentalismos, nunca acreditei em amores reais, toda abnegação dos livros me dava medo, nunca fui carinhosa com ninguém, meus pais não ficavam e casa, Patrick falava demais e era romântico por nós dois, eu apenas sorria, com Lily eu sempre fui mais eu, mais solta, mais grossa, ela entendia, nunca reclamou, acho que imaginava como era cansativo ser perfeita. E agora, aqui, tudo muda. Acho que eu amo mais essa família do que amei a minha própria família, dói mais dizer adeus para minhas pequenas sobrinhas adotadas do que para qualquer outra pessoa no mundo. Eu não sei sequer quem eu sou, o que tá acontecendo? Quem é essa pessoa que está aqui agora? Não é a Amy, não é a Júlia, quem é então?
" Tia Mi? Não gostou do presente?"
" Isa agora não..."
" Deixa Lu, gostei querida, gostei tanto que não consigo parar de chorar de felicidade, é a primeira vez que ganho um anjo sabia?"
" Não é um anjo tia, é uma fada."
Ela falou fazendo um biquinho tão fofo que ninguém segurou o riso, puxei ela para um abraço, agradecendo pela fada e pela cartinha. Logo Duda chegou correndo e se juntou ao nosso abraço, e quando menos esperei eu estava envolta em inúmeros braços e abraços que se juntaram. Por inúmeros minutos eu pedi a Deus força para ir embora, mas agora eu simplesmente pedia apenas que me deixasse aqui, nesse momento, nessa pequena eternidade. Se essa fosse a sensação do paraíso eu sei que estou pronta para morrer nesse momento, se sentir plena e completa, se sentir bem quista e viva, uma sensação única e maravilhosa que eu jamais havia experimentado e que jamais quero sair.
" Mamãe tá muito apertado aqui."
Caímos na risada com a constatação da pequena Duda e nos soltamos com enormes sorrisos.
" Não vai abrir o presente da mamãe?"
A pequena sorria sem saber o motivo e apontou o pequeno envelope branco que eu ainda não tinha aberto, ainda sorrindo peguei e retirei de lá uma foto, tirada ontem aqui mesmo nessa cozinha. Enquanto preparavamos os temperos da carne e traziamos tudo que seria usado, toda a família todos que eu conheci a dois dias e aqueles que conheci apenas ontem, todos sorrindo para uma foto não tão bem planejada mas que mostrava de uma forma divertida o quão grande, bagunçada e feliz é essa família. Atrás como nos desenhos um pequeno texto estava escrito na delicada letra cursiva de Lúcia.
" Um pedaço de papel é capaz de guardar muita coisa, amores, sentimentos, famílias. Tudo. E nesse pequeno papel está tua família que tanto te ama e que sempre vai te amar e rezar por você. Obrigada por ser parte da família. Te amamos.
Mais uma família Silva Lopes do Brasil que você faz parte agora.
24/12/2014"
Quando achei que eu não era mais capaz de chorar uma gota sequer o choro voltou, impertinente como sempre. Lúcia me abraçou e depois cada uma das mulheres que lá estavam, cada uma com suas doces palavras de carinho e desejos prósperos. Uma despedida adiantada e mais sentimental do que qualquer outra, talvez nem mesmo o pequeno príncipe quando planejadamente deixou nosso planeta acendeu tanta comoção por parte de Antony de Saint' Exupery. Eu me sentia como ele nesse momento voltando para as coisas que lhe são caras com um pequeno desenho no bolso, mas que para ele vale mais do que qualquer estrela no universo.
Em pouco tempo a comoção sessou e deu lugar a comilança, o churrasco chegou cheiroso e suculento a mesa, uma oração de agradecimento e começamos a comer tranquilamente como se fosse uma refeição como todas as outras, mas os sorrisos e olhares transmitidos escancaravam a realidade. Será que na ultima ceia os apóstolos sabiam que era uma despedida e lançavam olhares assim para cada presente? Não sei, mas sei que o meu sentimento era esse, uma ultima ceia antes de partir para o calvário, não sei bem como mas algo em mim gritava que eu precisava aproveitar esse momento de paz, pois ele estava perto de ser o derradeiro, e pela primeira vez desde que me enfiei na estrada eu senti medo, medo do desconhecido e daquilo que estava por vir, aquilo que eu queria muito acreditar era apenas um receio, aquilo que não é real, mas eu Sei, assumi um caminho sem volta e eu tenho que terminar ele. Talvez eu esteja começando a me descobrir nesse momento, saber quem eu sou de verdade, não aquilo que eu supus. Eu sou mais do que me achei capaz de ser.
Enquanto o fim do dia chegava regado de boas conversas, risadas e comidas, a realidade me assombrava e se fazia cada vez mais presente. Quando a ultima pessoa dissesse Adeus eu partiria novamente, as madrugadas me trouxeram momentos bons até agora e eu rogo a Deus que assim permaneça. A vida tórrida e patética de uma vampira, viver a noite e dormir durante o dia, não, andar sempre até o momento em que a parada for necessária, talvez pelo sono mas espero que a minha presença seja necessária acima de qualquer coisa.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem, e que estejam com corações preparados, de agora em diante tá cada vez mais difícil escrever.



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