Amy! escrita por Kcoruja


Capítulo 10
Capítulo 10




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O baque inicial já havia se dissipado do meu corpo e mente, mas um único pensamento gritava em minha mente a cada piscada: Estou no paraíso.
Apenas isso, nada mais, nada menos que o paraíso, é em momentos como esse que eu entendo o porquê do Brasil ser abençoado por Deus e também o motivo de Deus ser brasileiro, talvez o jardim do Éden seja esse lugar. A incrível combinações de cores da tardinha quase noite, a cor da água, a cor dos Cânions. Tudo. Esse jogo de cores magnífico e a calmaria me ajudava a pensar em uma infinidade de coisas, me impulsionava cada vez mais na minha procura interna. Por alguns segundos agradeci à essa força maior que me trouxe aqui, o nome e a forma de tratamento já não me importava mais, não tanto pelo menos, seja Deus, Ala, Jah, destino, coincidência, não me importa, alguma coisa me trouxe até aqui apenas para me mostrar o quanto vale a pena a minha decisão, por alguns minutos eu pensei realmente que a minha decisão foi errada, precipitada. Me questionei se o melhor a fazer não era voltar para casa e pedir perdão. E então, como um tapa na cara me mandando parar de chilique esse lugar incrível aparece em minha vida, se eu voltasse, desistisse, eu não ia conhecer isso, turismo interno sempre foi renegado pelos meus pais, acho que só conheci Brasília, e conheci apenas por que era um evento importante dos meus antigos sogros, fui apenas como futura mulher do Patrick. Balancei a cabeça por alguns segundos tentando dissipar as lembranças e acabei me assustando com a inúmeras gotas de água que saiam do corpo de Neto em minha direção, eu ainda podia ver todo mundo rindo e brincando na água e de certa forma estranhei ele ali parado na minha frente me olhando.
" Você é um ser curioso, se molhou toda na chuva mas não quer entrar na água. Aceitou a carona e conversou com todo mundo mas agora ta aqui sozinha apenas observando os outros se divertirem. Fora que foge de fotos e tem a incrível capacidade de irritar todo mundo."
" Todo mundo não, poucas pessoas só."
" Você irritou o Japa em 5 minutos de conversa, duas vezes, isso é muito difícil, ele é o ser humano mais paciente que eu conheci. Irritou o Zé quando não pegou o bagulho que ele ofereceu, tá irritando o tico e o teco com esse negócio enorme cobrindo teu corpo."
" Esqueceu da Ju e da Dani, a Ju me odeia sem motivo e a Dani aparentemente vai com a minha cara."
" Minha leoa gostou de você mesmo, ela que decidiu parar para te ajudar, te viu de longe, ela tem um coração muito bom, agora aquela baixinha lá, a Ju, ela tá é doida por você, só que você não dá condição."
" O quê?"
" Vai tira essa camiseta ou ela vai se molhar totalmente, minha missão é te jogar na água."
" Eu não vou tirar, não vou entrar na água."
" O cambada é agora."
Num piscar de olhos eu senti meu corpo se distânciar da pedra que eu estava sentada e um jogo de mãos me segurar, três no total, Neto segurava meus pés, Alex meu braço direito o galego meu braço esquerdo, a única reação que tive foi prender a respiração antes do meu corpo cair na água. O eco da água preencheu meus sentidos enquanto eu fazia meu corpo voltar a superfície. As risadas se misturaram a algumas palmas, ótimo estavam todos se divertindo com a minha desgraça, agora eu só tinha um moletom meio seco, me ferrei com gosto.
" Vocês são doidos ou o quê? E se eu não soubesse nadar? Vocês poderiam ter me matado."
Eu me sentia violada, privada de uma escolha. Uma raiva inexplicável crescia cada vez mais dentro de mim e se unia a uma vontade bizarra de fuder tudo ambíguamente. Jogar tudo a merda e sumir daqui, aquela estranha vontade que me perseguiu por anos havia voltado com força total. Antes mesmo de eu pensar em alguma reação melhor do que ficar olhando para eles indignada Ju simplesmente bateu a mão na água jogando em meu Rosto. Ela ria da minha cara que não duvido estar hilária, logo Alex se atreveu a me afundar na água quando voltei a superfície acabei rindo da minha situação deplorável e triste. Rir dos problemas é o melhor remédio, eu poderia simplesmente sair dali e ficar irritada com tudo, eu fiz isso o dia todo afinal, com Rino, Felipa, Barata, com esse bando de doido que me deu carona e felicidade quando achei não ser mais possível. É duro admitir mas a notícia da minha morte me derrubou, eu, que nunca lidei com morte nenhuma tive que lidar com a minha e não tinha ninguém para me apoiar e dizer que tudo ia ficar bem, por que não ia. Apesar de tudo sou realista, sei que ficar sentada em uma pedra olhando o céu não é o tipo de coisa que faz tudo ficar bem, por que não faz, apenas deixa tudo estacado em um único lugar, e não é isso o certo a se fazer, reclamar, criticar e emburrar sem motivo não muda nada. Eles estão tentando me ajudar, me alegrar de alguma forma, uma forma torta, errada e incrivelmente perigosa admito, mas estão. Se eles estão tentando por quê diabos eu vou atrapalhar o trabalho e a diversão deles? Me permiti dar risada acompanhando eles. Eu precisava de um banho de qualquer modo, por que não um banho de cachoeira. Se em meu interior existisse algum grilo falante ainda, nesse momento tenho certeza que riria com escárnio, grande maneira de mudar de ideia, Fingir que não mudou nada.
Uma vez dentro da água acabei sedendo aos apelos e brincando também. Meu mal humor havia sumido de uma forma repentina e estranha, dando lugar a um incrível bom humor contagiante, parece que quanto mais eu ria ou sorria mais o sorriso dos meus companheiros de estrada se alargava, eles se felicitavam internamente pela vitória, dava para ver isso no olhar deles.
Em determinado momento o sol terminou seu percurso pelo ocidente e começou uma hora extra no oriente. A noite chegou tranquila e bela. O escuro favorecia a beleza do céu estrelado. Não é como se Recanto Novo fosse totalmente ilumidada, mas ainda assim apagava um pouco o brilho natural delas.
Quanto mais estrelas tomavam o céu, mais elas nos denunciavam as horas, era hora de pegar estrada. E agora? Minha mente perguntava incessantemente, o que vou fazer? Seguir viagem para onde? Sozinha? Com eles? Meu Deus o que eu faço?
Apesar de não ir com minha cara de forma totalmente explícita e demonstrar largamente não querer minha companhia ela notou minha dúvida e esperou os outros seguirem a alguns passos de distância. Ela me olhou e sorriu de canto, eu reconheci o cansaço naquele sorriso forçado, eu sabia que estava igual, foi um dia exaustivo física e psicologicamente, se ela estava cansada imagina eu.
" Eu não vou com a tua cara..."
" Diz uma novidade! Isso tá estampado na tua cara, eu sei, o tico e o teco sabem, o japa sabe, até o Neto sabe mesmo tendo uma opinião interessante sobre isso. Olha se é para pedir para eu não ir com vocês... Fica tranquila não estava nos meus planos de qualquer jeito."
" Na verdade era o contrário Sherlock, minha intenção era pedir para você seguir o caminho com a gente ao menos essa noite, todo mundo tá cansado, você tá cansada dá para ver na tua cara que foi um dia exaustivo. Vamos parar em um hotel de caminhoneiros em uma cidade perto daqui, todos precisamos dormir."
" Se você não vai com a minha cara por quê quer que eu fique aqui?"
" Por que você é um ser vivo, e nos meus princípios eu acredito que qualquer ser, por mais insignificante que seja merece o direito de ter uma vida."
"Obrigado pelo insignificante."
Observei ela revirar os olhos e apressar um pouco mais o passo, e eu fiz o mesmo. Fomos as ultimas a chegar na van, observei como a disposição de pessoas na van havia mudado. Neto e Dani ocuparam o último banco, eles já estavam deitados com as pernas entrelassadas, um gesto fofo e interessante para demonstrar carinho e cuidado. Tico e Teco ocupavam o banco do motorista, e olhavam insistentemente para a tela do celular enquanto discutiam qual caminho era mais rápido. Japa e Zé ocupavam o banco que dividi com os meninos e para nós duas sobrou o terceiro banco. Internamente eu praguejava por isso, ela consegue me tirar do sério fácil demais e eu estou de TPM ou seja é fogo e pólvora, eu sei que isso não vai acabar bem. Sentei primeiro ocupando o lado da janela, se eu tivesse algo que olhar não precisaríamos conversar, e talvez essa viagem não seja tão longa. Coloquei meus fones e esperei os meninos começarem a conduzir a van, não tinha música nenhuma era apenas uma desculpa para não conversar, a van não andou nem por 5 minutos e eu fui capaz de ouvir o ronco de Neto no banco de trás. Sorri com a facilidade das pessoas dormirem assim, engraçado como cada pessoa é diferente.
Senti um peso no meu colo me pegando de surpresa abri os olhos e olhei para baixo notando o amontoado de cabelos loiros ocupando meu colo, era Ju.
" Você é bem folgada não?"
" Sou, tô com sono quero conversar ou ouvir música, divide o fone comigo, o meu tá carregando lá na frente."
" Dorme vai, quem sabe assim você não cai de cara no chão."
" O quê o Neto te disse sobre mim? Você falou que era uma opinião interessante."
Parei alguns segundos refletindo sobre a mudança brusca de assunto, mas acima de tudo se ele não iria se importar, cheguei a conclusão que não e por fim dei de ombros.
" Acho que ele pensa que você é lésbica, ao menos foi isso que eu entendi."
Ela sorriu e se virou completamente me olhando, não duvido que ela fosse capaz de dominar o mundo com aquele olhar.
" Porquê eu tenho que ser alguma coisa? O Ser é imutavel, até onde sei todo ser humano muda mil vezes em um ano, como Raul dizia, eu sou uma metamorfose ambulante."
" Não sei se entendo o que você tá dizendo."
Em um sorriso debochado ela levantou e me encarou calmamente.
" Quem é você?"
Não fui capaz de responder, permaneci apenas encarando ela. E então ela prosseguiu com uma calma invejável.
"As pessoas tem essa mania irritante de julgar, rotular e impor seus próprios pensamentos em uma situação que eles sequer entendem ou conhecem. Religião, política e sentimentos, quem mais fala normalmente não entende, eu não sou alguma coisa apenas por gostar de beijar algumas meninas, e nem deixo de ser por beijar meninos, eu não sigo rótulos."
" Você beija mulheres?"
" Eu beijo almas, não sexos, gosto daquilo que cativa, questiona e faz pensar independente do que a pessoa tenha no meio das pernas. Pessoas que são interessantes que sabem conversar. Elas me atraem, sendo homens ou mulheres."
O silêncio predominou no segundo seguinte denunciando meu desconforto com o assunto, a filosofia é bonita a realidade não.
" Você tá tensa, deixa eu adivinhar, ou você é do tipo que quer uma definição específica ou é preconceituosa e tem problemas com lésbicas ou bissexuais."
"Não sou preconceituosa."
" Prova!"
" Como se prova uma coisa dessas? Pirou de vez foi?"
Com um Sorriso de canto Ju me encarava como se fosse aprontar alguma coisa capaz de abalar as estruturas do inferno. Essa garota tem a capacidade particular de assombrar pesadelos de quem sonha acordado, eu nunca admitiria isso em voz alta mas ela me assusta. Algo nesse ar superior ou talvez o sorriso de canto, mas algo em mim grita que aquele olhar certeiro por sobre os longos e grossos cílios que destacam tanto esse azul celeste que só ela possui no olhar, algo nesse olhar é sim capaz de fazer o céu e o inferno se misturarem e desmoronarem.
Ela puxou o cabelo um pouco para o lado sem desviar o olhar de mim, então se aproximou levemente, algo em mim gritava "corre" em alto e bom som, mas sou teimosa não sou de fugir de confusão e essa garota é uma confusão e tanto.
Em algum momento Dentro do enorme silêncio que se apossou do meu mundinho particular enquanto eu esperava a resposta dela, eu fui surpreendida pelos suaves lábios dela.
Num primeiro momento quando me dei conta que estava sendo beijada por outra garota tudo que fui capaz de sentir foi nojo, seria hipocrisia de minha parte dizer que acho isso uma coisa normal por quê nunca achei. Sempre achei nojento até mesmo beijos escancarados de um casal comum, duas pessoas do mesmo sexo nunca foi algo considerado normal, não para mim. Respeitar e acostumar são coisas diferentes, sempre tive maior respeito pelas escolhas particulares de cada um, nunca me intrometi, critiquei ou sequer opiniei, cada um sabe o que é melhor para sua vida. Isso é respeito.
Num segundo momento eu me peguei surpresa por me permitir fechar o olho e descobrir qual era a sensação de beijar uma garota, parece estranho para quem não vê isso como uma coisa normal querer saber como é beijar uma garota, mas eu sempre quis saber o que o beijo de uma garota tem que deixa os homens apaixonados tão facilmente. Foi então que eu vi, o céu e o inferno se chocarem e sucumbirem pelo poder que Ju exercia. Aquilo não era comparado com nada que já experimentei, obvio que não sou a pessoa mais experiente do universo, mas foi diferente todos esses anos com Patrick, com Pietro e com toda certeza com Ricardo, era a calmaria do oceano misturada com o desespero do mar em dia de ressaca. Se machado de Assis a visse nesse momento tenho certeza que se inspiraria a escrever mais meia duzia de livros, tenho certeza, essa mulher é fora do normal.
Ela se afastou mordendo meu lábio, eu era capaz de sentir o enorme sorriso dela, mas fui incapaz de abrir os olhos, o medo de abrir eles e a sensação desaparecer ou então entender que tudo foi apenas um sonho muito doido. Eu estava apavorada. Essa é a maneira certa de descrever.
" Sabia que vocês ainda iriam se pegar."
Abri os olhos a tempo de ver ju mostrar os dois dedos do meio e mandar os garotos se fuderem, e as risadas contagiarem a van. Minha mente travou por alguns minutos me deixando incapaz de racionalizar qualquer coisa, apenas ouvindo meu cérebro murmurar infinitas vezes algo que nem eu entendia, o que aconteceu aqui? Um beijo, claro isso é óbvio mas por que diabos eu gostei? Isso é um mistério e tenho a sensação de que vai ser por um bom tempo.
Ju me tirou do transe pegando o fone do lado direito e colocando nela, me olhou com um enorme ponto de interrogação na testa para por fim dizer.
" Cadê a música? Coloca som nessa bagaça."
Dei risada e coloquei a play list no aleatório, que coincidentemente decifrou a situação colocando quatro vezes você do Capital Inicial, trocamos um sorriso cumprisse nos encostando uma na outra para ouvir. Me peguei pensando em como o celular realmente parece ter algo que decifra os momentos certos para cada música, é irônico o fato de que quando estamos tristes o aleatório coloca algo mais triste ainda para tocar, é como se ele fosse capaz de ler pensamentos. Em pouco tempo senti a respiração de Ju mudar de encontro ao meu pescoço, ela tinha pegado no sono, no final ela realmente se mostrou uma mulher muito especial e diferente das demais. Sua visão particular do mundo é completamente inspiradora, de uma forma torta ela me lembrava dona Joana, sem toda a doçura e sabedoria, mas lembrava. Talvez algo na calma e certeza que ela expelia a cada palavra, ou na visão diferente sobre a sociedade. Algo nelas me inspira. Acredito que somos a soma dos livros que lemos, das músicas que ouvimos e das pessoas que encontramos, e essas ultimas que encontrei sei que me transformaram em alguém melhor, alguém que nunca imaginei ser. E esse beijo roubado, de uma forma estranha roubou meu modo de pensar, não é mais algo nojento e estranho é uma demonstração de carinho daquelas pessoas que se apaixonam por coisas maiores que o exterior, pessoas que nos animam/excitam através do carinho ou cuidado, da leveza ou inteligência, pessoas que nos mudam por pensar em um oposto tão distante da nossa realidade, ou simplesmente nos confortam por pensar igual e mostrar que não somos tão malucos ou estranhos.
O silêncio da estrada era quebrado apenas pelo som já meio distante dos fones, eu lutava contra o sono apenas por que sabia que se eu descuidasse da minha mente por um momento que fosse, tudo que aconteceu hoje me invadiria. Os documentos, a morte, Knae, Barata, a chuva esses doidos, o beijo. Tanta coisa aconteceu hoje que parece que esse dia teve mais de 24 horas, o dia mais longo da minha vida. E eu sei o quanto estou perdida. Talvez eu mereça dormir. Me entregar finalmente nos braços de Odin e esperar que mil anos de sono me descansem em poucas horas.


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Notas finais do capítulo

Lindezas, tudo bem? Como vai a vida? Alguém ai se deu bem no sisu? Conta pra nós!



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