Quando ele se foi escrita por Pandora


Capítulo 3
Eleanor


Notas iniciais do capítulo

Pensei em mil formas de começar, e mil formas de terminar ele capitulo. Fiz e refiz ele várias vezes, inclusive reli o livro pela décima vez para absorver a personalidade da Eleanor. Me esforcei ao máximo, tentando mesclar a Rainbow comigo.



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Existem muitas formas de se começar um processo criativo. Mas apenas uma forma de terminá-lo. Para a garota de cabelos vermelhos caramba-esse-tom-é-muito-vermelho, o seu sempre acabava com o fracasso.

Eleanor encarou novamente o quadro em branco, procurando uma nova forma de começar.

— Ainda tentando não ser um fracasso? - Tina falou entrando no quarto deixando a porta aberta.

Acho que ela não ouviu as 16 vezes que Eleanor avisou que odiava aquela porta aberta. Sim, 16 vezes. Ela tinha contado.

— Conseguir começar seria o suficiente - suspirou olhando o relógio, tinha que entregar um quadro na aula de segunda, mas surpresa, ainda nem tinha começado.
Ela tinha três dias.

Um dos seus processos funcionava assim: contabilize. Coloque um prazo exato para criar.

Era a terceira vez que Eleanor tentava usar aquele processo. No seu lado do quarto, colado a parede havia uma lista citando todas as formas de criar, mas curiosamente, ela não tinha saído do segundo.

Tina começou seu ritual matinal de ajeitar seu cabelo que finalmente estava determinado a ser um Chanel liso com franja -aleluia-, também lisa. Se aquele espelho pudesse falar, ele provavelmente a xingaria.

— Não se cobre tanto. Picasso não fez a Monalisa da noite para o dia.

Eleanor levantou da banqueta, se jogando bruscamente na sua cama e afundando o rosto nos travesseiros. Ok, é isso, tinha oficialmente desistido...por hoje.

— Da Vince, - mesmo falando alto o tom saiu abafado pelas almofadas - Da Vince pintou Monalisa.

— Tá vendo, - Eleanor não precisava olhar para saber que Tina ajeitava o cabelo pela quarta vez - você está no curso certo.

Sim, claro, como se uma criança de 4 anos não soubesse disso.

— O que achou? - Tina disse ainda se olhando no espelho de corpo inteiro.

A garota abriu uma brecha entre seus cachos vermelhos para olhar a roupa de sua companheira de quarto.

Há quem diga que exista destino. Mas Eleanor acreditava em nada menos do que karma. Talvez em uma vida passada ela tivesse apedrejado Jesus, para que no primeiro dia na faculdade Tina, usando botas vermelhas e sombra azul pisasse na soleira do seu dormitório com um sorriso de quem se esqueceu de seus pecados.

Quando se inscreveu na faculdade no ano passado, pediu, para ser mais exata, implorou para a mulher que organizava a papelada para que não tivesse que dividir seu dormitório com ninguém, e em ultimo caso, que a pessoa com a qual ela deveria conviver por 4 anos fosse muda, ou qualquer pessoa com instintos não sociáveis.
Eleanor ainda se lembrava de como ficou surpresa ao ver Tina.

— Isso não está acontecendo – foi a primeira coisa que disse quando a viu. A segunda deveria ter sido “a porta para o inferno é mais a frente. Não se preocupe, Satã vai fazer questão de te receber”, mas foi surpreendida quando Tina a abraçou.

— Pense nisso como uma espécie de provação divina – Ben disse quando ela telefonou para casa e lhe contou a história – e se nada der certo, você pode raspar o cabelo dela enquanto ela dorme.

Assim todo mundo verá os chifres, Ben.

O pior, era que mesmo sendo Tina a causadora de boa parte de seus problemas e provavelmente a segunda pessoa que mais a odiou, depois de seu antigo padrasto, Eleanor não conseguia ser tão maldosa com ela, não o quanto queria.
A situação parecia aquelas situações da expressão “o mundo dá voltas”, mas quando Tina - a garota que colocou suas roupas na privada, a diabinha que fez bullying constantemente com Eleanor quando estudaram juntas e a chamou de todos os nomes possíveis para se ofender alguém gorda e ruiva – começou a pedir desculpas por tudo que havia feito, Eleanor lembrou que ela também era a garota que a ajudou no dia que seu castelos de cartas ruiu.

Eleanor não era muito de perdoar, mas quando a desculpa “ela vai me asfixiar enquanto eu durmo” não surtiu nenhum efeito para que ela trocasse de quarto, tudo que ela pode fazer foi aceitar a situação, e dormir com um spray de pimenta embaixo do travesseiro.

— Quanto tempo - ela disse estendendo a mão para uma Eleanor ainda confusa.

Não tempo suficiente, pensou ela.

— Você mudou...bem um pouco - disse alojando sua grande mala preta ao lado da outra cama no lado direito.

Eleanor ainda estava atônita. Não é por menos. Se o diabo aparece para você o que você faz? Obviamente não o convida para entrar e diz " não quer um chá?".

E que ela tinha mudado? Eleanor ainda era a mesma. Embora sua família a tenha dito a mesma coisa diversas vezes, Eleanor ainda parecia a mesma. Claro que com o emprego de meio período na loja perto de sua casa, e sem ter dividir todo o seu dinheiro com os irmãos, ela agora podia gastar um pouco mais com roupas. No início a mãe teve que a convencer disso, mas quem liga para os começos. Quem liga que ela agora tinha um tênis novo da Vans mesmo que não fosse mais tão moderno. Ou que agora ela tinha suas próprias maquiagens que Maise não mexia. Até porque ela também tinha as dela.

Ou quem liga para o fato do cabelo dela continuar longo, mas com certeza mais definido e em camadas. Seu peso havia mudado um pouco, mas bem, ela ainda não cabia em uma 34. Seus gostos também. Mas ela ainda era a Eleanor. Havia manchas que o tempo não podia cobrir.

— É uma mudança interna - sua mãe disse uma vez. - como uma luz que brilha em você.

Mas Eleanor não acreditava muito nisso.

Depois de tudo que tinham passado, de todo o esforço que teve para esquecer seu passado, Tina era como uma pedra alojada entre o batente e a maçaneta. Dificulta fechar a porta. E tudo o que Eleanor tentou naqueles dois anos, foi mantê-la fechada.

— O que você está fazendo aqui? - finalmente conseguiu dizer. E também fechar a porta, literalmente.

— Direito. E você?

Tá de brincadeira?

— Não seu curso, mas sim aqui. Em Dakota.

Ela sorriu já desfazendo suas malas.

Nem no inferno, pensou Eleanor.

— Não é para cá que todos os estudantes do ensino público vem quando terminam o colégio?

Bom, e para a cadeia.

— Bem, e para a cadeia - ela disse como se lesse seus pensamentos. - Steven foi preso inclusive. Você soube? Tráfico, eu disse que ele devia não se envolver-

— Eu disse para- Eleanor a interrompeu e se interrompeu. - eu especifiquei meus critério para companheira de quarto.

E definitivamente Tina não se encaixava neles. Pelo menos não a Tina de dois anos atrás. A garota que colocava absorventes no seu armário no vestiário e era uma completa vadia.

— Eu vi seu nome na lista, e pedi para ser colocada com você.

Então ela sorriu como se todo o mundo fosse um enorme comercial de margarina e tudo se resolvesse com seus dentes extremamente brancos.

— Porque você faria isso?

— Você acreditaria se eu dissesse que as pessoas mudam? - disse séria e desafiadora.

Há dois anos atrás, a única resposta que Eleanor poderia dar era que "não".

Mas agora, olhando para Tina, que incrivelmente ainda estava olhando seu reflexo atrás da porta, a resposta mudaria para um talvez.

Em um ano dividindo um quarto, a talvez para um "sim".

— Eu sei que sou linda mas você ainda precisa responder. - ela disse na melhor pose de advogada que sabe que vai ganhar a causa.

Tina fazia direito. Embora a maioria dos estudantes da UCLA usassem moletons e muitas vezes pantufas durante as aulas, alguns cursos exigiam um pouco mais de cuidado. Então, sim, sua saia jeans-nem-tao-curta e blusa branca de gola canoa amostrando seu umbigo, não era o esperado.

Mas quem se importa.

— Se a sua intenção é fazer que todos os estudantes do campus terminem com a namorada, então está boa.

Tina sorriu, o que instintivamente fez Eleanor suspirar alto e revirar seus olhos.

— Isso não foi um elogio - ela virou para a parede a fim de não ver o sorriso vitorioso dela.

— Aproveitando que você está de bom humor - oh não. Dividir o quarto com alguém por um ano tem suas curiosidades.

Por exemplo, você aprende que quando a última palavra da sua colega de quarto sobe uma oitava, é porque ela vai tentar te convencer a algo que você não quer fazer.

— Não estou de bom humor - gente, não pode nem ser arrogante em paz mais.

A cama afundou quando Tina se sentou ao lado dela.

— Sabe o Marco, da turma de Economia?

Ah sim, aquele que deu uma festa no dormitório com o tema "eco-drogas" e fez um discurso sobre como a maconha deveria ser usada todos os dias?

— Não, não sei.

— Então - o tom manso de Tina só poderia significar uma coisa. Festa.

— Eu não vou - Eleanor afundou ainda mais o rosto no seu travesseiro. As vezes, quando Tina tentava a convencer de algo, tudo que Eleanor precisava fazer era ficar quieta e calada por um tempo, que ela desistia. Mas apenas as vezes. As vezes. Tipo tão frequentemente quanto o cometa Halley.

— É uma festa a fantasia. Vai ter bebidas, jogos, música.

Ela estava tentando me convencer, ou me fazendo desistir, Eleanor pensou.

— Não estou interessada.

Eleanor sabia como começaria e terminaria a noite. Porque sim, Eleanor já fez a loucura de ir com Tina a uma festa. Spoiler: terminou com Eleanor indo para casa meia hora depois e fedendo a cerveja.

— Encare como uma forma de buscar inspiração. E amanhã é sábado, Eleanor, sábado! Quer passar mais um fim de semana encarando uma tela vazia?

Eleanor revirou os olhos. Infelizmente, estava ponderando a opção, e infelizmente também, Tina percebeu a brecha, o que foi suficiente para ela levantar da cama de Eleanor e ir para a aula com um sorriso de quem tem o melhor ortodontista da cidade.

Ela não sabia quando tinha aprendido a abrir suas excessões e ceder. Da mesma forma que não sabia, realmente não sabia em que ponto conseguiu olhar para Tina sem que doesse tanto. Lembrar do passado.

Lembrar dele.

Suas mãos foram para o espaço vazio em seu pescoço, os dedos viciados ao mesmo gesto, repetido-o como uma música cuja a caixinha quebrou mas continua aberta apenas por ser bonita.

Mas não podia pensar nisso tanto assim. Tinha que tirar o foco para outra coisa.

Eleanor encarou novamente sua tela em branco. Ela tinha 72h para entregar uma pintura.

Esboçou algumas linhas sem muito nexo, afinal, o que importa não é a forma como se começa, mas sim como se termina.


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Notas finais do capítulo

Tem umas coisas que eu deixei nesse capítulo mas não sei se vou manter na história. Mas eu estava tão ansiosa para postar esse capítulo, que decidi postar assim mesmo. Meio forçado o lance da Tina?



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