Herança Real escrita por TessaH


Capítulo 31
Diga-me ou Devoro-te




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Capítulo 29 – Diga-me ou Devoro-te

"A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar."

Sun Tzu

 

 

Meu mundo não acabou, meu mundo não acabou, meu mundo não acabou, meu mundo não acabou...

Tinha virado um mantra. Eu não podia permitir que minha mente vagasse por seus mais recônditos pensamentos, pois eu iria paralisar ali mesmo na rua, então me esforcei a prosseguir com meu mantra enquanto segurava minha cabeça entre as mãos.

De alguma forma, meu senso de direção não me abandonou e consegui ir caminhando até o único lugar que estava registrado no piloto automático de meu corpo: o hospital.

Mesmo sem conseguir nem vomitar uma sílaba, fui capaz de passar por entre atendentes e pacientes da madrugada sem ninguém me interceptar e cheguei ao último e seleto andar.

Tudo era exatamente igual a todos os dias: o mesmo corredor branco vazio, as janelas semiabertas o suficiente para o vento açoitar quem passava por ali e geralmente um vulto branco era visto. Percebi que o que havia mudado não era nada externo, era algo bem dentro de mim.

Mais um passo, mais um passo, mais um passo...

— Senhorita Kane?! – um vulto branco me parou. O médico estava com olhos arregalados e me fitavam de cima a baixo. – Aconteceu alguma coisa?

Eu não conseguia abrir a boca, céus! Eu choraria para um desconhecido!

Franzi os lábios e neguei com a cabeça só para afastá-lo antes que eu o fizesse assistir a vazão de minha cachoeira interna.

O médico parou alguns instantes ainda me avaliando, acho que estava considerando a hipótese de me sedar.

— 'Tá tu-tudo bem. – arranhei a garganta.

— Bom... Bom dia então. – ele se despediu e me encarei no vidro translúcido na parede.

Eu estava horrorosa.

Diziam que os olhos são a janela da alma, porém mais parecia todo o meu interior refletia p caos interno: cabelos desgrenhados, rosto sujo e olhos desfocados. Roupa esfarrapadas.
Coração em frangalhos.

Não sei em que momento parei de me encarar e me direcione automaticamente para o mesmo lugar de sempre em busca de algo familiar e seguro para que eu pudesse me acalmar.

A porta de vidro estava, estranhamente, aberta. Notei duas enfermeiras saírem e entrarem rapidamente enquanto eu me aproximava.

— Traga-me os medicamentos!

Ouvi uma das mulheres solicitarem e mais duas entraram e aquele chamado serviu para desligar o meu torpor e aumentar a adrenalina que corria em meu sangue, pondo medo em todas as células do meu corpo. Será que havia acontecido uma piora de meu pai?!

— Senhor, respire devagar. Isso, 1,2,3... Solte. - a voz retornou a falar. - Com calma, acompanhe o movimento dos meus dedos, isso, assim mesmo, está tudo bem.

Parecia que eu estava invisível no ambiente porque as quatro enfermeiras não falaram comigo e eu me abriguei no cantinho da sala só observando o movimento estranho na cama com meu pai, embora o respirador não estivesse mais ali, aquele som perturbador havia ido embora.

— O que aconteceu?

— Ah, senhorita Kane! - a que estava bloqueando minha visão ao ficar na frente de meu pai virou-se ao me ouvir. - Não sabíamos que viria hoje, mas finalmente seu pai deu melhoras!

— Ahn? M-mas como?!

— Ele já estava sendo medicado para isso, você sabe que estávamos tirando-o do coma há dias e ele teria que ter um tempo para se acostumar e voltar, então tiramos o respirador ao final da tarde de hoje quando ele acordou.

Eu olhava para a cama onde meu pai tinha os olhos abertos e a respiração ruidosa.

Céus, ele tinha acordado!

Antes que eu desse por mim ou escutasse todas as palavras que saíram da boca da enfermeira, eu já estava ao lado de meu pai, segurando sua mão forte para que o calor que estivesse nele irradiasse pela minha.

— Senti sua falta. - sussurrei e uma lágrima caiu em sua mão quando baixei a cabeça.

— Senhorita Kane, estamos em tratamento desde o momento de acordar e estávamos acalmando-o para não se estressasse, talvez ele não consiga falar por agora, mas está tudo bem.

Eu assenti, sentindo a pena da enfermeira que analisou meu estado.
Os olhos de John estavam  fracos, mas ele seguiu minha voz e os focou em mim.

— A senhorita precisa de alguma coisa?

— N-não, obrigada. - respondi. - Obrigada por tudo e por ter ficado com ele quando acordou.

Eu sabia que não precisava agradecer porque  teria toda hora alguém ali para caso aquilo tivesse acontecido antes, mas eu sentia uma leve culpa por não ter estado lá para tranquilizá-lo al acordar e se deparar em um local estranho.

— Não precisa. Vou deixá-los a sós um pouquinho.

John me olhava mas seu semblante não mudara então duvidei que ele estivesse presente ali, quase parecia quando estava vegetando, porém de olhos abertos.

— Ah, pai... Não sabe o quanto que tive que passar hoje. Me sinto exausta.

Eu não sabia se meu pai me entendia mesmo, porém ele era o único familiar para mim, a quem eu sabia que podia conhecer, que vivera anos ao lado e fazia parte da história dele.

— Não entende como me sinto. É horrível! Eles tentaram me fazer de intrusa a todo momento e agora conseguiram o que queriam, pai, eu me sinto muito perdida.

No momento, eu tinha esquecido todas as pretensões de antes, o antes de levar meu pai àquela situação, só conseguia pensar que o tinha vivo ali e ao meu lado.

E falei tudo sob seu olhar cada vez mais atento.

(...)

— ... E ela fez tudo isso na frente de todos! Dos convidados, do príncipe, das câmeras, do mundo! Eu nem sei que história é essa pai, como assim ela me acusa e me envolve com pessoas que eu nem sabia que existiam?

Eu já tinha falado muitas coisas e passara a maior parte chorando sentada ao lado da cama, segurado a mão de meu pai e perdendo seu olhar. Até que ele endureceu o aperto e parei de falar.

— O que houve, pai? Não está se sentindo bem? Droga, eu sou uma egoísta, despejei tudo em cima de você e esqueci do seu estado, me desculp-

— Serena - sua voz rouca me deixou com a boca aberta. - Minha filha...

— Pai! Você não precisa se esforçar para conversar comigo, aí meu Deus!

Eu estava pronta para chamar a enfermeira quando ele disse não.

— Não, m-minha filha. Não precisa. - ele respirou fundo. - Parece que já passei muito tempo sem explicar as coisas a você.

Franzi o cenho ao vê-lo fechar os olhos dolorosamente e se preparar para continuar falando.

— Do que você está falando?

— Você não queria saber o porquê que virei nossa vida de cabeça para baixo, minha menina? Pois então.

— O que? Vai me contar agora?

Diante do momento e de tanta informação, eu temia ouvir mais coisas e me sentir ainda pior. Não queria que a sensação de infortúnio se apoderasse ainda mais em mim como estava acontecendo.

— Aí meu deus, não me diz que tem algo a ver com a conversa surreal da Blaire que eu acabei de narrar aqui!

John ficou em silêncio e eu precisei me sentar na cadeira ao lado da janela.

Eu estava perdida.

Aquela era mesmo a minha história?

— Serena, antes você queria que eu dissesse porque trouxe você e a deixei sozinha... Acho que você deve saber que eu estou na fase terminal de um câncer, filha, me desculpe não ter falado antes, mas achei que tivesse um plano melhor para você, pensando na sua felicidade e no seu futuro.

Engoli a seco e fiquei observando John respirar mais vezes.

— Eu soube que estava para morrer, minha filha, e deixá-la sozinha nesse mundo tão cedo nunca esteve nos planos de sua mãe e eu... Me perdoe, Serena, por minhas escolhas, porque não foram como eu planejara e hoje vejo que você está sofrendo.

Eu estava com o coração na garganta e ele continuou.

— Para você entender tudo que eu planejei, eu preciso falar da minha história. Da minha história de amor, minha filha... Eu era bastante jovem, só queria saber de conhecer esse mundo gigante, Serena, eu tinha sede de conhecer o máximo que a vida podia me dar. Você sabe que eu não sou francês, tampouco inglês, vim de terras para além do Atlântico... Você também sabe que acabei por vir conhecer esse principado em uma excursão e conheci sua mãe. Ah, a sua mãe Serena! Ela era a criatura mais bonita que eu já tinha posto os olhos, na verdade, até hoje, até a minha morte ela será a coisa mais bonita que eu já vi.

Meu pai contava sua história com uma nostalgia incontida na voz, os olhos sonhadores desfocados de qualquer coisa e eu acompanhava seu ritmo, sentindo que ao final de todas aquelas mentiras se tornando verdades, tudo mudaria.

— O nome dela era Saskia. Saskia Burnier, a filha do braço direito do do governante daqui. Uma pérola, devo dizer. Conheci-a em um passeio que eu tinha fugido do grupo para andar ao lado do mar, você sabe o quão fascinado eu sou... Sua mãe, uma beleza rara de cabelos tão dourados que o sol brilhava incandescente ao redor naquela tarde em que ela trombou comigo. Mesmo em poucas palavras trocadas, eu sabia que não podia ficar longe daquela mulher e, para minha surpresa, ela pareceu ter a mesma sensação. Passados muitos bons momentos com ela, eu nem sabia como funcionava este principado e tampouco que a família dela era importante. Ela somente era a garota que fazia morada em mim porque dizia não suportar a vida limitada a que estava submetida. Ela dizia que eu era seu cais em meio ao oceano que estava presa. Mas, ah! Ela na verdade era a sereia que havia aparecido naquele mar da minha vida.

Eu sentia um nó se tornar gigante na garganta, prestes a chorar. Mesmo sem saber muito de minha mãe, toda minha vida ao lado daquele homem era baseada na parte dela que existia em mim e que ele idolatrava com todas as forças. Eu sempre soube o amor que ele tinha e que nunca morreu por ela, mas nunca soube toda a história.

— Ficamos juntos por um bom tempo e nos apaixonamos, claro, aquilo era para acontecer, mas de repente ela tinha sumido da minha vida. Procurei por uma semana sem parar por ela em todos os cantos deste inferno de território e só vim saber depois que a família dela havia descoberto o romance da filha com um "qualquer" e a tinham presa em casa. Fiquei louco, eu lembro perfeitamente, enfrentei Deus e o mundo para finalmente poder conversar e ouvir da boca dela que ela tinha desistido de nós dois. E depois de apanhar e bater, eu havia conseguido vê-la. Tão diferente estava! Parecia que seu brilho tinha se apagado, os olhos de um azul tempestuoso estava opaco e eu sofri ao ver. Ela me pediu para ir embora, Serena.

John havia me olhado, com o rosto tão transfigurado em dor que quase me desfiz ali de tristeza refletida.

— Por quê? - forcei as palavras para que ele retornasse a falar.

— Porque a família tinha feito a cabeça dela, haviam manipulado tanto ao ponto de fazê-la se sentir insegura sobre nosso sentimento e negá-lo achando que era infantilidade. Eu juro que implorei com toda minha vida ao conversar com ela, mas ela estava mesmo acreditando que estávamos só curtindo nossa juventude e que aquilo passaria. Fui embora arrasado porque sabia que ela sofreria com sua decisão e nosso amor ainda viveria nela o suficiente para que todo dia ela acordasse e se sentisse tão triste quanto eu. Sem esperanças, eu decidi voltar para Londres com um grupo musical em que havia conquistado um lugar e tentei esquecê-la de todas as formas até que um dia vi em um noticiário que o pai de Saskia havia morrido, deixando o filho para assumir o seu lugar como diretor geral do Conselho.

— O filho era Jean, não era?

Tudo estava começando a se encaixar.

— Sim, minha filha, Jean assumiu o cargo e eu me enchi de esperanças que talvez sua mãe tivesse se dado conta que o que tinha entre nós era muito forte que nem mesmo todos os meses separados nos fizeram esquecer um do outro e que seu pai não poderia mais fazer sua cabeça. Voltei correndo para cá somente para vê-la e sentir tanta saudade que não sabia que existia tamanha! - John riu sem humor, os olhos marejados piscaram várias vezes. - Conversamos e eu via, Serena, eu via que ela ainda me amava, mas sabe o que ela decidiu? Tinha dito que o pai tinha morrido por sua culpa e que iria finalmente fazer o último desejo dele, pois não conseguia mais desapontá-lo. O último desejo do homem era que Saskia cedesse aos pedidos do jovem monarca da época e casasse com ele. Você já deve saber quem era.

Busquei em minha memória toda a história que já tinha descoberto e me lembrei de um convite antigo que vira na biblioteca.

— O príncipe soberano era Jorge? Ele é o irmão do atual Louis, certo? Mas ele estava noivo, eu vi o convite uma vez.

— Sim, era Jorge, esse mesmo. Ele já tinha um compromisso antigo, minha filha, com uma prima que tinha sido prometida desde o nascimento de ambos. Aquele homem amava o trono e tudo para o qual foi criado e se fosse para casar com a mulher que achavam ser a princesa perfeita, ele casaria. Até que viu sua mãe uma vez ao acompanhar Jean no palácio e aconteceu com ele a mesma coisa que houve comigo naquele dia na beira da praia.

— Ele se apaixonou por ela. - decretei, quase perplexa com toda a trama. - Ele estava noivo de Alexandra Hanôver e a deixou por minha mãe?

— O pior foi a fuga dele no dia do casamento, minha filha. Sua mãe disse sim a ele e Jorge correu na mesma hora. Acredito que a tal Alexandra não tenha gostado muito da ideia.

Com certeza não. Não faz o feitio dela ser a abandonada na Igreja pelo príncipe.

— Eu amava sua mãe, veja bem, mas ela tinha me dispensado duas vezes em nome da tradição de sua família e eu não iria mais insistir, se ela queria daquela forma, eu não podia prendê-la ao meu lado, infelizmente. Fui embora pela segunda vez no dia em que a vi subindo a escadaria do Palácio e casando-se com Jorge.

Minha mãe tinha mesmo virado uma princesa. O que Blaire tinha falado fazia sentido, então?

— Como aconteceram as coisas com vocês? Digo... Eu nasci, não é? 

John riu.

— Tenha calma, minha menina. Eu acompanhei todas as revistas inglesas em que a Princesa de Mônaco era a celebridade principal, era do povo, era amada por cada habitante desse principado, era venerada por eles por sua aparência fora do comum e sua personalidade encantadora. Sua mãe foi benfeitora de muitas obras, Serena, ela ajudou os necessitados, construiu casas e abrigos, deu-lhes de comer e levantou uma instituição de caridade internacional que salvou milhares não só aqui, como também em países vizinhos. Ela era a princesa deles, você entende? Ela era parte deles. Até que depois de um ano, minha banda veio para um festival justo aqui. Eu tentei lutar contra meus demônios para não atrapalhar com os planos de meus colegas, mas eu procurava por Saskia ao mesmo tempo em que tentava me esconder dela. Em uma das noites de festa, eu a encontrei. Depois de tanto tempo, ela tinha readquirido seu brilho e, céus, ela estava deslumbrante. Perfeita, e tudo o que eu sentia veio à tona no mesmo instante. Por algum motivo, ela sentiu a mesma coisa e acabamos por ficar juntos. Uma única noite.

O jeito como meu pai sentenciou suas palavras me levaram a entender que eles tinha me concebido naquele dia. E provavelmente tudo mudara a partir de então.

— Não tivemos contato desde então, mas eu ainda estaria naquele mês inteiro com a banda fazendo shows pelo principado até que sua mãe me procurou secretamente e despejou tudo aquilo que eu quis ouvir alguns anos antes, quando nossa história começou. Ela se declarou para mim, disse que havia sido muito tola em seguir o que a família falava, que a cada dia só servia para seu coração gritar o quanto ela estivera errado em me esquecer e que não suportava mais aquela vida. Ela disse que eu tinha voltado pela segunda vez para ser o porto seguro dela. Era tudo o que eu mais queria, Serena, mas ela era uma princesa, era a princesa que todos amavam e não seria nada fácil tirá-la deles e sermos pessoas comuns como eu era. Ela era diferente, além disso, Jorge nunca a deixaria ir, ele era louco por ela.

— Ela estava grávida?

— Sim, ela disse que foi o que a deu coragem para ter a vida que ela desejava e vimos que o único jeito, filha, seria fugirmos. E fizemos isso. Viajamos para vários lugares, fugindo da perseguição que Jorge havia declarado para tê-la de volta, só nos fixamos em um interior aqui perto porque depois de meses, Saskia disse que Jorge nunca pensaria que a encontraria tão perto. Mas ele enlouqueceu, Serena, quando Saskia foi embora. Jorge ignorou sua paixão que era reinar depois que foi abandonado, decretou que eu e Saskia éramos expatriados, caso fôssemos vistos aqui teriam que nos prender. Criamos nossa pequena vida naquele interior, com você tão pequeninha, até que a notícia do suicídio de Jorge se alastrou. Fontes afirmavam que ele já tinha perdido a sanidade até que se matou. Sua mãe ficou profundamente culpada, filha, mas ela não tinha culpa se Jorge era obcecado por ela, ele a queria de todas as formas, mas não era recíproco. A imagem de sua mãe foi para a lama com todas as acusações em seu nome, de deusa do povo foi transformada na vilã e assassina do querido príncipe deles, mas ela nada teve culpa, entende? Chamaram-na de golpista, interesseira, tantas coisas que somente a fúria pode fazer.

— É por isso que a odeiam, não é? Aquilo que Blaire disse somente é um discurso ufanista sem profundidade dos reais acontecimentos, certo?

Eu queria que a memória de minha mãe fosse imaculada, ela não merecia isso, eu podia sentir.

— Claro que sim! Sua mãe era exemplar, os invejosos se aproveitaram da situação, mas ela não se importava com a imagem, só queria que fôssemos feliz. E, graças a Deus, fomos, Serena, você iluminou cada dia nosso, pode ter certeza, sua mãe a amava mais que tudo! Quando aquela doença a pegou, minha filha, ela se entristecia mais por deixar você e eu sozinhos quando o que ela mais queria era ter uma chance conosco, mas os planos do céu eram diferentes. Ela se foi e deixou um pedaço de si comigo. Você.

— Essa é a sua história, então.

— Nossa história. - John me corrigiu. - Faz parte de você também e me perdoe não ter sido sincero antes. Quando descobri que estava com câncer, eu não queria que você perdesse mais do que eu já tinha tomado de você, filha, então comecei a me tratar em outro lugar e era por isso que eu saia tanto para trabalhar fora.

— Você mentia para mim, pai, eu poderia ter te dado suporte!

— Eu queria me curar, Serena, não queria que você ficasse triste por isso se eu poderia contar só depois.

— Mas e aí? No que deu para me trazer para a casa de Jean?

— Jean amava sua mãe e na época nos ajudou a fugir. Saskia sentiu falta do irmão a vida toda, escrevia para ele e mandava fotos suas, culminando com Saskia pedindo para que ele fosse seu padrinho, sonhando com o dia em que ele poderia conhecer você.

— Tudo bem até aí... E a viagem repentina que você planejou, por quê?

— Depois de um tempo, o médico disse que eu não tinha muitas chances ali, minha única alternativa seria em um hospital em Londres, porém, minha filha, no meio do tratamento, entre tantos exames feitos, eu descobri uma coisa. E essa coisa me fez decidir que seria melhor eu tentar a sorte em Londres, me curar de uma vez e deixar você fora disso e ao mesmo tempo dando a oportunidade que sua mãe sempre quis que era Jean conhecer você. Mandei você para cá para que ele cuidasse de você nesse período e você pudesse achar outra família que certamente te amaria tanto quanto eu.

Eu já estava chorando copiosamente, enrolando os dedos fortemente. Tudo aquilo parecia uma grande piada, uma brincadeira de mau gosto, com sabor de perdas, de mortes, de mentiras.

— O que v-você descobriu no meio do tratamento antes de Londres, pai?

— Venha até aqui, meu amor. - ele pediu, estendendo sua mão branquíssima que eu não pude recusar. Ele era minha única pessoa e estava indo embora diante de meus olhos. - Saiba que nada neste mundo me faria sentir menos amor por você, ouviu? Você foi um presente que sua mãe deixou e só Deus sabe o amor que Ele me permitiu sentir por ela e transbordá-lo com você.

Meus soluços eram incontroláveis e eu já apertava o corpo frágil de John, tentando me abrigar nele da mesma forma que fazíamos quando eu era menor.

— D-diga, pai.

Suas mãos calejadas acariciaram meus cabelos e ele começou a tentar me ninar.

— Fique calma, meu amor, você não está sozinha.

— Pai, por favor, diga. - eu sentia o que era, mas era meio irreal aceitar.

— Alguns testes me mostraram que eu tenho um problema congênito que após meu nascimento me causou esterilidade. Mas eu nunca soube até aquele momento, fiz mais alguns para confirmar a verdade.

Meus olhos estavam arregalados.

— En-então... Meu Deus.

— Serena, olhe para mim. Olhe, Serena. - John puxou meu queixo fortemente para olhá-lo. - Eu descobrir que sou estéril e que você não é minha filha biológica não mudam o fato que meu coração é todo seu, ouviu bem? Você é a garota da minha vida, a minha filha independente de genética, estamos entendidos?!

— E-eu... P-p-pai! Eu sou filha dele?!

John entendeu a confusão dentro e fora de mim, somente me apertou em seus braços.

— Sua mãe era casada com ele, meu bem, talvez no furor do momento ela quis muito que tivéssemos uma chance e os céus tinham nos dado um pretexto para viver nosso amor. Ela não sabia que você era filha de Jorge, tenho certeza, pois sua mãe era íntegra e não teria deixado ele longe da filha. Ela acreditava muito que você era fruto do nosso amor, ela não sabia. Nem eu sabia que não podia ter filhos, minha menina!

Era uma grande piada.

Eu estava em choque.

— Você pode até ser geneticamente dele, mas é do meu coração.

John me embalou até as lágrimas passarem e uma voz me assustar.

— Finalmente sabemos de tudo, não é, John? Como você está?

Sai do abraço de meu pai para ver entre as lágrimas a figura de tio Jean, tão arrumadinho em seu terno e com um rosto pesaroso.

— Estou ficando melhor, a vida entrando nos eixos, sim, Jean? Por quanto tempo esteve nos escutando?

Tio Jean deu um abraço em meu pai e me encarou.

— Voltei de um problema diplomático com Louis ainda pela noite quando fiquei sabendo do que houve no Palácio. - ele me encarou. - Você não deveria ter passado por aquilo, Serena querida.

— Você estava aqui? - perguntei tentando limpar o rosto. Eu me sentia desidratada de tanta água que já tinha pulado de mim.

— Cheguei um pouco depois do ocorrido e procurei saber onde você estava, graças a Deus soube dos recados de que John estava aqui sigilosamente e consegui entrar. Estava ouvindo a conversa de vocês desde o começo, me perdoem, não queria interromper.

— Não precisa se desculpar, Jean, oras, entendemos. Agora, até para você é surpresa, não?

— Claro, não sabia que você era estéril, John. - tio Jean me olhou. - Venha aqui, querida.

Eu não me mexi, mas tio Jean veio me abraçar.

— Me desculpe não ter estado aqui quando mais precisava. Não sei o que houve com todas as comunicações por lá.

Eu só anuí e me permiti desfrutar do abraço de tio Jean.

— Eu sou filha do Jorge, tio Jean? 

— Não me olhe com esses olhos, Serena querida, não chore! Mas não podemos ignorar o que o mundo passa agora.

— Estão sabendo que ela é filha de Saskia, não é, Jean? - meu pai falou. - A mídia internacional especulará e o povo logo clamará por respostas.

— Sim, John, mas o que mais temo é outra coisa. - Jean olhou seriamente para nós. - As cortes internacionais pressionarão por conclusões, o povo já está instável, à beira de revoltas armadas contra o governo pela impopularidade de Louis pelos quatro cantos do principado, e eles irão investigar Serena para poder dar a resposta do mundo.

— Não quero passar por isso, tio. - eu implorei a ele, apertando os olhos como se pudesse sumir daquela vida.

— Minha querida, estarei aqui. Você sabe, John, o que acontecerá.

O modo categórico e sombrio como tio Jean falou com meu pai e o pesar que ficou em ambos os semblantes me deixou alarmada e perguntei o que iria acontecer dali para frente.

— Iremos comprovar que você é filha de Jorge Albert e então mudaremos a linha de sucessão ao trono, Serena. Dessa forma, as cortes internacionais e certamente o povo pedirão pelo cumprimento da lei e esta diz que você será a nova governante agora que Louis está se destituindo do cargo.

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