Herança Real escrita por TessaH


Capítulo 3
Casas Reais




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Não dava para acreditar que eu tinha meu próprio quarto. Nem que ele era extremamente bonito, com direito a penteadeira, suíte, varanda, cama com dossel. Inclusive, uma governanta foi me dada para qualquer emergência – palavras de Jean – e eu deveria me sentir em casa. Marie, a governanta, sempre impecável com seu terninho preto e o coque perfeitamente preso, apareceu na manhã seguinte a minha chegada à casa Burnier.

— A senhorita irá usar mesmo essas roupas? – ela me perguntou ao me ver trajando uma calça jeans. E assustou-se ainda mais quando prendi meu cabelo em um rabo de cavalo alto. – Senhorita Serena, por que não faz um penteado? Posso ajudá-la, seus cachos são lindos.

— Não são tão domáveis, Marie, mas muito obrigada por oferecer ajuda. E qual o problema da roupa?

Será que eles proibiam o uso de calça por aqui?

— Bom... As moças costumam usar algo mais elaborado, digamos assim, senhorita. Não que esteja ruim!

Observei a cara da senhora, quase como se pedisse desculpa, e balancei a cabeça. Pouco importava, eu gostaria mesmo de extrair o máximo de informação de meu padrinho – que parecia fugir de mim. Após minha chegada, conheci meu quarto e acabei pegando no sono, e ainda jantei no próprio quarto com bandeja que tinham deixado, então não voltei a vê-lo.

— Marie, o senhor Jean está?

Perguntei enquanto seguíamos para a sala de jantar.

— Não, senhorita Serena, ele teve um compromisso muito cedo e precisou se ausentar, porém me deixou ordens para que a levasse para conhecer a cidade.

Tenho certeza que bufei com seu comentário porque Marie me olhou de soslaio como se recriminasse. Eu não conseguia entender por que tudo aquilo estava acontecendo, não eram somente férias que meu pai tinha me deixado e eu continuava preocupada com seu paradeiro, então precisava forçar meu padrinho a falar.

Mas ele estava se saindo melhor do que eu nesse jogo.

— Está servido o café.

Eu me sentei à mesa e definitivamente precisava me acostumar com as refinarias daquele ambiente. Pior, se era assim dentro de casa, imagine por fora. 

Estremeci ao pensar que não estava livre do tal passeio pela cidade porque Marie permanecia de guarda ao meu lado e parecia assustadora em me forçar a acompanhá-la no dia.

—*-*-*-*-*-*-*-*-*

Depois de observar cada transeunte monegasco – descobri que essa palavra se referia aos habitantes de Mônaco logo após Marie me repreender em uma sorveteria, como se eu devesse saber -, eu estava decidida a vetar entrar em qualquer lugar, pois saberia que me sentiria humilhada em minhas vestes. Por que todo mundo tinha que vestir vestidos deslumbrantes, como se fossem para festas em pleno dia? E pareciam estar sempre sorrindo. Claro que isso se devia a exorbitante quantidade de paparazzi que circulavam nas ruas.

— Senhorita Serena...

— Só Serena, Marie, eu te trato só pelo nome, pode fazer o mesmo. – eu a interrompi pela enésima vez. – E não me venha dizer que é por respeito!

Marie assentiu, envergonhada.

— Certo, Serena. Por que não entramos aqui? – ela apontou para uma loja de vestidos. – Seu padrinho disse que podíamos levar qualquer coisa que a senhorita quisesse e não se preocupasse com nada.

Marie estava ciente de minha existência como afilhada do senhor Jean Burnier quando tivera uma conversa com ele antes de ir me conhecer, e em sua fala entendi o que estava implícito sobre eu não me preocupar com o dinheiro.

— Er... – eu ia fugir de mais uma loja. – Não sei por que me senti cansada, Marie, por que não vamos para casa e esperamos meu padrinho chegar?

Torci para que a Marie durona não aparecesse – ela era bem severa e persuasiva nessas horas -, porém ela não cedeu.

— Serena, será ótimo vê-la com novas peças, a senhorita não irá passar um tempo conosco? É bom que poderá guardá-las.

Parei. O pior é que ela estava certa. Eu não sabia como entrar em contato com meu pai, e suspeitava que meu padrinho também não. Meu pai quem faria o primeiro contato porque não sabíamos como fazê-lo, então iria ficar ali o tempo que ele decidisse. E infelizmente eu sentia que poderiam ser infindáveis dias.

Ao entrarmos na loja, quase tentei me esconder atrás de Marie quando a vendedora se aproximou e me mediu dos pés a cabeça.

— Marie! Que bom voltar a vê-la! O que a traz aqui?

A vendedora parecia conhecer Marie e deixei que conversassem enquanto eu me escondia, porém quando ia sentar em um banco ao lado da porta, assustei-me ao essa ser aberta.

— Cuidado! – uma voz risonha soou ao mesmo tempo em que os braços de uma garota puxaram os meus que quase iam para chão depois do meu salto do banco. – Você pode mesmo cair da próxima vez.

Tentei rir para afastar a vergonha porque todos pareciam olhar para mim, inclusive as novas três pessoas que tinham entrado na loja. As três moças pareciam muito jovens, eu chutaria quase a minha idade para elas, e estavam muito arrumadas.

— Oh, você é nova por aqui! – a garota que me ajudou disse. Um sorriso receptivo brincava em seus lábios e sorri de volta.

— Sou sim. Serena Kane.

— Prazer, Serena. Sou Victorine Beaumont, mas pode me chamar de Vic. – ela me estendeu a mão.

Victorine era mais alta que eu e ruiva, com pesados e longos fios pendendo pelas costas.

— Como minhas amigas não se apresentaram, farei isso por elas – Victorine tornou a falar e apontou para a jovem morena ao seu lado. – Esta é Michele Marc.

Michele tinha uma pele cor de mogno que brilhava e contrastava com seus dentes alvos e me deu um caloroso sorriso, também estendendo a mão.

— E essa é...

— Sou Blaire. – a outra garota se interpôs a Victorine, sem me estender a mão. – Blaire de Rohan, da casa ducal de Valentinois.

Levei uns cinco segundos para processar a informação da garota loiríssima e arrogante à minha frente. Blaire Tenho-todos-os-títulos me virou o rosto e se dirigiu à vendedora que outrora estava falando com Marie.

— Querida, viemos aqui para buscar nossos vestidos para a festa de hoje à noite da Vossa Alteza Alexandra.

Eu devo ter ficado com uma cara tão confusa que Marie reapareceu ao meu lado e cochichou:

— Presumo que não saiba, querida, que este principado abrange a maior parte das casas reais francesas, principalmente as maiores.

Era só o que me faltava. Eu estava presa em um local com um monte de gente que era hierarquicamente dividido, e eu era o quê mesmo?

Bufei e atrai o olhar de Victorine, a única que tinha ficado quando a vendedora entrou com Blaire e Michele.

— Oh, Serena, me desculpe pelo jeito de Blaire, ela não consegue ser tão sociável...

Minha língua coçou para responder que a tal Blaire devesse ser somente sociável com pessoas que aparentavam algum título maior que o dela, mas me contive.

— Deixa pra lá, Victori...

— Vic! – ela me interrompeu. – Pode me chamar de Vic. Você é turista, Serena? Nesse lugar pequeno costumamos saber de todos que residem.

— Pode dizer que sim. Estou temporariamente.

— Ela é afilhada do senhor Burnier, senhorita Beaumont – Marie se antecipou. – Está sob tutela dele por um tempo.

— Oh, senhor Burnier! – Victorine aparentou um súbito respeito e me perguntei se por acaso meu padrinho tinha algum título como essas garotas aparentavam. Se bem que ele não tinha nada pendurado em sua parede, ao menos, e não deveria?

 – Então estará na festa de hoje, Serena?

— Bom, eu nem sabia que...

— Estará sim, senhorita Victorine! Serena até veio providenciar um vestido para ir à festa!

Ao ouvir Marie interpolar minhas informações me deixou confusa. Por que raios ela queria transparecer que eu estava por dentro de tudo? E como assim festa?

— Que bom ouvir isto! Poderemos nos conhecer melhor lá, então, Serena, foi um prazer conhecê-la! – Victorine disse. – Agora preciso ir. Mande lembranças ao senhor Burnier, Marie!

Quando ficamos apenas Marie e eu, não pude evitar perguntar que festa era aquela e por que eu iria.

— Seu padrinho comentou sobre uma festa que estava há muito marcada, Serena, desculpe não dizer, achei que ele próprio quisesse dar a notícia – ela corou. – Mas já que estamos aqui, poderíamos realmente ver um vestido para a senhorita, pois suspeito que não tenha trago algum.

Bem, ela estava certa, mas eu não precisava dizer em voz alta.

— Eu não sei porque você e Jean ficam me escondendo informações. Ele pelo menos irá comigo a essa festa?

— Irá, sim, senhorita. Podemos escolher um do seu agrado?

Percebi que Marie estava animada para me ver provar diversos vestidos pelo resto da tarde, mas eu só pensava que poderia ir a tal festa e finalmente ter um momento com meu padrinho sem que ele pudesse fugir.

Eu iria arrancar algo dele naquela noite.

 


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