Herança Real escrita por TessaH


Capítulo 24
Irá Chover




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/717075/chapter/24

 

 

Capítulo 22

Encarei o homem à minha frente, perplexa por suas palavras.

— Como assim casa? Depois de todo esse tempo, você acha que é só chegar aqui, dizer isso e sair me levando, pai?! Eu não sou uma marionete! - explodi, com tantas emoções em erupção. - Afinal de contas, por onde esteve?

— Há muitas coisas que precisam ser ditas, Serena...

— Realmente! E por que não fala logo, pai? Você sumiu, não me disse nada, passei mais de um mês com desconhecidos e até no meu aniversário nem uma ligação eu recebo!

— Eu irei falar tudo para você, filha, se acalme..

— Eu estou calma! - berrei, e não condizia com o que eu afirmara, mas quem se importava? Aproximei-me de meu pai, detalhando-o com o olhar. - Por que está tão diferente?

— Não grite, Serena, não podemos ser vistos e isso é outra coisa que pretendo responder, mas por favor vamos sair daqui.

— Jean sabe que está aqui? Por que agora, pai? Por que precisamos nos esconder feito ladrões?

— Eu..- John suspirou e passou a mão sobre os olhos e depois a estendeu para mim. - Ninguém sabe que estou aqui, não avisei. Será que podemos sair?

— Quero respostas, John.

Eu soube que o afetou me ouvir chamá-lo pelo nome, mas eu estava magoada demais. Parecia que tudo se amontoava em cima de mim, meu pai fazendo toda minha vivência em Mônaco se transformar em pó, em farelos em nossos pés. O que eu tinha vivido ali? Uma epifania casual no meio de uma vida inteira?

E Conrad?

— Vou te dar todas elas, meu anjo, só... Me acompanhe.

Relutei e nesse intervalo de tempo, meu pai pareceu se sentir mal, pondo uma mão na cabeça.

— Está tudo bem?

— Não, está sim... Quero dizer, não precisa se preocupar, querida, foi só uma pontada. Vem.

Dei dois pequenos passos para segui-lo e consegui segurar seu braço. Estava tão diferente! Estava gelado e eu sentia seu osso, tão frágil quanto sua aparência... Meu pai não era assim.

— O que você tem? Não está normal, não como antes, eu sei que tem algo errado, John!

— Vou dizer, meu anj-

— Diga agora. Não quero esperar mais.

Eu estava decidida. Vai que éramos surpreendidos e não poderíamos continuar a conversa? Eu estava cansada de ficar no escuro, tinha ficado horas pensando em ganhar respostas de outras pessoas e agora tinha a única que podia me responder bem ali.

— Pode me falar.

— Mas eu já disse que não podemos ser vistos!

— Claro que podemos, somos pessoas normais! Eu estava na festa, inclusive teria que voltar!

— Mas eu não posso ser visto! - meu pai rebateu ferozmente e vislumbrei um pouco do homem que conhecia. Ele segurou a cabeça de novo, como se sentisse dor.

— Me fala o que você tem! Estou preocupada, caramba!

— Eu na... Eu estou... Passando mal, Serena...

Corri para amparar seu corpo antes que caísse sobre a relva. Mesmo ao anoitecer, sabia que ele tinha ficado lívido.

— Minha cabeça...

— Diga, pai, diga, não sei o que fazer. Vou chamar ajuda, Jean irá nos ajudar..

— Não! Não pode... Ninguém pode saber de mim, Serena...

— Por quê?! - eu estava apavorada, sem saber como lidar com a situação enquanto assistia à respiração de meu pai ficar ruidosa e dificultada.

— Eu tenho... Estou com câncer, minha filha, estou há um tempo, mas está nas fases finais e eu preciso falar a você...

Eu não podia acreditar. As palavras dele me atingiram e a ficha não caiu sobre eu ser a filha do cara que estava muito mal em meu colo.

— Vou chamar ajuda, vou lá dentro. - decretei, nem percebendo que as gotas que caíam no rosto de John eram minhas próprias lágrimas. Eu fingia que não notava o peso de sua declaração, não sabendo lidar com ela.

— Na-nao p-po-d-de... - ele tossiu, ficando ainda mais sem ar. Tossiu mais algumas vezes.

— Está ficando louco? Vou agora procurar por Jean e iremos a um hospital e você vai me contar essa história maluca e..

— Serena... há muito tempo eu fui banido... d-deste principado sob pena de prisão pe-perpétua se voltasse novamente... N-nao pode...

— O que?!

Que história era aquela? Meus olhos estavam esbugalhados, mais molhadas que uma tempestade e meu juízo pifou.

John estremeceu em meu colo e fechou os olhos.

— JOHN! NÃO!

Ele não podia morrer. Não podia. Não podia. Não podia. Ele era minha única pessoa, meu pai!

Sacudi fortemente seu corpo enquanto pensava que ele tinha mentido sobre uma doença tenebrosa para mim, tinha fugido e me afastado dele. Por acaso não queria que o visse?

Poxa, eu iria cuidar dele e não o abandonaria!

— Não, não, não, pai, de jeito nenhum!

Continuei sacudindo e até tentei uma massagem cardíaca até notar que ele respirava, mesmo que imperceptivelmente, porém estava desacordado.

Deus! O que eu ia fazer? Se aquela história de ter sido banido do lugar fosse verdade, eu não podia entregar meu pai à prisão, nesse estado, mas ia deixá-lo morrer em compensação?

Não conseguia pensar, minhas emoções caíam por meu rosto e não tinha ouvido o barulho de passos até perceber alguém ao meu lado.

— O que.. Serena?!

Se eu não estivesse engasgada em minhas próprias lágrimas, provavelmente conseguiria responder. Fiquei com medo de ser alguém que poderia ver meu pai e fazer algo com ele, mas levantei o olhar, tão embaçado que não distinguia muito.

— Serena, você está chorando! E quem é este?!

— M-meu... Precisamos de ajuda. – sussurrei, agarrando o corpo de John para me sustentar. Senti mãos frias me levantarem, embora eu tenha relutado para soltar meu pai.

— Serena! Sou eu, Pierre! Fale-me o que está acontecendo!

— E-eu... Ele... Hospital! – balbuciei e ia voltar a sentar no chão, mas Pierre não deixou.

— Não vamos ficar aqui sentados no jardim, pelo amor de Deus! Vou levá-los ao hospital, teremos um apoio melhor.

Concordei, pensando somente em John. Mas... E se o reconhecessem?

— Pierre... E-eu... Precisa me prometer algo. – eu só podia ser louca. Eu estava desesperada pedindo algo a um príncipe.

Mas que se dane, era por meu pai. Respirei fundo para parar de chorar.

— Este homem é meu pai, ele passou mal e precisa de ajuda, mas por motivos que desconheço, ele não quer ser visto por ninguém. – eu não podia confessar que meu pai tinha feito algo há muito tempo, tinha que me segurar nas expectativas da boa vontade de Pierre. – Por favor, eu sei que não me conhece, mas precisamos de ajuda! Será que poderia voltar e chamar Jean Burnier?

— De jeito nenhum eu deixaria você aqui sozinha nessa situação, Serena. E você não deve saber, mas houve há pouco tempo uma emergência nos limites do principado e meu pai levou uma comitiva de diplomatas, incluindo o ex-diretor Jean Burnier. Você é a afilhada dele?

— Sou sim. – murmurei, desapontada. – Eles já se foram?

— Foram em jatinhos e era urgente, sinto muito, não sei a previsão de volta.

— Eu preciso muito de ajuda, Pierre, me desculpa por pedir isso para você, mas é minha única solução. Existe alguma forma de você chamar um medico de confiança para ver meu pai?

Eu olhei para o corpo dele no chão, verificando se ainda respirava. As lágrimas queriam voltar, mas eu teria que resolver a situação.

— Serena, eu mesmo vou ajudá-los, não precisa se preocupar. Já que insiste em discrição, levarei vocês para uma ala privativa no hospital e cuidarei dos detalhes do sigilo e depois conversamos melhor, mas precisamos agir!

Eu quase desfaleci ali mesmo ao ouvir a proposta. Obrigada!, eu queria gritar, e acabei por tentar abraçar a enormidade que era o príncipe.

— Vamos logo, garota. – ele respondeu e sem esforço levantou meu pai, apoiando-o nos braços. – Pegue esta chave e vamos ao estacionamento.

Fiz o ordenado, com Pierre segurando o meu pai em meu encalço e segui para o carro preto indicado pelo príncipe. Ajustamo-nos e Pierre deu partida, na maior velocidade para o hospital enquanto eu estreitava meu pai em meus braços, rogando a Deus para que o mantivesse comigo.

{...}

O cansaço me dominava. Meus olhos estavam inchados e vermelhos, bem como o nariz. Ainda estava com as roupas da festa e não havia vestígio da felicidade que eu tinha sentido há pouco tempo na sacada do palácio.

Como nossa vida pode dar uma guinada gigantesca em minutos?

Meu mundo tinha se esfarelado. Meu chão, retirado abruptamente.

Ao chegarmos ao hospital, Pierre conduziu toda a situação enquanto eu chorava e segurava John. Parece que tínhamos entrado em um andar isolado e seguro de todas as outras pessoas, com profissionais igualmente confiáveis da coroa. Pierre ficou comigo quando a maca foi empurrada por enfermeiros e médicos para uma sala.

Como eu não pensava em nada, ter alguém ao meu lado era menos assustador do que encarar a situação sozinha, mesmo que não fosse intima de Pierre, mas já era imensamente agradecida por todo apoio, ainda que ele nem soubesse bem quem eu era, e foi isso que eu tentei dizer depois que já estávamos há uma hora na sala de espera.

— Não precisa agradecer, qualquer um faria isso na situação. E ainda bem que eu podia te ajudar, de fato. E você não é uma desconhecida, já sei um monte sobre você.

Ele me sorriu, passando uma segurança em seus olhos azuis que eu não conseguia alcançar.

Então, depois de duas horas decorridas, um médico entrou. Eu não conseguia levantar da cadeira, por isso Pierre levantou e colocou a mão sobre meu ombro, escutando tudo que o médico tinha a dizer. E somente algumas palavras entravam em meus ouvidos...

Câncer avançado... Paradas cardíacas e ressuscitações... Perda do consciente... Coma induzido indefinidamente.

O que aconteceria?

Depois das informações, fomos conduzidos até um quarto privativo no qual meu pai estava soterrado por equipamentos. Era difícil vê-lo ali, saber que seu corpo estava repousando dolorido, com certeza, e fraco. E era pior ainda saber que quem ele era, sua consciência, estava perdida.

Pierre me segurava pelos ombros enquanto eu chorava, olhando a cena e absorvendo as notícias que invadiram minha vida. Chorei até não saber o motivo de chorar, mas não cai porque mãos me seguraram.

Logo após minha crise, seu rosto entrou em foco. Fitou longamente meu rosto, com seus olhos azuis claríssimos.

— Você já pode conversar? Quero dar um tempo para você, mas precisamos conversar.

Não respondi, tinha ficado respirando e respirando na tentativa de parar de tremer. Quando consegui, arranhei as palavras pela garganta seca.

— Podemos.

— Venha comigo.

Pierre me empurrou para a sala ao lado, uma com sofás e poltronas, nitidamente uma espera infindável sobrevoava os ares dali.

— Vou buscar água para você e pode usar aquele banheiro para lavar o rosto, tudo bem? É só respirar fundo e andar, depois você senta ali. É rápido.

Então eu obedeci aos comandos. Rumando roboticamente para o banheiro e lavei o rosto, tirando o rastro seco das lágrimas. E olhei para mim mesma.

E pensar que tinha me admirado no espelho hoje cedo, da mesma forma, e via agora duas pessoas distintas.

Quando sai, sentei-me ao lado de Pierre e bebi da água que me ofereceu e aliviou a ardência na garganta.

— Serena, você ouviu o que o médico disse?

— Ouvi, meu pai tem câncer e está em coma induzido, sim?

— Sim. Como eu sei que você é parente do Jean Burnier, tentei contatá-lo toda hora, mas não consegui, então passei o serviço para meus assistentes no palácio e quando tiverem resposta, nos notificarão.

Assenti.

— Eu sei que é muito difícil a sua situação e não queria deixá-la sozinha, Serena, mas algo maior me chama. Meu pai saiu da cidade então sou o príncipe regente até sua chegada. Você dá conta da situação até eu poder voltar?

Senti-me culpada por estar roubando o soberano de um principado com meus problemas, então tentei dispensá-lo.

— Vou conseguir ficar aqui, sim, Pierre, não se preocupe.

— Quer que eu a deixe na casa do Burnier? Pelo que sabemos, dificilmente a situação aqui mudará, sinto muito...

— Não, quero ficar aqui por enquanto. Eu não via meu pai faz tempo. – sentenciei, decidida.

— E o que posso fazer para ajudá-la? Entendo sua vontade e não vou contrariá-la.

Tentei fazer a mente funcionar mais rápido, desviando os pensamentos da sala ao lado.

— Pode, por favor, notificar à casa de Burnier sobre minha estadia fora? Avise somente que estou na casa de Victorine Beaumont.

Eu sabia que soaria estranho para Marie, principalmente, mas não estava pronta para lidar com questionamentos.

— Claro que sim. Vou trazer algumas coisas para você também, tudo bem? Sei que não tirará o pé daqui.

Observei o príncipe e tentei transmitir em meus olhos minha gratidão exorbitante.

— Não me agradeça. E saiba que seu pai estará nas melhores mãos do país e no sigilo, também, ninguém saberá de nada.

Eu não entendia como ele, como líder do lugar, ainda não duvidava da minha enorme súplica para manter meu pai às sombras, mesmo que Pierre tivesse afirmado que não teria como duvidar de uma amiga do próprio primo, já que confiava no outro.

— Obrigada.

Ele não respondeu, mas afagou minhas mãos.

— Solidarizo-me com sua dor, Serena.

— Se continuar assim, será um soberano exemplar. – afirmei e o vi soltar um sorriso de canto.

— Eu voltarei, certo? Posso falar a Conrad sobre isso? Sei que será mais um apoio para você, mas só o farei se concordar.

Deixei-me, pela primeira vez durante aquele tumulto, pensar profundamente sobre Conrad. E percebi que sentia falta dele. Se tinha confiado nele outros segredos, esse certamente poderia também. Mesmo que tivesse mais lacunas do que eu pudesse preencher.

Anui e dei um último aperto nas mãos do príncipe antes que ele se fosse.

{...}

Ao ficar sozinha no primeiro dia com meu pai, percebi que a parede que separava a sala-quarto do meu pai era de vidro, com uma persiana caso quisesse privacidade. Porém em relação ao corredor, eram parede e porta normais. Permaneci com o olhar fixado na cama de meu pai, a persiana aberta por completo,  até adormecer no sofá.

Acordei quando a luz do dia já brilhava pela janela, o contato com meu pai tinha sido fechado e Pierre, chegado.

O príncipe afirmou que já estava na hora no almoço e trouxe uma mala para mim. Fiquei bem admirada ao notar produtos higiênicos e algumas roupas.

— Trouxe do palácio e mandei arrumarem roupas, me desculpe se o número não for o certo.

Eu tinha uma dívida enorme com esse cara.

Guardei meu vestido de festa e todas as jóias, tomei banho e coloquei uma blusa com manga comprida com uma calça e acabei por ceder ao pedido de Pierre para irmos comer.

— Eu não sei se já te falei, mas você não precisa se preocupar em comer por aqui. Ao fim do corredor tem um refeitório e tudo é custeado pela coroa, então nem se importe. Eu dei meu aval.

Era estranhíssimo afirmar isto, mas Pierre estava sendo meu alicerce.

Ao fim do dia, quando ele não pôde mais adiar sua estadia comigo no hospital, precisou se ausentar e eu disse que não me importaria. E era verdade, eu já estava muito agradecida por tudo que ele fazia, então podia compensar ficar sozinha. E ainda era bom para pensar em tudo.

E em nada, ao mesmo tempo.

Eu me torturava com perguntas infinitas que dirigia ao meu pai e conjecturava infindáveis respostas, porém esse era só um jogo perigoso. Eu ficava presa nos dilemas, me torturava, me sentia desamparada e depois desabava no choro.

Eu não sabia nem se tinha mais água para jorrar dos meus olhos.

Na primeira noite, ele veio.

Eu estava deitada no sofá, com a televisão desligada, a persiana aberta e podia jurar ouvir o barulho do monitor cardíaco do outro quarto. Conrad abriu de supetão a porta, com os olhos varrendo o cômodo e seus ombros caíram a me ver.

Correu e puxou meu corpo para seu abraço.

Eu fiquei confusa, sem saber como lidar com a situação, porque ele fora o cara com quem tinha dividido o momento mais especial da minha vida e não estava no clima de felicidade de outrora. Como se estivéssemos ligados pelo mesmo desespero, ele só me apertou forte.

Murmurou 'graças a Deus' tantas vezes que perdi a conta. Beijou-me a testa ternamente até acalmar a si próprio e voltar a respirar normalmente.

— Me desculpa, sereia, por não ter vindo antes. Minha mãe me encheu de coisa desde a saída de tio Louis, cuidamos de tudo, tive que cuidar da mansão, meu pai foi embora, minha mãe ficou louca e não pude vir mais cedo.

O jorro de palavras me atingiu e franzi o cenho.

— Não precisa se desculpar, conseguimos lidar com o problema. Mas... O que você disse?

Conrad sentou ao meu lado, levando-me em um abraço de lado ao seu peito e suspirou.

— Após o baile, vimos uma carta de meu pai. Ele largou todas as responsabilidades da casa ducal, estava saturado, não se sentia da família e todas essas coisas que você não precisa escutar porque já tem problema demais. Então minha mãe começou a berrar e se desesperar, tive que cuidar de tudo.

— Sinto muito, Conrad. – cochichei, olhando-o com compaixão. Que tristeza ter que tomar para si as coisas dos outros.

— Não sinta, pequena, você já tem problemas demais. – ele plantou um beijo no alto da minha cabeça. – Dessa forma, demorei a vir. E Pierre só me contatou pela manhã, embora eu tivesse sentido sua falta pela noite.

Sem nenhuma resposta, eu só apertei Conrad em meus braços, sentindo a solidão ir se dissipando de meus ossos, um peso sendo tirado de meus ombros e o cansaço veio como um tsunami me tragando.

— Desculpe-me por tê-la deixado só. Meu coração doeu em saber pelo o que passou. Não vou deixá-la nunca mais.

Ouvi a voz de Conrad ao longe, à medida que caía em um raro sono  profundo e reconfortador.

{...}

Eu vivi as três semanas que se sucederam no hospital e já me acostumava com a situação de meu pai.

Conrad ficava comigo a maior parte do tempo ou reservava com Pierre, que fazia questão, embora tivesse compromissos maiores para lidar. E Conrad também tinha os dele, então eu o obrigava a me deixar sozinha, às vezes,  para que sua casa ducal não fosse prejudicada.

Eu tinha esclarecido a situação a Conrad assim que pude falar; contei-lhe do motivo de eu ter ido ao principado, como foi minha hospedagem, os motivos pelos quais sempre nos esbarramos,  até sobre a noite da chegada de meu pai. Inclusive, falei sobre a doença, deixando de lado só o fato de meu pai ter comentado sobre sua proibição no principado, por motivos desconhecidos por mim. Afinal de contas, nem eu entendia aquilo. Existia algum lugar onde poderíamos ter uma lista de pessoas banidas e seus motivos? Eu queria muito saber mais sobre aquilo, e a única pessoa que podia me contar era Pierre, mas eu tinha medo de falar a qualquer um.

Eu tinha conseguido ir para casa e expliquei generalizadamente para Marie sobre a saída de Jean e a volta de meu pai, que repousava em um hospital bancado por um amigo. E Jean, ainda estava às escuras. Pedi para que Marie fizesse contato com ele todos os dias e me retornasse caso tivesse notícia.

Na primeira semana, Conrad pediu para que eu falasse com Vic, visto que a garota o perseguia todos os dias querendo saber meu paradeiro. Cedi ao pedido e pedi para que ela viesse ao andar privativo. Falei a mesma coisa que disse a Marie, e Vic entendeu e me deu apoio. Trazia-me roupas e suplementos, além de me fazer companhia. A ruiva tentava a todo custo me fazer rir e esquecer o problema na sala ao lado e depois de dias resistindo, me permiti relaxar ao lado dela quando tínhamos a oportunidade.

Em algum dia, Vic trouxe revistas e fez questão de folheá-las ao meu lado, laçando comentários sobre os vestidos que me divertiam.

— Aliás, Serena... Olha só esta página!

Ela abriu em uma imagem na qual eu trajava o vestido do amigo inglês do fotógrafo James, e ao lado estava ela com seu modelo do mesmo.

— Nós estamos como modelos dele. Fez muito sucesso em Londres, e ele nos mandou uma mensagem agradecendo bastante.

Eu sorri. Era bom ajudar alguém.

— Quer dizer que viramos modelo do cara? – brinquei.

— Mais ou menos. – ela riu. – Estamos sendo papo na alta e baixa rodas como exemplos!

Eu ri da euforia de Vic e percebi que tinha sentido falta de seu jeito.

— Você sabia que o principado é conhecido pela corrida internacional de fórmula 1?

Balancei a cabeça, negando.

— Pois é, querida! E o príncipe dá o maior incentivo, afinal ele sempre ganha todo ano.

Surpreendi-me.

— Pierre é piloto?!

— Sim! E tem uma enorme fama, por isso semana que vem ele ganhará de novo, com certeza, e fará uma festa em comemoração.

— Nossa... Não sabia. Eu tenho medo, é bem rápido.

Vic riu.

— Mas é empolgante, confesse. Ainda mais nas ruas sinuosas desses morros!

Olhei de soslaio para Vic, tirando sarro dela e ela riu.

Terminamos a visita como sempre e fiquei sozinha, como desejava. Conrad tinha me ligado – ele vivia fazendo isso depois que tinha me obrigado a andar com um telefone – avisando que precisava muito terminar uns documentos em casa e pediu desculpas. Eu disse que entendia, e era verdade. Desligamos.

Fitei o visor com seu número e me perguntei o que nós tínhamos. Nossa amizade tinha evoluído para algo mais, trocávamos carinhos e beijos quando dava vontade e era reconfortante. Parecia um momento no qual nenhum dos dois queria ou iria refrear os desejos por causa do decoro, mesmo que não pensássemos nas consequências.

Eu gostava de estar com ele e ponto.

Deus! Eu adorava.

Ele fazia questão de me abraçar no sofá para que eu pudesse dormir tranquila. Dizia para mim que ia ficar vigilante ao menor movimento que fosse e iria me acordar caso precisasse. Nem de suas palavras eu precisava para me sentir segura, somente ao abraçá-lo já fechava os olhos e era o único momento do dia em que me sentia livre do fardo que uma tragédia traz.

A sintonia que compartilhava com Conrad ia além dos encaixes de nossos corpos, eu percebera. Na realidade, já sabia que nos conectávamos pela mente antes, quando amigos, mas nossos sentimentos e desejos também se ligavam. Se eu sofria, ele sofria junto. E vice-versa, por isso doía-me vê-lo sufocado com as questões de casa, mas ele não gostava de falar para mim porque não queria me sobrecarregar, dizia. Era uma ideia absurda, em minha opinião, porque eu desejava ajudá-lo, mas ele se negava e depois me distraia, sua vontade, pois, prevalecia.

Ficávamos entre o refeitório e o quarto privativo na maioria dos dias; assistíamos a filmes e conversávamos só para que eu não caísse em um torpor e chorasse.

 

It Will Rain - Bruno Mars - Cover Boyce Avenue

Se bem que eu tinha crises, ainda. Alguma vez, ela foi no meio do sono. Eu tinha pulado para longe dos braços de Conrad no sofá, arfando, e chorara na penumbra. Ele se sobressaltou, acordado, mas me prendeu firmemente e me embalou entre as lágrimas. E ao fim das águas, ele beijou meu rosto, limpando-o e me fez voltar a dormir.

E houve uma crise no banheiro. Eu tinha acabado de tomar banho e escovar os dentes, me olhava no espelho. A palavra câncer e morte brilhavam tanto em minha mente, em meus olhos, nas paredes... Meu pai caído, sangrando, passando por ressuscitações eram imagens que iam e viam em minha mente.

Ele não está melhorando, era o que a voz na minha cabeça gritava. Você vê o que ele passa todo dia, Serena, sangrando e sangrando, tendo espasmos do inconsciente de dor, tendo paradas e paradas, com o corpo tomado por uma gangrena e você vai assisti-lo definhar...

O choro foi um grito rasgado da garganta e acabei batendo a mão contra o vidro, estourando-o. Na mesma hora, os punhos de Conrad bateram violentamente na porta.

— Abra esta porta, Serena! – ele ordenava, mas eu não queria ouvir. – Abra logo!

Eu não podia. Sua única pessoa no mundo está morrendo, Serena, e  ela preferiu mantê-la bem longe, não acreditando que você pudesse ajudá-lo. O que você fez por ele, Serena? Repudiou-o e xingou-o durante todo tempo enquanto ele sofria e sofria, morrendo lenta e dolorosamente...

— Eu juro que vou arrombar esta porta, Serena! – Conrad voltou a gritar do outro lado. – O que aconteceu?! Responda-me!

Pelos gritos dele nos segundos que se sucederam, obriguei-me a levantar e destrancar a porta. Como um furacão, Conrad a empurrou e me viu no chão no banheiro. Seus braços me recolheram em um casulo quente e eu só podia chorar.

— Sereia... Sereia... – ele murmurava entre respirações fortes e nem sua voz me acalmava. Era impossível conter o fluxo ou a voz em minha cabeça. Minha mão latejava e Conrad percebeu que sangrava.

— Céus! Vamos cuidar logo disso.

Ele me colocou sobre a tampa do assento sanitário e pegou meu pulso para retirar uma lasca de vidro.

— Meu Deus, Sereia, assim você vai me matar.

Eu mordia meus lábios, tentando fazer a voz em minha cabeça se silenciar, pois meu desespero não atingia só a mim. O rapaz à minha frente se desmanchava em uma careta agonizante.

Agonia.

Era isso que eu estava causando a ele. Ele sofria por nós dois.

Tentei engolir a enorme bola que se formara na garganta e ignorar a ardência no nariz. Eu não podia dar mais sofrimento a ele.

Conrad limpava meu pulso cuidadosamente, os cabelos desalinhados, as grandes mãos trabalhando, delicadas.

Queria dizer a ele que eu estava passando por uma fase. Que eu não ia quebrar, que depois eu seria forte por nós dois como ele estava sendo no momento, no entanto... minha garganta estava bloqueada. Esse dia chegaria?

Ele levantou o rosto e percebi as olheiras debaixo dos olhos verdes que não brilhavam tanto quanto antes. Ele estava mais magro, um indício de barba estava visível.

 O que eu fiz com ele?

— Conrad... Sinto muito. – eu tinha sussurrado.

Ele terminou meu pulso e me levantou, levando meu queixo para olhá-lo.

— Você não precisa se desculpar por coisa alguma. Está sofrendo, eu no seu lugar também estaria. Mas você é forte.

Eu queria dizer que ele não precisava sofrer comigo, mas seria inútil.

— E eu estou aqui, com você. Aceite este fato, Serena. Se você vai passar por isso, vou estar aqui. Acabou.

Agarrei-me a suas palavras como uma raiz em um vendaval.

Ele estava ali para mim. E eu desejava, um dia, estar inteira para ele.

.

.

.

Muitas, muitas, muitas emoções! Lancem suas apostas sobre o que irá ocorrer! E queria fazer um pedido sobre sugestão de musica, porque eu curto uma e gosto de compartilhar também!

Esse capítulo ficou enorme, lindos e lindas, então espero que estejam vivos para ler isto aqui. Estou empolgadíssima com nosso rumo e já estamos na metade, na verdade mais na direção do derradeiro fim... É isso! Quero saber o que acharam! BEJOS

P.S.: MEUS PULSOS DOERAM POR ESSAS 15 PÁGINAS!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Herança Real" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.